tag:blogger.com,1999:blog-59538411513048587732024-03-13T15:52:19.352+00:00JurisprudênciaAmarelahttp://www.blogger.com/profile/08644441266825025059noreply@blogger.comBlogger25125tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-40946540433842423612008-05-04T18:25:00.001+01:002008-05-04T18:27:11.898+01:00Comentários à jurisprudência do Túnel do MarquêsAcórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14/9/2004<br /><br />Comentário<br /><br />Tendo em conta o recurso feito do entendimento dado em 1ª instância sobre a necessidade ou não da avaliação de impacto ambiental, este Tribunal procedeu a uma mudança substancial no entendimento dado no 1º acórdão sobre esta matéria.<br /><br />Assim considera este Tribunal que não será necessário á luz do art. 7º/b) do Anexo I do DL 69/00 ( na altura em vigor, entretanto alterado pelo DL 197/2005) a avaliação de impacte ambiental que fora defendido em 1ª instância.<br />Para tal, procede a uma distinção clara entre vias de circulação rodoviária inter-urbanas ( auto-estradas e estradas ) e vias intra-urbanas ( avenidas e ruas ).<br />Enquanto que as primeiras são sujeitas a AIA, com base no referido art.7º/b), as segundas já não estarão. De facto recorre a lei a uma espécie de lista, e com isso ao principio da tipicidade, não devendo ser alargado a casos não previstos no referido diploma.<br /><br />Contudo existirá sempre a cláusula aberta do art.1º/3 ( por oposição ao sistema de lista fechada do art.1º/2 ) ,que poderá consequentemente fazer com que este projecto fique também sujeito a AIA.<br />Contudo, esta cláusula aberta não se deve reconduzir a uma analogia de situações ( estaria aqui eventualmente em causa o art. 10º/1/h) do anexo 2 )com os casos referidos na listas do Anexo 1 e 2, pois ambos os preceitos são autónomos. Enquanto que um recorre ao principio da tipicidade, o outro recorre á análise, caso a caso, de projectos que poderão também estar sujeitos a essa avaliação, contudo, esta análise casuística tem algum grau de vinculação pois os pressupostos do exercício do poder discricionário estão plasmados na lei ( “…em função das suas especiais características, dimensão e natureza…”). Assim poderá ser alvo de critica a relação que o acórdão faz entre o nº 2 e 3 do art.1º, pois como que refere que a discricionariedade do art.3º deve ser feita em função de uma analogia com os outros projectos constantes do nº 2 ( anexos 1 e 2 ), como tal a fundamentação utilizada para legitimar a sujeição a AIA da parte relativa ao túnel parece incorrecta.<br />Apesar de se poder equacionar aqui o recurso à cláusula geral, se fundamentada com os pressupostos do art.3º, não se deverá é recorrer a qualquer analogia com os casos previstos nas listas dos anexos 1 e 2 para accionar a aplicação da cláusula aberta, pois gozam estes preceitos de autonomia, como tal, não se subsume esta situação á analogia feita com a alínea h) do art.10º do DL 69/00, não podendo, na minha opinião, ser esta a base jurídica para sustentar tal decisão.<br /><br />Assim, esta decisão confirma parcialmente o acórdão da 1ª instância embora sob “fundamentação distinta”, no que se refere á suspensão das obras nos trabalhos relativos ao túnel mas rejeita, a meu ver bem, que o caso se insira expressamente nos anexos do DL 69/00.<br /><br />Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24/11/04<br /><br />Comentário<br /><br />Este acórdão tem um objecto delimitado, pois incide sobre a confirmação parcial da decisão do Tribunal Central Administrativo.<br /><br />Discorda este Tribunal que a parte relativa ao túnel estará sujeita a avaliação de impacte ambiental por estar no âmbito de aplicação do art.10º/1/h) do anexo 2 do DL 69/00.<br />Refere esta decisão que o TCA cometeu um erro de julgamento, ao considerar que a aplicação do nº3 do art.1º do referido diploma depende de uma certa analogia com os projectos dos anexos 1 e 2, o que não só está errado como acaba também por retirar sentido útil e âmbito de aplicação à referida cláusula aberta.<br />Existe ainda outro problema que é saber em que medida é que um Tribunal se poderá substituir à administração no exercício do seu poder discricionário, pois esta não accionou a aplicação da referida cláusula. Considero esta interpretação a únca possível pois não cabe ao Tribunal avaliar, por manifesta falta de recursos técnicos e humanos, se a administração deveria ou não ter accionado a referida cláusula.<br /><br />Abordou ainda o STA a matéria da eventual aplicabilidade directa do art. 30 da Lei de Bases do Ambiente ao projecto. Entende este Tribunal que essa norma tem um carácter genérico, devendo ser os seus pressupostos de aplicação densificados por normas regulamentares, penso que esta interpretação será a mais conforme à lei, pois a norma tem um conteúdo programático, além de que o seu nº 2 refere expressamente que a sua densificação será efectuada por legislação complementar, como tal, penso que será de rejeitar a eventual aplicabilidade directa desta norma.<br /><br />Quanto ao argumento de que a regulamentação elaborada ao abrigo do nº 2 do art. 30 da Lei de Bases não foi a mais correcta, diz o STA que não pode “…definir, em vez do legislador, tal regulamentação, por a actuação deste Tribunal, em respeito da divisão constitucional dos poderes, se ter de reportar a parâmetros de juridicidade, onde se não incluiu o sindicar da margem de conformação legal que assiste ao legislador ordinário”.<br />Como tal afasta-se de qualquer decisão relativa ao mérito que o legislador teve quando procedeu à regulamentação do art. 30 da Lei de Bases do Ambiente.Subturma 12http://www.blogger.com/profile/08659893775573840567noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-5642156847933985442008-04-28T22:41:00.003+01:002008-04-28T22:48:34.093+01:00Comentário ao Acórdão TC n.º 544/01 (REN)1<em>. Objecto do Acórdão </em>
<br /><em>
<br /></em>No acórdão em análise, é suscitada a questão da inconstitucionalidade formal, orgânica e material das normas constantes do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março, que reviu o regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional (REN). Contrariamente ao pretendido pelo Recorrente, não é possível apreciar a conformidade constitucional de todas as normas constantes do referido Decreto-Lei. A decisão recorrida apenas aplicou as normas do artigo 17º, n.ºs 1 (em conjugação com o n.º 1 do artigo 4º e com a alínea d) do anexo II) a 6, do Decreto-Lei n.º 93/90, razão pela qual o objecto do acórdão se confina à apreciação da conformidade constitucional destas normas.
<br />
<br /><em>2. Inconstitucionalidade formal</em>
<br /></em>
<br />No entendimento do Recorrente, não legislando ao abrigo de uma qualquer lei de autorização legislativa ou em referência à Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87, de 7 de Abril), o Decreto-Lei nº 93/90 padece de inconstitucionalidade formal, já que decretou a disciplina jurídica da Reserva Ecológica Nacional ao abrigo da al. a) do art. 201º da CRP (actual art. 198º), isto é, mediante um decreto-lei independente.
<br />
<br />Sucede que, o n.º 3 do artigo 201.º da CRP não exigia que a invocação da lei de bases fosse feita num local preciso do diploma aprovado pelo Governo. Bastava que essa invocação fosse expressa, o que ocorreu no preâmbulo do diploma, quando se refere claramente “no seguimento do disposto no artigo 27.º da Lei de Bases do Ambiente”.
<br />
<br />Além disso, a alegada errada indicação da alínea ao abrigo da qual o Governo exerceu a sua competência legislativa, aquando da aprovação do Decreto-Lei n.º 93/90, não gera inconstitucionalidade formal, redundando tal vício em mera irregularidade.
<br />
<br /><em>3. Inconstitucionalidade orgânica</em>
<br />
<br />O Recorrente invoca que o supracitado diploma legal e em particular os seus artigos 3.º, 4.º e 17.º enfermam de inconstitucionalidade orgânica por regularem matéria atinente a direitos, liberdades e garantias sem terem sido precedidos da necessária autorização legislativa da Assembleia da República, violando desse modo o artigo 165.º, n.º1, alínea b), e n.º 2, da CRP, por referência aos artigos 62.º e 17.º do diploma fundamental.
<br />
<br />Segundo o Tribunal Constitucional, o Governo apenas necessitaria de autorização legislativa para estabelecer o regime da REN, se a Assembleia da República não tivesse aprovado, em data anterior, a Lei de Bases do Ambiente.
<br />
<br />Ora, o Recorrente ignorou que este diploma surge no seguimento do disposto no artigo 27.º da Lei de Bases do Ambiente (como aliás resulta expressamente do preâmbulo). Trata-se, na verdade, de um Decreto-Lei de desenvolvimento daquela Lei, que se mantém dentro dos seus princípios fundamentais e que não dispõe sobre matéria abrangida na alínea b) do n.º 1 do referido artigo 165º, motivo pelo qual o vício invocado é improcedente.
<br />
<br /><em>4. Inconstitucionalidade material </em>
<br /><em>
<br /></em>O Recorrente advoga ainda que o regime da REN configura uma clara limitação do direito de propriedade, contemplado no art. 62.º da CRP.
<br />
<br /></em>O direito de propriedade, como direito constitucionalmente garantido, sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias ex vi do artigo 17.º da CRP, não é um direito absoluto, antes comporta restrições necessárias à defesa de outros direitos e interesses com igual consagração constitucional. Haverá, pois, que conjugar o poder de gozo do bem objecto do direito de propriedade com uma das tarefas fundamentais do Estado, plasmadas na alínea e), do artigo 9.º, do texto constitucional: “Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território”.
<br />
<br />De facto, hoje, o direito de propriedade está sujeito a limites intensos, sendo particularmente relevantes os que ocorrem no domínio urbanístico e do ordenamento do território, a ponto de se questionar se o direito de propriedade inclui o jus aedificandi (direito de construir) ou se este radica antes no acto administrativo autorizativo (licença de construção).
<br />
<br />A discussão sobre se o jus aedificandi ou direito de construir faz ou não parte integrante do direito de propriedade privada tem motivado acesa polémica doutrinária. De um lado, encontramos Autores que integram o direito de construir no âmbito do direito de propriedade privada. Do outro lado, encontramos Autores que consideram que o direito em causa é concebido como uma faculdade conferida pela Administração através de um acto jurídico-público.
<br />
<br />Segundo Alves Correia, a controvérsia caracteriza-se, muito sinteticamente, do seguinte modo: o direito de propriedade privada garantido constitucionalmente inclui, como suas componentes essenciais, o “direito” de urbanizar, de lotear e de edificar, estando apenas o exercício daqueles “direitos” dependente de uma autorização permissiva da Administração Pública? Ou, ao invés, aqueles “direitos” não se incluem na garantia constitucional da propriedade privada, sendo antes o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico urbanístico, designadamente dos planos?
<br />
<br />A tese dita privatista considera o jus aedificandi como um elemento da liberdade de utilização da propriedade garantida constitucionalmente, apresentando-se, por isso, como uma consequência directa do art. 62º, nº1, da Constituição. Revelam-se importantes no sentido da inclusão do jus aedificandi no direito de propriedade do solo os art. 1305º, 1344º, 1524º, 1525º e 1534º, todos do Código Civil.
<br />
<br />A tese dita publicista nega a inclusão da faculdade de construção no conceito jurídico-constitucional de propriedade privada, vendo nela uma concessão jurídico-pública decorrente do sistema de atribuição do plano urbanístico. De acordo com Alves Correia, o vulgarmente designado jus aedificandi não é uma faculdade que decorre directamente do direito de propriedade do solo, antes é um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário, nos termos e nas condições definidos pelas normas jurídico-urbanísticas, em particular pelos planos dotados de eficácia plurisubjectiva.
<br />
<br />A jurisprudência constitucional tem sufragado a posição de que o direito de construir se encontra dependente de um acto de natureza jurídico-pública. Assim, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 341/86 afirmou-se que “no direito de propriedade constitucionalmente consagrado contém-se o poder de gozo do bem objecto do direito, sendo certo que não se tutela ali expressamente um jus aedificandi, um direito à edificação como elemento necessário e natural do direito fundiário”. Nos Acórdãos nº 329/99 e nº 517/99, o mesmo tribunal reafirmou “que os direitos de urbanizar, lotear e edificar não fazem parte da essência do direito de propriedade, tal como ele é garantido pela Constituição”. Esta posição é também defendida no Acórdão sub judice.
<br />Segundo o Tribunal Constitucional, quem entenda que o jus aedificandi não se inclui no direito de propriedade privada, há-de concluir que o Governo, ao editar as normas em apreciação, não invadiu a reserva parlamentar estabelecida na alínea b) do n.º 1 do artigo 165º da Constituição, dado que não editou normas sobre o direito de propriedade privada.
<br />
<br />Mais acrescenta que ainda que se entenda que os direitos de urbanizar, lotear e edificar assumem a natureza de faculdades inerentes ao direito de propriedade do solo, há que reconhecer que não estão em causa faculdades que façam sempre parte da essência do direito de propriedade, tal como ele é garantido pela Constituição, pelo que o Governo, ao editar as normas em apreciação no presente recurso, não invadiu a referida reserva parlamentar. Pois, tal reserva abrange apenas as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos direitos análogos, por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a actuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias.
<br />
<br />A argumentação do Tribunal neste ponto suscita-nos algumas reservas. Julgamos que, para quem entenda que o direito de construir integra o direito de propriedade, qualquer restrição a este direito integraria a reserva de competência relativa da Assembleia da República.
<br />
<br />Por um lado, e em síntese, quando se entenda que o jus aedificandi não faz, sequer, parte integrante do direito de propriedade, por não ser uma das faculdades em que ele se analisa, a proibição de construir num determinado solo, em que antes a edificação era possível, não se traduz nunca em qualquer compressão ou restrição de tal direito. Nessa medida, a sujeição a aprovação das operações de loteamento em certas áreas sujeitas ao regime transitório da Reserva Ecológica Nacional, se se entender que não traduz qualquer restrição do direito de propriedade, nem sequer coloca o problema da ofensa dos preceitos e princípios constitucionais apontados pelo recorrente.
<br />
<br />Por outro lado, quando se entenda que o direito de construir é uma dimensão do direito de propriedade, as proibições de construção impostas pela Reserva Ecológica Nacional e, naturalmente, as limitações e condicionamentos por ela impostos ao direito de edificar, resultam da necessidade de resolver as situações de conflito entre o direito de propriedade e as exigências de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico.
<br />
<br />De facto, o direito de propriedade, não sendo um direito absoluto e ilimitado, é condicionado pela necessidade de concretizar outros interesses públicos constitucionalmente protegidos, como seja o interesse ambiental. É, pois, necessário fazer uma ponderação casuística dos interesses em presença, à luz dos princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade, prossecução do interesse público e boa administração.
<br />
<br />Consideramos que as proibições de construção imposta pela REN e as limitações e condicionamentos que esta impõe ao direito de edificar, ainda que restrições ao direito de propriedade, são justificadas e conformes à tutela da propriedade privada e aos princípios constitucionais, não podendo, por isso, ser havidas como inconstitucionais.
<br />
<br />Subturma 11http://www.blogger.com/profile/06128454361777716469noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-41472054163266047942008-04-28T01:03:00.002+01:002008-04-28T01:07:13.013+01:00Acórdão Landelijke VerinigingPodem encontrar o Acórdão do TJCE Landelijke Veriniging, Proc n.º 127/02, <strong><a href="http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:62002J0127:PT:HTML">aqui</a>. </strong>Rui Lanceirohttp://www.blogger.com/profile/09386328026555862348noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-28238431421846755432008-04-22T02:04:00.010+01:002008-04-22T02:23:05.677+01:00Jurisprudência Túnel do MarquêsConforme referido nas aulas, eis os links para os três acórdãos relativos ao Túnel do Marquês:<br /><br /><strong><a href="http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/34bc1f21de766d7680256f6a0059ac7f?OpenDocument">Acórdão do STA (de 24 de Novembro de 2004)</a> </strong><br />Extracto disponível nas páginas 489 e seguintes do <em>Meu Caderno Verde</em><br /><br /><a href="http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/4d6ae1d1ff4f28ba80256f12004aa66d?OpenDocument"><strong>Acórdão do TCA-Sul (de 14 de Setembro de 2004)</strong><br /></a>Também disponível nas páginas 431 e seguintes do <em>Meu Caderno Verde</em><br /><br /><div align="justify"><strong>Acórdão do TAF Lisboa (de 22 de Abril de 2004) - </strong>Não há versão online, mas está disponível nas páginas 431 e seguintes do <em>Meu Caderno Verde</em></div>Pedro Delgado Alveshttp://www.blogger.com/profile/02017186165465663864noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-48386392722729331732008-04-19T21:39:00.004+01:002008-04-19T21:56:41.389+01:00O direito à Informação Ambiental em Portugal<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b style=""><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">O direito à Informação Ambiental<o:p></o:p></span></b></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Tendo definido o direito à informação ambiental como tema para este trabalho, a sua estrutura divide-se em três etapas: num primeiro momento passa por uma análise de um caso concreto através de um comentário ao Acórdão n.º 136/2005 do Tribunal Constitucional; em seguida, procura fazer-se um enquadramento legislativo do direito à informação ambiental, de uma perspectiva crítica; por último , conclui-se com o novo regime nesta matéria, a Lei 19/2006 <span style=""> </span>de 12 de Junho.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">I- Comentário ao Acórdão n.º 136/2005 do Tribunal Constitucional<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Como ponto de partida convém enunciar, sucintamente, a matéria de facto e de direito do Acórdão para melhor se perceber o alcance da sua decisão:<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">“.Em 3 de Setembro de 2001, a A. apresentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, requerimento de intimação do Primeiro-Ministro a facultar-lhe certidões referentes à totalidade do contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas do grupo B., incluindo os respectivos Anexos e estudos técnicos, de modo a permitir à requerente avaliar a incidência ambiental e concorrencial do projecto de implantação de uma unidade industrial em Esposende. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Em 15 de Março de 2002, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu o pedido de intimação formulado por aquela organização ambientalista, a quem reconheceu, embora, legitimidade para recorrer a tal meio processual acessório (apenas no que concerne às suas preocupações ambientais)[…]<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">A requerente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo, adoptando a tese, considerada e afastada na sentença, da inconstitucionalidade dos artigos 62.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo e 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, quando interpretados no sentido de imporem reservas ao direito de informação, para além do previsto no artigo 286.º, n.º 2, da Constituição.<br />Por acórdão de 23 de Maio de 2002, a 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso.[…]<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Recorreu então a referida organização ambientalista para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação das normas constantes “dos art.ºs 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, 10.º da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, tal como foram interpretadas e aplicadas pelo Douto Acórdão recorrido, isto é, no [sentido] de que fez prevalecer normas protectoras de segredo industrial, de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção em confronto com o direito à informação para protecção do ambiente, por parte de uma associação ambientalista; assim como no sentido de que não haverá, em caso de colisão, uma prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial; e, ainda, no sentido de que o Estado Português, por causa de tal protocolo, estaria vinculado contratualmente a uma obrigação de segredo, pelo que se violaria o princípio da legalidade.”<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">A título de alegações feitas pela recorrente gostaria de destacar as que, no meu modesto entender, assumem particular importância para a posição que se defenderá, e que contraria a decisão do acórdão em causa, como adiante se verá:<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">“A - Nestes autos está em causa a problemática da protecção do ambiente e,<br />B - reflexamente a defesa da vida, integridade física e moral das pessoas, incluindo a segurança,<br />C - nomeadamente na sua vertente da prevenção perante eventuais violações;<br />D - o que implica o direito à informação, como instrumento fundamental para o exercício daqueles direitos,[…]<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">H – Estamos perante normas em que está em causa a força jurídica dos direitos, liberdades garantias,[…]<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">J – As eventuais restrições a direitos deste género terão de ter em conta princípios constitucionais diversos, nomeadamente o da proporcionalidade e a exigência de respeito do seu núcleo essencial.[…]<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">L - os diferentes procedimentos existentes são o meios formais fundamentais para exercer o direito à informação, e para a consequente tutela dos mesmos direitos e interesses.[…]<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">V – Mesmo em caso de eventual colisão de interesses e/ou direitos, os de carácter não-patrimonial prevalecem sobre os de índole patrimonial, na sequência de entendimento (quase) unânime da Jurisprudência.<br />X – O direito ao ambiente é protegido constitucionalmente e insere-se nos direitos de personalidade.<br />Y – Com a recusa radical de prestar à Recorrente todas e quaisquer informações, o Recorrido e o Douto Acórdão em apreço estiveram a violar, pelo menos, o núcleo fundamental do DIREITO Z – Foram violadas as disposições dos art.ºs 9.º, 17.º, 18.º, 20.º, 24.º a 26.º, 35.º, 52.º, 66.º, 81.º, 90.º e 268.º da Const. Política, muito especialmente se verificando a inconstitucionalidade dos art.ºs 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, n.º 1 do [artigo 13.º do] D.L. n.º 321/95, de 28 de Novembro, 10.º da Lei n.º 8/95, de 29 de MarçoÀ INFORMAÇÃO em matéria de ambiente.[…]<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Tais normas, na dimensão interpretativa que lhes foi conferida pelo Douto Acórdão recorrido, violam os princípios e normas constitucionais do direito à vida (art.º 24.º), à integridade moral e física das pessoas, incluindo a segurança (art.º 25.º), ao ambiente e qualidade de vida (art.º 66.º), nomeadamente a faculdade de prevenção de tais violações (art.ºs 266.º e 268.º), traduzindo-se tal dimensão interpretativa na efectiva denegação de justiça.»<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Não obstante a esta argumentação ir ao encontro do que pensamos ser a maneira mais apropriada de abordar o problema em questão, nomeadamente, no que diz respeito à natureza jurídica do direito à informação ambiental e à possibilidade da sua restrição, numa perspectiva de colisão de direitos, outra foi a orientação seguida pelo Tribunal, que resultou na seguinte decisão:<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">“a) Não julgar inconstitucionais as normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro; […]”<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Para melhor se compreender o teor desta decisão terá de partir-se da fundamentação apresentada pelo Tribunal, analisando criticamente as premissas de que parte, procurando evidenciar quais as debilidades da sua construção, para o que a declaração de vencido do Conselheiro Mário Torres se revelará muito útil.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">No confronto de direitos aqui em causa, o direito à informação ambiental em oposição ao direito de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção ( mormente o segredo industrial), as normas restritivas do primeiro direito apresentam o seguinte conteúdo: “A Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas”, (artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março) ;“As informações relacionadas com operações de investimento estrangeiro não podem ser divulgadas sem autorização escrita dos seus intervenientes, excepto quando susceptíveis de conhecimento público”(n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro).<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Em primeiro lugar o TC apresenta como argumento:<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">“5.Quanto à norma do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95, e quanto à sua conformidade com o n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, invocou o Primeiro-Ministro, nas contra-alegações, que este Tribunal já se pronunciou “por diversas vezes, sendo que a doutrina que tem feito prevalência se encontra fixada no Acórdão n.º 254/99”, podendo o raciocínio “estender-se, sem esforço, ao n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro”.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Para se analisar esta conformidade torna-se imperioso definir, de forma apurada, o conteúdo do direito à informação ambiental presente no art.º 268º/1 e 2; na esteira do Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA consideramos que “os direitos de procedimento adquiriram mesmo estatuto constitucional”, ou seja, surgem numa perspectiva de “direito fundamentais como garantias de procedimento” o que reveste o duplo significado de:” por um lado, reconhecer que os direitos de procedimento podem assumir a natureza de direitos fundamentais, integrando a « terceira geração dos direitos do homem»”, na qual se enquadra o direito em análise, e “por outro lado, entender que a consagração de qualquer direito fundamental tem como consequência necessária a atribuição dos direitos processuais e procedimentais necessários para a sua protecção jurídica.”Apoiando-me nas palavras de FERNANDO CONDESSO, “o direito de acesso à informação administrativa não se reduz apenas ao âmbito dos dossiers ambientais, pois abrange, em princípio, toda a actividade administrativa.”, afirmando o mesmo autor, que “As questões ambientais têm, em termos de motivação de acesso, e tiveram, em termos de preparação das opiniões públicas para a exigência de transparência de processos dos poderes instalados, uma responsabilidade muito grande nas conquistas que o princípio da Administração Aberta tem vindo a fazer paulatinamente nos vários Estados.”<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Estamos em condições de afirmar, tal como o faz CARLA AMADO GOMES, que o direito de acesso à informação apresenta uma dupla dimensão:” subjectiva, na medida em que a informação e o acesso às suas fontes são essenciais para que o cidadão compreenda o fundamento e o limite dos seus direitos em face dos poderes públicos(268º/1 CRP);objectiva, porquanto o controlo da transparência da decisão administrativa depende da possibilidade de os cidadãos se informarem e serem informados sobre os passos do <i style="">iter </i>processual(268º/2 CRP).”, concluindo em seguida a Autora, “ o acesso à informação não só representa uma inversão da lógica de segredo tradicionalmente associado ao funcionamento da máquina administrativa, como e sobretudo, acresce à legitimidade da decisão por força da potencial abertura a um contraditório público.”<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Como podemos constatar no Acórdão em análise, esta lógica de segredo acabou por prevalecer, descurando essencialmente que este direito de informação ambiental se insere, estruturalmente, num Princípio da Publicidade ou Transparência da Administração, tal como definido por SÉRVULO CORREIA, pois “se a sustentabilidade da democracia depende do nível de informação dos cidadãos […]a sustentabilidade ambiental tem com o acesso à informação uma ligação estrutural.”, diz-nos CARLA AMADO GOMES.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">A conformidade dos preceitos em causa, tal como interpretados e aplicados pelo TC, com o direito em causa, com a dimensão que o apresentamos, afigura-se duvidosa, pelo simples facto, pensamos, de não se terem extraído as devidas consequências da natureza do direito de informação ambiental, pois este “assume, por si só, uma dimensão de participação política, que se traduz num simples desejo de estar informado sobre as intervenções, públicas e privadas, em bens de fruição colectiva.”, apresentando uma “inegável substantividade, constituindo uma forma de envolver o cidadão na cadeia de solidariedade intra e intergeracional.”, perfilhando CARLA AMADO GOMES a posição de JORGE MIRANDA<span style=""> </span>nesta matéria, que se apoia numa interpretação no<span style=""> </span>contexto do Estado de Direito democrático que conta entre as suas tarefas fundamentais<span style=""> </span>a da protecção do ambiente, dos art.º<span style=""> </span>9º/e), 66º, 20º/2, 37º, 48º, 268º/1 e2 da CRP, para afirmar este direito de informação ambiental.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Como segundo argumento do Tribunal convém ter em consideração o seguinte excerto:<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">“[…]falta demonstrar a necessidade e a proporcionalidade de restrições determinadas por situações de conflito em matéria de segredo comercial ou industrial, de direitos de autor ou de direitos de propriedade industrial, e de concorrência desleal, tendo em vista os critérios dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º[…]”<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Do enquadramento que se fez do direito à informação ambiental, como direito fundamental, a sua possibilidade de restrição teria necessariamente de passar pelos critérios de necessidade e proporcionalidade constantes do art.º18º da CRP, o que aparentemente foi efectuado pelo Tribunal, enunciando que nesta ponderação dos interesses em jogo se teria de atender ao caso concreto e às circunstâncias do mesmo, para que a restrição se pautasse pelos referidos critérios, como era jurisprudência constante do TC.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Neste ponto temos de atender a declaração de voto do Conselheiro Mário Torres, com a qual concordamos inteiramente, por melhor reflectir a natureza pública dos interesses em jogo e a natureza excepcional<span style=""> </span>que as suas restrições devem assumir, devendo efectuar-se uma verdadeira ponderação casuística, pois “ Só através de uma casuística ponderação, com vista a uma possível harmonização dos referidos direitos em causa, nomeadamente através do critério metódico do melhor equilíbrio possível entre direitos colidentes poderá ser solucionada a questão, dando a possível satisfação ao interesse invocado pelo requerente, sem desvendar ou violar a confidencialidade dos documentos que porventura contenham segredos comerciais ou industriais e se mostrem incorporados no processo em causa.” , o que determina que “ A aferição da confidencialidade dos documentos a que o particular pretende aceder deve ser feita em relação a cada tipo de documento em concreto[…]” <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Podemos assim concluir que o TC fez prevalecer de forma absoluta a restrição ao direito de informação ambiental, esquecendo a necessidade incontornável de conciliação entre os dois direitos, que só poderia ser feita através de um exame pormenorizado dos documentos em causa, tal como se verificou em Acórdãos anteriores, escudando-se através de uma clausula geral de segredo, que não permite, em cada caso, apurar que aspectos poderão não estar abrangidos pelo segredo, de modo a serem facultados a uma consulta pública, que contribua de forma eficaz para um princípio de Administração Aberta.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Na sua declaração continua o Conselheiro :” Este entendimento é constitucionalmente inadmissível. O tribunal não pode demitir‑se de efectuar a “ponderação casuística” exigida pelo princípio da proporcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos direitos fundamentais com o argumento de que o legislador ordinário – e muito menos a Administração, através da celebração de contrato com particulares – já teria optado pelo sacrifício total do direito à informação e pela supremacia ilimitada do direito do contraente particular ao sigilo do negócio. E saliente‑se que o que tem de ser comprovado é a justificação da recusa de acesso aos documentos e não o contrário (a inexistência de prejuízo relevante por causa da facultação desse acesso).”,ou seja, segundo este entendimento para podermos restringir direitos fundamentais constitucionalmente consagrados temos de atender a critérios constitucionalmente previstos! A simplicidade da afirmação acaba por ser enganadora pois demonstra num contexto mais amplo, na linha que se vêm defendendo, que o direito de informação ambiental se apresenta como essencial à participação do cidadão na tutela <span style=""> </span>do Ambiente, pois “ O interesse na preservação e promoção da qualidade dos bens ambientais pressupõe uma certa concepção de vida em comunidade, ou seja, é um interesse de realização comunitária, solidária, assente numa cidadania activamente empenhada no respeito e promoção da causa ecológica - uma ecocidadania.”, segundo as palavras de CARLA AMADO GOMES.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Em jeito de conclusão, e ainda com base na declaração de voto, pode referir-se que “Não se pode ignorar a importância decisiva que o acesso à informação ambiental tem para o efectivo exercício do direito e dever que a todos incumbe de defender um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, e do direito dos cidadãos de participação na prevenção e controlo da poluição e na correcta localização das actividades (artigo 66.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), da CRP), com expresso reconhecimento constitucional da legitimidade de intervenção, designadamente pela via da acção popular, das associações de defesa dos interesses em causa (qualidade e vida e preservação do ambiente), sendo avesso a toda a filosofia da defesa dos “interesses difusos” a consideração de que, no caso, bastaria a intervenção da Administração para assegurar a salvaguarda do interesse público.”<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Como último argumento <span style=""> </span>do TC a considerar neste comentário, temos:<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">“Caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos ambientais sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas, a propósito das quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre direitos da propriedade privada e da livre iniciativa, e a sua constitucionalidade, se se entender que essa normas não asseguram cabalmente os valores constitucionalmente protegidos.”<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Quanto a este argumento, podemos partir igualmente da declaração de voto do Conselheiro Mário Torres, que o considera “incompatível com a eficiente defesa dos valores ambientais, em que prevalecem os princípios da prevenção e da precaução”; subscrevendo esta afirmação, acrescenta-se, seguindo a orientação de VASCO PEREIRA DA SILVA, que se trata de uma “protecção jurídica de tipo antecipatório (anterior á eventual lesão), feita valer perante a Administração, e que não se substitui à tutela dos tribunais ( que funciona “a posteriori”) antes pode assumir um carácter preventivo da actuação destes.”<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Quanto a este ponto deve salientar-se outros dois aspectos: em <span style=""> </span>primeiro lugar o TC volta a falar em prevalência de um interesse sobre<span style=""> </span>outro, o que não se coaduna com o método de harmonização reconhecido pelo próprio Tribunal, essencial na resolução de conflitos de interesses desta natureza; em segundo lugar, o direito á informação, como forma de actuação preventiva, situa-se lógica e cronologicamente, num momento anterior à produção de danos ambientais, ficando seriamente comprometida a utilidade da participação do cidadão, ou seja, o exercício de uma ecocidadania, se essa informação apenas estiver disponível num momento posterior. Resumindo, como se poderá aferir<span style=""> </span>dos riscos para o Ambiente, de certo projecto, sem acesso atempado à informação? <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Como nota final, podemos dizer que nos inclinamos para a inconstitucionalidade dos preceitos supracitados, na forma como foram interpretados e aplicados pelo TC, pelos motivos já apresentados, mas primordialmente, pela forma como definimos o Direito de informação ambiental, com as consequências que isso acarreta em termos de regime constitucional, numa altura em que se fala de uma “Constituição Verde”.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">A fundamentação deste Acórdão terá ficado irremediavelmente marcada pela ausência, á altura do Acórdão de uma Lei como a 19/2006 de 12 de Junho, que regula o direito de acesso á informação ambiental, e pela total falta de referência à convenção de Aarhus, assinada em 25 de Junho de 1998,ratificada em 2003; instrumentos jurídicos aos quais mais adiante se fará uma mais completa abordagem, mas que podem, desde já, ser rotulados como fulcrais nesta matéria.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Espera-se, por isso, daqui em diante, uma consideração condigna dos interesses em causa e da sua importância, tendo em conta a panóplia de normas que agora regulam esta matéria, dir-se-ia, de forma generosa. <span style=""> </span><span style=""> </span><span style=""> </span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">II- Enquadramento legislativo do direito à informação ambiental (perspectiva histórica)<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Pode dizer-se que o nosso Ordenamento Jurídico nem sempre dispensou a devida atenção a esta matéria, começando por regula-la de forma genérica, desempenhando o Direito Comunitário e o Direito Internacional um papel fundamental no desenvolvimento dos regimes nacionais.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">A Comunidade Europeia despertou para a necessidade de consagração formal de um direito à informação ambiental em 1990, através da Directiva do Conselho 90/313/CE, de 7 de Junho, que obrigava os Estados a reconhecer o direito de qualquer pessoa singular ou colectiva a aceder à informação ambiental constante de documentos na posse das Administrações públicas sem necessidade de provar ou invocar nenhum interesse determinado; entre nós surgiu a <span style="">Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, a Lei de Acesso aos Documentos da Administração, que não foi especificamente, elaborada para transpor a referida Directiva, para a ordem jurídica interna, mas , já na parte final da sua aprovação, foi aproveitada pelo Parlamento, para cumprir a obrigação de transposição, com uma simples referência da intenção integradora, no então art.º 22º, dado que as soluções<span style=""> </span>da LADA iam, em todos os aspectos, para lá das tímidas exigência mínimas da Directiva, o que não deixou ,no entanto, de levantar <span style=""> </span>problemas quanto ao incumprimento da transposição, tendo-se colocado a hipótese de aplicação da doutrina do efeito directo.<o:p></o:p></span></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Outro factor que contribuiu para uma maior visibilidade desta matéria foi a projecção da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, apesar, de não ter a seu cargo a protecção do ambiente proferiu em 1990 duas importantes decisões nas quais, através da tutela da personalidade e apelando ao art.º 8º da CEDH, se alcançava uma tutela mediata do ecossistema. A doutrina viu nesta jurisprudência uma forma de sustentar, através da ligação ao art.º 10º da CEDH (liberdade e de ser informado), um verdadeiro direito de acesso à informação ambiental a que corresponde um dever estadual de a publicitar, sempre que a informação tenha relevância generalizada ou para um grupo numeroso de pessoas.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Com a criação da Agência Europeia para o Ambiente ( pelo REG. 1210/90, de 7 de Maio), com atribuições na área da recolha e tratamento da informação, a Comunidade dotou-se de uma estrutura permanente e centralizada de tratamento e difusão de informação ambiental.O direito á informação como componente de um <i>status activus processualis</i> ambiental revela-se também de forma particularmente clara<span style=""> </span>no princípio 10 da declaração do Rio de 1992.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Contudo o instrumento Internacional fulcral nesta matéria, seria a Convenção de Aarhus, resultante de esforços vindos da Conferência de Sofia, de 1995, acabando a Convenção por ser assinada em 25 de Junho por trinta e cinco Estados e pela União Europeia, e estando aberta à assinatura de todos os Estados membros da Organização das Nações Unidas, tornou-se o primeiro “instrumento universal de democratização das decisões sobre o ambiente”.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">A assinatura da Convenção de Aarhus pela União Europeia teve duas consequências fundamentais: a revisão da Directiva 90/313/CEE, através da nova Directiva 2003/4/CE, do Parlamento e do Conselho, de 28 de Junho e<span style=""> </span>a aprovação do Reg. 1367/2006, do Parlamento e do Conselho de 6 de Setembro, relativo à aplicação das disposições da Convenção no âmbito intra-comunitário.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";"><span style=""> </span>A Convenção de Aarhus visa harmonizar os pressupostos de exercício de três direitos: o direito à informação ambiental, o direito de participação e o direito de acesso àjustiça, afirmando-se nos seus considerandos iniciais ,“</span><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";">Considerando que para defender este direito e cumprir este dever, os cidadãos devem ter acesso à informação, ter direito a participar no processo de tomada de decisão e ter acesso à justiça em matéria de ambiente e reconhecendo que a este respeito os cidadãos possam necessitar de ajuda a fim de poder exercer os seus direitos;”, e também “Reconhecendo que, em matéria de ambiente, a melhoria do acesso à informação e a participação dos cidadãos no processo de tomada de decisão aumenta a qualidade e a implementação das decisões, contribui para o conhecimento público das questões ambientais, dá oportunidade aos cidadãos de expressar as suas preocupações e permite às autoridades públicas considerar tais preocupações;”.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoTitle" style="text-align: justify;"><span style="">Tendo a Lei nº 65/93, de 26 de Agosto sido alterada pela Lei nº 8/95 de 29 de Março e pela Lei nº 94/99, 16 de Julho, só com esta última alteração, pelo seu art.º 3º, se revogou o referido art.22º da primitiva Lei, desafectando a informação ambiental, em razão do seu objecto especifico, projectando assim para um futuro próximo a adopção de um diploma autónomo para o exercício daquele direito. A obrigação de transposição só parece ter sido tomada a sério com a aprovação da Directiva 2003/4/CE, que embora só em Junho de 2006, através da Lei 19/2006, veio criar o novo regime de Acesso á Informação Ambiental(LAIA).<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoTitle" style="text-align: justify;"><span style="">Mas antes de analisar brevemente este novo regime, é proveitoso aferir em ponto da situação estava Portugal no que concerne à Informação Ambiental, tendo em conta o quadro legislativo apresentado, nomeadamente na sua aplicação prática.<o:p></o:p></span></p> <p class="Default" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Baseado num estudo de Dezembro de 20</span><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">05, apresentado numa publicação produzida pelo Geota, Inde, IMVF, LPN, Oikos e Quercus, que demonstra os resultados para Portugal, a partir da aplicação da metodologia desenvolvida pela “The Access Initiative” (TAI), relativos à<span style=""><span style=""> </span>aferição do acesso à informação e participação em matéria ambiental, consistindo a </span>TAI numa coligação global de organizações de interesse público que colaboram para promover a implementação, ao nível nacional, dos compromissos de acesso à informação, participação e justiça em processos de decisão sobre matérias ambientais, podemos aferir que até esta data os resultados não eram os mais satisfatórios.<o:p></o:p></span></p> <p class="Default" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Reproduzem-se aqui<span style=""> alguns excertos desse estudo por se mostrarem elucidativos do tratamento que esta matéria tem recebido em terras lusitanas:<o:p></o:p></span></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">“<span style=""> </span></span><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif"; color: black;">Em geral, Portugal tem uma legislação actualizada e vasta assegurando o acesso e liberdade de informação. A grande dificuldade reside na observância de alguns destes direitos pela administração pública, ou devido a espaços de ambiguidade criados pelas leis que vão ter interpretações diferenciadas, criando dificuldades. Uma parte das dificuldades de observância das leis existentes está fortemente relacionada com um fraco nível educacional dos nossos recursos humanos. Aferir a implementação da legislação ambiental em Portugal é um elemento crítico, uma vez que o seu incumprimento é frequente, muito devido à parca, ou quase inexistente, fiscalização. <o:p></o:p></span></p> <p class="Default" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">No que diz respeito à área do acesso à informação, participação e acesso à justiça em matéria ambiental, os textos legais em vigor garantem estes direitos a todos os cidadãos num enquadramento mais abrangente do que o existente em vários países europeus. Esta diferença regista-se ao nível do acesso à justiça, uma vez que a legislação portuguesa dá o direito a cada cidadão de agir em nome do interesse comum. Ainda que tal direito esteja garantido, a ausência de recursos materiais e humanos para suportar a aplicação plena deste direito tem originado a sua parca utilização.<o:p></o:p></span></p> <p class="Default" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif";">Contudo, não obstante os direitos consagrados em Lei, é a sua implementação que se procura aferir através deste projecto, uma vez que, tal como noutras áreas do ambiente, as falhas de implementação são várias e bem sentidas no quotidiano das ONG portuguesas, particularmente as, especificamente, da área do ambiente[…]<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif"; color: black;"><span style=""> </span>Em termos dos principais resultados alcançados, há a salientar que, não obstante a legislação existente, perduram ainda lacunas relevantes para um pleno acesso dos cidadãos a informação de cariz ambiental com relevância para a sua qualidade de vida ou para o bem comum. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif"; color: black;">Os direitos de acesso à informação estão consagrados na Lei, mas é fundamental alargar o leque de informação que está à disposição dos cidadãos, particularmente, no que diz respeito a informação relativa a actividades de natureza privada – seja em situações de emergência, seja em situações de monitorização permanente. Esta maior abrangência no acesso à informação deverá ser robustecida pelo desenhar de uma estratégia de facilitação do acesso a essa mesma informação, alargando as iniciativas até agora desenvolvidas, que parecem apontar para a marginalização do acesso à informação de sectores que não dominem as novas tecnologias e/ou que não tenham ainda despertado para a importância que determinadas informações podem ter para a sua qualidade de vida. A informação, na sua componente de divulgação que apresenta na administração pública um carácter passivo, deve passar a um formato de informação activa, procurando atingir os diferentes públicos-alvo. A componente do acesso à informação é também uma ponte para uma maior transparência e fortalecimento da confiança dos cidadãos nas entidades, sejam elas de cariz público ou privado. </span><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";">Sendo a participação outra das componentes fundamentais para a construção de uma sociedade mais sustentável, os estudos de caso analisados permitem-nos concluir que a participação e inclusão de sugestões dadas pelo público e outros interessados são muitas vezes postas de parte ou omitidas das decisões finais. Por esta razão, muitos dos projectos, desenvolvimentos, estratégias e políticas apresentam lacunas consideráveis ou não se aplicam de modo adequado à situação ou empreendimento para que foram criados. É necessário que os processos de participação pública comecem a ser conduzidos de modo adequado pois só assim se poderão avaliar as várias vertentes, opiniões e sugestões, de modo a obter políticas, estratégias, planos e empreendimentos adaptados a cada situação. Embora os formatos mais passivos de participação sejam importantes numa fase informativa, são limitados no esclarecimento e envolvimento activo dos cidadãos. É fundamental implementar medidas que possibilitem esclarecer o cidadão e simultaneamente envolvê-lo mais directamente, co-responsabilizando-o. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";">Já no que diz respeito à terceira componente avaliada neste projecto – a capacitação – verifica-se uma tendência generalizada para a subvalorização prática do Direito ao Ambiente, apesar da sua afirmação legal, ao mesmo tempo que o Estado apresenta um muito deficiente investimento para a implementação prática dos princípios do acesso, ao nível da Administração e ao nível dos tribunais. A capacitação interna do Estado encontra-se, assim, muito subaproveitada enquanto instrumento de modernização da estrutura administrativa, bem como, de prática de aproximação entre a Administração de uma forma geral e os cidadãos. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";">Quando se analisa o processo de capacitação da própria sociedade civil, o cenário continua a ser muito deficitário, particularmente, quando analisadas as iniciativas levadas a cabo pelo Estado, mais concretamente, na área da educação ambiental. Mesmo o desempenhado das Organizações Não Governamentais obtém uma avaliação média, deixando ainda margem para importantes medidas de estímulo a uma sociedade civil mais atenta e activa. <o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";">Em suma, em Portugal o enquadramento legal para qualquer uma das áreas analisadas é interessante e capaz de contextualizar as diversas possibilidades de acesso à informação, participação e capacitação. Contudo, a sua implementação apresenta lacunas profundas que têm impedido um desenvolvimento mais sustentável de toda a sociedade portuguesa. <o:p></o:p></span></p> <p class="Default" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; color: windowtext;">Seria importante aplicar a metodologia TAI na categoria do acesso à justiça num projecto futuro, tendo em atenção que Portugal vive uma crise profunda na justiça em geral e, em particular, no ambiente, em termos de morosidade, recursos humanos e técnicos e eficácia prática das medidas.”<o:p></o:p></span></p> <p class="Default" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; color: windowtext;"><span style=""> </span>Com base nestes dados, podemos concluir que era uma necessidade vital para Portugal adoptar uma legislação específica nesta matéria e, sobretudo, desenvolver mecanismos que tutelem de forma adequada, os interesses aqui presentes, nomeadamente, ao nível da informação, participação e acesso à justiça ambiental, possibilitando aos cidadãos exercerem a sua ecocidadania.<o:p></o:p></span></p> <p class="Default" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; color: windowtext;"><span style=""> </span>Passados apenas seis meses após a publicação deste estudo, em Junho de 2006, Portugal criou um diploma específico sobre o acesso á informação ambiental, que se assume, em virtude da natureza Pública e colectiva do bem ambiente, como lei especial relativamente à pré-existente LADA, a qual é, sem embargo, de aplicação subsidiária (art.º 18º LAIA).<o:p></o:p></span></p> <p class="Default" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; color: windowtext;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="Default" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; color: windowtext;">III- Novo Regime do Direito à Informação Ambiental (Lei 19/2006 de 12 de Junho)<o:p></o:p></span></p> <p class="Default" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; color: windowtext;"><o:p> </o:p></span></p> <p class="Default" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; color: windowtext;">Tal como já foi referido , esta Lei surge como resposta à obrigação de transposição da Directiva 2003/4/CE, criando em Portugal um regime específico para a Informação Ambiental, tentando deste modo colmatar as lacunas apontadas no estudo supra mencionado; através de uma análise sucinta podemos ver até que ponto tais recomendações foram seguidas, de forma a alcançar os objectivos desejados.<o:p></o:p></span></p> <p class="Default" style="text-align: justify;"><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; color: windowtext;">De forma a tornar mais clara esta exposição, serão transcritos os artigos, seguidos de um breve comentário.<o:p></o:p></span></p> <table class="MsoNormalTable" style="width: 100%;" border="0" cellpadding="0" width="100%"> <tbody><tr style=""> <td style="padding: 0.75pt;"> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><b><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif"; color: black;"> “Artigo 5.º<br /> Divulgação da informação</span></b><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";"><o:p></o:p></span></p> </td> </tr> </tbody></table> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif"; display: none;"><o:p> </o:p></span></p> <table class="MsoNormalTable" style="background: white none repeat scroll 0% 50%; width: 100%; -moz-background-clip: -moz-initial; -moz-background-origin: -moz-initial; -moz-background-inline-policy: -moz-initial;" border="0" cellpadding="0" width="100%"> <tbody><tr style=""> <td style="padding: 0.75pt;" valign="top"> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";">1 - As autoridades públicas recolhem e organizam a informação sobre ambiente na sua posse ou detida em seu nome no âmbito das suas atribuições e asseguram a sua divulgação ao público de forma activa e sistemática, através, nomeadamente, de tecnologias telemáticas ou electrónicas, quando disponíveis. “<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";"><span style=""> </span><span style=""> </span><o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";">Neste artigo, consagra-se o carácter activo de dever de divulgação da informação por parte da Administração Pública, e não apenas o caractér passivo, de permissão de acesso á informação.<o:p></o:p></span></p> <table class="MsoNormalTable" style="background: white none repeat scroll 0% 50%; width: 446.4pt; -moz-background-clip: -moz-initial; -moz-background-origin: -moz-initial; -moz-background-inline-policy: -moz-initial;" border="0" cellpadding="0" width="595"> <tbody><tr style=""> <td style="padding: 0.75pt;" valign="top"> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><b><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif"; color: black;"> “Artigo 12.º<br /> Indeferimento parcial</span></b><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";"><o:p></o:p></span></p> </td> </tr> </tbody></table> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif"; display: none;"><o:p> </o:p></span></p> <table class="MsoNormalTable" style="background: white none repeat scroll 0% 50%; width: 100%; -moz-background-clip: -moz-initial; -moz-background-origin: -moz-initial; -moz-background-inline-policy: -moz-initial;" border="0" cellpadding="0" width="100%"> <tbody><tr style=""> <td style="padding: 0.75pt;" valign="top"> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">A informação sobre ambiente na posse das autoridades públicas ou detida em seu nome é parcialmente disponibilizada sempre que seja possível expurgar a informação abrangida pelos n.os 2 e 6 do artigo 11.º”<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Este artigo que surge como uma das três clausúlas flexibilizadoras dos fundamentos de recusa de acesso à informação ambiental, onde se estabelece o Princípio da Preferência da disponibilização parcial, sempre que a destrinça entre dados acessíveis e não acessíveis seja facticamente possível. Como nota adicional, convém referir que uma norma com este conteúdo servirá para diminuir o número de casos como o do Acórdão comentado, ou pelo menos, minimizar os seus efeitos.<o:p></o:p></span></p> <table class="MsoNormalTable" style="width: 100%;" border="0" cellpadding="0" width="100%"> <tbody><tr style=""> <td style="padding: 0.75pt;"> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><b><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif"; color: black;">“Artigo 15.º<br /> “Comissão de acesso aos documentos administrativos</span></b><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";"><o:p></o:p></span></p> </td> </tr> </tbody></table> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif"; display: none;"><o:p> </o:p></span></p> <table class="MsoNormalTable" style="background: white none repeat scroll 0% 50%; width: 100%; -moz-background-clip: -moz-initial; -moz-background-origin: -moz-initial; -moz-background-inline-policy: -moz-initial;" border="0" cellpadding="0" width="100%"> <tbody><tr style=""> <td style="padding: 0.75pt;" valign="top"> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";">1 - Compete à CADA zelar pelo cumprimento das normas constantes da presente lei.<br /> 2 - Nos casos de dúvida sobre a aplicação da presente lei, cabe à CADA dar parecer sobre o acesso à informação sobre ambiente, a solicitação do requerente ou da autoridade pública, nos termos da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 8/95, de 29 de Março, e 94/99, de 16 de Julho.”<o:p></o:p></span></p> </td> </tr> </tbody></table> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";"><o:p> </o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Constituindo a CADA um órgão de fiscalização administrativo, da correcta interpretação e aplicação da presente Lei, os seus pareceres deveriam revestir natureza vinculativa, de forma a garantir, sem mais a aplicação efectiva e eficaz da LAIA; contudo depois de recorrer a este mecanismo, o requerente não perde o direito de accionar judicialmente o órgão faltoso, através do processo previsto nos art.ºs 104º e segs do CPTA.<o:p></o:p></span></p> <table class="MsoNormalTable" style="width: 100%;" border="0" cellpadding="0" width="100%"> <tbody><tr style=""> <td style="padding: 0.75pt;"> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><b><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif"; color: black;"> “Artigo 16.º<br /> Taxas</span></b><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";"><o:p></o:p></span></p> </td> </tr> </tbody></table> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif"; display: none;"><o:p> </o:p></span></p> <table class="MsoNormalTable" style="background: white none repeat scroll 0% 50%; width: 100%; -moz-background-clip: -moz-initial; -moz-background-origin: -moz-initial; -moz-background-inline-policy: -moz-initial;" border="0" cellpadding="0" width="100%"> <tbody><tr style=""> <td style="padding: 0.75pt;" valign="top"> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";">1 - O acesso a eventuais registos ou listas públicas elaborados e mantidos nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 4.º e a consulta da informação a que se refere o n.º 3 do artigo 6.º são gratuitos.<br /> 2 - As autoridades públicas podem cobrar uma taxa pelo fornecimento de informação sobre o ambiente, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 8/95, de 29 de Março, e 94/99, de 16 de Julho.<br /> 3 - As organizações não governamentais de ambiente e equiparadas abrangidas pela Lei n.º 35/98, de 18 de Julho, gozam de uma redução de 50% no pagamento das taxas devidas pelo acesso à informação sobre ambiente.<br /> 4 - As autoridades públicas afixam em local visível e no sítio da Internet, quando disponível, a tabela de taxas, bem como informação sobre isenção, redução ou dispensa de pagamento.”<o:p></o:p></span></p> </td> </tr> </tbody></table> </td> </tr> </tbody></table> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";"><span style=""> </span>Por último, temos consagrado um artigo de extrema importância, pois a cobrança excessiva de taxas poderia resultar numa denegação efectiva do exercício deste direito, pelo que a tendencial gratuidade das informações é um aspecto que se melhor se adequa à natureza deste direito; a redução de 50% no pagamento das taxas no que diz respeito às ONGA’s, vai no sentido de melhor articulação entre estas e a Administração Pública.<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";">Desta breve análise, podemos verificar que se trata de um regime que atende às particularidades da Informação ambiental, respondendo aos desafios que esta matéria coloca, mormente no que diz respeito á natureza evolutiva e plasticidade deste direito, cabendo à Administração Pública e, num momento posterior, aos tribunais fazer uma correcta interpretação e aplicação da LAIA, visto que se trata de um instrumento jurídico que disponibiliza um conjunto de soluções que permite melhorar e tornar mais eficaz o acesso à informação ambiental; de resto configura uma das legislações mais avançadas nesta matéria a nível europeu.</span></p><br /><p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;"><br /></p><p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify; line-height: normal;">Tiago Mateus nº13181 st.1<br /><span style="font-size: 12pt; font-family: "Times New Roman","serif";"><o:p></o:p></span></p> </td> </tr> </tbody></table>Subturma 1 + 5http://www.blogger.com/profile/12792252691496045231noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-35543118886660701772008-04-17T19:33:00.004+01:002008-04-18T22:50:40.510+01:00Avaliação de Impacto Ambiental - Acórdão do Tribunal de Justiça de 14/07/2001<strong>Acórdão do Tribunal (Terceira Secção) de 14 de Junho de 2001</strong><br /><br />Comissão das Comunidades Europeias contra Reino da Bélgica.<br /><br /><div align="justify">Incumprimento de Estado - Não transposição das Directivas 75/442/CEE, 76/464/CEE, 80/68/CEE, 84/360/CEE e 85/337/CEE - Poluição e perturbações - Resíduos - Substâncias perigosas - Poluição do meio aquático - Poluição atmosférica. - Processo C-230/00. </div><div align="justify"></div><div align="justify"></div><div align="justify"><a name="I1">Partes<br />No processo C-230/00, Comissão das Comunidades Europeias, representada por H. van Lier, na qualidade de agente, assistido por M. H. van der Woude e T. E. M. Chellingsworth, avocats, com domicílio escolhido no Luxemburgo,<br />demandante,<br /></a></div><div align="justify">contra<br /></div><div align="justify">Reino da Bélgica, representado por A. Snoecx, na qualidade de agente,<br />demandado,<br /></div><div align="justify">que tem por objecto obter a declaração de que, ao não adoptar as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor integralmente as Directivas<br /></div><div align="justify">- 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), na redacção dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (JO L 78, p. 32),<br /></div><div align="justify">- 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade (JO L 129, p. 23; EE 15 F1 p. 165), 80/68/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1979, relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas (JO 1980, L 20, p. 43; EE 15 F2 p. 162),<br /></div><div align="justify">- 84/360/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1984, relativa à luta contra a poluição atmosférica provocada por instalações industriais (JO L 188, p. 20; EE 15 F5 p. 43), e<br /></div><div align="justify">- 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9),<br /></div><div align="justify">o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 9.° da Directiva 75/442, 3.° , 4.° , 5.° e 7.° da Directiva 76/464, 3.° , 4.° , 5.° , 7.° e 10.° da Directiva 80/68, 3.° , 4.° , 9.° e 10.° da Directiva 84/360, 2.° e 8.° da Directiva 85/337 e do artigo 189.° do Tratado CE (actual artigo 249.° CE),<br /></div><div align="justify">O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),<br />composto por: C. Gulmann, presidente de secção, J.-P. Puissochet e J. N. Cunha Rodrigues (relator), juízes,<br />advogado-geral: J. Mischo,<br />secretário: R. Grass,<br />visto o relatório do juiz-relator,<br />ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 8 de Março de 2001,<br />profere o presente<br /></div><div align="justify">Acórdão<br /><a name="MO"><br /><strong>Fundamentação jurídica do acórdão<br /></strong></a></div><div align="justify"><strong>1</strong> Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 9 de Junho de 2000, a Comissão das Comunidades Europeias instaurou, nos termos do artigo 226.° CE, uma acção destinada a obter a declaração de que, ao não adoptar as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor integralmente as Directivas<br />- 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos (JO L 194, p. 39; EE 15 F1 p. 129), alterada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991 (JO L 78, p. 32),<br />- 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade (JO L 129, p. 23; EE 15 F1 p. 165),<br />80/68/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1979, relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas (JO 1980, L 20, p. 43; EE 15 F2 p. 162),<br />- 84/360/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1984, relativa à luta contra a poluição atmosférica provocada por instalações industriais (JO L 188, p. 20; EE 15 F5 p. 43), e<br />- 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente (JO L 175, p. 40; EE 15 F6 p. 9),<br />o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 9.° da Directiva 75/442, 3.° , 4.° , 5.° e 7.° da Directiva 76/464, 3.° , 4.° , 5.° , 7.° e 10.° da Directiva 80/68, 3.° , 4.° , 9.° e 10.° da Directiva 84/360, 2.° e 8.° da Directiva 85/337 e do artigo 189.° do Tratado CE (actual artigo 249.° CE).<br /></div><div align="justify"><strong>Enquadramento jurídico<br /></strong></div><div align="justify"><strong>2</strong> As Directivas 75/442, 76/464, 80/68 e 84/360 impõem aos Estados-Membros que adoptem as medidas úteis para se assegurarem de que a actividade ou a instalação que as mesmas regulam estão sujeitas a autorização prévia.<br /></div><div align="justify"><strong>3</strong> A Directiva 85/337 prevê, no seu artigo 2.° , que os Estados-Membros tomem as disposições necessárias para que os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente sejam submetidos a uma avaliação dos seus efeitos, antes de concessão da aprovação.<br /><strong></strong></div><div align="justify"><strong>4</strong> As disposições do direito belga destinadas a transpor as Directivas 75/442, 76/464, 80/68, 84/360 e 85/337 impuseram a obrigação de pedir uma autorização. Contudo, algumas destas disposições, nomeadamente as que figuram na regulamentação das Regiões da Flandres e da Valónia, prevêem um regime de concessão e de recusa tácitas das autorizações.<br /></div><div align="justify"><strong>5</strong> Com efeito, se a autoridade competente não se pronunciar em primeira instância acerca de um pedido de autorização, considera-se que esta é recusada. Pelo contrário, em segunda instância, no silêncio da autoridade competente no prazo previsto, considera-se que a autorização é concedida. Tal é, no essencial, o sistema previsto nos artigos 34.° a 42.° e 49.° a 55.° da Decisão do Governo da Flandres, de 6 de Fevereiro de 1991, que institui o regulamento relativo à autorização ecológica (Moniteur belge de 26 de Junho de 1991, p. 14269), e no artigo 11.° do Decreto do Conselho Regional da Valónia, de 27 de Junho de 1996, relativo aos resíduos (Moniteur belge de 2 de Agosto de 1996, p. 20685).<br /></div><div align="justify"><strong>O processo pré-contencioso<br /></strong></div><div align="justify"><strong>6</strong> Entendendo que o Reino da Bélgica não tinha transposto correctamente as Directivas 75/442, 76/464, 80/68, 84/360 e 85/337, a Comissão, por carta de 6 de Julho de 1998, interpelou este Estado-Membro no sentido de apresentar as suas observações, em conformidade com o procedimento previsto pelo Tratado em matéria de incumprimento de Estado.<br /></div><div align="justify"><strong>7</strong> Uma vez que esta carta ficou sem resposta, a Comissão dirigiu um parecer fundamentado ao Reino da Bélgica, em 18 de Dezembro de 1998.<br /></div><div align="justify"><strong>8</strong> Em 6 de Janeiro de 1999, a Comissão recebeu uma carta das autoridades belgas, à qual estava junta uma carta do Governo da Flandres de 8 de Dezembro de 1998. Nesta última, as autoridades flamengas formulavam as observações solicitadas pela carta da Comissão de 6 de Julho de 1998, insistindo, nomeadamente, no campo de aplicação limitado da autorização tácita e no número restrito de autorizações tácitas concedidas. O Governo da Flandres acrescentava que todas as autoridades competentes e todos os organismos consultivos envolvidos estavam bem informados das consequências de uma ausência de decisão, pelo que continuavam a zelar por que cada pedido de autorização fosse objecto de um exame aprofundado.<br /></div><div align="justify"><strong>9</strong> A resposta do Governo da Flandres ao parecer fundamentado, recebida pela Comissão em 15 de Março de 1999, reproduzia os argumentos formulados na sua carta de 8 de Dezembro de 1998. Aquele Governo regional acrescentava, porém, que uma autorização tácita não implica uma avaliação passiva ou uma negligência por parte da autoridade competente, uma vez que o pedido de autorização dava lugar a uma avaliação circunstanciada.<br /></div><div align="justify"><strong>10 </strong>Por considerar que o Reino da Bélgica não tinha tomado todas as medidas necessárias para dar cumprimento ao parecer fundamentado, a Comissão decidiu instaurar a presente acção.<br />Quanto ao mérito<br /></div><div align="justify"><strong>11</strong> A Comissão alega que o Tribunal de Justiça já declarou que um sistema de autorizações tácitas é incompatível com as exigências da Directiva 80/68 (acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Comissão/Itália, C-360/87, Colect., p. I-791, n.° 31). Esta jurisprudência é igualmente aplicável às autorizações visadas nas Directivas 75/442, 76/464, 84/360 e 85/337.<br /></div><div align="justify"><strong>12</strong> O mecanismo de autorização tácita descrito no n.° 5 do presente acórdão é, por conseguinte, segundo a Comissão, incompatível com as disposições das directivas em causa.<br /><strong></strong></div><div align="justify"><strong>13</strong> Sem contestar o incumprimento que lhe é imputado, o Reino da Bélgica limita-se a indicar, na contestação, que o Governo da Flandres está a elaborar um projecto de decreto na matéria e que o Governo da Valónia adoptou, a este respeito, dois anteprojectos de decisões, bem como diversas medidas de aplicação do Decreto de 11 de Março de 1999 relativo à autorização ambiental (Moniteur belge de 8 de Junho de 1999, p. 21101).<br /></div><div align="justify"><strong>14</strong> A este respeito, deve recordar-se que o Tribunal de Justiça declarou, a propósito da Directiva 80/68, que esta «exige que seja sempre adoptado, após cada investigação e atendendo aos seus resultados, um acto expresso, de proibição ou autorização» (acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, Comissão/Alemanha, C-131/88, Colect., p. I-825, n.° 38).<br /></div><div align="justify"><strong>15</strong> Por outro lado, como foi recordado no n.° 52 do acórdão de 19 de Setembro de 2000, Linster (C-287/98, Colect., p. I-6917), o objecto essencial da Directiva 85/337 é que, «antes da concessão da aprovação, os projectos que possam ter um impacto significativo no ambiente, nomeadamente pela sua natureza, dimensões ou localização, sejam submetidos à avaliação dos seus efeitos».<br /></div><div align="justify"><strong>16</strong> Resulta desta jurisprudência que uma autorização tácita não pode ser compatível com as exigências das directivas visadas pela presente acção, uma vez que estas prevêem quer, no que respeita às Directivas 75/442, 76/464, 80/68 e 84/360, mecanismos de autorizações prévias quer, no que respeita à Directiva 85/337, processos de avaliação que precedem a concessão de uma autorização. As autoridades nacionais são, por conseguinte, obrigadas, nos termos de cada uma destas directivas, a examinar, caso a caso, todos os pedidos de autorização apresentados.<br /></div><div align="justify"><strong>17</strong> Quanto às medidas complementares de transposição que as Regiões da Flandres e da Valónia estão em vias de adoptar, importa recordar que, nos termos do artigo 189.° , terceiro parágrafo, do Tratado, as directivas vinculam os Estados-Membros destinatários quanto ao resultado a alcançar. É de jurisprudência constante que esta obrigação implica o respeito dos prazos fixados nas directivas (v., nomeadamente, acórdãos de 22 de Setembro de 1976, Comissão/Itália, 10/76, Recueil, p. 1359, n.os 11 e 12, Colect., p. 559, e de 8 de Março de 2001, Comissão/Grécia, C-176/00, Colect., p. I-2063, n.° 7).<br /></div><div align="justify"><strong>18</strong> Nestas condições, deve concluir-se que, ao não adoptar as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor integralmente as Directivas 75/442, 76/464, 80/68, 84/360 e 85/337, o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 9.° da Directiva 75/442, 3.° , 4.° , 5.° e 7.° da Directiva 76/464, 3.° , 4.° , 5.° , 7.° e 10.° da Directiva 80/68, 3.° , 4.° , 9.° e 10.° da Directiva 84/360, bem como 2.° e 8.° da Directiva 85/337.<br /><a name="CO"><br /><strong>Decisão sobre as despesas<br /></strong></a></div><div align="justify">Quanto às despesas<br /><strong></strong></div><div align="justify"><strong>19</strong> Por força do artigo 69.° , n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão requerido a condenação do Reino da Bélgica e tendo este sido vencido, há que condená-lo nas despesas.<br /><a name="DI"><br /><strong></strong></a></div><div align="justify"><strong>Parte decisória<br /></div></strong><div align="justify">Pelos fundamentos expostos,<br />O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)<br />decide:<br /></div><div align="justify"><strong>1)</strong> <strong>Ao não adoptar as medidas legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para transpor integralmente as Directivas<br />- 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos, na redacção dada pela Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991,<br />- 76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à poluição causada por determinadas substâncias perigosas lançadas no meio aquático da Comunidade,<br />- 80/68/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1979, relativa à protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por certas substâncias perigosas,<br />- 84/360/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1984, relativa à luta contra a poluição atmosférica provocada por instalações industriais, e<br />- 85/337/CEE do Conselho, de 27 de Junho de 1985, relativa à avaliação dos efeitos de determinados projectos públicos e privados no ambiente,<br />o Reino da Bélgica não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força dos artigos 9.° da Directiva 75/442, na redacção dada pela Directiva 91/156, 3.° , 4.° , 5.° e 7.° da Directiva 76/464, 3.° , 4.° , 5.° , 7.° e 10.° da Directiva 80/68, 3.° , 4.° , 9.° e 10.° da Directiva 84/360, bem como 2.° e 8.° da Directiva 85/337.<br /></strong></div><div align="justify"><strong>2)</strong> O Reino da Bélgica é condenado nas despesas. </div>Pedro Delgado Alveshttp://www.blogger.com/profile/02017186165465663864noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-17289001431895561632008-04-15T19:12:00.004+01:002008-04-17T19:36:00.953+01:00Comentário ao Acórdão TC n.º 136/2005No Acórdão sub judice está em causa a fiscalização concreta da constitucionalidade das normas constantes do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto (na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março) e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro.<br /><br />Este recurso surge na sequência de A., organização ambientalista, ter visto indeferido o seu requerimento de intimação do Primeiro-Ministro a facultar-lhe o acesso a certidões referentes ao contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas do grupo B., incluindo os respectivos Anexos e estudos técnicos, e, posteriormente, ter-lhe sido negado provimento ao recurso que interpôs perante o Tribunal Central Administrativo.<br /><br />De acordo com a doutrina, todos os direitos fundamentais reconhecidos na Constituição podem ser limitados ou comprimidos por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com eles conflituam. É impossível a previsão exaustiva das circunstâncias que podem dar lugar a conflitos deste tipo em virtude da imprevisibilidade das situações de vida.<br /><br />O direito à informação é configurado como um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias enunciados na Constituição e sujeito ao respectivo regime (artigos 17.º e 18.º da CRP). Como tal, não é um direito absoluto e, assim, quando se encontra em coli¬são com outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, pode sofrer restrições, para além das expressamente previstas no n.º 2 do artigo 268.º da CRP. Porém, qualquer restrição ao direito à informação há de sempre res¬peitar os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade. <br /><br />Ora no acórdão em análise trata-se de justificar constitucionalmente uma proibição de acesso a documentos que interessam ao titular do direito à tutela jurisdicional para avaliar a incidência ambiental e concorrencial do projecto de implantação de uma unidade industrial em Esposende.<br /><br />Segundo a interpretação do Tribunal Constitucional, estamos perante um conflito entre um interesse dos investidores em manter reserva sobre as condições de realização de um investimento e o interesse de organizações ambientalistas em terem acesso a tais informações que o Estado Português se comprometeu, legal e contratualmente, a manter reservadas. <br /><br />O Tribunal decidiu que estava justificada a restrição de acesso à informação, concluindo pela improcedência da arguição de inconstitucionalidade dirigida às normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93 (na redacção da Lei n.º 8/95) e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95.<br /><br />Salvo o devido respeito, esta decisão não merece a nossa concordância, pelos motivos que passamos a apresentar.<br /><br />(i) O Tribunal Constitucional desconsidera por completo a especialidade do direito à informação ambiental, enquanto vertente do direito à informação (em geral). É certo que ainda não se encontrava em vigor a Lei 19/2006 (LAIA), que regula o acesso à informação ambiental, mas o Tribunal tinha de considerar a Convenção de Aarhus, ratificada pela Assembleia da República em 2003, e também a Directiva nº 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente, que, por sua vez, revogou a Directiva nº 90/313/CEE, do Conselho, de 7 de Junho. Há aqui, sem dúvida, um regime específico e mais exigente em matéria de informação ambiental, que foi completamente desconsiderado.<br /><br />(ii) Há que reconhecer que os valores a pesar são, por um lado, o direito à informação em matéria de ambiente e, por outro lado, a preservação do segredo comercial, e não o interesse económico, como resulta da interpretação do Tribunal. O que significa que o que tem de ser comprovado é a justificação da recusa de acesso aos documentos e não a inexistência de prejuízo rele¬vante por causa da liberdade desse acesso.<br /><br />(iii) Não houve efectiva ponderação dos interesses em presença. A exacta delimitação dos documentos que podem ser comunicados e dos que permanecem sob sigilo exige sempre uma cuidadosa ponderação do conflito de direitos e interesses constitucionalmente protegidos. O Tribunal não pode demitir se de efectuar esta ponderação casuística exigida pelo princípio da proporcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos direitos fundamentais, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP. Impunha-se, pois, uma ponderação casuística minuciosa, documento a documento, para ser constitucionalmente admissível a restrição ao direito de acesso à informação previsto no artigo 268.º, n.º 2, da CRP.<br /><br />(iv) O Tribunal não pode ignorar a importância decisiva que o acesso à informação ambiental tem para o efectivo exercício do direito e dever que a todos incumbe de defender um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, e do direito dos cidadãos de participação na prevenção e controlo da poluição e na correcta localização das actividades (artigo 66.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), da CRP).<br /><br />(v) O Tribunal Constitucional desconsidera também totalmente o princípio da prevenção ambiental. De acordo com o que aprendemos a propósito dos princípios constitucionais em matéria de ambiente, é incompatível com a defesa dos valores ambientais a consideração de que “caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos ambientais”, então, sim, poder se á discutir a prevalência do direito ambiente.<br /><br />Pelo exposto e no seguimento das Declarações de voto dos Conselheiros Mário José de Araújo Torres e Fernanda Palma, consideramos que a interpretação dada pelo Tribunal viola o princípio da proporcionalidade na restrição ao direito à informação, resultante das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da CRP.<br /><br />Por certo que esta decisão, nos dias de hoje, teria contornos bem diferentes, com a entrada em vigor da Lei n.º 46/2007 (LADA), de 24 de Agosto, que revogou a Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto. É, todavia, a Lei n.º 19/2006 (LAIA), de 12 de Junho, que introduz as alterações mais significativas nesta matéria. Nos termos do artigo 6.º da LAIA, as autoridades públicas estão obrigadas a disponibilizar ao requerente informação sobre ambiente, sem que este tenha de justificar o seu interesse, sendo que os fundamentos de indeferimento previstos no artigo 11.º da mesma Lei devem ser interpretados de forma restritiva pelas autoridades públicas, ponderando o interesse público servido pela divulgação da informação e os interesses protegidos que fundamentam o indeferimento. Em tudo o que não se encontrar especialmente regulado pela LAIA aplica-se subsidiariamente a LADA (artigo 18.º LAIA).Subturma 11http://www.blogger.com/profile/06128454361777716469noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-6784747394674234622008-04-15T15:42:00.004+01:002008-04-15T15:49:14.865+01:00ACORDÃO DO TRIBUNAL DE 17 DE MARÇO DE 1993 - COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS CONTRA CONSELHO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS - DIRECTIVA SOBRE RESíDUOSSumário<br /><br />1. No quadro do sistema de competências da Comunidade, a escolha da base jurídica de um acto deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos figuram designadamente a finalidade e o conteúdo do acto. <br />2. A Directiva 91/156 relativa aos resíduos tem como objecto garantir a gestão de resíduos, tanto de origem industrial como doméstica, em conformidade com as exigências da protecção do ambiente. Embora seja verdade que os resíduos, recicláveis ou não, devem ser considerados como produtos cuja circulação, em conformidade com o artigo 30. do Tratado, não deveria, em princípio, ser impedida, não se pode considerar que a directiva em causa tem por objecto promover a livre circulação desses produtos, pondo, pelo contrário, em prática o princípio da reparação, prioritariamente na fonte, dos danos ao ambiente, estabelecido em relação à acção da Comunidade em matéria de ambiente no artigo 130. -R, n. 2 do Tratado. Por conseguinte, a directiva foi correctamente adoptada unicamente com base no artigo 130. -S do Tratado. <br />O facto de certas disposições da directiva terem incidência no funcionamento do mercado interno não basta para que o artigo 100. -A seja aplicável. Com efeito, o recurso a esta disposição não se justifica quando, como acontece no caso em apreço, o acto a adoptar só acessoriamente tem por efeito harmonizar as condições do mercado na Comunidade. <br />3. De acordo com o artigo 37. , terceiro parágrafo, do Estatuto (CEE) do Tribunal de Justiça, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar-se a sustentar as conclusões de uma das partes. Esta condição não fica preenchida quando os pedidos do interveniente se afastam dos pedidos da parte que é suposto apoiarem, a qual pede a anulação global de um acto, na medida em que, baseando-se em fundamentos completamente alheios aos invocados por esta última, apenas têm como objectivo a anulação de uma das disposições do acto impugnado. <br /><br />Partes<br /><br />No processo C-155/91, <br />Comissão das Comunidades Europeias, representada por Rolf Waegenbaur, consultor jurídico principal, e Ingolf Pernice, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Roberto Hayder, representante do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg, <br />recorrente, <br />apoiada por <br />Parlamento Europeu, representado por Jorge Campinos, jurisconsulto, assistido por Kieran Bradley, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no Secretariado-Geral do Parlamento Europeu, Kirchberg, <br />interveniente,<br /><br />contra <br /><br />Conselho das Comunidades Europeias, representado por Arthur Alan Dashwood, director no Serviço Jurídico, e Jill Aussant, administradora principal no mesmo serviço, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Joerg Kaeser, director da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer, Kirchberg, <br />recorrido, <br />apoiado por <br />Reino de Espanha, representado por Alberto José Navarro González, director-geral da Coordenação Jurídica e Institucional Comunitária, e António Hernandez-Mora, abogado del Estado, do Serviço do Contencioso Comunitário, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Espanha, 4-6, boulevard Emmanuel Servais, <br />interveniente, <br />que tem por objecto a anulação da Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991, que altera a Directiva 75/442/CEE relativa aos resíduos (JO L 78, p. 32), <br /><br />O TRIBUNAL DE JUSTIÇA, <br />composto por: O. Due, presidente, C. N. Kakouris, M. Zuleeg e J. L. Murray, presidentes de secção, G. F. Mancini, R. Joliet, F. A. Schockweiler, J. C. Moitinho de Almeida, F. Grévisse, M. Díez de Velasco e P. J. G. Kapteyn, juízes, <br />advogado-geral: G. Tesauro <br />secretário: H. von Holstein, secretário adjunto <br />visto o relatório para audiência, <br />ouvidas as alegações das partes na audiência de 25 de Novembro de 1992, <br />ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 1 de Dezembro de 1992,<br />profere o presente Acórdão: <br /><br />Fundamentação jurídica do acórdão<br /><br />1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 11 de Junho de 1991, a Comissão das Comunidades Europeias requereu, nos termos do artigo 173. , primeiro parágrafo, do Tratado CEE, a anulação da Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991, que altera a Directiva 75/442/CEE relativa aos resíduos (JO L 78, p 32). <br />2 A Directiva 75/442 instituiu, a nível comunitário, uma regulamentação sobre a eliminação de resíduos. Para ter em conta a experiência adquirida na aplicação desta directiva pelos Estados-membros, a Comissão apresentou, em 16 de Agosto de 1988, uma proposta para efeitos de adopção da Directiva 91/156, já referida. A Comissão escolheu para base jurídica o artigo 100. -A do Tratado. Todavia, o Conselho tomou uma posição comum no sentido de adoptar como fundamento da futura directiva o artigo 130. -S do Tratado. Apesar das objecções suscitadas pelo Parlamento Europeu, que, consultado nos termos do artigo 130. -S, considerara apropriada a base jurídica escolhida pela Comissão, o Conselho adoptou a directiva com base no artigo 130. -S do Tratado. <br />3 Em apoio do recurso, a Comissão invoca apenas um fundamento baseado em erro na base jurídica da directiva em causa. O Parlamento, que interveio em apoio da posição da Comissão, pede também a anulação do artigo 18. da directiva. <br />4 Para mais ampla exposição dos factos do litígio, da tramitação processual, bem como dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal. <br /><br />Quanto à base jurídica <br /><br />5 A Comissão, apoiada pelo Parlamento Europeu, alega essencialmente que a directiva tem como objecto tanto a protecção do ambiente como o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno. Por conseguinte, deveria ter sido adoptada apenas com base no artigo 100. -A do Tratado, à semelhança da directiva relativa aos resíduos da indústria de dióxido de titânio, objecto do acórdão de 11 de Junho de 1991, Comissão/Conselho (C-300/89, Colect., p. I-2867, a seguir "acórdão 'dióxido de titânio' "). <br />6 Em sentido contrário, o Conselho sustenta que o artigo 130. -S do Tratado constitui a base jurídica adequada da Directiva 91/156, que, tendo em conta os seus objectivos e conteúdo, tem essencialmente em vista a protecção da saúde e do ambiente. <br />7 Segundo jurisprudência já constante, no quadro do sistema de competências da Comunidade, a escolha da base jurídica de um acto deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos figuram designadamente a finalidade e o conteúdo do acto (v., mais recentemente, o acórdão de 7 de Julho de 1992, Parlamento/Conselho, C-295/90, Colect., p. I-4193, n. 13). <br />8 Quanto à finalidade prosseguida, salienta-se nos quarto, sexto, sétimo e nono considerandos da Directiva 91/156 que os Estados-membros, para alcançar um elevado nível de defesa do ambiente, devem tomar medidas com vista a limitar a produção de resíduos, promovendo a sua reciclagem e a reutilização como matérias-primas e dotar-se de condições que lhes permitam eliminar os seus resíduos e diminuir o respectivo trânsito. <br />9 Quanto ao conteúdo da directiva, deve salientar-se que ela impõe aos Estados-membros, nomeadamente, a obrigação de promoverem a prevenção e a redução da produção de resíduos, o seu aproveitamento e eliminação sem pôr em perigo a saúde humana e o ambiente, e de proibirem o abandono, a descarga e a eliminação não controlada de resíduos (artigos 3. e 4. ). Assim, a directiva obriga os Estados-membros a constituírem uma rede integrada e adequada de instalações de eliminação que permita, tanto à Comunidade no seu conjunto como a cada Estado-membro, assegurar a eliminação dos próprios resíduos na instalação mais próxima (artigo 5. ). Para realizar estes objectivos, os Estados-membros estabelecem planos de gestão de resíduos e podem proibir a circulação de resíduos não conformes com esses planos (artigo 7. ). Finalmente, a directiva obriga os Estados-membros a sujeitarem as empresas e estabelecimentos de eliminação ao regime de autorização, registo e fiscalização (artigos 9. a 14. ) e confirma o princípio do "poluidor-pagador" em matéria de eliminação de resíduos, previsto no n. 2 do artigo 130. -R do Tratado (artigo 15. ). <br />10 Os elementos que acabam de se expor revelam que, de acordo com a sua finalidade e o seu conteúdo, a directiva litigiosa tem como objecto garantir a gestão de resíduos, tanto de origem industrial como doméstica, em conformidade com as exigências da protecção do ambiente. <br />11 Todavia, a Comissão acrescenta que a directiva aplica o princípio da livre circulação de resíduos destinados a aproveitamento e sujeita a livre circulação de resíduos destinados a eliminação a condições de conformidade com o mercado interno. <br />12 É certo que os resíduos, recicláveis ou não, devem ser considerados como produtos cuja circulação, em conformidade com o artigo 30. do Tratado, não deveria, em princípio, ser impedida (acórdão de 9 de Julho de 1992, Comissão/Bélgica, C-2/90, Colect., p. 431, n. 28). <br />13 Todavia, o Tribunal de Justiça considerou que exigências imperativas relativas à protecção do ambiente justificam excepções à livre circulação de resíduos. Neste contexto, o Tribunal de Justiça confirmou que o princípio da reparação, prioritariamente na fonte, dos danos ao ambiente, estabelecido em relação à acção da Comunidade em matéria de ambiente no artigo 130. -R, n. 2, do Tratado, implica que compete a cada região, comuna ou outra entidade local tomar as medidas apropriadas a fim de assegurar a recepção, o tratamento e a eliminação dos seus próprios resíduos; estes devem, pois, ser eliminados tão perto quanto possível do lugar da sua produção, com vista a limitar o seu transporte na medida do possível (acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n. 34). <br />14 É a aplicação destas orientações que constitui o objecto da directiva. Consagra, nomeadamente no artigo 5. , o princípio da proximidade do local da eliminação dos resíduos em relação ao da produção a fim de assegurar que, tanto quanto possível, cada Estado-membro efectue a eliminação dos seus próprios resíduos. Por outro lado, o artigo 7. da directiva permite que os Estados-membros impeçam a circulação de resíduos destinados a tratamento ou eliminação não conformes com os seus planos de gestão. <br />15 Nestas circunstâncias, não se pode considerar que a directiva tem por objecto a execução da livre circulação de resíduos na Comunidade, como a Comissão, de resto, reconheceu na audiência. <br />16 A Comissão alega ainda que a directiva, na medida em que o artigo 1. contém uma única e mesma definição de resíduos e de actividades afins, conduz a uma aproximação de legislações. Neste contexto, remete, nomeadamente, para o quinto considerando da directiva, no qual se afirma que a disparidade entre as legislações dos Estados-membros no que respeita à eliminação e aproveitamento de resíduos pode afectar a qualidade do ambiente e o bom funcionamento do mercado interno. <br />17 Finalmente, a Comissão invoca o facto de a directiva contribuir também para a harmonização das condições de concorrência, tanto no plano da produção industrial como no da actividade de eliminação de resíduos. A este propósito, alega que, em certa medida, a directiva põe termo às vantagens ao nível dos custos de produção de que beneficiam as indústrias de determinados Estados-membros pelo facto de as regulamentações do tratamento de resíduos serem menos rigorosas do que noutros Estados-membros. Deste modo, sendo fielmente transposto pelos Estados-membros, o artigo 4. , que prevê o aproveitamento e a eliminação de resíduos "sem criar riscos para a água, o ar, o solo, a fauna ou a flora", é, no entender da Comissão, suficientemente preciso para assegurar que os encargos dos operadores económicos passem a ser largamente equivalentes em todos os Estados-membros. <br />18 Importa sem dúvida admitir que determinadas disposições da directiva, nomeadamente as definições do artigo 1. , têm incidência no funcionamento do mercado interno. <br />19 Todavia, contrariamente ao sustentado pela Comissão, o simples facto de o estabelecimento ou o funcionamento do mercado interno serem afectados não basta para aplicar o artigo 100. -A do Tratado. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que não se justifica o recurso ao artigo 100. -A quando o acto a adoptar só acessoriamente tem por efeito harmonizar as condições do mercado na Comunidade (acórdão de 4 de Outubro de 1991, Parlamento/Conselho, C-70/88, Colect., p. I-4529, n. 17). <br />20 Verifica-se isto no caso presente. A harmonização prevista no artigo 1. da directiva tem por objectivo principal, no intuito de proteger o ambiente, garantir a eficácia da gestão de resíduos na Comunidade, independentemente da sua origem, e apenas acessoriamente afecta as condições da concorrência e do comércio. Por isso, distingue-se da Directiva 89/428/CEE do Conselho, de 21 de Junho de 1989, que estabelece as regras de harmonização dos programas de redução, tendo em vista a sua eliminação, da poluição causada por resíduos provenientes da indústria do dióxido de titânio (JO L 201, p. 56), objecto do acórdão "dióxido de titânio", já referido, e que tem em vista a aproximação das normas nacionais relativas às condições de produção num sector determinado da indústria, a fim de eliminar as distorções da concorrência no sector. <br />21 Nestas circunstâncias, deve considerar-se que a directiva impugnada foi validamente adoptada com base apenas no artigo 130. -S do Tratado. O fundamento da escolha de uma base jurídica errada deve, consequentemente, ser julgado improcedente. <br /><br />Quanto ao artigo 18. da directiva ´<br /><br />22 O Parlamento solicita a anulação do artigo 18. da Directiva 91/156 com o fundamento de que o procedimento do comité de regulamentação nela previsto não está em harmonia com o Tratado. <br />23 De acordo com o artigo 37. , terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar-se a sustentar as conclusões de uma das partes. <br />24 Cabe notar que, nas conclusões do seu recurso, a Comissão pede a anulação da Directiva 91/156, ao passo que, nas conclusões das suas alegações, o Parlamento pede a anulação do artigo 18. da directiva por fundamentos totalmente diversos dos invocados pela Comissão. Por isso, deve considerar-se que não têm o mesmo objecto que as da Comissão e, por conseguinte, devem ser julgadas inadmissíveis. <br />25 Conclui-se de quanto precede que deve ser negado provimento ao recurso. <br /><br />Decisão sobre as despesas<br /><br />Quanto às despesas <br />26 Por força do disposto no n. 2 do artigo 69. do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas. Nos termos do n. 4 do artigo 69. do mesmo regulamento, o Reino de Espanha e o Parlamento Europeu devem suportar as próprias despesas. <br /><br />Parte decisória<br /><br />Pelos fundamentos expostos, <br />O TRIBUNAL DE JUSTIÇA <br />decide: <br />1) O recurso é julgado improcedente. <br />2) A Comissão é condenada nas despesas. O Reino de Espanha e o Parlamento Europeu suportarão as próprias despesas.Subturma 11http://www.blogger.com/profile/06128454361777716469noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-3755654009903131792008-04-15T15:38:00.000+01:002008-04-15T15:39:03.896+01:00Directiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de Julho de 1975, relativa aos resíduosO CONSELHO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, <br />Tendo em conta o Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia e, nomeadamente, os seus artigos 100o e 235o. <br />Tendo em conta a proposta da Comissão, <br />Tendo em conta o parecer do Parlamento Europeu (1), <br />Tendo em conta o parecer do Comité Económico e Social (2), <br />Considerando que uma disparidade entre as disposições já aplicáveis ou em preparação nos diferentes Estados-membros, no que diz respeito à eliminação de resíduos, pode criar condições de concorrência desiguais e ter, por isso, uma incidência directa no funcionamento do mercado comum; que convém, portanto, proceder neste domínio à aproximação das legislações prevista no artigo 100º do Tratado; <br />Considerando que se mostra necessário fazer acompanhar esta aproximação das legislações de uma acção da Comunidade que visse realizar, mediante uma regulamentação mais ampla, um dos objectivos da Comunidade no domínio da protecção do ambiente e da melhoria da qualidade de vida; que convém, portanto, prever a este título certas disposições específicas; que, não estando previstos no Tratado os poderes de acção necessários para o efeito, haverá que recorrer ao artigo 235º do Tratado; <br />Considerando que qualquer regulamentação em matéria de eliminação dos resíduos deve ter como objectivo essencial a protecção da saúde humana e do ambiente contra os efeitos nocivos da recolha, transporte, tratamento, armazenamento e depósito dos resíduos; <br />Considerando que se deve incentivar a recuperação dos resíduos e a utilização dos materiais de recuperação, a fim de preservar os recursos naturais; <br />Considerando que o programa de acção das Comunidades Europeias em matéria de ambiente (3) sublinha a necessidade de acções comunitárias, incluindo a aproximação das legislações; <br />Considerando que deve ser aplicada uma regulamentação eficaz e coerente da eliminação dos resíduos, que não entrave o comércio intracomunitário e não afecte as condições de concorrência, aos bens móveis de que o detentor se desfaz ou tem a obrigação de se desfazer por força das disposições nacionais em vigor, com excepção dos resíduos radioactivos, mineiros e agrícolas, cadáveres de animais, águas residuais, efluentes gasosos e resíduos sujeitos a uma regulamentação comunitária específica; <br />Considerando que, para assegurar a protecção do ambiente, se deve prever um regime de autorização das empresas que procedem ao tratamento, armazenamento ou depósito dos Resíduos por conta de outrém, uma fiscalização das empresas que eliminam os seus próprios detritos e das que recolhem os Resíduos de outrém, assim como um plano que cubra os factores essenciais a ter em consideração nas várias operações de eliminação de resíduos; <br />Considerando que a parte dos custos não coberta pela valorização dos resíduos deve ser suportada de acordo com o princípio «poluidor-pagador», <br />ADOPTOU A PRESENTE DIRECTIVA: <br />Artigo 1º<br />Para efeitos do disposto na presente directiva, entende-se: <br />a) Por resíduo: qualquer substância ou objecto de que o detentor se desfaz ou tem a obrigação de se desfazer por força das disposições nacionais em vigor; <br />b) Por eliminação: <br />- a recolha, a triagem, o transporte e o tratamento de resíduos, assim como o seu armazenamento e o seu depósito à superfície ou enterrado, <br />- as operações de transformação necessárias à sua reutilização, recuperação ou reciclagem. <br /><br />Artigo 2º<br />1. Sem prejuízo do disposto na presente directiva, os Estados-membros podem adoptar regulamentações específicas para categorias particulares de resíduos. <br />2. São excluídos do campo de aplicação da presente directiva: <br />a) Os resíduos radioactivos; <br />b) Os resíduos resultantes da prospecção, da extracção, do tratamento e do armazenamento de recursos minerais, assim como da exploração de pedreiras; <br />c) Os cadáveres de animais e os resíduos agrícolas seguintes: matérias fecais e outras substâncias utilizadas na exploração agrícola; <br />d) As águas residuais, com excepção dos resíduos em estado líquido; <br />e) Os efluentes gasosos lançados na atmosfera; <br />f) Os resíduos sujeitos a regulamentações comunitárias específicas. <br /><br />Artigo 3º<br />1. Os Estados-membros tomarão as medidas adequadas para promover a prevenção, a reciclagem e a transformação dos resíduos, a obtenção a partir destes de matérias-primas e eventualmente de energia, assim como qualquer outro método que permita a reutilização dos resíduos. <br />2. Informarão em tempo útil a Comissão sobre qualquer projecto de regulamentação que tenha por objecto tais medidas e, em particular, sobre qualquer projecto de regulamentação que diga respeito: <br />a) Ao emprego de produtos que possam provocar dificuldades técnicas de eliminação ou envolver custos excessivos de eliminação; <br />b) Ao incentivo: <br />- da diminuição das quantidades de certos resíduos, <br />- do tratamento de resíduos com vista à sua reciclagem e reutilização, <br />- da recuperação de matérias-primas e/ou da produção de energia a partir de certos resíduos; <br />c) Ao emprego de certos recursos naturais, incluindo os recursos energéticos, quando os mesmos possam ser substituídos por materiais de recuperação. <br />Artigo 4º<br />Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para garantir que os resíduos sejam eliminados sem pôr em perigo a saúde humana nem prejudicar o ambiente, e nomeadamente: <br />- sem criar riscos para a água, ar ou solo, nem para a fauna e a flora, <br />- sem causar incómodos por ruído ou cheiros, <br />- sem causar danos aos locais e às paisagens. <br /><br />Artigo 5º<br />Os Estados-membros estabelecerão ou designarão a ou as autoridades competentes encarregadas, numa determinada zona, de planificar, organizar, autorizar e fiscalizar as operações de eliminação dos resíduos. <br /><br />Artigo 6º<br />A ou as autoridades competentes mencionadas no artigo 5o devem estabelecer, logo que possível, um ou vários planos referentes, nomeadamente: <br />- aos tipos e à quantidade de resíduos a eliminar, <br />- às prescrições técnicas gerais, <br />- aos locais apropriados para a eliminação, <br />- a todas as disposições especiais que digam respeito a determinados resíduos. <br />Esse ou esses planos podem incluir, por exemplo: <br />- as pessoas singulares ou colectivas habilitadas a proceder à eliminação dos resíduos, <br />- a estimativa dos custos das operações de eliminação, <br />- as medidas susceptíveis de incentivar a racionalização da recolha, da triagem e do tratamento dos resíduos. <br /><br />Artigo 7º<br />Os Estados-membros tomarão as disposições necessárias para que qualquer detentor de resíduos: <br />- os remeta a um colector privado ou público ou a uma empresa de eliminação, <br />ou<br />- proceda, ele próprio, à eliminação de acordo com as medidas tomadas por força do artigo 4º. <br /><br />Artigo 8º<br />Em cumprimento das medidas tomadas por força do artigo 4o, qualquer estabelecimento ou empresa que proceda ao tratamento, armazenamento ou depósito de resíduos por conta de outrem deve obter da autoridade competente referida no artigo 5o uma autorização respeitante, nomeadamente: <br />- aos tipos e quantidades de resíduos a tratar, <br />- às prescrições técnicas gerais, <br />- às precauções a tomar, <br />- às indicações a apresentar, a pedido da autoridade competente, sobre a origem, o destino e o tratamento dos resíduos, assim como sobre os seus tipos e quantidades. <br /><br />Artigo 9º<br />Os estabelecimentos ou empresas mencionadas no artigo 8o serão periodicamente inspeccionados pela autoridade competente referida no artigo 5o, nomeadamente no que diz respeito ao cumprimento das condições de autorização. <br /><br />Artigo 10º<br />As empresas que procedem ao transporte, recolha, armazenamento, depósito ou tratamento dos próprios resíduos, assim como as que recolhem ou transportam resíduos por conta de outrem, estão sujeitas à fiscalização da autoridade competente referida no artigo 5o. <br /><br />Artigo 11º<br />Em conformidade com o princípio «poluidor-pagador», os custos da eliminação dos resíduos, deduzida a sua eventual valorização, devem ser suportados: <br />- pelo detentor que remete os resíduos a um colector ou a uma das empresas mencionadas no artigo 8o, <br />- e/ou pelos detentores anteriores ou pelo produtor do produto gerador de resíduos. <br /><br />Artigo 12º<br />De três em três anos, os Estados-membros elaborarão um relatório sobre a situação da eliminação dos resíduos nos respectivos países e transmiti-lo-ão à Comissão. Para esse efeito, os estabelecimentos ou empresas mencionados nos artigos 8o e 10o devem fornecer à autoridade competente referida no artigo 5o as informações sobre a eliminação dos resíduos. A Comissão comunicará este relatório aos outros Estados-membros. <br />A Comissão apresentará ao Conselho e ao Parlamento Europeu, de três em três anos, um relatório sobre a aplicação da presente directiva. <br /><br />Artigo 13º<br />Os Estados-membros tomarão as medidas necessárias para darem cumprimento à presente directiva no prazo de vinte e quatro meses a contar da sua notificação e desse facto informarão imediatamente a Comissão. <br /><br />Artigo 14º<br />Os Estados-membros comunicarão à Comissão o texto das principais disposições principais de direito nacional que adoptarem no domínio regulado pela presente directiva. <br /><br />Artigo 15º<br />Os Estados-membros são destinatários da presente directiva. <br /><br />Feito em Bruxelas em 15 de Julho de 1975.<br />Pelo Conselho<br />O Presidente<br />M. RUMOR<br /><br />(1) JO no C 32 de 11. 2. 1975, p. 36.(2) JO no C 16 de 23. 1. 1975, p. 12.(3) JO no C 112 de 20. 12. 1973, p. 3.Subturma 11http://www.blogger.com/profile/06128454361777716469noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-47961573744210157592008-04-13T13:17:00.001+01:002008-04-13T13:19:36.410+01:00Comentário aos Acórdãos 360/2004 TC e de 16/7/2003 STANestes acórdãos está em causa a eventual retroactividade da norma restritiva do direito de propriedade introduzida pelo regime das Áreas Protegidas, porquanto as inibições que daí decorrem, após caducarem foram como que “renascidas” por via legislativa.<br /> Estão em confronto dois institutos do nosso ordenamento jurídico: caducidade e proibição de restrições retroactivas aos direitos, liberdades e garantias e análogos.<br /> A caducidade traduz-se na relevância jurídica conferida aos efeitos do decurso do tempo, a qual pode comportar um dos seguintes efeitos, ou consolida situações criadas à margem do direito, ou extingue posições jurídicas válidas pelo seu não exercício.<br /> É esta segunda dimensão que aqui está em causa: Será que o executivo, não diligente, pode, por via legislativa, fazer renascer a sua habilitação para restringir o direito de propriedade?<br /> Não podemos concordar com a passividade do julgador ao afirmar que o novo acto legislativo fez com que os diplomas anteriores nunca deixaram de produzir efeitos.<br /> A ordem jurídica consagra, inquestionavelmente, um princípio de protecção ambiental, contudo também assegura certeza, segurança e confiança dos particulares.<br /> Poder-se á questionar se, atendendo à importância do bem fundamental ao ambiente, não deverá ser este imune aos efeitos da caducidade. Porém, tal significa colocar nas mãos do executivo uma enorme valência, reforçada pelo seu duplo papel de administrador e legislador.<br /> O princípio democrático exige unicidade e boa fé na actuação dos entes públicos, mormente do Governo eleito, sendo inadmissível o defraudar das expectativas legítimas dos particulares em virtude da falta de diligência do executivo.<br /> A operação jurídica realizada pela prorrogação do prazo de caducidade comporta em si uma retroactividade sanadora, de duvidosa admissibilidade.<br /> O suceder de decretos-lei demonstra a maleabilidade da lei permitida ao Governo, de um modo que nos faz reagir com estranheza à confiança do Tribunal na ausência de dúvidas sobre esta actuação.<br /> O novo decreto-lei tem o intuito declarado, como o Tribunal reconhece, de “salvaguardar de imediato, as componentes aí mencionadas, mesmo relativamente aos prazos constantes dos instrumentos que já tiverem expirado”, procurando legitimar a inércia do Governo, provocando a inversão do padrão normativo ao tornar ilícito o que era lícito.<br /> Também nos parece de não ignorar o efeito pernicioso que a desconsideração do novo Decreto-lei poderá provocar, como a susceptibilidade de lesões irreversíveis no Maio ambiente.<br /> Contudo, a inércia do legislador leva-nos a questionar a legitimidade das restrições operadas sobre o direito dos proprietários afectados, uma vez que com a caducidade da classificação como Área Protegida deixaram de estar abrangidos pelo seu regime, actuando neste pressuposto.<br /> A aceitação jurisdicional desta actuação vem comprovar que, independentemente de consagração legal, os proprietários em zonas de susceptível classificação como Área Protegida estão sempre limitados no exercício dos seus direitos. Tal é inadmissível, mas infelizmente acatado com pacatez em Portugal, confirmando as suspeitas de André Folque que, numa área cinzenta sobre o direito de propriedade, refere o proprietário que “antes de ser expropriado já o era”.<br /> Concluindo, independentemente das considerações sobre o mérito da intenção do legislador ao prorrogar um prazo caducado, elevadas a critério principal do Tribunal nestas decisões, o controlo jurisdicional deveria atender ao caso concreto, em vez de elevar o executivo a garante máximo do ambiente, realidade inverosímil, atendendo à pouca motivação em garantir a protecção inquestionável das áreas que, pela sua especial importância, devam ser qualificadas como Áreas Protegidas.Subturma 11http://www.blogger.com/profile/06128454361777716469noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-46766722433360250852008-04-13T12:27:00.002+01:002008-04-13T12:30:35.537+01:00Comentário ao Acórdão do TC n.º544/01No Acórdão em análise, foi requerido ao julgador constitucional que averiguasse da constitucionalidade material do regime da Reserva Ecológica Nacional (REN), nomeadamente pela sua compatibilidade com o regime constitucionalmente previsto para as restrições a direitos, liberdades e garantias e direitos análogos (art.º18 CRP), nos quais se insere o direito de propriedade.<br /> Independentemente da discussão em torno da inclusão do ius aedificandi no núcleo essencial do direito de propriedade, a qual se destina a outra sede, o próprio art.º62 CRP especifica que o exercício do direito de propriedade é assegurado nos termos da Constituição, a qual também define como incumbência do Estado a preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico (art.º81, al.m CRP), erigindo-o a tarefa estadual fundamental (art.º9, als.d) e e) CRP).<br /> Assim, nunca poderia estar em causa a primeira parte do nº2 do art.º18 CRP, até porque tem sido defendida pela doutrina uma interpretação não demasiadamente dependente deste normativo, podendo afirmar-se, à semelhança do Prof. Jorge Miranda, que a restrição pode operar desde que fundamentada em princípios constitucionais angulares da Constituição, aos quais a protecção do ambiente indubitavelmente pertence.<br /> Maior reserva suscita-nos o respeito pelo princípio da proporcionalidade, mormente enquanto princípio da necessidade (art.º18, nº2, 2ª parte CRP).<br /> Como afirma o Prof. Gomes Canotilho, na articulação entre bens fundamentais dever-se-á prosseguir o princípio da concordância prática, o qual exige a limitação ao estritamente necessário da não actualização de um significado referente a um direito fundamental para assegurar um outro direito ou interesse constitucionalmente protegido que, no caso concreto, mereça maior protecção.<br /> O regime da REN introduz a abolição de qualquer faculdade integrante no ius aedificandi para as áreas referidas no art.º4, n.º1, mas ainda condiciona administrativamente actuações insusceptíveis de prejudicar o equilíbrio ecológico (art.º4, nº2). Foi esta a restrição sujeita a recurso para o TC, porquanto a operação de loteamento em causa não contempla qualquer construção na faixa de 200 metros interiores à linha da praia-mar, logo julgamos criticável que uma prossecução “cega” dos valores ambientais justifique o indeferimento, na sua totalidade, da pretensão do particular. Poderia sempre, uma vez que é manos gravoso e conforme ao princípio da concordância prática, ter-se limitado a um indeferimento parcial, conciliando, proporcionalmente, promoção ambiental e direito de propriedade.<br /> Ainda é de questionar a conformidade, no caso concreto, com o art.º18, nº3 CRP, especificamente no que se refere à proibição de retroactividade, porquanto foi admitida como matéria de facto pelo tribunal a prévia concessão de uma licença de construção. O TC entendeu que esta circunstância, apesar de gerar obrigação de indemnizar, não tem a virtualidade de transformar a essência do direito de propriedade, por forma a fazer nela incluir as faculdades de lotear e construir.<br /> Qualquer que seja a posição que adoptemos a propósito da inclusão dos ius aedificandi no direito de propriedade, ela depende sempre de autorização constitutiva ou meramente declarativa desse direito, não se podendo negar a tutela da confiança que essa actuação acarreta em si, compreendendo-se assim as acusações do recorrente sobre violações dos princípio da igualdade, justiça, proporcionalidade e até prossecução do interesse público (o qual está intimamente relacionado com o dever de boa administração, obstando a actuações contraditórias dos poderes públicos).<br /> Em conclusão, não consideramos, a priori, que o regime imposto pela REN constitua uma restrição inaceitável ao direito de propriedade. Porém, no caso em análise, entendemos ter havido uma insuficiente ponderação dos interesses públicos e privados em causa motivada pela conformação do julgador a um bem maior, o qual tem de ser objectivado em cada situação e não padronizado em prol do ambiente.Subturma 11http://www.blogger.com/profile/06128454361777716469noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-16061593375824804622008-04-12T13:20:00.002+01:002008-04-13T17:08:33.161+01:00Comentário ao acórdão sobre informação ambientalNo acórdão em questão verifica-se um conflito de direitos, segredo industrial (defendido pelo Estado português) e o direito de acesso à informação ambiental (defendido por uma ONGA), sendo que o Tribunal constitucional deu prevalência ao primeiro em detrimento do segundo.<br /><br />O direito de acesso à informação constitui um meio de defesa dos direitos dos cidadãos e, encontra-se consagrado no artigo 268º/1 e 2 da CRP, devendo ser conjugado com os artigos 9º/e) e 66º CRP, dado tratar-se de matéria ambiental. O CPA confere legitimidade para intervir no procedimento às “associações sem carácter político ou sindical” que tenham por fim a defesa dos interesses legalmente protegidos, no artigo 53º/1 e 61º/1 – direito de informação sobre o andamento dos processos, sendo que a lei nº 38/98 de 1/Julho prevê expressamente a legitimidade activa das ONGAS para defesa do ambiente, independentemente de interesse na demanda, segundo o artigo 10º da referida lei. Têm nos termos do artigo 5º um direito de acesso à informação ambiental – regulada pela lei nº 19/2006, artigo 6º.<br /><br />“Artigo 9º da lei nº35/98<br />Meios e procedimentos administrativos<br />1 – As ONGA têm legitimidade para promover junto das entidades competentes os meios administrativos de defesa do ambiente, bem como para iniciar o procedimento administrativo e intervir nele, nos termos e para os efeitos do disposto na Lei nº 11/87, de 7 de Abril, no Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, e na Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.”<br /><br />No artigo 9º do CPTA prevê-se a legitimidade de os administrados recorrerem à tutela jurisdicional para a defesa dos seus interesses, nomeadamente, a defesa do ambiente, devendo conjugar-se este artigo com o artigo 268º/4 CRP, que consagra a tutela jurisdicional e o artigo 52º CRP com a lei nº 83/95, a lei de acção popular.<br /><br />O Tribunal Constitucional considerou poder retirar-se o segredo industrial enquanto direito fundamental dos artigos 268º/2 da CRP em conjugação com o artigo 10º da lei nº 65/93 e o artigo 13º do DL 321/95 e ainda do nº2 do artigo 62º do CPA “os interessados têm direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial”, uma vez que o segredo industrial seria inerente ao direito à iniciativa privada. E, por outro lado, o Governo português ter-se-ia vinculado por uma cláusula contratual ao dever de sigilo. (cláusula esta cuja constitucionalidade poderia ser questionada)<br />A ONG alega que o acesso à informação é um instrumento essencial de protecção do direito à integridade física e mesmo do direito à vida, tendo em conta que as questões do ambiente são muito sensíveis e que existe uma máxima de que “in dubio pro ambiente” e que “vale mais prevenir do que remediar”, como diz um sábio ditado popular. Deve-se procurar a harmonização da evolução com o equilíbrio ambiental, segundo o princípio do desenvolvimento sustentável e o direito de todos a um ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de o defender – artigo 66º/1, CRP. E mais: “A defesa do ambiente opera-se fundamentalmente por acção preventiva (princípios da prevenção e da precaução), na medida em que os danos ambientais são frequentemente de natureza irremediável e grave”. Princípios estes que o acórdão em questão não ponderou, tendo considerado que após o inicio da actividade se veriam quais os impactos ambientais da sua actividade. E apenas seriam de admitir “em casos limitados restrições ao direito à informação dos particulares: quando estão em jogo poderosos interesses públicos”. <br /><br />Julgo que a decisão do tribunal constitucional deveria ter sido diferente. No confronto entre dois direitos fundamentais deve prevalecer o que estiver mais directamente relacionado com a dignidade da pessoa humana, que no caso era o direito de acesso à informação ambiental. Seguindo a ideia de que os direitos fundamentais contêm conteúdos permissivos, proibitivos ou prescritivos e de que tais conteúdos podem não se actualizar em virtude da actualização do conteúdo de outro direito que mereça maior respeito, chegamos à conclusão, tendo em mente o princípio da dignidade da pessoa humana e de que o direito ao ambiente se pode ter como um direito pessoal, enquanto manifestação do direito ao desenvolvimento da personalidade (artigo 26º/1 da CRP), que o direito ao ambiente e todos os direitos a ele inerentes (como é o direito de acesso à informação ambiental) devem prevalecer face ao direito ao segredo industrial, Só devendo ser restringido quando um interesse superior estiver em causa. Se considerarmos os bens em causa, deverá um bem patrimonial sobrepor-se a um bem pessoal? Não me parece defensável que assim o seja. E, da análise do artigo 11º da LAIA pode retirar-se a conclusão de que no caso em apreço o direito à informação ambiental não poderia ter sido negado pela administração.<br /> <br />Artigo 11ºda LAIA:<br />"6—O pedido de acesso à informação pode ainda ser indeferido se a divulgação dessa informação prejudicar:<br />d) A confidencialidade das informações comerciais ou industriais, sempre que essa confidencialidade esteja prevista na legislação nacional ou comunitária para proteger um interesse económico legítimo, bem como o interesse público em manter a confidencialidade estatística ou o sigilo fiscal;<br />7—Os fundamentos de indeferimento referidos nas alíneas a), d), f), g) e h) do número anterior não podem ser invocados quando o pedido de informação incida sobre emissões para o ambiente.<br />8—Os fundamentos de indeferimento previstos no presente artigo devem ser interpretados de forma restritiva pelas autoridades públicas, ponderando o interesse público servido pela divulgação da informação e os interesses protegidos que fundamentam o indeferimento."Subturma 11http://www.blogger.com/profile/06128454361777716469noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-27866990447566691652008-04-11T17:54:00.002+01:002008-04-11T17:59:30.192+01:00Colisão de direitos: como ponderar? (comentário ao acórdão 136/2005)<div align="justify">Antes de iniciarmos o comentário deste acórdão é nosso dever fazer a seguinte advertência: temos o maior respeito pelos Senhores Conselheiros, pois certamente a sua sabedoria é bem maior do que a nossa. Todavia, a sua decisão, na nossa humilde opinião, leva-nos a à crítica negativa, na medida em que contraria a nossa perspectiva de relação entre os Direitos Fundamentais.<br /></div><div align="justify">Assim, esta decisão tem características de inconstitucionalidade pelas seguintes razões:<br /></div><div align="justify">A) O TC pretende colocar em igualdade o direito à informação ambiental e a necessidade de reserva comercial e negocial, subvalorizando assim a autonomia e a especificidade do interesse em causa, que é um interesse qualificado. Tal como refere CARLA AMADO GOMES, tinha um poder-dever de considerar a Conveção d’ Aarhus e também a directiva 2003/4/CE.<br /><br />B) O TC alega que nenhum deve prevalecer, pois não há uma hierarquia, parece-nos que é precisamente isso que faz ao alicerçar a resolução da colisão numa inexistente ponderação casuísta.<br /><br />C) O princípio da prevenção ambiental é totalmente desconsiderado, quando é afirmado que deve a empresa laborar e caso venham a existir danos logo se discutirá a prevalência do direito ao ambiente (ponto 7, §3). Isto significa que primeiro não se deixa aceder à informação porque é mais importante preservar o segredo, o que leva a que a empresa possa funcionar sem que haja participação de entidades com especial interesse e elevado conhecimento; depois, se correr mal, remedeia-se.<br /><br />D) São invocados outros interesses para fundamentar a necessidade de reserva comercial, como o desenvolvimento económico enquanto tarefa fundamental do Estado, quando o que estava em causa não era a impugnação da decisão de construção, mas sim o acesso a documentos que possam elucidar a possibilidade de ocorrerem danos ambientais.<br /><br />O problema de fundo que encontramos neste acórdão, não é propriamente a inconstitucionalidade ou não das normas em causa, se bem que o artigo 13º, nº1 do DL 321/95, suscita-nos as maiores dúvidas, na medida em que discrimina o investimento nacional em face do investimento estrangeiro, o que parece violador do Direito Comunitário (nomeadamente o princípio da igualdade conjugado com regras sobre concorrência).<br /></div><div align="justify">Assim, a problemática que nos leva a discordar desta decisão prende-se em concreto com os limites e as limitações dos direitos fundamentais em conflito, tal como aconteceu aos Senhores Conselheiros vencidos.<br /></div><div align="justify">É ideia base que os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados, pois nós próprios e a Constituição os conotamos com a ideia de responsabilidade social.<br /></div><div align="justify">Em alguns casos, o conflito entre direitos fundamentais pode resolver-se logo através dos limites imanentes. Outras vezes resolvem-se pelas restrições do conteúdo por intervenção normativa geral e abstracta do legislador ordinário (leis restritivas). Mas na maior parte dos casos, a limitação ou harmonização tem de ser feita perante o caso concreto.<br /></div><div align="justify">Não nos iremos debruçar sobre a questão dos limites imanentes nem sobre as restrições ao nível legislativo, pois entendemos que a questão aqui é a harmonização do caso concreto. Ao contrário do que decorre da decisão, não poderíamos ficar ao nível das restrições legislativas, pois as normas em causa não legitimam a restrição total ao direito de acesso à informação, muito menos legitima o não acesso existir uma cláusula contratual de confidencialidade!<br /></div><div align="justify">Assim, na senda de VIEIRA DE ANDRADE, «não pode ignorar-se que, nos casos de conflito, (…) não é lícito sacrificar pura e simplesmente um deles ou outro». Portanto, daqui decorre que o que o TC deveria ter feito era uma harmonização dos direitos em jogo, ou seja, como é defendido na declaração de vencido do Conselheiro, devia ter analisado documento a documento para efectuar uma «minuciosa “ponderação casuística”».<br /></div><div align="justify">A recorrente para realizar a sua avaliação ambiental mais do que do clausulado do contrato necessitaria dos estudos técnicos, na medida em que naquele momento a intenção não era opor-se à construção, mas antes saber o que dela poderia vir a resultar para o Ambiente<br /></div><div align="justify">De tudo isto, entendemos que a recorrente podia ter tido acesso aos anexos do contrato e aos estudos técnicos para efectuar a avaliação ambiental. Todavia, o acesso às certidões do próprio contrato, em face da legislação ordinária que na altura existia e também da cláusula de confidencialidade do contrato (que merece relevo na harmonização mas não é fundamento para o não exercício do direito acesso à informação), deveria ser mantido no sigilo até mesmo para que o Estado não incorresse em incumprimento de deveres contratuais. </div><div align="justify"> </div><div align="justify">Ana Catarina Sabido, st 12 nº 14649</div>Subturma 12http://www.blogger.com/profile/08659893775573840567noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-58413857975027455182008-04-09T17:58:00.005+01:002008-04-11T15:02:06.866+01:00O papel da jurisprudência comunitária na tutela do ambiente<div align="justify">A questão da protecção ambiental surge em 1972, na Cimeira de Paris, no sentido da promoção da qualidade de vida das populações dos Estados-membros (cfr. Declaração de Paris).<br /></div><div align="justify"><strong>Finais da década de 70 e início da década de 80<br /></strong></div><div align="justify">Apesar do reconhecimento da protecção ambiental pela Comunidade (logo pelos Estados-membros), como esta não constava expressamente do Tratado, coube ao Tribunal de Justiça (TJ) confirmar a protecção do ambiente como atribuição comunitária, na medida em que alguns Estados não cumpriam as obrigações já assumidas.<br /></div><div align="justify">Assim, um desses países foi a Itália, contra o qual a Comissão intentou um processo por incumprimento em 1979 (Caso Comissão c. Itália, <a href="http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!CELEXnumdoc&lg=en&numdoc=61979J0091">proc. 91/79</a>). Esta acção foi intentada por falta de transposição de uma directiva (737404/CEE), que promovia a harmonização das legislações nacionais em matéria de produção de detergentes. Visava-se o incentivo ao uso dos biodegradáveis e também a preservação da qualidade da água. O Estado italiano defendeu-se dizendo que a competência em matéria ambiental não cabia à Comunidade. Esta contrapôs argumentando que não tinha que provar a sua competência em matéria ambiental, uma vez que a matéria em causa respeitava ao funcionamento do mercado. O TJ condenou o Estado italiano, adoptando também a posição defendida pela Comissão, na medida em que as directivas sobre matéria ambiental podem ter por base o artigo 100º, ou seja, podem basear-se em matéria económica para salvaguarda da concorrência.<br /></div><div align="justify">Esta solução do TJ, para «fugir» à falta de disposição formal, foi válida até ao Acto Único Europeu.<br /></div><div align="justify"><strong>Década de 80 (após o Acto Único Europeu)<br /></strong></div><div align="justify">Na redacção dada ao Tratado pelo Acto Único Europeu (1987), foi expressamente reconhecida a competência partilhada em matéria ambiental (artigos 174º a 176º TCE, ex-artigos 130 – R/S/T). assim, surgem os princípios conformadores da gestão racional, da prevenção, do poluidor-pagador e da responsabilização.<br /></div><div align="justify">Todavia, nesta fase houve alguns confrontos entre o Conselho e a Comissão, na medida em que se procurava ora fazer prevalecer o lado económico, ora o lado ambiental. O TJ em dois casos em tudo semelhantes, decidiu de formas diversas (Caso C-300/89 e C-155/91).<br /></div><div align="justify"><strong>Década de 90 até aos nossos dias<br /></strong></div><div align="justify">Apesar da preocupação ambiental da Comunidade já vir de longe, foi com a formalização das disposições ambiente e cremos também devido à tomada de consciência pela comunidade política e jurídica, que houve uma maior desenvolvimento jurisprudencial nesta matéria.<br /></div><div align="justify">A implementação pela Comunidade de uma política ambiental foi reforçada pelo Tratado de Maastricht (1993). Através do princípio do desenvolvimento sustentável (preâmbulo TUE) assume-se a tarefa de preservação conjunta do ambiente.<br /></div><div align="justify">Há uma nova tónica no ambiente, especialmente depois da confirmação do artigo 175º (ex-artigo 130 S, pelo TJ no acórdão de 14 de Julho de 1994 (<a href="http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:61992J0379:PT:HTML">Caso C-379/92</a>).<br /></div><div align="justify">Novo reforço em matéria ambiental chega-nos em 1998, com o Tratado de Amesterdão, pois da conjugação do novo artigo 6º TCE com o 3º, nº1, al. l) TCE demonstra-se aquilo que havia sido alcançado com a Declaração do Rio.<br /></div><div align="justify">A tutela do ambiente tem sido levada a cabo pelo TJ, quase sempre no sentido da evolução e autonomização do ambiente em relação às outras matérias, em diversas situações. Assim, faremos aqui uma breve resenha dessa mesma evolução:<br /></div><strong></strong><div align="justify"><strong>1991 – Caso Comissão c. Alemanha</strong> (<a href="http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexplus!prod!CELEXnumdoc&lg=en&numdoc=61989J0057">proc. C-57/89</a>) Estava em causa a construção de uma barragem na Alemanha para a protecção das populações ribeirinhas. Todavia, a Comissão entendeu que tal construção violava a Directiva das Aves (79/409/CEE), na medida em que causava danos ecológicos graves. Assim, o TJ teve de ponderar o interesse ecológico, na medida da preservação do ambiente e a qualidade de vida das populações. Este foi um forte teste à matéria ambiental. O TJ acabou por decidir favoravelmente à segurança das populações, não deixando de ponderar a protecção das aves, pois analisou detalhadamente o projecto e acabou por concluir que a construção da barragem acabaria por ser positiva. Neste caso, como se pode retirar da leitura do acórdão, o princípio da proporcionalidade na ponderação dos interesses em causa teve num dos seus máximos expoentes.<br /></div><strong></strong><div align="justify"><strong>2001 – Caso Comissão c. Bélgica</strong> (<a href="http://curia.europa.eu/jurisp/cgi-bin/form.pl?lang=en&Submit=Rechercher&alldocs=alldocs&docj=docj&docop=docop&docor=docor&docjo=docjo&numaff=C-230/00&datefs=&datefe=&nomusuel=&domaine=&mots=&resmax=100">proc. C-230/00 </a>) Na Bélgica, aquando da transposição de directivas relacionadas com a poluição de águas e tratamentos de resíduos, existia a figura do acto tácito. Assim, a concessão tácita de autorizações levava a que as autoridades administrativas belgas não exercessem os seus poderes-deveres de avaliação e gestão do risco ambiental. Logo, na perspectiva da Comissão, tal regime era incompatível com o objectivo das directivas e que previam mecanismos de autorizações prévias. A questão essencial e de fundo nesta problemática era a prevenção. Conclui-se que tal regime é incompatível com a prevenção ambiental. Tendo em conta os efeitos dos acórdãos do TJ, nomeadamente quanto a outros Estados-membros, justifica-se a importância desta decisão.<br /></div><strong></strong><div align="justify"><strong>2001 – Caso PreussenElektra c. Schleswag</strong> (<a href="http://curia.europa.eu/jurisp/cgi-bin/form.pl?lang=en&Submit=Rechercher&alldocs=alldocs&docj=docj&docop=docop&docor=docor&docjo=docjo&numaff=C-379/98&datefs=&datefe=&nomusuel=&domaine=&mots=&resmax=100">proc. C – 379/98</a>) A PrussenElektra é uma empresa que fornece electricidade a empresas regionais de fornecimento de electricidade e está obrigada a comprar os excedentes energéticos, recebidos por essas empresas regionais, provenientes de fontes de energia renováveis. A PrussenElektra recusou-se a pagar à Schleswag tal quantia, na medida em que entendia que essa obrigação (que na altura já ascendia aos milhares de marcos) violava as regras da livre circulação de mercadorias e da concorrência (era como se houvesse um auxilio do Estado dado à segunda empresa mas em vez de ser o Estado a dá-lo era a primeira empresa). Seria de pensar que o TJ fosse no sentido de interpretação económica dos conflitos em jogo. Mas não. Aqui o TJ toma uma posição em favor do ambiente, na medida em que considera que a restrição aos direitos invocados é legítima e não viola o Direito Comunitário. A restrição é legítima na medida em que os incentivos à produção de energias renováveis (também existentes em Quioto) e a racionalização dos recursos energéticos, coadunam-se com a finalidade última de protecção da saúde e vida das pessoas e dos animais (fins de protecção ambiental).<br /></div><strong></strong><div align="justify"><strong>2005 – Caso Comissão c. Conselho</strong> (<a href="http://curia.europa.eu/jurisp/cgi-bin/form.pl?lang=en&Submit=Rechercher&alldocs=alldocs&docj=docj&docop=docop&docor=docor&docjo=docjo&numaff=C-176/03&datefs=&datefe=&nomusuel=&domaine=&mots=&resmax=100">proc. C-176/03</a>) Este acórdão tem por base uma decisão-quadro, adoptada pelo Conselho que define as infracções contra o ambiente, as quais os Estados-membros são «convidados» a aceitar. Esta temática dos crimes ambientais é de extrema relevância. Todavia, entendeu a Comissão que a competência, nos termos dos artigos 174º a 176º TCE, é da Comunidade. O TJ decide então que a decisão deve ser anulada por violar o artigo 47º TUE e 175º TCE, mas diz que quando a aplicação de sanções penais seja indispensável para combater os atentados ao ambiente o legislador comunitário deve tomar medidas relativas à harmonização do direito penal dos Estados, para garantir a «plena efectividade da protecção do ambiente».<br /><br />Assim, conclui-se que foram dados alguns passos incentivadores da tutela do ambiente, até mesmo pioneiros (pelo menos até ao Acto Único Europeu).<br />O TJ afirma-se defensor das energias renováveis, da prevenção ambiental e até mesmo da criminalização de comportamentos graves que ofendam o Ambiente.<br /><br /><br />Ana Catarina Sabido, nº 14649<br />St 12</div>Subturma 12http://www.blogger.com/profile/08659893775573840567noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-73724941291310054282008-04-09T03:58:00.003+01:002008-04-10T14:40:35.434+01:00Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 544/01 (REN)<strong>Acórdão n.º 544/01</strong><br /><div align="justify">Proc. nº 194/01<br />1ª Secção<br />Relatora: Maria Helena Brito<br /><br /><br />Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:<br /><br /><strong>I</strong><br /><br /><strong>1. </strong>Em 26 de Outubro de 1992, A interpôs, junto do Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso de anulação de um despacho do Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, datado de 17 de Agosto de 1992, que indeferiu o recurso hierárquico que havia interposto para o Ministro do Planeamento e da Administração do Território da resolução que recaiu sobre o parecer da Comissão de Coordenação da Região (CCR) de Lisboa e Vale do Tejo desfavorável ao seu projecto de loteamento industrial de uma parcela de terreno, sito em..., freguesia e concelho do Montijo.<br />A entidade recorrida, na resposta de fls. 22 e seguintes, pugnou pela absolvição da instância e, subsidiariamente, pelo não provimento do recurso.<br />Nas respectivas alegações (fls. 38 e seguintes), o recorrente apresentou, entre outras, as seguintes conclusões:<br />"[...]<br />4ª - O acto recorrido enferma de violação de lei, sob a forma de erro sobre os pressupostos de direito e de facto e aplicação de normas inconstitucionais, tendo violado os arts 168º/1/a) e n.º 2 da CRP, 4º e 17º do DL n.º 93/90, 24º/3 e 30º/1 do DL n.º 400/84, pois<br />a) O DL n.º 93/90 restringiu o direito de propriedade (artº 62º da CRP), direito fundamental sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias, ex vi do artº 17º da CRP, sem que tenha existido prévia lei de autorização legislativa, violando o disposto no artº 168º/1/a) e 2 da Constituição da República Portuguesa (v. Acs. do Trib. Const. in DR, II Série, de 20/11/91);<br />[...]."<br /><br />A entidade recorrida apresentou também alegações (fls. 60 e seguintes), tendo nomeadamente sustentado o seguinte:<br />"[...]<br />Pretende o Recorrente que o acto impugnado incorre no vício de violação de lei, por ter sido praticado ao abrigo de um diploma inconstitucional e padecer de erros sobre os pressupostos de facto e de direito.<br />Desde logo advoga que o regime da REN configura uma clara limitação do direito de propriedade, contemplado no art. 62º da CRP.<br />A este respeito, dir-se-á que o direito de propriedade, como direito constitucionalmente garantido, não é um direito absoluto, antes comporta restrições necessárias à defesa de outros direitos e interesses com igual consagração constitucional.<br />Haja em vista os denominados direitos sociais, designadamente, a defesa do património cultural, da protecção da natureza e do equilíbrio ecológico – nº 2, do art. 66º, da CRP.<br />Haverá, pois, que conjugar o poder de gozo do bem objecto do direito de propriedade com uma das tarefas fundamentais do Estado, plasmadas na alínea e), do art. 9º, do texto constitucional, que se transcreve:<br />«Proteger e valorizar o património cultural do povo português, defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais e assegurar um correcto ordenamento do território.»<br />definindo-se este como a tradução, no espaço, das políticas económica, social, cultural e ecológica da sociedade (vide Carta Europeia de Ordenamento do Território), pressupõe a utilização racional dos recursos naturais, tendo por base o solo, e por finalidade o desenvolvimento equilibrado das populações urbanas e rurais, com vista a uma melhoria das condições de vida.<br />Na demarcação de espaços onde uma classe de uso do solo é dominante, haverá que contrapor, no caso dos autos, espaços naturais (onde as medidas de salvaguarda dos recursos naturais dominam sobre as actividades produtivas), de que são exemplos, entre outros os cordões dunares, estuários, sapais, zonas húmidas, florestas de protecção, parques e reservas naturais, praias e formações geológicas, e espaços industriais, onde se pretende efectivar a operação de loteamento, com os riscos ambientais que isso envolve, podendo «vir a afectar o equilíbrio ecológico da área, que se considera de manter» – fls. 214 do Instrutor.<br />Invoca, ainda, o Recorrente que o regime da REN foi estabelecido por decreto-lei, sem autorização prévia da Assembleia da República.<br />Deliberadamente (e diz-se deliberadamente, porque o enfoque à Lei de Bases do Ambiente – Lei 11/87, de 7 de Abril – é feito no próprio preâmbulo do Decreto-Lei nº 93/90), o Recorrente ignorou que este diploma foi publicado depois daquela Lei de Bases, que define «as bases da política de ambiente, em cumprimento do disposto nos artigos 90º e 66º da Constituição da República» seu art. 1º – política de ambiente de que são instrumentos a RAN e a REN – alínea d), do nº 1, do art. 27º.<br />Logo, o Governo apenas necessitaria de autorização legislativa para estabelecer o regime da REN, se a Assembleia da República não tivesse aprovado, em data anterior, a Lei de Bases do Ambiente.<br />E não foi o caso.<br />O acto recorrido baseou-se, pois, em normas que não diminuem o alcance do conteúdo dos preceitos constitucionais, estando a sua conformidade constitucional salvaguardada pelo nº 2, do art. 18º da CRP, inexistindo, em consequência, o alegado vício de violação de lei, por desrespeito de normas constitucionais.<br />[...]."<br /><br />O representante do Ministério Público, no parecer de fls. 74 v.º a 75º v.º, sustentou que o recurso não merecia provimento.<br /><br /><strong>2.</strong> Por acórdão de 21 de Janeiro de 1998, a 1ª Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, entre outros pelos seguintes fundamentos (fls. 81 e seguintes):<br />"[...]<br />Alega mais o recorrente – conclusão 4 a) – que o acto recorrido enferma de violação de lei, sob a forma de erro sobre os pressupostos de facto e direito e, designadamente, por aplicação de normas inconstitucionais, por ter sido praticado ao abrigo de um diploma inconstitucional à luz do artº 168º-1 b) e 2 da Constituição (por lapso refere-se a al. a)).<br />Este diploma, porém, não foi emitido «a descoberto», mas, como diz a Entidade Recorrida e resulta do expresso no seu relatório preambular e se considerou no acórdão deste STA de 25/6/92 (Ap. DR de 16/4/96, págs. 4276) no seguimento do disposto no artº 27 da Lei de Bases do Ambiente – Lei nº 11/87, de 7 de Abril – que fixou as directrizes essenciais, a disciplina básica do regime jurídico em matéria da política do ambiente, de que é instrumento a REN.<br />E trata-se de um decreto-lei de desenvolvimento daquela Lei, que não desrespeita, mantendo-se dentro dos seus princípios fundamentais e que não dispõe sobre matéria abrangida na al. b) do referido artº 168º.<br />Improcede, assim, este arguido vício de violação de lei.<br />[...]".<br /><br /><strong>3.</strong> A. recorreu do referido acórdão para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (fls. 101), tendo nas respectivas alegações (fls. 105 e seguintes) apresentado, entre outras, as seguintes conclusões:<br />"[...]<br />8ª - O acto recorrido enferma de violação de lei, sob a forma de erro sobre os pressupostos de direito e de facto e aplicação de normas inconstitucionais, tendo violado os arts. 168º/1/b) e nº 2 da CRP, 4º e 17º do DL nº 93/90, 24º/3 e 30º/1 do DL nº 400/84, merecendo o douto acórdão recorrido censura por haver decidido em contrário, pois (cfr. texto, nºs 14 a 17):<br />a) O DL nº 93/90 restringiu o direito de propriedade (artº 62º da CRP), direito fundamental sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias (e ao regime de reserva legislativa), ex vi do artº 17º da CRP, sem que tenha existido prévia lei de autorização legislativa, ou sem que a Lei 11/87 contenha suficiente densificação dos princípios gerais aplicáveis ao instituto, que permitam aferir da conformidade do regime legal instituído com aquela lei reforçada, violando o disposto no artº 168º/1/b) e 2 da CRP;<br />b) O pedido de loteamento formulado pelo recorrente não contemplou qualquer construção na faixa de 200 metros interior à linha de praia-mar, destinando-se essa faixa a zona verde, como expressamente foi admitido pela entidade recorrida;<br />c) Não estando prevista nenhuma acção para aquela faixa, o equilíbrio ecológico daquela área nunca poderia ser prejudicado, não se justificando a sua sujeição ao regime previsto nos arts. 17º e 4º/1 do DL nº 93/90, uma vez que a ratio daqueles preceitos abrange apenas as acções que pela sua expressão física directa ou potencialidade imediata possam pôr em causa o equilíbrio ecológico, o que não se verifica no caso em apreço;<br />d) A simples inclusão de uma parcela de terreno em zona sujeita a regime transitório da REN – o que se impugna no caso vertente – não permite per se indeferir as pretensões dos praticantes (cfr. artº 4º/2 e 17º/1 do DL nº 93/90);<br />e) O prédio a lotear não se integra em qualquer das alíneas do Anexo II ao DL nº 93/90, pois encontra-se na sua quase totalidade atulhado e terraplanado, não apresentando, em resultado da transformação, características que o tornem apto a integrar a REN;<br />g) A parte não terraplanada e atulhada é composta de salinas, categoria não prevista em qualquer das alíneas do referido anexo;<br />[...]".<br /><br />A entidade recorrida também alegou (fls. 129 e seguintes), sustentando que o recurso jurisdicional devia ser rejeitado ou, se assim não se entendesse, julgado improcedente.<br />O recorrente respondeu a certas questões prévias suscitadas pela entidade recorrida (fls. 140 e seguintes).<br />O Ministério Público, no parecer de fls. 150 e v.º, pronunciou-se no sentido da rejeição do recurso.<br /><br /><strong>4.</strong> Por acórdão de 16 de Janeiro de 2001, o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso (fls. 155 e seguintes). Pode ler-se no texto do acórdão, para o que aqui releva, o seguinte:<br />"[...]<br />8.2.2. Alega ainda o recorrente na conclusão 8ª que o acto recorrido enferma de violação de lei, sob a forma de erro sobre os pressupostos de direito e de facto e aplicação de normas inconstitucionais, violando os artºs 168º, nº 1, al. b) e nº 2 da CRP, 4º e 17º do DL nº 93/90, 24º/3 e 30º/1 do DL nº 400/84, merecendo o Acórdão recorrido censura por haver decidido em contrário, porquanto o DL nº 93/90 restringiu o direito de propriedade (artº 62º da CRP), direito fundamental sujeito ao regime dos direitos, liberdades e garantias (e ao regime de reserva legislativa) ex vi do artº 17º da CRP sem que tenha existido prévia autorização, ou sem que a Lei nº 11/87 contenha suficiente densificação que permitam aferir da conformidade do regime legal instituído com aquela lei reforçada, violando o disposto no artº 168º/1/b e 2 da CRP.<br />O Acórdão recorrido decidiu, e bem, que o DL nº 93/90 não foi emitido «a descoberto», mas antes no seguimento do disposto no artº 27º da Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87, de 07 de Abril), que naquele normativo (nº 1, al. a)) determina serem instrumentos de política do ambiente e do ordenamento do território, além da reserva agrícola nacional, a reserva ecológica nacional.<br />Trata-se, assim, de uma lei de bases, sendo o DL nº 93/90, um decreto-lei de desenvolvimento que está submetido à respectiva lei de bases (nº 2, 2ª parte, do artº 115º da CRP). Não explica o recorrente onde é que aquele diploma legal extravasa os parâmetros ou quadro legal de desenvolvimento fixados na lei de bases, e era a ele que o competia fazer, para este T. Pleno poder emitir pronúncia sobre tal questão.<br />Acresce que, hoje, o direito de propriedade constitucionalmente reconhecido não é um direito absoluto, estando, antes, sujeito a limites intensos, sendo particularmente relevantes os que ocorrem no domínio urbanístico e do ordenamento do território, a ponto de se questionar se o direito de propriedade inclui o direito de construir – jus aedificandi – ou se este radica antes no acto administrativo autorizativo (licença de construção), pelo que a utilização do uso dos solos está sujeita a uma rede complexa de planos de ordenamento, autorizações, licenças, proibições, materialmente constitutivos de ónus ou restrições socialmente adequadas, nuns casos, ou de sacrifícios especiais ligitimadores de um direito indemnizatório, noutros casos (para maior desenvolvimentos, os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in «Constituição da República Portuguesa Anotada», 3ª edição, págs. 333 e 349).<br />Não se vislumbra, assim, em que é que o Acórdão recorrido violou as invocadas leis constitucionais e leis ordinárias que lhe são assacadas na conclusão 8ª.<br />Quantos aos erros nos pressupostos de facto incluídos nas diversas alíneas b) a g) da referida conclusão 8ª, não pode sobre eles emitir pronúncia este T. Pleno, atentas as limitações de cognição impostas pelo nº 1 do citado artº 21º do ETAF.<br />Improcede, assim, também a conclusão 8ª da alegação do recorrente.<br />[...]."<br /><br /><strong>5. </strong>A. interpôs recurso do referido acórdão de 16 de Janeiro de 2001 para o Tribunal Constitucional (fls. 184), ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, com fundamento na inconstitucionalidade orgânica e material do Decreto-Lei n.º 93/90, de 10 de Março, por violação dos artigos 62º e 168º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 da Constituição ("na redacção vigente no momento em que a questão foi suscitada nos autos", a que correspondem actualmente os artigos 62º e 165º, nº 1, alínea b)).<br />O recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido por despacho de fls. 186.<br />Já no Tribunal Constitucional, foi proferido o despacho de fls. 189 e v.º, mandando notificar o recorrente para completar o requerimento de interposição do recurso, indicando quais as normas do Decreto-Lei n.º 93/90, aplicadas na decisão recorrida, que considera inconstitucionais e que pretende submeter à apreciação deste Tribunal, qual a norma ou princípio constitucional violado por cada uma dessas normas, bem como qual a peça processual em que suscitou a questão da inconstitucionalidade.<br />Notificado deste despacho, o recorrente veio dizer o seguinte (fls. 190 e v.º):<br />"1. As normas do Decreto-Lei n.º 93/90, de 10 de Março, aplicadas na decisão recorrida e que o recorrente considera inconstitucionais, pretendendo submeter à apreciação deste Tribunal, são todas as normas legais constantes do citado diploma (Decreto-Lei nº 93/90, de 10 de Março) e em especial, dados os seus efeitos, as normas que constam dos artigos 3º, 4º e 17º desse mesmo diploma (as quais estabelecem um regime proibitivo de uso de solos – áreas REN).<br />2. No entendimento do recorrente, o supracitado diploma legal – o conjunto de todas as suas normas e em particular os seus artigos 3º, 4º e 17º – enfermam de inconstitucionalidade orgânica por regularem matéria atinente «a direitos liberdades e garantias» sem terem sido precedidos da necessária autorização legislativa da Assembleia da República (violando desse modo o art. 165º/1/b) e 2 da CRP, por referência aos arts. 62º e 17º do diploma fundamental) e de inconstitucionalidade material por ofensa ao «direito de propriedade privada».<br />3. Mais esclarece que a inconstitucionalidade das supra citadas normas foi suscitada pelo recorrente logo na conclusão 4ª/a) das alegações de recurso apresentadas junto do Supremo Tribunal Administrativo e na conclusão 8ª das alegações de recurso interposto para o Pleno desse Tribunal."<br /><br />Notificado para produzir alegações, A. nelas concluiu do seguinte modo (fls. 194 e seguintes):<br />"1ª- O relacionamento entre leis manifesta-se a diferentes níveis, sendo que «a mais frisante diferença de funções entre actos legislativos ocorre em duas hipóteses distintas: entre leis de autorização legislativa e decretos-leis publicados no uso de autorização e entre leis de princípios ou bases gerais dos regimes jurídicos e decretos-leis em seu desenvolvimento» [...];<br />2ª- O Decreto-Lei nº 93/90, de 19 de Março padece de inconstitucionalidade orgânica ao restringir um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, e ao consubstanciar uma regulamentação de meios e formas de intervenção nos solos (v. artigo 168º/1/al. b) e 1) da Constituição, na redacção em vigor em 1990), sem que para tanto dispusesse da necessária lei de autorização legislativa que legitimasse o Governo a intervir no âmbito da reserva relativa de competências legislativas da Assembleia da República – v. art. 165º, nº 1, al. b) e 1) da CRP [...];<br />3ª- Não legislando ao abrigo de uma qualquer lei de autorização legislativa ou em referência à Lei de Bases do Ambiente – Lei nº 11/87 – o Decreto-Lei nº 93/90 padece de inconstitucionalidade formal, já que decretou a disciplina jurídica da Reserva Ecológica Nacional ao abrigo da al. a) do art. 201º da CRP (actual art. 198º), isto é, mediante um decreto-lei independente [...].<br />4ª- Registe-se, aliás, que este entendimento não é de modo algum posto em causa pela argumentação que se utilizou no Acórdão recorrido, segundo a qual a inconstitucionalidade não existiria pelo facto do DL nº 93/90 ter sido exarado pelo Governo em desenvolvimento das bases da lei do Ambiente, pois,<br />a) legislar em desenvolvimento de Leis de Bases não pode significar uma dispensa do cumprimento das regras de repartição de competência da Assembleia da República constantes da Constituição, pois, é a própria Constituição que determina que nos casos em que exista essa reserva de competência é necessária lei de autorização legislativa que, em conformidade com o constante do artigo 168º/2 e 3 da Constituição, na redacção em vigor à data do DL nº 93/90, defina «o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada», sendo certo que «as autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República» (v. nº 4 do art. 168º da Constituição);<br />b) contrariamente ao defendido no Acórdão do STA sub judice tem de se referir que o próprio legislador do DL nº 93/90 não quis legislar em desenvolvimento da Lei de Bases do Ambiente, pois, expressamente editou o DL 93/90 ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 201º da Constituição, na redacção em vigor em 1990 – decretos-leis em matérias não reservadas à Ass. da República – e não ao abrigo da alínea c) desse mesmo preceito – decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes contidos em leis que a eles se circunscrevam.<br />c) Desse modo, não pode o intérprete entender que tal Decreto-Lei nº 93/90 foi editado pelo Governo em execução de uma Lei de Bases, quando é o próprio Governo que entendeu fazer tal Decreto-Lei por considerar que não se tratava de matéria da competência da Assembleia da República.<br />d) Entender de modo diferente seria admitir que por via de uma Lei de Bases se ultrapassasse a necessidade constitucional de ter uma lei de autorização legislativa que claramente definisse «o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização» (v. art. 168º/2 cit.); seria admitir que por via de uma Lei de Bases a pressuposta autorização legislativa que o STA pretende ver na Lei de Bases, não caducaria com «a demissão do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República» (v. art. 168º/4); seria admitir, em suma, uma violação das regras de competência da Ass. da República constantes do artigo 168º/1b) e l) e nºs 2, 3 e 4 da Constituição, na sua redacção à data da entrada em vigor do DL nº 93/90.<br />4ª- O Decreto-Lei nº 93/90, viola o disposto nos artigos 62º, 65º, nº 4 e 266º, nº 1 da CRP, ao delimitar as áreas de REN com a aplicação de regras que, ao invés de denunciarem respeito pelos direitos dos particulares e pela justa ponderação entre o interesse público e o interesse privado, antes revelam uma grande margem de arbitrariedade, sendo certo que contemplando o regime da REN uma forma de intervenção dos poderes públicos no regime dos solos por motivos de interesse público só o poderia fazer mediante a previsão da correspondente indemnização, como o exigia o disposto no artigo 83º e 168º/1/l) da Constituição na redacção em vigor em 1990, indemnização essa que o DL nº 93/90 não contempla, pelo que também por este motivo enferma de inconstitucionalidade;<br />5ª- Restringindo o direito de propriedade privada com recurso a este tipo de regras, o Decreto-Lei nº 93/90 padece de inconstitucionalidade material, na medida em que viola os princípios constitucionais tão importantes como o princípio da igualdade, da justiça e da proporcionalidade e o princípio da prossecução do interesse público e da boa administração [...]."<br /><br />A entidade recorrida (o Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território) foi notificada das alegações produzidas pelo recorrente, mas não respondeu (fls. 232).<br /><br /><strong>II</strong><br /><br /><strong>A. Delimitação do objecto do recurso<br /></strong></div><div align="justify"><strong>6.</strong> No recurso em apreço, vem suscitada a questão da inconstitucionalidade orgânica, formal e material das normas constantes do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março.<br />Este diploma, à data da interposição do recurso contencioso de anulação que deu origem aos presentes autos, já havia sido alterado pelo Decreto-Lei n.º 316/90, de 13 de Outubro, que deu nova redacção aos seus artigos 3º, 9º e 17º, bem como pelo Decreto-Lei n.º 213/92, de 12 de Outubro, que modificou o disposto nos seus artigos 3º, 4º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 13º, 14º, 17º e 21º. Posteriormente à data da interposição de tal recurso, foi ainda aprovado o Decreto-Lei n.º 79/95, de 20 de Abril, que introduziu alterações no seu artigo 3º.<br />O recorrente não especifica, no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional e nas respectivas alegações, qual a redacção do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março, que haverá a considerar.<br />Mas, no que toca à alegada inconstitucionalidade orgânica e formal, está obviamente apenas em causa, no presente recurso, o próprio Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março, já que tais vícios não são directamente assacados, pelo recorrente, aos subsequentes diplomas que o alteraram, e o Tribunal Constitucional não pode conhecer do que lhe não é pedido.<br />Já no que diz respeito à alegada inconstitucionalidade material das normas do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março, cumpre saber qual a redacção de tal diploma que foi considerada na decisão recorrida, dado que o presente recurso de constitucionalidade só pode ter como objecto normas que tenham sido efectivamente aplicadas.<br />Compulsando o texto da decisão recorrida, verifica-se que nela se tomou em consideração o Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março, na redacção do Decreto-Lei n.º 316/90, de 13 de Outubro. É o que resulta da leitura da seguinte passagem de fls. 171:<br />"[...]<br />Está em causa uma operação de loteamento [...], a qual está sujeita a parecer obrigatório e vinculativo da CCRLVT [...] e ainda a autorização da mesma entidade pública por se tratar de terreno a integrar na delimitação da Reserva Ecológica Nacional (REN), aprovada pelo DL n.º 93/90, de 19 de Março [por lapso, escreveu-se 10 de Março] e alterado pelo DL n.º 316/90, de 13 de Outubro (ibidem, art.ºs 3º, 4º e 17º), ao tempo em vigor.<br />[...]".<br /><br />É, pois, esta a redacção do diploma a ter em conta, na apreciação da questão de inconstitucionalidade material suscitada pelo recorrente.<br /><br /><strong>7. </strong>A apreciação das várias questões colocadas pelo recorrente exige que se comece por apreender os traços mais relevantes, quer da Lei de Bases do Ambiente em vigor à data da publicação do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março, quer deste mesmo diploma.<br />A Lei n.º 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente), foi aprovada pela Assembleia da República nos termos dos artigos 164º, alínea d), 168º, n.º 1, alínea g), e 169º, n.º 2, todos da Constituição (texto emergente da 1ª revisão constitucional).<br />O artigo 164º, alínea d), da Constituição (texto emergente da 1ª revisão constitucional) estabelecia a competência da Assembleia da República para fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo; o artigo 168º, n.º 1, alínea g) atribuía exclusiva competência à Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, para legislar sobre as bases do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural; o artigo 169º, n.º 2, por fim, estabelecia que certos actos revestiam a forma de lei.<br />De acordo com o artigo 27º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, a reserva ecológica nacional constitui um dos instrumentos da política de ambiente e do ordenamento do território. Essa reserva não é, porém, definida nem desenvolvida na Lei.<br />Dispõe, por seu turno, o artigo 37º, n.º 1, do mesmo diploma, que "[c]ompete ao Governo, de acordo com a presente lei [...], a adopção das medidas adequadas à aplicação dos instrumentos previstos na presente lei.". E o n.º 2 deste preceito legal acrescenta que "[o] Governo e a administração regional e local articularão entre si a implementação das medidas necessárias à prossecução dos fins previstos na presente lei, no âmbito das respectivas competências".<br />Refira-se ainda que a Lei de Bases do Ambiente contém algumas proibições e prevê alguns condicionamentos destinados à salvaguarda do ambiente. Assim: as proibições de pôr em funcionamento certos empreendimentos que poluam o ar (artigo 8º, n.º 3), de eliminar certa vegetação (artigo 9º, n.º 5), ou de explorar certos empreendimentos que poluam as águas (artigo 10º, n.º 5); e o condicionamento da utilização e ocupação do solo para fins urbanos e industriais e da implantação de equipamentos e infra-estruturas pela sua natureza, topografia e fertilidade (artigo 13º, n.º 5).<br /><br /><strong>8. </strong>O Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março – aprovado, portanto, já depois da publicação da referida Lei de Bases do Ambiente –, reviu o regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional (REN).<br /><br /><strong>8.1.</strong> O regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional havia sido primeiramente estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 321/83, de 5 de Julho, sendo que as normas dos seus artigos 2º, n.º 1, alínea c), e 3º, n.º 1, foram várias vezes julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, por violação do disposto no artigo 168º, n.º 1, alínea g), da Constituição, na redacção de 1982.<br />A mencionada norma do artigo 2º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 321/83, de 5 de Julho, integrava as arribas, incluindo uma faixa até 200 metros para o interior do território a partir do respectivo rebordo, na Reserva Ecológica Nacional. Por seu lado, a norma do n.º 1 do artigo 3º do mesmo diploma determinava que "[n]os solos da Reserva Ecológica Nacional são proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas funções e potencialidades, nomeadamente vias de comunicação e acessos, construção e edifícios, aterros e escavações, destruição do coberto e vida animal".<br />Considerou o Tribunal Constitucional, nomeadamente no acórdão n.º 152/92, de 8 de Abril (Diário da República, II Série, n.º 172, de 28-7-1992), que:<br />"[...] as normas em causa integram as bases do sistema jurídico de protecção da natureza e equilíbrio ecológico.<br />[...]<br />Ora, a competência para legislar sobre as bases do sistema de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico só podia ser exercida pelo Governo mediante autorização legislativa da Assembleia da República [...]. Tal autorização legislativa não existiu no caso, e assim o Governo só tinha competência legislativa própria para fazer decretos-leis de desenvolvimento das bases gerais previamente estabelecidas pela Assembleia da República – artigo 201º, n.º 1, alínea c), da Constituição, na mesma versão.<br />Na realidade, não só tal autorização não ocorreu como nem sequer existia na altura qualquer diploma específico sobre as bases da protecção da natureza e equilíbrio ecológico; a primeira codificação de tal matéria só viria a ser feita mais tarde pela Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, que definiu «as bases da política de ambiente», nela inserindo, como instrumentos privilegiados, «a reserva agrícola nacional e a reserva ecológica nacional» – artigo 1º e 27º, n.º 1, alínea d), desta lei.<br />[...]<br />[...] o sistema jurídico anterior ao questionado Decreto-Lei n.º 321/83 já comportava normas sobre o ordenamento do território nas áreas a que se refere o artigo 2º, n.º 1, alínea c), do diploma.<br />[...]<br />Todavia, nenhuma das referidas restrições [que eram as constantes do Decreto-Lei n.º 468/71, de 5 de Novembro] aponta para a proibição da realização de obras ou construções, designadamente de vias de acesso, edificações, aterros ou escavações, ou destruição do coberto vegetal e vida animal, conforme passou a estabelecer-se nos artigos 2º, n.º 1, alínea c) e 3º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 321/83. Portanto, estas normas vieram, afinal, alterar totalmente o princípio básico decorrente das normas referidas do Decreto-Lei n.º 468/71, proibindo o que até então estava meramente sujeito a licença administrativa.<br />Assim, e porque, como vimos, o Governo carecia de competência para as decretar sem a necessária autorização legislativa, as normas referidas do Decreto-Lei n.º 321/83 violam o disposto no artigo 168º, n.º 1, alínea g), da Constituição (versão de 1982)."<br /><br />Através do acórdão n.º 368/92, de 25 de Novembro (Diário da República, I Série-A, n.º 4, de 6-1-1993), o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da alínea g) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição, das referidas normas do Decreto-Lei n.º 321/83, de 5 de Julho. Nesse acórdão lê-se, entre o mais, o seguinte:<br />"[...] o tribunal, nos acórdãos fundamentadores do pedido em apreço, tendo em conta:<br />Por um lado, a circunstância de a regulação ínsita nas normas sub specie ter introduzido no ordenamento jurídico preexistente um princípio básico que ali se não consagrava (qual seja o de proibir a realização de obras, construções, aterros, escavações, destruição do coberto vegetal ou da vida animal nas arribas, incluindo uma faixa até 200 m para o interior do território contados a partir do respectivo rebordo), desta sorte efectuando uma fundamental e verdadeira inovação;<br />Por outro, que a matéria objecto das ditas normas faz parte de um sistema de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico; e<br />Ainda por um outro, que o diploma em que tais normas se encontram não foi emitido a coberto de autorização parlamentar;<br />concluiu pela inconstitucionalidade orgânica dos preceitos em análise.<br />[...] Não se vislumbra que seja necessário aditar qualquer outra fundamentação à argumentação carreada nos mencionados arestos, argumentação essa que agora se reitera [...]."<br /><br />Portanto, e em suma, o carácter inovatório das normas em análise, aliado à circunstância de versarem sobre matéria inserida num sistema de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico, bem como à de figurarem num diploma que não havia sido emitido a coberto de autorização parlamentar, conduziram à declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, dessas normas.<br />As normas das alíneas d), b) e e) do n.º 1 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 321/83, de 5 de Julho, foram também julgadas inconstitucionais por acórdãos subsequentes do Tribunal Constitucional (cfr. acórdãos n.º s 515/93, de 26 de Outubro, 203/95, de 20 de Abril, 218/99, de 21 de Abril, e 204/2000, de 4 de Abril), basicamente pelos fundamentos anteriores.<br /><br /><strong>8.2.</strong> Retornando ao diploma em apreço no presente recurso – o Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março –, assinale-se, em primeiro lugar, que no respectivo preâmbulo se lê o seguinte:<br />"[...]<br />Com o presente diploma, e no seguimento do disposto no artigo 27º da Lei de Bases do Ambiente – Lei n.º 11/87, de 7 de Abril –, pretende-se salvaguardar, de uma só vez, os valores ecológicos e o homem, não só na sua integridade física, como no fecundo enquadramento da sua actividade económica, social e cultural, conforme é realçado na Carta Europeia do Ordenamento do Território.<br />Incumbindo ao Estado, de acordo com o previsto na própria Constituição, o ordenamento do espaço territorial de forma a construir paisagens biologicamente equilibradas, constituindo para o efeito organismos próprios, a criação, no âmbito do Ministério do Planeamento e da Administração do Território, da Comissão da Reserva Ecológica Nacional resulta claramente do cumprimento necessário de um imperativo constitucional.<br />Assim:<br />Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:<br />[...]".<br />Portanto – e é este o primeiro aspecto a reter – o Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março, foi emitido ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 201º da Constituição – aliás, também o foram os Decretos-Leis n.ºs 316/90, de 13 de Outubro, 213/92, de 12 de Outubro, e 79/95, de 20 de Abril, que o alteraram –, alínea essa que, no texto emergente da revisão constitucional de 1989, determinava que competia ao Governo, no exercício de funções legislativas, fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República. Não foi emitido ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 201º da Constituição que, também no texto dessa revisão, atribuía competência ao Governo, no exercício de funções legislativas, para fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevessem.<br />De qualquer modo, o preâmbulo daquele Decreto-Lei refere expressamente o artigo 27º da Lei de Bases do Ambiente, a que o normativo aprovado pretendia dar seguimento.<br />Sublinhe-se ainda que, à data da publicação do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março, o artigo 168º, n.º 1, da Constituição determinava, respectivamente nas suas alíneas b) e g), que a matéria dos direitos, liberdades e garantias e a das bases do sistema de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico se inseriam na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.<br />Ora, a regulação do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março – na redacção do Decreto-Lei n.º 316/90, de 13 de Outubro –, pode, em traços gerais e para o que aqui releva, ser assim descrita:<br />a. Definição da Reserva Ecológica Nacional como estrutura biofísica que pressupõe o condicionamento à utilização de certas áreas (artigo 1º);<br />b. Caracterização das áreas abrangidas pela Reserva Ecológica Nacional (artigo 2º e anexos I e III) e atribuição, a certas entidades administrativas, de competência para proceder à delimitação dessa Reserva (artigo 3º);<br />c. Proibição do desenvolvimento de certas actividades, nomeadamente operações de loteamento e obras de urbanização, nas áreas incluídas na Reserva Ecológica Nacional, e atribuição às comissões de coordenação regional de competência para confirmar a possibilidade, excepcionalmente prevista no próprio diploma legal, de realizar certas actividades nas áreas incluídas na Reserva, bem como de competência para condicionar o exercício de tais actividades (artigo 4º);<br />d. Condicionamento do licenciamento de certas actividades em terrenos do domínio público hídrico (artigo 5º);<br />e. Inaplicabilidade do disposto no artigo 4º a certas áreas e operações (artigo 6º);<br />f. Regime dos recursos dos pareceres desfavoráveis emitidos ao abrigo do artigo 4º (artigo 7º);<br />g. Competência e constituição da Comissão da Reserva Ecológica Nacional (artigos 8º e 9º);<br />h. Obrigatoriedade de demarcação, em todos os instrumentos de planeamento que definam ou determinem a ocupação física do solo, das áreas integradas na Reserva Ecológica Nacional e das áreas sujeitas ao regime transitório (artigo 10º);<br />i. Competência para a fiscalização do cumprimento do diploma em causa (artigo 11º);<br />j. Tipificação de certas condutas como contra-ordenações, competência para a instrução dos processos contra-ordenacionais e aplicação de coimas, e destino do produto das coimas (artigos 12º e 13º);<br />k. Competência para embargar, demolir obras e fazer cessar certas condutas (artigo 14º);<br />l. Consideração como nulos dos actos administrativos que infrinjam o disposto nos artigos 4º e 17º, e responsabilidade civil de certas entidades administrativas por prejuízos que advenham, para certos particulares, dessa nulidade (artigos 15º e 16º);<br />m. Sujeição de certas áreas (as mencionadas nos anexos II e III), que ainda não tenham sido objecto da delimitação referida no artigo 3º, a um regime transitório, materializado na necessidade de aprovação, pela comissão de coordenação regional, das obras e empreendimentos mencionados no n.º 1 do artigo 4º, com possibilidade de recurso, para a Comissão da Reserva Ecológica Nacional, da decisão desfavorável (artigo 17º, n.º s 1 a 5). Possibilidade de avocação do processo por certos ministros, no caso de indeferimento do pedido de aprovação por esta Comissão (n.º 6);<br />n. Previsão da vigência do regime transitório até à aprovação da portaria de delimitação da Reserva Ecológica Nacional prevista no n.º 1 do artigo 3º (artigo 18º);<br />o. Exercício transitório das competências da Comissão da Reserva Ecológica Nacional pela Direcção-Geral do Ordenamento do Território (artigo 19º);<br />p. Revogação dos Decretos-Leis n.º s 321/83, de 5 de Julho, e 411/83, de 23 de Novembro (artigo 20º);<br />q. Condicionamento da aplicação do normativo em causa na Madeira e nos Açores (artigo 21º).<br /><br /><strong>9. </strong>Depois destas referências ao conteúdo do diploma em apreço no presente recurso, bem como ao dos diplomas conexos que o antecederam e seguiram, cumpre apreciar a questão colocada pelo recorrente.<br />Mas não sem antes fazer uma precisão: é que, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, não é possível, no presente recurso, apreciar a conformidade constitucional de todas as normas constantes do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março.<br />E isto porque, como facilmente se depreende da leitura do próprio diploma em análise e, especialmente, do texto do acórdão recorrido, não foram aplicadas, na decisão recorrida, todas as normas do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março.<br />Compulsando o texto do acórdão recorrido, verifica-se que nele apenas se faz referência aos artigos 3º, 4º, 17º (este último em conjugação com a alínea d) do anexo II) e 15º, todos do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março.<br />E nem todas estas normas foram aplicadas na decisão recorrida, no sentido de constituírem o seu fundamento. Não foram, desde logo, aplicadas as normas do artigo 3º, dado que este preceito regula a delimitação da Reserva Ecológica Nacional e, à data da instauração do processo que deu origem aos presentes autos, tal delimitação ainda não tinha ocorrido, estando o terreno que o recorrente se propunha lotear sujeito a um regime transitório. Como se lê no texto do acórdão recorrido (cfr. fls. 171) tratava-se apenas de "terreno a integrar na delimitação da Reserva Ecológica Nacional (REN)". Também as normas dos n.ºs 2 a 7 do artigo 4º não foram aplicadas, dado que pressupõem tal delimitação da Reserva Ecológica Nacional. Finalmente, não se vê como possa ter sido aplicada a norma do artigo 15º, que considera nulos e de nenhum efeito os actos administrativos que violem os artigos 4º e 17º, dado que a decisão recorrida não versou sobre tal hipotética violação (nem ao Tribunal Constitucional compete, como é óbvio, sobre ela se debruçar).<br />Em suma, a decisão recorrida apenas aplicou as normas do artigo 17º, n.º s 1 (em conjugação com o n.º 1 do artigo 4º e com a alínea d) do anexo II) a 6 do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março, normas essas que, em certas áreas ainda não delimitadas nos termos do artigo 3º (isto é, ainda não definitivamente incluídas ou excluídas da Reserva Ecológica Nacional), sujeitam a aprovação certas obras e empreendimentos e regulam o procedimento tendente a tal aprovação.<br />As restantes normas não foram aplicadas. Quer por serem consumidas pelas normas apontadas (caso da norma do artigo 1º, ou da norma do artigo 8º, alínea d)), quer por pressuporem uma delimitação da REN que ainda não havia ocorrido ao tempo da instauração do presente processo (caso das normas dos artigos 2º a 4º, 6º, 7º, 8º, alíneas a, b) e c)), quer por manifestamente nenhuma repercussão terem no caso dos autos (caso da norma do artigo 5º, que regula o domínio público hídrico, ou das normas do artigo 8º, alíneas e) e f), que regulam certas competências genéricas da Comissão da REN, ou ainda da norma do artigo 9º, que rege sobre a sua constituição). Afigura-se, finalmente, óbvio que os preceitos relativos a demarcação obrigatória em instrumentos de planeamento, fiscalização do cumprimento do diploma, contra-ordenações e correspondentes processos, embargos e demolições, responsabilidade civil da Administração, vigência do regime transitório, direito transitório e legislação revogada, nenhuma relevância tiveram na resolução do caso dos autos.<br />Assim delimitado o objecto do presente recurso – a apreciação da conformidade constitucional das normas do artigo 17º, n.º s 1 (em conjugação com o n.º 1 do artigo 4º e com a alínea d) do anexo II) a 6 do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março –, cumpre dele conhecer.<br /><br /><strong>B. Apreciação das questões de constitucionalidade suscitadas<br /></strong></div><div align="justify"><strong>10.</strong> Cabe analisar, em primeiro lugar, se as normas do artigo 17º, n.º s 1 (em conjugação com o n.º 1 do artigo 4º e com a alínea d) do anexo II) a 6 do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março, padecem de inconstitucionalidade orgânica, por, segundo o recorrente (cfr. conclusões 1ª, 2ª e 4ª, a) e d) das alegações), dizerem respeito a matérias da competência relativa da Assembleia da República: direitos, liberdades e garantias e meios e formas de intervenção nos solos por motivos de interesse público (artigo 168º, n.º 1, alíneas b) e l), da Constituição, na versão emergente da 2ª revisão, que é a de 1989).<br />As normas em apreciação estabelecem, como se viu, condicionamentos às operações de loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal, na medida em que sujeitam tais actividades à aprovação de certas entidades administrativas. Por outras palavras, tais actividades não são proibidas, contrariamente ao que sucederia se se desenvolvessem numa área incluída na Reserva Ecológica Nacional (cfr. artigo 4º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março), mas são simplesmente condicionadas, já que dependem de aprovação.<br />Será que tais condicionamentos consubstanciam uma restrição do conteúdo do direito de propriedade de certos imóveis, como pretende o recorrente?<br />Uma resposta afirmativa pressuporia que o direito de propriedade de um imóvel abrange naturalmente a faculdade de lotear ou construir, para só referir algumas das operações condicionadas pelas normas em apreço. Pressuporia, em suma, que o titular de um direito de propriedade sobre um imóvel tem, pelo facto de ser titular desse direito, tal faculdade, consubstanciando a abolição de tal faculdade uma restrição do direito.<br />A este propósito, cumpre recordar o que se disse no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 329/99, de 2 de Junho (Diário da República, II Série, n.º 167, de 20 de Julho de 1999, pág. 10576), em que estava em causa a apreciação da constitucionalidade das normas constantes do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de Outubro (diploma que estabelece o regime de caducidade dos pedidos e dos actos de licenciamento de obras, loteamento e empreendimentos turísticos emitidos anteriormente à data da entrada em vigor de plano regional de ordenamento do território):<br />"[...]<br />4. As questões de inconstitucionalidade orgânica:<br />[...]<br />4.2. As normas sub iudicio e o direito de propriedade:<br />A recorrente sustenta também que, tendo o Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de Outubro, sido editado sem autorização legislativa, as normas sub iudicio são organicamente inconstitucionais, uma vez que versam sobre o direito de propriedade – recte, sobre uma faculdade nele incluída (o ius aedificandi) –, que é um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, inscrevendo-se, por isso, na reserva parlamentar constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição, na versão de 1989 [ cf., hoje, o artigo 165º, n.º 1, alínea b)] .<br />A recorrente não tem, porém, razão.<br />Não a tem, quando se entenda, com Fernando Alves Correia (Estudos cit., páginas 51 e 52), que o ius aedificandi (mais propriamente ainda, o direito de urbanizar, lotear e edificar) não se inclui no direito de propriedade privada, «sendo antes o resultado de uma atribuição jurídico-pública decorrente do ordenamento jurídico urbanístico, designadamente dos planos» – ou seja, «um poder que acresce à esfera jurídica do proprietário, nos termos e nas condições definidas pelas normas jurídico-urbanísticas» (cf., também do mesmo autor, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1990, páginas 372 a 383). E isso, apesar de o direito de propriedade ser um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias [ cf., neste sentido, acórdãos nºs 404/87 e 257/92 (publicados no Diário da República, II série, de 21 de Dezembro de 1987 e 18 de Junho de 1993);o acórdão n.º e 431/94 (publicado no Diário da República, I série-A, de 21 de Junho de 1994); e ainda os acórdãos nºs 1/84 e 14/84 (publicados no Diário da República, II série, de 26 de Abril de 1984, o primeiro, e de 10 de Maio de 1984, o segundo)] e gozar, consequentemente – ex vi do disposto no artigo 17º da Constituição –, do respectivo regime naquilo que nele reveste essa natureza análoga.<br />De facto, não sendo o ius aedificandi inerente ao direito de propriedade do solo, o Governo, ao editar o Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de Outubro - e, assim, ao sujeitar a verificação de conformidade as licenças de loteamento devidamente tituladas, designadamente por alvará, emitidas anteriormente à data da entrada em vigor do respectivo plano regional de ordenamento do território, e ao determinar a «caducidade» das que não forem confirmadas –, não editou normas sobre o direito de propriedade. Mas, sendo assim, é obvio que o Governo, com a edição do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de Outubro, não invadiu a reserva parlamentar atinente aos direitos, liberdades e garantias.<br />Mas, mesmo quem entenda que o ius aedificandi constitui parte integrante do direito de propriedade privada, por ser uma das faculdades em que tal direito se analisa, acontecendo apenas que o seu exercício está dependente de uma autorização da Administração [ cf., neste sentido, entre outros, Diogo Freitas do Amaral («Apreciação da Dissertação de Doutoramento do Licenciado Fernando Alves Correia», in Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, 1991, páginas 99 a 101)] , não tem forçosamente que concluir, como fazem alguns autores [ cf. Diogo Freitas do Amaral e Paulo Otero (Direito do Ordenamento do Território e Constituição, Coimbra, 1998, páginas 29 e 30); e J.M. Sérvulo Correia e J. Bacelar Gouveia (Direito do Ordenamento cit., página 151)] , que toda a normação que contenha alterações ao ius aedificandi (e, concretamente, a que se contém no mencionado Decreto-Lei n.º 351/93) haja de ser produzida (ou autorizada) pela Assembleia da República.<br />É que, apesar de o direito de propriedade privada ser um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nem toda a legislação que lhe diga respeito se inscreve na reserva parlamentar atinente a esses direitos, liberdades e garantias. Desta reserva fazem apenas parte as normas relativas à dimensão do direito de propriedade que tiver essa natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias. Como, embora a outro propósito, se sublinhou no acórdão n.º 373/91 (publicado no Diário da República, I série-A, de 7 de Novembro de 1991), cabem na reserva legislativa parlamentar «as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos ‘direitos análogos’, por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a actuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias».<br />Ora, no que concerne ao direito de propriedade, dessa dimensão essencial que tem natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, faz, seguramente, parte o direito de cada um a não ser privado da sua propriedade, salvo por razões de utilidade pública – e, ainda assim, tão-só mediante o pagamento de justa indemnização (artigo 62º, nºs 1 e 2, da Constituição). Já, porém, se não incluem nessa dimensão essencial os direitos de urbanizar, lotear e edificar, pois, ainda quando estes direitos assumam a natureza de faculdades inerentes ao direito de propriedade do solo, não se trata de faculdades que façam sempre parte da essência do direito de propriedade, tal como ele é garantido pela Constituição: é que essas faculdades, salvo, porventura, quando esteja em causa a salvaguarda do direito a habitação própria, já não são essenciais à realização do Homem como pessoa. E, assim, como só pode construir-se ali onde os planos urbanísticos o consentirem; e o território nacional tende a estar, todo ele, por imposição constitucional, integralmente planificado [cf. artigos 9º, alínea e), 65º, nº 4, e 66º, nº 2, alínea b)]; o direito de edificar, mesmo entendendo-se que é uma faculdade inerente ao direito de propriedade, para além de ter que ser exercido nos termos desses planos, acaba, verdadeiramente, por só existir nos solos que estes qualifiquem como solos urbanos. Atenta a função social da propriedade privada e os relevantes interesses públicos que confluem na decisão de quais sejam os solos urbanizáveis, o direito de edificar vem, assim, a ser inteiramente modelado pelos planos urbanísticos.<br />Fernando Alves Correia fala do direito de propriedade urbana como «um direito planificado»; e afirma que os planos urbanísticos são instrumentos que definem «o conteúdo e limites do direito de propriedade do solo», sem que, ao menos em regra, tenham natureza expropriativa (Estudos cit., páginas 47 e 50).<br />A conclusão a que acaba de chegar-se não é posta em crise pelo facto de a licença em causa nos autos já ter sido concedida no momento da edição das normas sub iudicio – e de, assim, se estar perante uma ablação de um direito (no caso, do direito de lotear) que, uma vez validamente concedido, passou a integrar a esfera patrimonial (é dizer, a propriedade) do titular da licença. De facto, a ablação desse direito, sendo, embora, susceptível de originar uma obrigação de indemnizar, não tem a virtualidade de transmudar a essência do direito de propriedade, por forma a fazer incluir nela faculdades que a garantia constitucional não cobre (recte, as faculdades de lotear, urbanizar e construir).<br />[...].<br /><br />Portanto, e aplicando a doutrina do acórdão acabado de mencionar: quem entenda que o ius aedificandi (mais propriamente ainda, o direito de urbanizar, lotear e edificar) não se inclui no direito de propriedade privada, há-de concluir que o Governo, ao editar as normas em apreciação no presente recurso, não invadiu a reserva parlamentar estabelecida na alínea b) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição (versão de 1989), dado que não editou normas sobre o direito de propriedade privada; mas ainda que se entenda que os direitos de urbanizar, lotear e edificar assumem a natureza de faculdades inerentes ao direito de propriedade do solo, há que reconhecer que não estão em causa faculdades que façam sempre parte da essência do direito de propriedade, tal como ele é garantido pela Constituição, pelo que o Governo, ao editar as normas em apreciação no presente recurso, não invadiu a referida reserva parlamentar. Com efeito, tal reserva parlamentar abrange apenas "as intervenções legislativas que contendam com o núcleo essencial dos ‘direitos análogos’, por aí se verificarem as mesmas razões de ordem material que justificam a actuação legislativa parlamentar no tocante aos direitos, liberdades e garantias".<br />Refira-se, por último, que em acórdãos ainda mais recentes o Tribunal Constitucional defendeu a orientação a que se aderiu (veja-se a fundamentação constante do acórdão n.º 517/99, de 22 de Setembro, publicado no Diário da República, II Série, n.º 263, de 11 de Novembro de 1999, pág. 17054, bem como do acórdão n.º 602/99, de 9 de Novembro, inédito).<br />Relativamente à alegada inconstitucionalidade orgânica decorrente de as normas em referência consubstanciarem uma regulamentação de meios e formas de intervenção nos solos por motivo de interesse público (cfr. artigo 168º, n.º 1, alínea l), da Constituição, na versão de 1989), é evidente que o recorrente não tem razão. Na verdade, se se considerasse que a regulação da reserva ecológica nacional necessariamente consubstancia um meio ou forma de intervenção nos solos, perderia sentido a atribuição, à Assembleia da República, de competência reservada para legislar apenas sobre as bases do sistema de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico (cfr. alínea g) daquele mesmo artigo). Por outras palavras, todo o regime da protecção da natureza e do equilíbrio ecológico deveria, já que forçosamente implica uma "intervenção nos solos", no sentido utilizado pelo recorrente, cair no âmbito da reserva relativa de competência da Assembleia da República.<br />Portanto, e sob pena de a referência às "bases", constante da mencionada alínea g) do n.º 1 do artigo 168º perder qualquer conteúdo útil, é manifesto que a expressão "meios e formas de intervenção nos solos" não pode significar a regulação dos instrumentos de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico. Como assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª ed. revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 674), a alínea l) do n.º 1 do artigo 168º deve ser relacionada com o artigo 83º, relativo aos requisitos de apropriação colectiva, sendo o seu âmbito idêntico.<br /><br /><strong>11. </strong>Cabe agora analisar uma segunda questão.<br />A circunstância de as normas em análise terem sido expressamente emitidas ao abrigo de um preceito constitucional que, ao tempo, dispunha sobre a competência legislativa do Governo em matérias não reservadas à Assembleia da República, aliada àqueloutra de apenas no preâmbulo do diploma do Governo se fazer referência à Lei de Bases do Ambiente, redundará na respectiva inconstitucionalidade formal (cfr. conclusões 3ª e 4ª, b) e c) das alegações do recorrente)?<br />Como é óbvio, não interessa agora analisar esta questão sob o ponto de vista da falta de referência, no diploma do Governo, a uma qualquer lei de autorização legislativa (cfr., ainda, conclusão 3ª das alegações do recorrente), já que, como se explicou, as normas em apreço no presente recurso não se relacionam com as matérias a que aludem as alíneas b) e l) do n.º 1 do artigo 168º da Constituição (versão de 1989). Apenas cumpre saber se o Governo, ao emitir tal diploma, devia ter feito uma referência à Lei de Bases do Ambiente diversa daquela que fez, e se essa irregularidade origina inconstitucionalidade formal das normas constantes de tal diploma.<br />A Constituição (versão de 1989, em vigor à data da aprovação do Decreto-Lei do Governo em causa) nada determinava sobre a necessidade de o Governo, ao legislar sobre matérias da reserva relativa da Assembleia da República ou ao desenvolver bases gerais de regimes jurídicos, expressamente invocar a alínea do n.º 1 do artigo 201º da Constituição ao abrigo da qual exercia tal competência legislativa. Apenas no n.º 3 do artigo 201º se exigia que, aquando do uso das competências legislativas aí mencionadas, o Governo indicasse a lei de autorização legislativa ou a lei de bases ao abrigo da qual aprovava um determinado diploma.<br />Ora, se a Constituição não exigia que o Governo indicasse a alínea do preceito constitucional ao abrigo da qual exercia determinada competência, não pode vislumbrar-se qualquer vício susceptível de gerar inconstitucionalidade formal na circunstância de o Governo errar na indicação da alínea ao abrigo da qual legislava. Apenas podia configurar tal vício a omissão de indicação do diploma da Assembleia da República à sombra do qual o Governo exercia funções legislativas: a partir do momento em que, por exemplo, o Governo desenvolvia as bases gerais de um regime jurídico, era imperioso mencioná-lo no diploma.<br />Em conclusão: não gera inconstitucionalidade formal a alegada "errada indicação" da alínea ao abrigo da qual o Governo exerceu a sua competência legislativa, aquando da aprovação do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março, redundando tal vício em mera irregularidade.<br />Apenas cabe perguntar se a exigência contida no n.º 3 do artigo 201º pode considerar-se satisfeita, quando o Governo apenas no preâmbulo do diploma por si aprovado indica a lei de bases (no caso, a Lei de Bases do Ambiente).<br />E a resposta a esta questão deve ser afirmativa. O n.º 3 do artigo 201º da Constituição não exigia que a invocação da lei de bases fosse feita num local preciso do diploma aprovado pelo Governo. Bastava que essa invocação fosse expressa, o que certamente ocorreu. Diz-se, na verdade, no preâmbulo do diploma: "[c]om o presente diploma, e no seguimento do disposto no artigo 27º da Lei de Bases do Ambiente – Lei n.º 11/87, de 7 de Abril – [...]".<br />Resolvida a questão da inconstitucionalidade formal que, pelas razões expostas, se não aceita, há que passar às restantes questões suscitadas pelo recorrente.<br /></div><div align="justify"><strong>12.</strong> Padecerão as normas em apreço de inconstitucionalidade material?<br />Afirma o recorrente (cfr. conclusões 4ª e 5ª, de fls. 230-231) que tais normas violam o disposto nos artigos 62º, 65º, n.º 4, e 266º, n.º 1, da Constituição (versão de 1989). Na actual versão da Constituição, mantém-se, no essencial, o teor destes preceitos.<br />O artigo 62º tutelava e tutela o direito de propriedade privada; o artigo 65º, n.º 4, dispunha que "[o] Estado e as autarquias locais exercerão efectivo controlo do parque imobiliário, procederão às expropriações dos solos urbanos que se revelem necessárias e definirão o respectivo direito de utilização" e, actualmente, dispõe que "[o] Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística"; por fim, o artigo 266º, n.º 1, determinava e determina que "[a] Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos".<br />O recorrente apela ainda aos princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade e prossecução do interesse público e boa administração.<br />Para decidir a questão da inconstitucionalidade material das normas ora em causa, é importante recordar o que se disse no já citado acórdão n.º 329/99, de 2 de Junho:<br />"[...]<br />5. As questões de inconstitucionalidade material:<br />5.1. As normas sub iudicio e o direito de propriedade:<br />5.1.1. A recorrente sustenta que as normas sub iudicio são ainda inconstitucionais, por violação do artigo 18º, n.º 3, da Constituição, na medida em que, impondo «a confirmação da compatibilidade de actos constitutivos de direitos praticados em data anterior à publicação do PROT e do próprio Decreto-Lei n.º 351/93», e encurtando «o prazo de caducidade daqueles actos», «estabelecem restrições retroactivas em matérias incluídas nos direitos fundamentais de propriedade privada, iniciativa económica privada e ius aedificandi».<br />Também neste ponto falece razão à recorrente.<br />De facto, quando se entenda que o ius aedificandi não faz, sequer, parte integrante do direito de propriedade, por não ser uma das faculdades em que ele se analisa, a proibição de construir num determinado solo, em que antes a edificação era possível, não se traduz nunca em qualquer compressão ou restrição de tal direito.<br />Mas, mesmo quando se entenda que o direito de construir (e, obviamente, o de lotear e urbanizar) é uma dimensão do direito de propriedade, as proibições de construção decorrentes dos planos urbanísticos (tal como as impostas pela REN, pela RAN ou pelo facto de determinada área ser qualificada como protegida) – e, naturalmente, as limitações e condicionamentos impostos ao direito de edificar por esses instrumentos de gestão dos solos – resultam da necessidade de resolver as situações de conflito entre o direito de propriedade e as exigências de ordenamento do território. E os conflitos de direitos ou bens jurídicos resolvem-se, harmonizando esses direitos ou bens jurídicos em toda a medida em que tal seja possível; ou, quando o não for, fazendo que uns prevaleçam sobre outros, que, desse modo, são, em parte, sacrificados.<br />Significa isto que a especial situação da propriedade – seja a decorrente da sua própria natureza ou, antes, a que se liga à sua inserção na paisagem – importa uma vinculação também especial (uma vinculação situacional), que mais não é do que uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo. E, por isso, essa proibição, sendo, como é, imposta pela própria natureza intrínseca ou pela situação da propriedade, não pode ser havida como inconstitucional.<br />Claro é que isto não dispensa o legislador de criar instrumentos ou mecanismos de perequação das mais valias, de modo a garantir o respeito da justiça material, a qual só se observará, se os proprietários ou titulares de outros direitos reais dos terrenos abrangidos pelos planos urbanísticos forem tratados com igualdade. Por isso, aqueles instrumentos ou mecanismos hão-de corrigir os efeitos desigualitários criados pelos planos urbanísticos. De contrário, eles não se libertarão da «sombra desqualificante da desigualdade» que sobre eles pesa (cf. Fernando Alves Correia, in Problemas Actuais cit., página 19).<br />As normas sub iudicio não violam, assim, neste ponto, o artigo 18º, n.º 3, conjugado com o artigo 62º, n.º 1, da Constituição.<br />[...]<br />5.2. As normas sub iudicio e o dever de indemnizar:<br />A recorrente sustenta ainda que, como não prevêem «a atribuição de qualquer indemnização aos lesados pela prática de acto ablativo de não confirmação da compatibilidade de actos constitutivos de direitos perfeitamente válidos e eficazes à data da sua prolação, nem pela caducidade resultante dos novos prazos estabelecidos para o exercício dos direitos emergentes daqueles actos» – acto de não confirmação que pode constituir «verdadeiro acto expropriativo do direito de construir concretizado através de licenças urbanísticas válidas e eficazes» – as normas do Decreto-Lei n.º 351/93, de 7 de Outubro, «enfermam de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da justa indemnização, igualdade e proporcionalidade» (artigos 13º, 18º, 62º e 266º da Constituição).<br />Vejamos, então:<br />Disse-se atrás que a especial situação da propriedade – seja a decorrente da sua própria natureza ou, antes, a que se liga à sua inserção na paisagem – importa uma vinculação também especial (uma vinculação situacional), que mais não é do que uma manifestação da hipoteca social que onera a propriedade privada do solo.<br />Por isso, a proibição de construir decorrente da natureza intrínseca da propriedade ou da sua especial situação não dá, em princípio, direito a indemnização. Mas já assim não será – sublinha Fernando Alves Correia, Estudos de Direito do Urbanismo citado, páginas 47 e notas 10 e 11, 68, 112 e 120 – quando essa proibição implicar um dano de gravidade e intensidade tais que torne injusta a sua não equiparação, à expropriação, para o efeito de dever ser paga uma indemnização.<br />[...]."<br /><br />O trecho do acórdão acabado de transcrever transmite-nos as seguintes ideias centrais, perfeitamente pertinentes para a questão ora em análise: quando se entenda que o ius aedificandi não faz, sequer, parte integrante do direito de propriedade, a proibição de construir num determinado solo não se traduz nunca em qualquer compressão ou restrição de tal direito; mesmo quando se entenda que o direito de construir (e, obviamente, o de lotear e urbanizar) é uma dimensão do direito de propriedade, as proibições de construção impostas pela Reserva Ecológica Nacional e, naturalmente, as limitações e condicionamentos por ela impostos ao direito de edificar, resultam da necessidade de resolver as situações de conflito entre o direito de propriedade e as exigências de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico, sendo impostas pela própria natureza intrínseca ou pela situação da propriedade e, portanto, não podendo ser havidas como inconstitucionais; a proibição de construir (e, obviamente, a de lotear e urbanizar) decorrente da natureza intrínseca da propriedade ou da sua especial situação não dá, em princípio, direito a indemnização, só assim não sendo quando a proibição implicar um dano de gravidade e intensidade tais que torne injusta a sua não equiparação à expropriação, para o efeito de dever ser paga uma indemnização.<br />Aplicando estas ideias à questão a apreciar, temos que a sujeição a aprovação das operações de loteamento em certas áreas sujeitas ao regime transitório da Reserva Ecológica Nacional, se se entender que não traduz qualquer restrição do direito de propriedade, nem sequer coloca o problema da ofensa dos preceitos e princípios constitucionais apontados pelo recorrente; ainda que se entenda que tal restrição ocorre, ela seria perfeitamente justificada pela hipoteca social que onera a propriedade privada do solo e, como tal, conforme com a tutela constitucional da propriedade privada e com os princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade e prossecução do interesse público e boa administração (este último também aflorado no artigo 266º, n.º 1, da Constituição), contrariamente ao sustentado pelo recorrente.<br />Relativamente à norma do n.º 4 do artigo 65º da Constituição (artigo que, na redacção emergente da 2ª revisão constitucional, tinha como epígrafe "direito à habitação" e que, actualmente, tem como epígrafe "habitação e urbanismo"), cuja violação o recorrente também invoca, é patente a sua falta de conexão com o assunto em debate. Na verdade, as normas em apreciação no presente recurso não põem em causa – porque pura e simplesmente não é esse o seu objecto – a competência do Estado e outros entes públicos para definir regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, ou para proceder à expropriação de determinados solos.<br />Finalmente, a circunstância de as normas em apreço não preverem (talvez porque pura e simplesmente ao diploma em que se inserem não competisse dispor sobre o assunto) a atribuição de indemnização pela não aprovação de pedidos de loteamento não tem qualquer relevo na apreciação da questão ora em análise. Desde logo, porque nem tal indemnização esteve em discussão nos presentes autos, nem a decisão recorrida se pronunciou sobre ela: como tal, nunca no presente recurso se poderia aferir a conformidade constitucional de tais normas no sentido de não conferirem indemnização pela não aprovação de um projecto de loteamento.<br /><br /><strong>III<br /><br />13. </strong>Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.<br /></div><div align="justify">Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.<br /><br />Lisboa, 5 de Dezembro de 2001<br /></div><div align="justify">Maria Helena Brito<br />Luís Nunes de Almeida<br />Artur Maurício<br />José Manuel Cardoso da Costa </div>Pedro Delgado Alveshttp://www.blogger.com/profile/02017186165465663864noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-72999948619783896272008-04-09T00:57:00.001+01:002008-04-09T01:00:00.367+01:00ACÓRDÃO n.º 136/2005 do Tribunal ConstitucionalACÓRDÃO n.º 136/2005 do Tribunal Constitucional<br />Direito à informação em matéria ambiental e direito de propriedade intelectual e industrial e respectivos segredos – que ponderação?<br />(Breve comentário)<br /><br /> No acórdão em causa procedeu-se à apreciação da (in)constitucionalidade dos artigos 10.º, n.º 1, da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março (“A Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas”). e 13.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro(“As infor­mações relacionadas com operações de investimento estrangeiro não podem ser di­vulgadas sem autorização escrita dos seus intervenientes, excepto quando susceptíveis de conhecimento público”), quando contrapostos ao direito de informação previsto no art. 268º nº 2 da Constituição da República Portuguesa, designadamente em matéria ambiental. O Tribunal concluiu que essas normas eram constitucionais, dando prevalência ao direito à reserva e ao segredo que a lei institui como forma de tutela dos direitos de propriedade privada e livre iniciativa económica.<br /> De referir que à data deste acórdão não havia ainda um diploma específico sobre acesso à informação ambiental como existe hoje (Lei nº 19/2006) que determina com maior pormenor os casos em que a Administração pode recusar facultar a informação ao particular quando a divulgação da mesma possa prejudicar a confidencialidade das informações industriais ou comerciais ou os direitos de propriedade industrial (ver alíneas a), d), e) do nº 6 do art. 11º). Por outro lado, a Lei nº 65/93 foi revogada, estando hoje em vigor a Lei nº 46/2007 de 24 de Agosto que regula o acesso aos documentos administrativos e que não contém nenhuma norma semelhante àquela do art.10º nº1 (ver art.8º). Questão pertinente será a de saber se hoje, perante este novo contexto legislativo, a posição do tribunal constitucional seria diferente.<br /> Tendo em conta os novos diplomas legais, possivelmente a Administração já não seria tão peremptória na sua recusa, visto que a lei já não configura tão expressamente aquela hipótese de recusa da informação com vista à salvaguarda de segredos comerciais ou industriais sem mais. Mas não devemos entrar aqui por caminhos de “previsão” da actuação administrativa, acreditando sempre, claro, que o princípio da legalidade e dever de fundamentação dos actos administrativos não será olvidado.<br /> Mais nos importa debruçarmo-nos sobre as considerações que o Tribunal Constitucional teceu no acórdão sub judice. E quanto a essas, que se circunscrevem ao campo dos direitos constitucionais e do texto constitucional, parece que o “erro” poderia ser cometido uma segunda vez. Senão vejamos: o que estava em causa neste acórdão era um conflito de direitos, entre por um lado direito à reserva e ao segredo que a lei institui como forma de tutela dos direitos de propriedade privada e livre iniciativa económica que são direitos fundamentais (arts. 61º e 62º) e o direito à informação por partes dos administrados, aqui em matéria ambiental (art. 268º nº2), sendo que este último é configurado como um direito fundamental do administrado e, de acordo com a doutrina, de natureza análoga aos «direitos, liberdades e garantias» enunciados na Constituição e sujeito ao respectivo re­gime (artigos 17.º e 18.º da CRP). Como bem notou o tribunal, tratam-se de direitos que estão em pé de igualdade, ambos reconhecidos constitucionalmente, não se denotando da sua relação uma qualquer hierarquia. Importava pois proceder a uma ponderação observando os princípios da pro­porcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos direitos fundamentais, como prescreve os art. 18º. Foi aqui, em minha opinião, e seguindo a declaração de voto de vencido, que o tribunal “errou”, i.e., na ponderação dos direitos em causa. É certo que todos os direitos estão sujeitos a restrições, pois todos têm lugar num Estado Democrático prosseguindo a difícil missão de co-habitar e revelarem-se de conteúdo útil aos cidadãos, pelo que umas vezes valerão no seu máximo esplendor (se é possível esta configuração de um qualquer direito), outras vezes terão que partilhar o mesmo espaço com outros e ainda pode haver as vezes em que terão que ficar na sombra. Mas esta explanação foi correctamente feita no acórdão, pelo que não pretendo repeti-la. O que importa realçar é que na situação em causa poder-se-ia ter permitido que os direitos partilhassem o mesmo espaço e não ter, de forma mais fácil, colocado o direito à informação na sombra, num plano mitigado e sem utilidade para a recorrente, por outras palavras, afastando-o. Tarefa mais difícil mas, a meu ver, mais em sintonia com os princípios da pro­porcionalidade, adequação e necessidade, teria sido a ponderação casuística, distinguindo as informações possíveis de facultar ao particular daquelas que devido à tutela do segredo industrial não seria possível divulgar, não sendo aqui original em relação à declaração de voto de vencido. Mais importante é esta tarefa de ponderação casuística quando estamos perante matéria ambiental, sabendo que a protecção do ambiente cabe aos cidadãos em geral e que a mesma só pode ser efectivada, tomando contornos de praticabilidade jurídica, se os mesmos poderem conhecer da actividade administrativa com implicações ambientais. E não se argumente, como fez o Tribunal Constitucional, que a administração dispõe ela própria de mecanismos de protecção e prevenção ambiental, levados a cabo por entidades administrativas, procedimentos que têm em conta os aspectos ambientais, porque o mesmo é dizer-se que se a administração prossegue o interesse público não haverá necessidade de participação do particular. Levando este argumento ao extremo, então nunca o particular teria direitos de participação e informação e todos acreditaríamos “cegamente” na boa defesa de todos os interesses públicos prosseguidos pela Administração. Ora, não me cabe aqui descurar sobre a história do Direito Administrativo e a necessidade de conferir direitos aos particulares em matéria administrativa. O tribunal andou mal neste argumento.<br /> Acabado em “beleza”, o tribunal referiu que «Caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos ambientais sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas, a propósito das quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre direitos da propriedade privada e da livre iniciativa, e a sua constitucionalidade, se se entender que essa normas não asseguram cabalmente os valores constitucionalmente protegidos». Aqui, foi totalmente esquecido o princípio da prevenção, que é tão caro ao direito ambiental e também tem consagração constitucional (art.66º), dando a entender que o direito ao ambiente se torna mais ou menos importante conforme o momento em que é ponderado, ou seja, nas palavras do Tribunal, tomará relevância quando já tiverem sido provocados danos ambientais! Creio que não é esta a interpretação a retirar do art.66º, nº 2, donde se depreende o interesse público na protecção do ambiente, principalmente na modalidade de prevenção e a sua consequente tomada em consideração nos vários sectores de actuação da administração pública.<br /> Em suma, creio que o Tribunal não tinha necessidade de afastar por completo o direito à informação ambiental, e, nas suas palavras, o próprio direito ao ambiente, devia, isso sim, ter feito uma melhor ponderação, permitindo a coexistência para a situação em apreço dos dois direitos. Não tem que se seguir e aplicar apenas um direito afastando o outro num primeiro momento (altura oportuna para prevenir) para depois se vir, num cenário ambientalmente negativo, inverter os papéis e afastar aí os direitos à propriedade privada e livre iniciativa. A prevalência é apenas temporal? Se depois o direito ao ambiente poderia prevalecer, porque não prevalecer desde logo em nome da prevenção? Não é mais coerente tentar conjugar os dois direitos do que afastar um e depois o outro em momentos diferentes quando a situação é a mesma?<br /> Respondendo à pergunta que coloquei considero que hoje seria possível ao tribunal constitucional tomar uma decisão semelhante, porque o que resultou juridicamente incoerente não foi a identificação dos direitos e respectivos regimes, nem da sua importância constitucional, mas a não ponderação que se vez, à revelia do art. 18º e os fundamentos apontados em defesa desse entendimento. Perante uma nova situação, em que mais uma vez estivesse em causa o direito à informação ambiental e um outro direito fundamental, o tribunal poderia voltar a colocar aquele direito à sombra, desconsiderando por completo que hoje, tendo em conta todo um contexto político, social e legislativo, o direito ao ambiente vai confrontar-se com outros direitos fundamentais, de forma cada vez mais premente e não será opção afastá-lo sempre que essa situação aconteça. O direito ao ambiente vai exigir, de todos os tribunais e aplicadores do Direito, uma maior e melhor, no sentido de mais casuística, ponderação dos interesses e direitos em jogo. E não se afigura tarefa fácil. Ao tribunal constitucional caberia ter dado o exemplo e iniciado o caminho nessa difícil missão de desmontagem das situações e destrinça do que é tutelado por um direito e do que é tutelado por outro. Acredito que o Direito do Ambiente veio despoletar um maior número de casos em que os direitos não se afastam, antes “partilham o mesmo espaço”.<br /><br />Catarina Pinto Xavier – Subturma 1Subturma 1 + 5http://www.blogger.com/profile/12792252691496045231noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-15863788841415913192008-04-07T17:40:00.002+01:002008-04-08T00:08:00.119+01:00Comentário ao Acórdão do STJ de 19.10.2004<div align="justify"> A temática deste acordão prende-se com os chamados "direitos dos animais", mais concretamente, com a licitude ou ilicitude da actividade de tiro com armas de caça aos pombos em voo. De base a esta análise serviu o comentário de ANDRÉ DIAS PEREIRA, publicado nos Cadernos de Direito Privado nº12 de Outubro/Dezembro de 2005.</div><div align="justify"> Como ponto de partida podemos referir que o STJ neste caso, decidiu que :"[...] a prática desportiva de tiro ao voo de pombos não se enquadra na proibição a que se reporta o proémio e o n.º1 do art.º 1.º,nem o seu n.º 3, alínea e), da Lei n.º 92/95, de 12/9, pelo que não é proibida no nosso ordenamento jurídico".</div><div align="justify"> A questão que aqui se coloca, é precisamente, a de saber de a actividade de tiro aos pombos está ou não abrangida pela proibição constante da referida Lei que, no seu art.º 1º, encerra as medidas gerais de protecção, contendo no seu n.º1, uma cláusula geral de proibição de violência injustificada contra os animais. Para melhor se perceber o alcance do problema, devemos ter em conta a <em>ratio legis</em> do preceito em causa, que aparece no no panorama legislativo português como fulcral para a protecção dos animais, encerrando "[...] a ideia de os homens, que não podem prescindir da existência dos animais, os não devem torturar gratuitamente e deverem reduzir, até onde for possível, o seu sofrimento, mas tendo em atenção realidade cultural portuguesa.", ou seja, "o fim da lei é proteger os animais de violências cruéis ou desumanas e gratuitas, para as quais não existe justificação ou tradição cultural bastante, isto é, no confronto de meios e fins desenvolvidos em função do Homem."</div><div align="justify"> Pode dizer-se que deste modo se procura um equílibrio ou , se se preferir, uma conciliação entre dois valores constitucionalmente consagrados: o Ambiente, na sua vertente objectiva e subjectiva, plasmado no art.9º, alíneas d) e e), e no art.66º,englobando a protecção dos animais; e por outro lado a presevação do Património Cultural Português, presente no art.º 9º, alínea d), e no art.º 78º, alínea c). Da ponderação destes dois valores, surgem desvios à Protecção dos animais, quando o Legislador dá primazia a "antigas tradições da cultura portuguesa", como acontece no caso da arte equestre ,da caça e das touradas ( incluindo as touradas de morte!!!) como resulta dos art.º 1º, n.º3, alíneas b) e f) , bem como, do art.º 3º,nº4 da Lei n.º92/95. Outras excepções de assinalar são a pesca desportiva, regulada no DL. n.º246, de 29/9 e as experiências científicas de comprovada necessidade, previstas no art.º1, n.º3, alínea e) da Lei 92/95.</div><div align="justify"> Quanto à influência das tradições culturais no regime jurídico de protecção dos animais, um dos argumentos utilizado pelos recorridos no Acordáo em análise, cumpre tecer mais algumas palavras; para ANDRÉ DIAS PEREIRA: "Este argumento é também improcedente. Em primeiro lugar porque os usos só são fonte de direito quando a lei o determine(art.3º do CC).E neste caso, claramente , a lei só quis excepcionar algumas tradições culturais ( arte equestre , tourada e caça)", continua o autor mais adiante," Nem se argumente com a existência de um costume contra-legem derrogatório da proibição geral da Lei.º 92/95 para a prática de tiros aos pombos[...] a grande maioria dos tribunais de 1.ª instância proibia essas práticas[...]". Esta orientação jurisprudencial pode ser encontrada no Acórdão da Relação de Guimarães de 29/10/2003, que defende uma perspectiva actualista.</div><div align="justify">Contudo o sentido da decisão do STJ no caso em apreço surge como um seguimento da sua anterior jurisprudência, nomeadamente nos acs. de 13/12/2000 onde se pode ler: " O tiro aos pombos ou tiro ao voo constitui uma modalidade desportiva que assume uma grande tradição", ou no de 7/6/2001 :" A defesa do patimónio cultural constitucionalmente tutelada não é incompatível com a organização dessas provas", ou expressamente no ac. de 3/10/2002 :" A Lei n.º 92/95 (protecção dos animais) não quis proibir as provas desportivas de tiro aos pombos[...]Será sempre de admitir, em abstracto, a modificação prospectiva de um tal quadro legal, mas trata-se essa de uma questão de política legislativa, à qual os tribunais são, em princípio, alheios."</div><div align="justify"> Independentemente da consagração do tiro aos pombos como tradição cultural, capaz de integrar as excepções ao regime de protecção dos animais por analogia, convém ter como assente que, e concordando com a jurisprudência do STJ, cabe ao Legislador resolver esta questão de modo expresso, pois nem o elemento histórico, nem o elemento sistemático nos permitem descortinar qual o sentido correcto a seguir pela jurisprudência, caíndo-se numa apreciação casuística, que dependerá, ao que parece, da "sensibilidade" do tribunal para esta questão, pois tanto se pode entender que a interpretação correcta consiste em incluir esta prática na cláusula geral de proibição do art.º1,n.º1 da Lei 92/95,ou que, pelo contrário, resulta uma identidade de argumentos que permite equiparar o tiro aos pombos às excepções da tourada, arte equestre,caça e pesca desportiva.</div><div align="justify"> Na minha modesta opinião, o paradigma desta questão parece estar um pouco deslocado, pois, ao invés de se tentar descortinar que tradições culturais são susceptíveis de sobrepôr à protecção dos direitos dos animais, seria mais interessante averiguar se se justifica de todo uma renúncia a esta protecção em prol da preservação de alguma destas tradições, tendo em conta as alterações ideológicas registadas na Sociedade, fruto do despertar duma "consciência ambiental"; em primeiro lugar, não resulta claro qual o critério para se considerar relevante estas tradições, pois, se no caso da tourada se utiliza um critério temporal, ou seja, a manutenção da tradição por mais de 50 anos (art.º3º, nº4 da Lei 92/95), na fundamentação do Acórdão refere-se apenas que se trata de "uma modalidade desportiva com tradição e relevância em Portugal, conforme resulta, alé do mais, designadamente do número de clubes existentes em Portugal e , de algum modo, de o Governo ter confiado a uma federação desportiva o seu fomento, regulação e disciplina.", ao que ANDRÉ DIAS PEREIRA contrapõe "é líquido não se admitir, em Portugal, qualquer tradição no tiro aos pombos, sendo até uma actividade restrita, sob o ponto de vista da sua adesão social", citando BACELAR GOUVEIA, o que parece apontar para um critério de adesão social, restando a dúvida se é preciso que a tradição dure por certo período de tempo(sem se saber qual será) ou que seja praticada por muitas pessoas(sem saber quantas);em segundo lugar, a claúsula geral de proibição constante do art.º1º,n.º1 assume um caractér meramente "ideológico",pois a mesma Lei que proíbe a violência contra animais, consagra excepções que admitem a própria morte do animal para fins lúdicos,apoiadas em tradições populares! Deste modo, pode concluir-se que quanto mais tempo durar uma violação atroz dos direitos dos animais mais provavelmente será consagrado o seu caractér excepcional, mesmo que já não se adeque à evolução das mentalidades, ou num plano jurídico, ao direito fundamental ao Ambiente, que se repercute em todos nós.</div><div align="justify"> Talvez possa clarificar esta ideia com um exemplo: imagine-se que daqui a 50 anos se chegava à conclusão que as lutas de cães se tinham tornado uma tradição(através de costume contra-legem) nos bairros suburbanos de Portugal, com elevada adesão social. Quid Juris?</div><div align="justify"> Com isto apenas se pretende demonstrar que o conflito entre os dois interesses em jogo, Património Cultural e Ambiente, deve ser resolvido de forma equilibrada e ponderada,não cedendo por completo nem a um, nem a outro, sob pena de se chegar a resultados contraditórios do ponto de vista axiológico, pois ,voltando aos "pombos", se se chegasse à conclusão que, indubitávelmente, se tratava de uma tradição, já era relegado para segundo plano, o nivél de tortura infligido aos animais, como acontece com os touros, podendo inclusivamente, matá-los, se fosse de acordo com a mesma tradição!!!</div><div align="justify"> Depois destas considerações, torna-se imperioso atender a mais alguns argumentos presentes no Acórdão em análise, que suscitam questões igualmente interessantes, tendo sido a problemática da influência da cultura na protecção dos animais, especialmente enfatisada.</div><div align="justify"> Uma dessas questões diz respeito à possibilidade de "direitos subjectivos dos animais"; na linha da orientação jurisprudencial do STJ, e da concepção dominante, "os animais não são titulares de direitos, antes as pessoas têm deveres para com eles", ou seja "os animais são objecto de protecção do direito e não «sujeitos de direitos»". Parece que semelhante conclusão decorreria de um mero exercício de lógica, pois de outro modo, de que serviria reconhecer direitos subjectivos insusceptiveis de exercício pelo seu titular? Segundo o Prof.MENEZES CORDEIRO, um direito subjectivo é " uma permissão normativa específica de aproveitamento de um bem"; ora, como é do senso comum, nunca o animal poderia fazer valer estes seus direitos, nomeadamente, á integridade física e, maxime, à vida. O Direito foi pensado pelo Homem e para o Homem, sendo um produto da sua Cultura, situada no Tempo,logo é a este que cabe definir quem são os sujeitos de direitos e quais são os objectos de direitos. Os animais gozam de uma "protecção indirecta" pois são tutelados pelo Direito ao Ambiente, constitucionalmente consagrado, na vertente de abstenção de lesão do meio ambiente a que todos estão adstritos.</div><div align="justify"> Conexa com esta questão encontra-se o estatuto dos animais à face do direito civil português; de acordo com o regime vigente os animais são considerados coisas moveis, pela conjugação dos arts. 202º, n.º1, 205º, n.º1 e 212º, n.º3 do CC.; Contudo, a considera-los como coisas <em>strictu sensu, </em>chegaríamos á conclusão que são susceptíveis de apropriação, abandono, destruição,etc. Esta construção ignoraria, deste modo, as diferenças entre um animal e um simples pedaço de madeira, o que leva alguma doutrina estrangeira( alemã e austríaca) a considerá-los como " <em>res sui generis", </em>ou seja "uma categoria especial de objectos de direito"; podemos dizer que a nossa lei civil estabelece algumas distinções no regime das coisas, indicando ANDRÉ DIAS PEREIRA como exemplo o art.º1318º e o art.º 1323. No entanto,só a consagração expressa de um regime específico para os animais permitirá identificá-los como <em>res sui generis ,</em> cabendo ao Legislador<em> </em>a tarefa de adaptar o regime jurídico dos animais a legislação especial desde já vigente, concedendo-lhes um estatuto adequado. Face ao quadro legislativo português verificamos um défice de regulação nesta matéria, contrário da actual tendência europeia, em que o regime de protecção dos animais apresenta implicações no campo do Direito da Família e das Sucessões e Direito Executivo, como acontece em França e na Suíça.</div><div align="justify"> Em jeito de conclusão pode dizer- se que o recurso a normas programáticas, através de conceitos indeterminados só irá servir para dificultar a tarefa do Juíz, ao mesmo passo que introduzirá incerteza junto dos particulares, o que está relacionado com o carácter progressivo desta matéria, que carece de um melhor acompanhamento e técnica legislativa,</div><div align="justify"> Neste ponto da situação, podemos encontrar argumentos para defender a ilicitude ou licitude do tiro aos pombos, dependendo do nosso ponto partida, o que aliás se reflecte numa jurisprudência inconstante.</div><div align="justify"> </div><div align="justify"> </div><div align="justify">Tiago Mateus ST1 nº13181</div>Subturma 1 + 5http://www.blogger.com/profile/12792252691496045231noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-14690004931170930632008-04-07T17:26:00.003+01:002008-04-07T17:34:08.305+01:00Acórdão do Tribunal de Justiça (Oitava Secção) de 31 de Janeiro de 2008 — Comissão das Comunidades Europeias/República Italiana(Processo C-69/07) [1]<br /><br /><strong>Partes</strong><br /><br /><strong>Demandante:</strong> Comissão das Comunidades Europeias (representantes: D. Recchia e J.-B. Laignelot, agentes)<br /><strong>Demandada:</strong> República Italiana (representantes: I.M. Braguglia, agente e S. Fiorentino, avocat)<br /><br /><strong>Objecto<br /></strong>Incumprimento de Estado — Não adopção, no prazo previsto, das disposições necessárias para dar cumprimento à Directiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Directivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho (JO L 156, p. 17)<br /><br /><strong>Parte decisória<br /></strong>1) Não tendo adoptado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Directiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio de 2003, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente e que altera, no que diz respeito à participação do público e ao acesso à justiça, as Directivas 85/337/CEE e 96/61/CE do Conselho, a República Italiana não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 6.o dessa directiva.<br />2) A República Italiana é condenada nas despesas.<br /><br />[1] JO C 82 de 14.4.2007.Subturma 1 + 5http://www.blogger.com/profile/12792252691496045231noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-28908622416989371352008-04-04T16:50:00.003+01:002008-04-04T16:59:09.772+01:00Comentário ao Acórdão sobre Direito à informação AmbientalÉ consensual que um bom e fiável esquema de disponibilização de informação, assente numa perspectiva de diálogo entre cidadãos e os seus representantes eleitos, se apresente como uma ferramenta vital para uma efectiva participação nos processos de decisão. <br />Neste quadro, há uma garantia comunitária que diz que: “garantir o direito de os cidadãos terem acesso a uma informação clara e completa relativa às diferentes questões que interessam às autarquias locais e de participar nas decisões importantes que comprometem o futuro destas últimas”.<br />Há que salientar a imprescindibilidade de, numa sociedade democrática a informação sobre o ambiente e sobre os impactos que as actividades humanas nele determinam, ser: proactiva, completa, de fácil leitura, transparente e acessível.<br />Em Portugal o acesso à informação está consagrado na Constituição da República que a todos reconhece - artigo 37º, nº1 - o direito de informar, de se informar e de ser informado. Todavia, a revisão constitucional de 1989 alarga o âmbito deste direito e, como fica patente no nº2 do artigo 268º, consagra o livre acesso aos documentos, independentemente da invocação ou existência de um interesse directo.<br />Pela necessidade de responder a estes imperativos constitucionais, os nºs 1, 2 e 3 do artigo 268º - Direitos e Garantias dos Administrados - e por força da transposição de legislação europeia para o ordenamento jurídico português surgiu, posteriormente, a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos — LADA — (Lei n.º65/93, de 26 de Agosto, alterada pela Lei n.º8/95, de 29 de Março, e pela Lei nº94/99, de 16 de Julho) que, tendo em conta o objectivo expresso no artigo 1º da Directiva Europeia Nº90/313/CEE: <strong><em>“assegurar a liberdade de acesso e de divulgação das informações relativas ao ambiente na posse das autoridades públicas e determinar a forma e as condições em que essas informações devem ser postas à disposição”,</em></strong> desenvolve no aspecto substantivo o direito de acesso aos documentos administrativos, definindo conceitos, proclamando princípios gerais, delimitando excepções, delineando normas procedimentais do exercício desse direito e determinando a criação da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).<br />Para que o acesso à justiça no domínio do ambiente e desenvolvimento sustentável seja efectivo, é necessário que os particulares tenham a capacidade de fazer valer os seus direitos, ou que possam zelar pela reparação de eventuais danos, num quadro judicial que possa prevenir falhas e abusos, sempre que eles sejam acidental ou deliberadamente sonegados. Trata-se, afinal, de garantir ao cidadão comum instrumentos legais que promovam a acessibilidade a direitos garantidos no artigo 268º da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente, nos seus nºs 4, 5 e 6.<br />No âmbito do artigo 268º/1 CRP exclui-se qualquer <em><strong>“(…) Direito ao segredo por parte da administração, a não ser quando esse segredo reveste o carácter de «dever funcional» legalmente previsto(…)”</strong></em> CRP anotada Gomes Canotilho. Ora uma das questões do acórdão em análise, é saber até que ponto, a cláusula de confidencialidade presente no contrato e o correspondente segredo industrial/ comercial, pode ou não ser aqui integrado, ou se pelo contrário, e como refere o voto vencido, ainda que possa haver confidencialidade relativa a certos documentos, se terá sido violada a proporcionalidade prevista pelo artigo 18º da CRP. A doutrina entende que os direitos previstos no artigo 268º CRP são de natureza análoga aos Direitos Liberdades e Garantias – 17ºCRP – partilham como tal do mesmo regime: aplicabilidade directa e a limitação da possibilidade de restrição apenas nos casos expressamente previstos na Lei fundamental e mediante lei geral e abstracta – 18º CRP- estando essa restrição limitada pela proporcionalidade nas suas várias vertentes.<br />Relativamente ao 268º/2 CRP, é aí consagrado o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, do qual retiramos um principio de arquivo aberto ou da chamada «administração aberta» – esta garantia estando ou não em curso um procedimento administrativo, é um elemento que reflecte a «democracia administrativa» tornando-se assim um instrumento fundamental contra o «segredo administrativo» tornado claro que a regra é a liberdade de acesso apenas com as ressalvas legais de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas.<br />Ora no acórdão no meu entender, uma das críticas que se pode fazer e que de resto vem expressa no voto vencido, é a de que no caso concreto não foi feita uma verdadeira ponderação casuística entre os direitos fundamentais em conflito, respectivamente: direito à informação ambiental e direito de propriedade e iniciativa privada, com o inerente segredo industrial e comercial, dado que o TC se limitou simplesmente a enunciar o argumento de que o Estado Português naquela situação estava vinculado ao dever de sigilo e a invocar o principio da legalidade a que a Administração Pública está sujeita. Para respeitar o principio da proporcionalidade que o artigo 18º CRP exige, das restrições impostas ao direito de informação o TC deveria ter feito uma apreciação minuciosa e não global relativamente a cada documento em concreto e verificar em quais e porquê se deveria salvaguardar a confidencialidade em detrimento do acesso à informação. Ficou em causa o direito à transparência documental, à administração aberta sem que para isso tenha havido a devida e legítima fundamentação. Poderia ter-se optado por consultar documento a documento e permitir um acesso a título parcial da requerente revelando o que não estaria reservado ao segredo industrial/comercial. Mais, além desta possibilidade, em nenhum momento do acórdão é explicitado que tipo de segredo industrial está em causa nem tão pouco que critérios foram usados para levar à definição dos documentos como tal, dado que isso nunca poderá ficar nem na disponibilidade das partes nem na discricionariedade da Administração sem possibilidade de qualquer controlo por parte do TC, sendo de resto um dos argumentos da requerente na aliena “T”.<br />Mais ainda, o TC desconsidera por completo a existência da especialidade do direito à informação ambiental, e quanto a mim com a sua decisão pôs em causa um dos princípios fundamentais em matéria de ambiente que é o Princípio da Prevenção.<br /> Sendo o Direito do Ambiente um ramo novo do Direito, importa não descurar a necessidade da formação dos seus profissionais, em particular, das magistraturas, de modo a que se generalize a tomada de consciência da extrema relevância das questões que lhes são presentes para análise e decisão.<br />Em se tratando do tema ambiental, a sonegação de informações pode gerar danos irreparáveis à sociedade, pois poderá prejudicar o meio ambiente que além de ser um bem de todos, deve ser sadio e protegido por todos. O Poder Público, para garantir o meio ambiente equilibrado e sadio, deve exigir estudo prévio de impacto ambiental para obras ou actividades causadoras de significativa degradação do meio ambiente, ao que deverá dar publicidade; ou seja tornará disponível e público o estudo e o resultado, o que implica na obrigação ao fornecimento de informação ambiental. Não coloco em causa que o segredo industrial poderia no caso reflectir uma restrição ao direito à informação ambiental, coloco sim em causa subtraindo totalmente qualquer informação à requerente senão se terá violado o princípio da proporcionalidade da restrição.<br />A grande parte dos problemas ambientais e das questões de impacto ambiental têm antes de ser remediadas, precavidas, caso contrário haverá inúmeras situações que já não poderão ser eficazmente resolvidas.<br />Relativamente a este acesso à informação, a ideia que passa é a de que ela não se tem produzido de forma suficiente, também não se tem divulgado adequadamente aquela que existe e, muitas vezes, se opta por ocultá-la. Passados 10 anos sobre a aprovação da LADA, continua, de certo modo, implantada na Administração Pública a ideia de secretismo, mesmo àquilo que, por lei, tem de ser obrigatoriamente tornado público.<br />Não se forneceram, pois, “ferramentas conceptuais” para ajudar a descodificar os problemas, nem para nós cidadãos podermos concretizar o nosso direito a um ambiente saudável e correspondente dever de o proteger.Subturma 11http://www.blogger.com/profile/06128454361777716469noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-74118630423835069142008-03-28T15:40:00.007+00:002008-03-28T19:41:18.692+00:00Acórdão de 10/05/2007 do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias sobre o Incumprimento da Directiva 92/43/CEE pela República da Áustria<div align="justify"><span style="color:#000000;">ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)<br />10 de Maio de 2007 </span></div><div align="justify"><span style="color:#000000;"></span></div><div align="justify"></div><div align="justify"><span style="color:#009900;">«Incumprimento de Estado - Directiva 92/43/CEE - Preservação dos habitats naturais, bem como da fauna e da flora selvagens - Medidas de transposição»<br /></span></div><div align="justify">No processo C 508/04,</div><div align="justify"></div><div align="justify">que tem por objecto uma acção por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, entrada em 8 de Dezembro de 2004,</div><div align="justify"></div><div align="justify"><strong>Comissão das Comunidades Europeias</strong>, representada por M. van Beek e B. Schima, na qualidade de agentes, assistidos por M. Lang, Rechtsanwalt, com domicílio escolhido no Luxemburgo, </div><div align="justify"></div><div align="justify">demandante, </div><div align="justify">contra</div><div align="justify"></div><div align="justify"><strong>República da Áustria</strong>, representada por E. Riedl e H. Dossi, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo, </div><div align="justify"></div><div align="justify">demandada,</div><div align="justify"><br />O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção), </div><div align="justify"></div><div align="justify">composto por: K. Lenaerts, presidente de secção, R. Silva de Lapuerta (relator), G. Arestis, J. Malenovsky e T. von Danwitz, juízes,<br /></div><div align="justify">advogada geral: J. Kokott,<br /></div><div align="justify">secretário: R. Grass,<br /></div><div align="justify">vistos os autos,<br /></div><div align="justify">ouvidas as conclusões da advogada geral na audiência de 11 de Janeiro de 2007,<br /></div><div align="justify">profere o presente<br /></div><div align="justify"><strong>Acórdão</strong></div><strong><div align="justify"><br /></strong>1 Com o seu pedido, a Comissão das Comunidades Europeias solicitou ao Tribunal de Justiça que declarasse que a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 1.º, do artigo 6.º, n.os 1 a 4, bem como dos artigos 7.º, 11.º, 12.º, 13.º, 15.º, 16.º, n.º 1, e do artigo 22.º, alínea b), da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens (JO L 206, p. 7, a seguir «directiva»). </div><div align="justify"><br /><strong>Quadro jurídico</strong></div><div align="justify"><br /><em>A regulamentação comunitária</em></div><div align="justify"></div><div align="justify">2 O artigo 1.º da directiva contém um certo número de definições entre as quais figuram as definições seguintes:</div><div align="justify"></div><div align="justify">«[…]<br />e) Estado de conservação de um habitat natural: o efeito de conjunto das influências que actuam sobre o habitat natural em causa, bem como sobre as espécies típicas que nele vivem, susceptíveis de afectar a longo prazo a sua repartição natural, a sua estrutura e as suas funções, bem como a sobrevivência a longo prazo das suas espécies típicas no território referido no artigo 2.º.<br /></div><div align="justify">O ‘estado de conservação’ de um habitat natural será considerado ‘favorável’ sempre que:<br /></div><div align="justify">- a sua área de repartição natural e as superfícies que dentro dela abrange forem estáveis ou estiverem em expansão e<br /></div><div align="justify">- a estrutura e as funções específicas necessárias à sua manutenção a longo prazo existirem e forem susceptíveis de continuar a existir num futuro previsível e<br /></div><div align="justify">- o estado de conservação das espécies típicas for favorável na acepção da alínea i);[…]<br /></div><div align="justify">g) Espécies de interesse comunitário: as espécies que, no território referido no artigo 2.º:<br /></div><div align="justify">i) estão em perigo, excepto as espécies cuja área de repartição natural se situa de forma marginal nesse território e que não estão em perigo nem são vulneráveis na área do paleártico ocidental ou<br /></div><div align="justify">ii) são vulneráveis, ou seja, cuja passagem à categoria das espécies em perigo se considera provável num futuro próximo no caso de persistência dos factores que são causa da ameaça ou<br /></div><div align="justify">iii) são raras, ou seja, cujas populações são de reduzida expressão e que, embora não estejam actualmente em perigo ou não sejam vulneráveis, possam vir a sê lo. Estas espécies estão localizadas em áreas geográficas restritas ou espalhadas numa superfície mais ampla ou<br /></div><div align="justify">iv) são endémicas e requerem atenção especial devido à especificidade de seu habitat e/ou às incidências potenciais da sua exploração no seu estado de conservação.<br />Estas espécies constam ou podem vir a constar dos anexos II e/ou IV ou V;<br /></div><div align="justify">h) Espécies prioritárias: as espécies referidas na alínea g), subalínea i), por cuja conservação a Comunidade é especialmente responsável dada a dimensão considerável da parte da área de distribuição natural dessa espécie localizada no território a que se refere o artigo 2.º, são assinaladas com um asterisco (*) no anexo II;<br /></div><div align="justify">i) Estado de conservação de uma espécie: o efeito do conjunto das influências que, actuando sobre a espécie em causa, podem afectar, a longo prazo, a repartição e a importância das suas populações no território a que se refere o artigo 2.º;<br /></div><div align="justify">O ‘estado de conservação’ será considerado ‘favorável’ sempre que:<br /></div><div align="justify">- os dados relativos à dinâmica das populações da espécie em causa indicarem que essa espécie continua e é susceptível de continuar a longo prazo a constituir um elemento vital dos habitats naturais a que pertence e<br /></div><div align="justify">- a área de repartição natural dessa espécie não diminuir nem correr o perigo de diminuir num futuro previsível e<br /></div><div align="justify">- existir e continuar provavelmente a existir um habitat suficientemente amplo para que as suas populações se mantenham a longo prazo; […]<br /></div><div align="justify">l) Zona especial de conservação: um sítio de importância comunitária designado pelos Estados Membros por um acto regulamentar, administrativo e/ou contratual em que são aplicadas as medidas necessárias para a manutenção ou o restabelecimento do estado de conservação favorável, dos habitats naturais e/ou das populações das espécies para as quais o sítio é designado; </div><div align="justify">[…]»<br /></div><div align="justify">3 Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, da directiva, «(e)m relação às zonas especiais de conservação, os Estados Membros fixarão as medidas de conservação necessárias, que poderão eventualmente implicar planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação, e as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais adequadas que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais do anexo I e das espécies do anexo II presentes nos sítios».<br /></div><div align="justify">4 Nos termos do artigo 6.º, n.º 2, da directiva: «Os Estados Membros tomarão as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito significativo, atendendo aos objectivos da [...] directiva».<br /></div><div align="justify">5 O artigo 16.º, n.º 1, da directiva prevê:<br />«Desde que não exista outra solução satisfatória e que a derrogação não prejudique a manutenção das populações da espécie em causa na sua área de repartição natural, num estado de conservação favorável, os Estados Membros poderão derrogar o disposto nos artigos 12.º, 13.º e 14.º e nas alíneas a) e b) do artigo 15.º:<br /></div><div align="justify">a) No interesse da protecção da fauna e da flora selvagens e da conservação dos habitats naturais;<br /></div><div align="justify">b) Para evitar prejuízos sérios, nomeadamente às culturas, à criação de gado, às florestas, às zonas de pesca e às águas e a outras formas de propriedade;<br /></div><div align="justify">c) No interesse da saúde e da segurança públicas ou por outras razões imperativas ou de interesse público prioritário, incluindo razões de carácter social ou económico e a consequências benéficas de importância primordial para o ambiente;<br /></div><div align="justify">d) Para fins de investigação e de educação, de repovoamento e de reintrodução dessas espécies e para as operações de reprodução necessárias a esses fins, incluindo a reprodução artificial das plantas;<br /></div><div align="justify">e) Para permitir, em condições estritamente controladas e de uma forma selectiva e numa dimensão limitada, a captura ou posse de um número limitado especificado pelas autoridades nacionais competentes de determinados espécimes das espécies constantes do anexo IV.»<br /></div><div align="justify">6 O artigo 22.º, alínea b), da directiva prevê que os Estados Membros «(a)ssegurarão que a introdução intencional no meio natural de uma espécie não indígena do seu território será regulamentada de maneira a não ocasionar qualquer prejuízo aos habitats naturais na sua área de repartição natural nem à fauna e à flora selvagens indígenas e, se o julgarem necessário, proibirão tal introdução».<br /><em></em></div><em>As disposições legislativas e regulamentares dos diferentes Länder austríacos cuja conformidade com as disposições da directiva é contestada<br /></em><br />Land da Baixa Áustria<br /><br />7 Estão em causa as seguintes disposições: o § 95 da lei da Baixa Áustria relativa à caça [Niederösterreichisches Jagdgesetz 1974, LGBl. (Niederösterreich) n.º 76/74, a seguir «Nö JagdG»], o § 9, n.º 5, o § 17, n.º 5, o § 20, n.º 4, bem como os §§ 21 e 22 da lei da Baixa Áustria relativa à protecção da natureza [Niederösterreichisches Naturschutzgesetz 2000, LGBl. (Niederösterreich) n.° 87/00, a seguir «Nö NSchG»].<br /><br /><div align="justify">8 O § 95 da Nö JagdG prevê:<br />«1. São proibidos todos os métodos de caça não selectivos; em particular é proibido:</div><div align="justify">[…]<br />3) caçar à noite, isto é, durante o período que começa 90 minutos depois do pôr do sol e termina 90 minutos antes do nascer do sol; não está abrangida por esta proibição a caça ao javali e aos predadores, ao tetraz e ao galo lira, aos gansos selvagens, aos patos selvagens e às galinholas;<br /></div><div align="justify">4) utilizar, para capturar ou para abater animais de caça, dispositivos para iluminar os alvos, com excepção de lanternas portáteis, fontes de luz artificial, como aparelhos de raios infravermelhos, aparelhos electrónicos de pontaria, dispositivos de mira incluindo um conversor de imagem ou um amplificador electrónico de imagem para tiro nocturno, como amplificadores de luz residual; </div><div align="justify">[…]<br /></div><div align="justify">8) utilizar, como chamarizes, aves cegas ou mutiladas, bem como engodos anestésicos; utilizar gravadores de som, dispositivos eléctricos ou electrónicos capazes de matar ou atordoar; utilizar espelhos ou outros meios de encandeamento, explosivos ou redes não selectivas; utilizar gás ou fumo;<br /></div><div align="justify">9) caçar aves recorrendo a substâncias viscosas, anzóis, redes ou armadilhas;<br /></div><div align="justify">10) caçar a partir de aeronaves, de veículos automóveis em movimento ou de embarcações motorizadas a uma velocidade superior a 5 km/h. […].»<br /></div><div align="justify">9 O § 9 da Nö NSchG prevê:</div><div align="justify">«[…]<br />2. […] entende se por:[…]<br /></div><div align="justify">6) estado de conservação de um habitat natural: o efeito de conjunto das influências que actuam sobre um habitat natural, bem como sobre as espécies típicas que nele vivem, susceptíveis de afectar a longo prazo a sua repartição natural, a sua estrutura e as suas funções, bem como a sobrevivência a longo prazo das suas espécies típicas;<br /></div><div align="justify">7) espécies prioritárias: os animais e plantas selvagens por cuja conservação a Comunidade é especialmente responsável e que são assinalados com um asterisco no anexo II da directiva ‘habitats’;<br /></div><div align="justify">8) estado de conservação de uma espécie: o efeito do conjunto das influências que, actuando sobre a espécie em causa, podem afectar, a longo prazo, a repartição e a importância das suas populações;<br /></div><div align="justify">9) objectivos de conservação: a manutenção ou o restabelecimento de um estado de conservação favorável dos habitats naturais indicados no anexo I da directiva ‘habitats’ e das espécies da fauna e da flora indicadas no anexo II da referida directiva presentes num sítio de importância comunitária, bem como das espécies de aves enumeradas no anexo I da directiva ‘aves’ e referidas no artigo 4.º, n.º 2, desta directiva que vivem numa zona europeia de protecção das aves e dos seus habitats.<br /></div><div align="justify">3. O Governo do Land classifica, através de regulamento, os sítios referidos no n.º 1 como zonas especiais de conservação denominadas ‘zonas europeias de conservação’. Podem, em particular ser classificadas como zonas europeias de conservação as zonas de protecção da natureza e as zonas de protecção de paisagem já existentes.<br /></div><div align="justify">4. O regulamento adoptado nos termos do n.º 3 define os limites territoriais da zona de conservação, o objecto concretamente protegido, em particular os tipos de habitats naturais prioritários e as espécies prioritárias, os objectivos de conservação bem como, se necessário, as obrigações e proibições necessárias para obter um estado de conservação favorável. Proíbe, em particular, as medidas susceptíveis de conduzirem à destruição da zona de conservação ou das suas componentes ou de afectar a referida zona ou as suas componentes de maneira substancial. Não são afectadas as disposições de protecção mais rigorosas da presente lei.<br /></div><div align="justify">5. As zonas europeias de protecção podem ser objecto de medidas adequadas de gestão, de desenvolvimento e de conservação (plano de gestão), de natureza pública ou privada, correspondentes às exigências ecológicas aplicáveis aos habitats naturais do anexo I e às espécies do anexo II da directiva ‘habitats’, bem como às espécies de aves do anexo I da directiva ‘aves’ presentes nessas zonas.<br /></div><div align="justify">Se tiverem implicações para o ordenamento do território, estas medidas são apresentadas ao comité consultivo para o ordenamento do território, à excepção das medidas relativas à administração das zonas europeias de protecção.<br /></div><div align="justify">6. O Governo do Land vigia e documenta o estado de conservação dos habitats naturais e dos animais e plantas selvagens. Terá em conta, em particular, os tipos de habitats naturais prioritários e de espécies prioritárias.»<br /></div><div align="justify">10 O § 17 da Nö NSchG prevê:</div><div align="justify">«[…]<br />5) A plantação e a disseminação de vegetais não autóctones e inadaptados ao lugar em causa, bem como a introdução e a disseminação, em espaços não fechados, de animais não autóctones estão sujeitas a autorização pelo Governo federal. A autorização será recusada quando as populações autóctones adaptadas, as características naturais (genéticas) das espécies animais e vegetais autóctones ou a beleza e as características da paisagem forem prejudicadas de forma duradoura.»<br /></div><div align="justify">11 O § 20 da Nö NSchG prevê:</div><div align="justify">«[…]<br />4) O Governo do Land pode autorizar derrogações […], em particular para fins científicos e didácticos, quando não seja de temer que daí resulte um perigo para a flora e a fauna selvagens protegidas. A autorização deve indicar, pelo menos:<br /></div><div align="justify">1. as espécies que são objecto da derrogação,<br /></div><div align="justify">2. os meios, dispositivos e métodos de captura ou de abate autorizados e<br /></div><div align="justify">3. os controlos a efectuar.»<br /></div><div align="justify">12 O § 21 da Nö NSchG prevê:<br />«1. Sem prejuízo das regras especiais previstas pelas disposições da presente lei ou dos regulamentos e decisões administrativas adoptados em aplicação desta, as medidas relacionadas com a utilização comercial de terrenos não são, em princípio, afectadas […]. Esta disposição derrogatória não se aplica quando as plantas e animais protegidos ou os habitats protegidos são intencionalmente afectados, ou as plantas e animais ameaçados de extinção […] são afectados pelas referidas medidas.<br /></div><div align="justify">2. Sem prejuízo das regras especiais previstas pelas disposições da presente lei ou dos regulamentos e decisões administrativas adoptados em aplicação desta, as medidas ligadas à utilização agrícola ou silvícola moderna e duradoura de terrenos no quadro de uma exploração agrícola ou silvícola não são, em princípio, afectadas […]. Esta disposição derrogatória não se aplica quando as plantas e animais protegidos ou os habitats protegidos são intencionalmente afectados, ou as plantas e os animais ameaçados de extinção […] são afectados pelas referidas medidas.<br /></div><div align="justify">3. Uma utilização agrícola ou silvícola é considerada moderna e duradoura quando, numa exploração agrícola ou silvícola, as actividades servem para produzir ou obter produtos vegetais ou animais e são organizadas segundo processos habituais numa região e em determinado momento ou com base em experiências transmitidas, e a referida utilização, adaptada às condições naturais, garante uma produção durável num sistema em bom estado de funcionamento sem esgotar as bases da produção e afectar indevidamente a natureza e as paisagens.»<br /></div><div align="justify">13 O § 22 da Nö NSchG prevê:<br />«1. Em lugar de ou paralelamente à defesa dos interesses ambientais pelos poderes públicos, o Land da Baixa Áustria está autorizado a celebrar convenções de direito privado para alcançar os objectivos de protecção da natureza, em particular com vista à conservação, à gestão, à salvaguarda e ao desenvolvimento de sítios de grande valor para a protecção da natureza ou importantes para a paisagem. O objecto deste tipo de convenções é, antes de mais, a conservação e a gestão, em condições adequadas, de águas superficiais estagnadas naturais ou semi naturais de reduzida dimensão, de prados húmidos e de sítios secos e pobres, bem como bosquetes situados fora de florestas e de sebes de grande valor para a protecção da natureza. As outras medidas de fomento incluem, em particular:<br /></div><div align="justify">- o pagamento para serem implementadas medidas de criação, conservação ou melhoramento de outros sítios e objectos necessários para a protecção da natureza;<br /></div><div align="justify">- o fomento de modos de utilização ou de exploração particularmente conformes aos interesses da protecção da natureza em sítios importantes do ponto de vista ecológico ou para a paisagem;<br /></div><div align="justify">- o apoio de medidas destinadas a melhorar importantes funções geoecológicas (por exemplo, rede de biótopos, culturas de natureza extensiva, adopção de métodos ecológicos de exploração agrícola e silvícola).»<br /></div><div align="justify">Land da Alta Áustria<br /></div><div align="justify">14 Está em causa o § 15, n.º 2, da lei da Alta Áustria relativa à protecção da natureza e das paisagens [Öberösterreichisches Natur und Landschaftsschutzgesetz 2001, LGBl. (Oberösterreich) n.° 129/2001, a seguir «Oö NSchG»].<br /></div><div align="justify">15 A referida disposição prevê:<br />«As zonas de protecção das paisagens [...], os elementos de paisagens protegidas [...], as zonas europeias de protecção [...] ou as zonas de protecção da natureza [...] podem ser objecto de planos de gestão de paisagens elaborados pelo Governo do Land e que prevejam medidas que, nos termos do n.º 1, sejam necessárias no interesse público e que não afectem de maneira significativa a exploração económica autorizada dos terrenos em causa.<br />Salvo disposição em contrário de um contrato de direito privado ou de um texto legislativo, os custos da execução destes planos de gestão de paisagens devem ser suportados pelo Land, na qualidade de titular de direitos privados.<br />O proprietário do terreno não se pode opor à execução destas medidas.»<br /></div><div align="justify">Land de Salzburgo<br /></div><div align="justify">16 Estão em causa as disposições seguintes: o § 3a, o § 5, n.os 8 a 10, os §§ 22a e 22b, o § 29, bem como o § 34 da lei de Salzburgo relativa à protecção da natureza [Salzburger Naturschutzgesetz 1999, LGBl. (Salzburg) n.° 73/1999, a seguir «Sbg NSchG»]; o § 104, n.º 4, da lei de Salzburgo relativa à caça [Salzburger Jagdgesetz 1993, LGBl. (Salzburg) n.° 100/1993, a seguir «Sbg JagdG»].<br /></div><div align="justify">17 O § 3a da Sbg NSchG prevê:<br />«1. Ao aplicar a presente lei e os regulamentos adoptados com base nela, deve partir se do princípio de que o interesse geral de protecção da natureza pode ter primazia sobre todos os outros interesses.<br /></div><div align="justify">2. As medidas que, comprovadamente, servem interesses gerais particularmente importantes devem ser autorizadas ou tomadas em consideração salvaguardando de modo amplo os interesses da protecção da natureza […], quando:<br /></div><div align="justify">1) no caso concreto, outros interesses gerais tenham prioridade sobre os interesses da protecção da natureza e<br /></div><div align="justify">2) não existir, comprovadamente, qualquer solução alternativa apropriada à medida em causa que afectaria menos os interesses de protecção da natureza.<br /></div><div align="justify">3. Sendo previsível que as medidas referidas no n.º 2 afectarão de maneira significativa os tipos de habitats naturais prioritários […] ou de espécies prioritárias […] nas zonas europeias de conservação no sentido do § 5, n.° 10, alínea a), só podem ser tomadas em conta considerações relativas aos interesses gerais seguintes:<br /></div><div align="justify">1) à vida e à saúde das pessoas,<br /></div><div align="justify">2) à segurança pública,<br /></div><div align="justify">3) a consequências benéficas decisivas para o ambiente.<br /></div><div align="justify">Ao ponderar os diferentes interesses é necessário obter um parecer da Comissão [...] para atender a outros interesses gerais. A decisão deve ter em conta este parecer.<br /></div><div align="justify">4. Se, após efectuar uma ponderação dos interesses nos termos dos n.os 2 ou 3, não for reconhecida primazia aos interesses de protecção da natureza, o dano que, previsivelmente, resultará da intervenção deve - salvo nas hipóteses visadas pelo n.º 6 - ser compensado por medidas de substituição adequadas. A compensação é imposta através de decisão administrativa. Quando a intervenção afecta habitats especiais e de populações de animais ou de plantas, a prestação de substituição deve consistir, antes de mais, na criação de habitats de restabelecimento. Estes habitats de restabelecimento são, sempre que possível, criados na proximidade imediata do lugar da intervenção. Se for impossível criar habitats de restabelecimento, o requerente deve ser obrigado, através de decisão administrativa, a pagar uma quantia em dinheiro num montante aproximadamente correspondente ao custo de uma prestação de substituição adequada. Quando os habitats de restabelecimento só podem ser criados de modo insuficiente, a quantia em dinheiro a pagar será reduzida em termos correspondentes.<br /></div><div align="justify">5. Quando, na hipótese referida no n.º 4, está em causa uma zona europeia de conservação, o Governo do Land assegura a continuidade da rede ecológica europeia ‘Natura 2000’. As medidas adoptadas para este fim serão comunicadas à Comissão [...]<br /></div><div align="justify">6. Devem ser impostas prestações de substituição para medidas que<br /></div><div align="justify">1) são necessárias e inevitáveis devido a uma ameaça para a vida ou a saúde das pessoas ou para impedir prejuízos graves para a economia do país e que<br /></div><div align="justify">2) não têm incidência sobre as zonas europeias de conservação.»<br /></div><div align="justify">18 O § 5 da Sbg NSchG prevê:<br />«Para efeitos da presente lei, entende se por:[…]<br /></div><div align="justify">8. Intervenção num sítio ou num objecto protegidos: medidas temporárias ou permanentes susceptíveis de ter, individualmente ou em combinação com outras medidas, para o sítio protegido ou para o objecto ou atendendo ao objectivo de protecção, consequências não negligenciáveis ou cuja repetição ou acumulação tem, previsivelmente, tais consequências. Ocorre também uma intervenção quando as próprias medidas têm a sua origem no exterior do sítio protegido ou do objecto de protecção.<br /></div><div align="justify">9. Objectivos de preservação de uma zona europeia de conservação: a manutenção ou o restabelecimento de um estado de conservação favorável<br /></div><div align="justify">a) dos habitats naturais indicados no anexo I da directiva ‘habitats’ ou das espécies animais e vegetais que figuram no anexo II desta directiva;<br /></div><div align="justify">b) das espécies aviárias indicadas no anexo I da directiva ‘aves’ e das espécies migratórias cuja ocorrência seja regular (artigo 4.º, n.º 2, desta directiva) e dos seus habitats, prestando particular atenção às zonas húmidas de importância internacional.<br /></div><div align="justify">10. Zonas europeias de conservação:<br />a) zonas de importância comunitária que figuram na lista prevista no artigo 4.º, n.º 2, da directiva ‘habitats’;<br /></div><div align="justify">b) zonas que figuram, até estar à disposição a lista referida na alínea a), numa lista elaborada nos termos do artigo 4.º, n.º 1, da directiva ‘habitats’;<br /></div><div align="justify">c) zonas de protecção de aves nos termos do artigo 4.º, n.os 1 e 2, da directiva ‘aves’ […]»<br /></div><div align="justify">19 O § 22a da Sbg NSchG prevê:</div><div align="justify">«[…]<br />2. O Governo do Land adopta, através de regulamento, disposições de protecção para as zonas europeias de conservação, as quais compreendem, em qualquer caso, o objectivo de protecção e as obrigações e proibições necessárias. Este regulamento define igualmente os limites da zona de conservação. O objectivo de protecção indica os objectivos de conservação (§ 5, n.° 9) da respectiva zona de conservação. […]<br /></div><div align="justify">3. O regulamento da zona europeia de conservação pode proibir ou impor medidas e autorizar certas intervenções de maneira geral ou através de uma autorização derrogatória concedida pelo Governo do Land. Deve ser garantido, através de obrigações, proibições e reservas de autorização, que os habitats naturais em causa não sejam deteriorados e que as espécies animais e vegetais para as quais se deve manter ou restabelecer um estado de conservação favorável, de acordo com o objectivo de preservação, não sejam perturbadas de maneira significativa.<br /></div><div align="justify">4. Antes de conceder uma autorização derrogatória, o Governo do Land examina se a intervenção é susceptível de afectar de maneira significativa a zona europeia de conservação nos seus elementos essenciais à luz dos objectivos de conservação (§ 5, n.° 9) (avaliação do impacto). A autorização só será concedida se não for previsível qualquer prejuízo significativo.<br /></div><div align="justify">5. A adopção de um regulamento nos termos dos n.os 2 e 3 não é exigida quando a protecção suficiente da zona e a realização do seu objectivo de conservação estão já asseguradas por outras medidas. Não são afectadas as disposições de protecção mais rigorosas.<br /></div><div align="justify">6. Para as zonas europeias de conservação serão, se necessário, elaborados e aplicados planos de gestão de paisagens, bem como planos detalhados, tendo em conta o artigo 4.º, n.os 1 e 2, da directiva ‘aves’ e o artigo 6.º, n.º 1, da directiva ‘habitats’. O Governo do Land vigia regularmente o estado de conservação das zonas europeias de conservação, atribuindo especial importância aos tipos de habitats naturais prioritários e às espécies prioritárias.»<br /></div><div align="justify">20 O § 22b da Sbg NSchG prevê:<br />«1. Até serem tomadas suficientes medidas de protecção […], as operações de exploração de terrenos só podem ser realizadas como têm vindo a ser efectuadas de modo legal, […].<br /></div><div align="justify">2. A autorização do Governo do Land é necessária para executar qualquer medida que vá para além do disposto n.º 1, susceptível de afectar de maneira significativa os habitats naturais ou as espécies animais ou vegetais que, nos termos da directiva ‘aves’ ou da directiva ‘habitats’, devem ser mantidos ou restabelecidos num estado de conservação favorável.<br /></div><div align="justify">3. Esta autorização deve ser concedida quando a medida, por um lado, não é susceptível de causar uma deterioração dos habitats abrangidos pelo n.º 2 nem uma perturbação considerável das espécies abrangidas pelo n.º 2 e, por outro, não contraria o objectivo de conservação ou de criação de um estado de conservação favorável destes habitats ou destas espécies.<br /></div><div align="justify">4. Não são afectadas as disposições de protecção mais rigorosas.»<br /></div><div align="justify">21 O § 29 da Sbg NSchG prevê:<br />«1. As plantas selvagens em estado natural, cuja população esteja ameaçada de maneira geral ou em certas zonas e que devam ser conservadas no interesse geral por razões de protecção da natureza, bem como as plantas que são necessárias para a conservação de um ecossistema equilibrado, em particular para garantir a manutenção de populações de outras espécies vegetais e animais, podem ser protegidas, na totalidade ou em parte, através de regulamento do Governo do Land. A protecção pode ser limitada tanto no tempo como no espaço.<br /></div><div align="justify">2. A protecção das plantas na sua totalidade abrange todas as partes da planta, subterrâneas e à superfície. Ela engloba a proibição de danificar a planta, de a destruir, de a retirar do seu sítio ou de tratar o sítio onde se encontram as plantas da espécie em causa de modo a ameaçar ou excluir a sua sobrevivência, bem como a proibição de possuir, de transportar, de receber ou de ceder, a título oneroso ou gratuito, plantas colhidas na natureza. A proibição de possuir, de transportar, de receber ou de ceder, a título oneroso ou gratuito, refere se igualmente a qualquer produto obtido a partir da planta, bem como a qualquer outra mercadoria quando decorre de documento justificativo, da embalagem, de uma etiqueta ou de qualquer outra circunstância que se trata de partes da planta em causa ou de produtos obtidos a partir desta.»<br /></div><div align="justify">22 O § 34 da Sbg NSchG prevê:<br />«1) As autoridades competentes em matéria de protecção da natureza podem, mediante pedido, autorizar derrogações às proibições previstas [designadamente] no § 29, n.os 2 e 3 […]. A autorização só pode ser concedida […] por medidas que visem um dos objectivos seguintes:<br /></div><div align="justify">1. a saúde pública, designadamente a produção de medicamentos;<br /></div><div align="justify">2. o fabrico de bebidas;<br /></div><div align="justify">3. a segurança pública;<br /></div><div align="justify">4. a segurança da aviação;<br /></div><div align="justify">5. a protecção de plantas e de animais selvagens ou a conservação dos seus habitats;<br /></div><div align="justify">6. a pesquisa ou o ensino;<br /></div><div align="justify">7. o repovoamento ou a relocalização de populações;<br /></div><div align="justify">8. a prevenção de danos importantes para as culturas e florestas, os animais de exploração ou domésticos, as zonas de pesca ou as massas de água;<br /></div><div align="justify">9. a construção de instalações;<br /></div><div align="justify">10. outros interesses públicos prioritários.<br /></div><div align="justify">2) Os pontos 9 e 10 do n.º 1 não se aplicam às aves. Os pontos 2 e 9 do n.º 1 não se aplicam às espécies vegetais que figuram no anexo IV da directiva ‘habitats’.<br /></div><div align="justify">3) As autorizações previstas no n.º 1 só serão concedidas se o objectivo da medida em causa não puder ser alcançado de maneira satisfatória por outros meios e as populações das espécies animais ou vegetais presentes na zona não forem deterioradas pela intervenção.<br /></div><div align="justify">4) Os pedidos de autorização apresentados nos termos do n.º 1 devem ser fundamentados e conter as seguintes indicações:</div><div align="justify">[…]<br /></div><div align="justify">6) A autorização não pode ser concedida às seguintes pessoas: […]<br /></div><div align="justify">7) A autorização deve conter todas as indicações previstas no n.º 4 e precisar que não substitui a autorização de direito privado das pessoas que dispõem dos terrenos em causa.<br />Para as autorizações concedidas para fins científicos, a autoridade deve igualmente exigir que os documentos justificativos sejam conservados de acordo com uma instituição científica reconhecida. </div><div align="justify">[…]»<br /></div><div align="justify">23 O § 104 da Sbg JagdG prevê: </div><div align="justify">«[…]<br />4) A autoridade pode autorizar outras derrogações às proibições […] quando isto não ameace a população da espécie selvagem em causa e não exista qualquer outra solução satisfatória para alcançar o objectivo visado. Essas derrogações só devem ser autorizadas para os fins seguintes:<br /></div><div align="justify">a) a protecção de outros animais ou plantas selvagens e a conservação dos seus habitats naturais;<br /></div><div align="justify">b) a prevenção de danos graves para as culturas, o gado, as florestas e as águas piscícolas, bem como, no caso de caça de pêlo, para outros bens;<br /></div><div align="justify">c) a saúde pública e a segurança pública, ou, tratando se de caça de pêlo, por outras razões imperativas de interesse público prioritário, designadamente de ordem social ou económica ou ligadas a consequências positivas para o ambiente;<br /></div><div align="justify">d) a pesquisa e o ensino;<br /></div><div align="justify">e) o aumento da população destas espécies ou a sua relocalização, bem como a criação necessária para esse efeito;<br /></div><div align="justify">f) a comercialização de um pequeno número de animais (ou de partes de animais ou de produtos fabricados a partir destes animais) de espécies de caça de penas cuja captura ou abate esteja autorizada.</div><div align="justify">[...]» </div><div align="justify"></div><div align="justify">Land do Tirol</div><div align="justify"><br />24 Estão em causa as disposições seguintes: o § 1, n.º 1, o § 2, n.º 2, os §§ 5 a 9, os §§ 22 a 24, e o § 28, n.º 3, da lei do Tirol relativa à protecção da natureza [Tiroler Naturschutzgesetz 1997, LGBl. (Tirol) n.° 33/1997, a seguir «Tiroler NSchG»]; o § 1, n.os 1 e 2, alíneas a) e b), os §§ 3 e 6, n.º 1, primeira frase, e o n.º 2, do regulamento do Tirol relativo à protecção da natureza [Tiroler Naturschutzverordnung 1997, LGBl. (Tirol) n.° 95/1997, a seguir «Tiroler NSchVO»].<br /></div><div align="justify">25 O § 1, n.º 1, da Tiroler NSchG prevê:<br />«A presente lei tem por objecto conservar e gerir a natureza, como base da vida humana, de modo que:<br /></div><div align="justify">a) a sua diversidade, as suas características e a sua beleza,<br /></div><div align="justify">b) o seu valor recreativo,<br /></div><div align="justify">c) a sua riqueza em espécies animais e vegetais autóctones e em habitats naturais, e<br /></div><div align="justify">d) o seu equilíbrio, tão intacto e eficiente quanto possível,<br />sejam preservados e mantidos ou restaurados.<br />A conservação e protecção da natureza estendem se a todas as suas manifestações, em particular às paisagens, quer estas se encontrem no seu estado original quer resultem da acção humana.<br />A agricultura e a silvicultura ecológicas revestem particular importância a este respeito.<br />A natureza não deve ser explorada numa medida que diminua o seu valor para as gerações seguintes.</div><div align="justify">[…]»<br /></div><div align="justify">26 O § 2, n.º 2, da Tiroler NSchG prevê:<br />«As medidas no âmbito da exploração agrícola e silvícola habitual não estão sujeitas a autorização nos termos da presente lei.<br />Isto não se aplica a medidas relativas a florestas aluviais, […] a zonas húmidas, […] a zonas de protecção da natureza e a zonas de protecção especial, […]»<br /></div><div align="justify">27 O § 5 da Tiroler NSchG prevê:<br />«São proibidas em todo o território do Land:<br /></div><div align="justify">a) a organização de manifestações desportivas que envolvam veículos automóveis equipados com um motor de combustão interna, excepto em terrenos para os quais existe uma autorização […]<br /></div><div align="justify">b) a utilização de helicópteros para o transporte de pessoas com fins turísticos, salvo entre aeroportos;<br /></div><div align="justify">c) a utilização de embarcações equipadas com um motor de combustão interna em cursos de água naturais, salvo em execução de projectos autorizados nos termos do direito aplicável em matéria de protecção da natureza e na medida necessária a esses projectos;<br /></div><div align="justify">d) qualquer acção que afecte de forma duradoura os glaciares e as suas bacias hidrográficas, salvo no caso de exploração, de manutenção e de recuperação de instalações existentes, incluindo a sua modificação […]»<br /></div><div align="justify">28 O § 22 da Tiroler NSchG prevê:<br />«1. O Governo do Land classifica, através de regulamento, como espécies vegetais protegidas as espécies de plantas selvagens cuja população esteja ameaçada de maneira geral ou em certas zonas e que seja necessário conservar para salvaguardar os interesses de protecção da natureza, tal como definidos no § 1, n.º 1.<br /></div><div align="justify">2. Nos regulamentos que adopta em aplicação do n.º 1, o Governo do Land pode proibir, na medida em que tal seja necessário para salvaguardar a população de certas espécies vegetais: […]»<br /></div><div align="justify">29 O § 23 da Tiroler NSchG prevê:<br />«1. O Governo do Land classifica, através de regulamento, como espécies animais protegidas as espécies de animais selvagens que não podem ser caçadas, cuja população esteja ameaçada de maneira geral ou em certas zonas e que seja necessário conservar para salvaguardar os interesses de protecção da natureza, tal como definidos no § 1, n.º 1.<br /></div><div align="justify">2. Nos regulamentos que adopta em aplicação do n.º 1, o Governo do Land pode proibir, na medida em que seja necessário para salvaguardar a população de certas espécies animais:<br /></div><div align="justify">a) que os animais de espécies protegidas sejam perturbados, perseguidos, capturados, criados, detidos, vivos ou mortos, transportados, oferecidos para venda, vendidos, adquiridos ou abatidos;<br /></div><div align="justify">b) que formas de desenvolvimento de animais de espécies protegidas (como, por exemplo, ovos, larvas e crisálidas) sejam retiradas do seu ambiente natural, danificadas ou destruídas, detidas, transportadas, oferecidas para venda, vendidas ou adquiridas;<br /></div><div align="justify">c) que partes de animais de espécies protegidas (como penas ou peles) sejam possuídas, transportadas, oferecidas para venda, vendidas ou adquiridas;<br /></div><div align="justify">d) que os locais de reprodução e os ninhos de animais de espécies protegidas sejam retirados ou destruídos;<br /></div><div align="justify">e) que o habitat de animais de espécies protegidas […] seja tratado de modo que torne impossível a sua sobrevivência nesse habitat.<br /></div><div align="justify">As proibições impostas nos termos das alíneas a) a d) supramencionadas podem ser limitadas a um número determinado de animais e de formas de desenvolvimento de animais, a determinadas formas de desenvolvimento e a certos períodos e certas zonas; as proibições impostas nos termos da alínea e) podem ser limitadas a certos períodos e a certas zonas.<br /></div><div align="justify">3. Quem afirmar que os animais de espécies protegidas que transporta, detém, utiliza ou oferece para venda a título profissional foram obtidos de criações no Tirol ou foram importados de outro Land ou do estrangeiro, deve produzir a correspondente prova a pedido das autoridades.<br /></div><div align="justify">4. É necessária uma autorização das autoridades competentes em matéria de protecção da natureza para libertar na natureza animais não abrangidos pelas disposições do direito da caça ou da pesca e que não pertencem a espécies indígenas. Esta autorização só pode ser concedida se não for previsível qualquer alteração substancial da flora e da fauna existentes nem qualquer prejuízo para os interesses da protecção da natureza, tal como estão definidos no § 1, n.º 1.<br /></div><div align="justify">5. Nos regulamentos que adopta nos termos do n.º 1, o Governo do Land pode incluir disposições sobre a captura e detenção de animais selvagens de espécies protegidas, incluindo as suas formas de desenvolvimento, a fim de assegurar que estas actividades são exercidas de maneira apropriada. Neste contexto, podem ser proibidos certos métodos de captura, bem como a utilização de certos meios de captura.»<br /></div><div align="justify">30 O § 24 da Tiroler NSchG prevê:<br />«É proibido perturbar ou perseguir intencionalmente os animais selvagens que não podem ser caçados e que não pertencem a espécies protegidas, capturá los sem razão justificada bem como retirar, danificar ou destruir sem razão justificada os seus locais de reprodução, ninhos ou formas de desenvolvimento.»<br /></div><div align="justify"><strong>Procedimento pré contencioso</strong></div><strong><div align="justify"><br /></strong>31 Após ter analisado os diferentes textos legislativos e regulamentares relativos à transposição da directiva que a República da Áustria comunicou, a Comissão enviou a este Estado Membro, em 13 de Abril de 2000, uma notificação para cumprir na qual o censurou por não ter transposto completa ou correctamente um certo número de disposições da directiva.<br /></div><div align="justify">32 Por carta de 27 de Julho de 2000, a República da Áustria apresentou à Comissão observações a este respeito. Anunciou, designadamente, a tomada de medidas com vista a modificar um certo número de disposições nacionais. Porém, aduziu argumentos divergentes dos da Comissão quanto a outros elementos da transposição da directiva.<br /></div><div align="justify">33 Por carta de 17 de Outubro de 2003, a Comissão emitiu um parecer fundamentado no qual concluiu que a República da Áustria, não tendo transposto completa ou correctamente várias disposições da directiva, não tinha cumprido as obrigações que lhe incumbem por força deste diploma.<br /></div><div align="justify">34 Por carta de 23 de Dezembro de 2003, a República da Áustria respondeu a este parecer fundamentado num sentido semelhante ao da sua resposta à notificação para cumprir.<br /></div><div align="justify">35 Nestas condições, a Comissão decidiu intentar a presente acção.<br /></div><div align="justify"><strong>Tramitação no Tribunal de Justiça</strong><br /></div><div align="justify">36 No seu pedido, a Comissão formulou vinte e sete fundamentos da acção de incumprimento contra a demandada.<br /></div><div align="justify">37 Na sua contestação, a demandada reconheceu a justeza de dezassete destes fundamentos, mantendo a sua posição quanto ao resto.<br /></div><div align="justify">38 Na réplica, a Comissão abandonou dois fundamentos da acção de incumprimento.<br /></div><div align="justify">39 Após um pedido apresentado pelo Tribunal de Justiça de comunicação de informações adicionais relativas aos instrumentos jurídicos nacionais objecto da acção, nos termos do artigo 54.° A do Regulamento de Processo, a Comissão desistiu igualmente da sua acção quanto aos fundamentos da acção de incumprimento relativos ao artigo 6.º, n.os 3 e 4, bem como aos artigos 7.º, 11.º e 15.º da directiva.<br /></div><div align="justify">40 Daqui resulta que a acção se baseia, efectivamente, em catorze fundamentos de incumprimento, relativos à transposição do artigo 1.º, do artigo 6.º, n.os 1 e 2, dos artigos 12.º e 13.º, bem como do artigo 16.º, n.º 1, e do artigo 22.º, alínea b), da directiva.<br /></div><div align="justify">41 A República da Áustria não contesta que, ao expirar o prazo fixado no parecer fundamentado, o direito austríaco não estava em conformidade com o disposto na directiva quanto a um certo número de aspectos abrangidos por sete fundamentos da acção de incumprimento.<br /></div><div align="justify"><strong>Quanto à acção<br /></strong></div><div align="justify"><em>Quanto aos fundamentos da acção de incumprimento não contestados<br /></em></div><div align="justify"><strong>Argumentos da Comissão</strong><br /></div><div align="justify"><strong>- Violação do artigo 12.º da directiva nos Länder da Estíria e do Tirol<br /></strong></div><div align="justify">42 A Comissão salienta que o § 13d, n.º 1, da lei da Estíria relativa à protecção da natureza (Steiermärkisches Naturschutzgesetz, a seguir «Stmk NSchG») prevê que o Governo do Land da Estíria deve transpor o artigo 12.º da directiva adoptando um regulamento para este efeito. Todavia, o § 4 do regulamento da Estíria relativo à protecção da natureza (Steiermärkische Naturschutzverordnung, a seguir «Stmk NSchVO»), que estabelece a lista dos animais que beneficiam de protecção durante todo o ano, não constitui uma transposição completa do artigo 12.º da directiva, porque não se refere a todas as espécies protegidas em virtude do seu anexo IV a).<br /></div><div align="justify">43 A Comissão observa que, em conformidade com o § 23, n.º l, alínea a), da Tiroler NSchG, o Governo do Land do Tirol deve declarar, através de regulamento, como espécies protegidas as mencionadas no anexo IV a), da directiva. Ora, as disposições do Tiroler NSchVO não mencionam todas as espécies visadas.<br /></div><div align="justify"><strong>- Violação do artigo 13.º da directiva nos Länder da Caríntia, da Estíria e do Tirol<br /></strong></div><div align="justify">44 A Comissão entende que o anexo 1 respeitante ao § 1 do regulamento do Land da Caríntia relativo à protecção das espécies vegetais (Kärntner Pflanzenschutzverordnung) não garante uma protecção adequada de todas as espécies vegetais enumeradas no anexo IV, alínea b), da directiva.<br /></div><div align="justify">45 A Comissão alega que, de acordo com o § 13c, n.º l, da Stmk NSchG, o Governo do Land da Estíria deve adoptar um regulamento que garanta a transposição do artigo 13.º da directiva. Ora, esse regulamento não foi adoptado. Por outro lado, os §§ 1 e 2 do Stmk NSchVO, que determinam quais as espécies vegetais que beneficiam de uma protecção total ou parcial, não asseguram uma transposição completa da directiva, dado que não abrangem todas as espécies protegidas que constam do seu anexo IV, alínea b).<br /></div><div align="justify">46 A Comissão observa que, nos termos do § 22, n.º 1, alínea a), da Tiroler NSchG, o Governo do Land do Tirol deve, através de regulamento, declarar espécies vegetais protegidas as enumeradas no anexo IV, alínea b), da directiva. Ora, o Tiroler NSchVO não institui um regime de protecção de todas as espécies que figuram no ponto em causa do referido anexo.<br /></div><div align="justify"><strong>- Violação do artigo 16.º, n.º 1, da directiva nos Länder da Estíria e do Tirol<br /></strong></div><div align="justify">47 A Comissão salienta que o § 62, n.º 2, da lei da Estíria relativa à caça (Steiermärkisches Jagdgesetz) não tem em conta o facto de que as disposições derrogatórias só estão autorizadas quando é garantido que as populações das espécies protegidas são mantidas num «estado de conservação favorável».<br /></div><div align="justify">48 A Comissão sustenta que, para os tipos de habitats naturais prioritários, a proibição prevista no § 3 da Tiroler NSchG não tem em conta a exigência de um «estado de conservação favorável». Isto é válido também para as espécies vegetais referidas no § 1, n.º 2, alínea b), do Tiroler NSchVO e para as espécies animais referidas no § 6, n.º 2, alínea e), deste regulamento.<br /></div><div align="justify">49 O Governo austríaco refere que autoridades competentes dos Länder em causa estão a preparar um certo número de medidas de transposição. Os Länder pretendem, assim, tornar conforme às disposições da directiva o conjunto dos textos jurídicos nacionais em causa.<br /></div><div align="justify"><strong>Apreciação do Tribunal de Justiça</strong></div><strong></strong><div align="justify"><br />50 Segundo jurisprudência assente, a existência do incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não podendo as alterações legislativas ou regulamentares posteriormente ocorridas ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça (v., designadamente, acórdãos de 30 de Maio de 2002, Comissão/Itália, C 323/01, Colect., p. I 4711, n.° 8, e de 27 de Outubro de 2005, Comissão/Luxemburgo, C 23/05, Colect., p. I 9535, n.° 9).<br /></div><div align="justify">51 Tendo o parecer fundamentado sido notificado à República da Áustria em 17 de Outubro de 2003, atendendo ao prazo fixado neste parecer, a demandada devia ter assegurado a conformidade das disposições de direito nacional com as normas da directiva a partir da data de 17 de Dezembro de 2003.<br /></div><div align="justify">52 Resulta das indicações fornecidas quanto aos referidos fundamentos da acção de incumprimento que o Governo austríaco não contesta que as medidas necessárias para assegurar a transposição da directiva em todos os aspectos em causa não tinham sido adoptadas no prazo fixado no parecer fundamentado.<br /></div><div align="justify">53 Assim, há que declarar procedentes os referidos fundamentos da acção de incumprimento, relativos à transposição do artigo 12.º da directiva nos Länder da Estíria e do Tirol, do artigo 13.º da directiva nos Länder da Caríntia, da Estíria e do Tirol, bem como do artigo 16.º, n.º 1, da directiva nos Länder da Estíria e do Tirol.<br /></div><div align="justify"><strong>Quanto aos fundamentos da acção de incumprimento contestados<br /></strong></div><div align="justify"><strong>Violação do artigo 1.º da directiva no Land de Salzburgo<br /></strong></div><div align="justify"><strong>- Argumentos das partes</strong><br /></div><div align="justify">54 A <strong>Comissão </strong>refere que o § 5 da Sbg NSchG estabelece um conjunto de definições que não transpõem correctamente as que constam do artigo 1.º, alíneas e), g), i) e l), da directiva, relativas aos conceitos de «estado de conservação de um habitat natural», de «espécies de interesse comunitário», de «estado de conservação de uma espécie» e de «zona especial de conservação».<br /></div><div align="justify">55 A <strong>Comissão</strong> acrescenta que o § 5, n.° 9, da Sbg NSchG remete, é certo, para os conceitos de «manutenção e de restabelecimento de um estado de conservação favorável» mas sem os definir. Além disso, nem o § 3a da Sbg NSchG, que se limita a prever uma ponderação de interesses, nem os §§ 22a, 22b e 29 desta lei, que visam um certo número de medidas de protecção complementares, constituem uma transposição correcta do artigo 1.º da directiva.<br /></div><div align="justify">56 O <strong>Governo austríaco</strong> considera que a transposição do artigo 1.º da directiva para o direito do Land de Salzburgo está em conformidade com o direito comunitário. Com efeito, todos os elementos desta disposição são retomados na lei aplicável, graças ao recurso ao conceito de «dano» em combinação com os objectivos de conservação. Indica que se trata dos conceitos jurídicos da directiva e das disposições nacionais seguintes:<br /></div><div align="justify">- «estado de conservação de um habitat natural»: artigo 1.º, alínea e), da directiva; § 5, n.os 8 e 9, bem como § 22a, n.os 3 e 4, da Sbg NSchG;<br /></div><div align="justify">- «espécies de interesse comunitário»: artigo 1.º, alínea g), da directiva; «estado de conservação de uma espécie»: artigo 1.º, alínea i), da directiva; §§ 3a, 22a, 22b e 29 da Sbg NSchG;<br /></div><div align="justify">- «zona especial de conservação»: artigo 1.º, alínea l), da directiva; § 5, n.os 9 e 10, bem como § 22a da Sbg NSchG.<br /></div><div align="justify"><strong>- Apreciação do Tribunal de Justiça</strong></div><strong><div align="justify"><br /></strong>57 Recorde se, a título preliminar, que, tal como decorre dos quarto e décimo primeiro considerandos da directiva, os habitats e espécies visados por esta fazem parte do património natural da Comunidade, e que as ameaças que sobre eles pesam são muitas vezes de natureza transfronteiriça, de modo que a adopção de medidas de conservação constitui uma responsabilidade comum de todos os Estados Membros.<br /></div><div align="justify">58 No domínio em causa, o Tribunal de Justiça frisou que a exactidão da transposição assume especial importância num caso como o que está em análise, em que a gestão do património comum é confiada, quanto ao respectivo território, aos Estados Membros (v. acórdãos de 20 de Outubro de 2005, Comissão/Reino Unido, C 6/04, Colect., p. I 9017, n.° 25, e de 10 de Janeiro de 2006, Comissão/Alemanha, C 98/03, Colect., p. I 53, n.° 59).<br /></div><div align="justify">59 Quanto às definições enunciadas no artigo 1.º da directiva, o Tribunal de Justiça declarou que os conceitos em causa devem ser transpostos para as ordens jurídicas dos Estados Membros (v. acórdão de 24 de Junho de 2003, Comissão/Portugal, C 72/02, Colect., p. I 6597, n.° 17).<br /></div><div align="justify">60 No que toca, em primeiro lugar, aos conceitos definidos no artigo 1.º, alíneas e) e i), da directiva («estado de conservação de um habitat natural» e «estado de conservação de uma espécie»), importa observar que, embora a expressão «estado de conservação favorável» seja utilizada no § 5, n.° 9, da Sbg NSchG, o texto das disposições controvertidas de direito nacional não abrange, porém, todas as características enunciadas nos pontos referidos do artigo 1.º da directiva.<br /></div><div align="justify">61 Ora, a tal técnica legislativa não garante que todos os elementos das definições em questão sejam, efectivamente, tomados em conta ao aplicar a directiva, não obstante estes elementos serem determinantes para o sentido e o alcance da protecção dos habitats e das espécies em causa.<br /></div><div align="justify">62 Por conseguinte, o § 5, n.os 8 e 9, bem como os §§ 3a, 22a, 22b e 29 da Sbg NSchG não podem ser considerados uma transposição legislativa suficiente do artigo 1.º, alíneas e) e i), da directiva.<br /></div><div align="justify">63 Em segundo lugar, quanto ao artigo 1.º, alínea g), da directiva, importa referir que esta disposição comporta igualmente um grande número de parâmetros que visam definir o conceito de «espécie de interesse comunitário».<br /></div><div align="justify">64 Pelo contrário, os §§ 3a, 22a, 22b e 29 da Sbg NSchG só se referem a uma ponderação de interesses subjacentes às medidas regulamentares complementares relativas às zonas europeias de conservação, às modalidades de concessão de autorizações derrogatórias às proibições previstas pela lei, bem como à protecção particular das plantas selvagens. O conceito de «espécie de interesse comunitário» não é aí mencionado.<br /></div><div align="justify">65 Logo, não se pode considerar que as referidas disposições transponham o artigo 1.º, alínea g), da directiva.<br /></div><div align="justify">66 No respeitante, em terceiro lugar, ao artigo 1.º, alínea l), da directiva, deve observar se que o § 5, n.° 10, da NSchG, que deve ser lido em conjugação com o n.° 9 do referido §, o qual indica como objectivo a manutenção e o restabelecimento de um estado de conservação favorável, utiliza o conceito de «zona europeia de conservação» em vez de «zona especial de conservação». As zonas aí visadas são, designadamente, os sítios incluídos pela Comissão na lista dos sítios de importância comunitária, em aplicação do artigo 4.º, n.º 2, da directiva, bem como os sítios cuja inscrição nesta lista foi proposta pelo Land de Salzburgo, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, da referida directiva.<br /></div><div align="justify">67 Importa acrescentar que o § 22a, n.os 2 a 4, da Sbg NSchG designa com precisão as medidas a tomar com vista à realização dos objectivos de protecção relativos às «zonas europeias de conservação».<br /></div><div align="justify">68 Resulta do exposto que o § 5, n.os 9 e 10, bem como o § 22a da Sbg NSchG incluem, com suficiente precisão jurídica, uma definição dos sítios abrangidos pelo conceito de «zona especial de conservação» na acepção do artigo 1.º, alínea l), da directiva.<br /></div><div align="justify">69 Portanto, esta última disposição foi correctamente transposta no Land de Salzburgo.<br /></div><div align="justify">70 Daqui decorre que a presente crítica da Comissão só é fundada relativamente à não transposição do artigo 1.º, alíneas e), g) e i), da directiva.<br /></div><div align="justify"><strong>Violação do artigo 6.º, n.º 1, da directiva no Land da Baixa Áustria<br /></strong></div><div align="justify"><strong>- Argumentos das partes<br /></strong></div><div align="justify">71 A <strong>Comissão</strong> refere que o § 9, n.º 5, da Nö NSchG se limita a prever uma obrigação de tomar, «eventualmente», medidas adequadas de gestão, de desenvolvimento e de conservação. Ora, decorre do artigo 6.º, n.º 1, da directiva que as «medidas de conservação necessárias» devem ser tomadas em todos os casos, e não «eventualmente». Com efeito, nesta última disposição, a palavra «eventualmente» só se refere aos planos de gestão e não pode ser entendida como uma restrição geral à obrigação de tomar as medidas regulamentares, administrativas ou contratuais necessárias.<br /></div><div align="justify">72 O <strong>Governo austríaco</strong> defende que a obrigação prevista no artigo 6.º, n.º 1, da directiva não é de tomar, em todos os casos, medidas de conservação, mas apenas as medidas de conservação «necessárias». De qualquer modo, quando tais medidas se impõem para além das obrigações e proibições a estabelecer nos termos do § 9, n.º 4, da Nö NSchG, elas são efectivamente tomadas pelas autoridades competentes do Land para garantir um estado de conservação favorável.<br /></div><div align="justify"><strong>- Apreciação do Tribunal de Justiça</strong><br /></div><div align="justify">73 Há que recordar, antes de mais, que a directiva contém regras complexas e técnicas no domínio do direito do ambiente e que, portanto, os Estados Membros são especialmente obrigados a garantir que as respectivas legislações destinadas a assegurar a transposição dessa directiva sejam claras e precisas (v. acórdão Comissão/Reino Unido, já referido, n.° 26).<br /></div><div align="justify">74 Quanto à crítica formulada pela Comissão, importa sublinhar que quer o artigo 6.º, n.º 1, da directiva quer o § 9, n.º 5, da Nö NSchG utilizam a palavra «eventualmente». Contudo, na disposição de direito interno, esta palavra refere se, de maneira geral, a todas as medidas de conservação, o que significa que, de acordo com esta disposição, não é obrigatório executar tais medidas.<br /></div><div align="justify">75 Pelo contrário, no artigo 6.º, n.º 1, da directiva, esta palavra só se refere a casos particulares, mais concretamente a certos meios ou opções técnicas de conservação que são definidos como «planos de gestão adequados, específicos ou integrados noutros planos de ordenação».<br /></div><div align="justify">76 Assim, a directiva impõe a adopção de medidas de conservação necessárias, o que exclui qualquer margem de apreciação a este respeito por parte dos Estados Membros e limita as eventuais faculdades regulamentares ou de decisão das autoridades nacionais quanto aos meios a utilizar e às opções técnicas a tomar no quadro das referidas medidas.<br /></div><div align="justify">77 Daqui decorre que não é possível considerar que o § 9, n.º 5, da Nö NSchG transpõe de maneira suficiente a obrigação de tomar, em todos os casos, as medidas de conservação necessárias para as zonas especiais de conservação.<br /></div><div align="justify">78 A este respeito, não pode ser acolhido o argumento do Governo austríaco segundo o qual, em qualquer caso, essa disposição de direito interno é interpretada num sentido conforme à directiva quando são necessárias medidas de conservação.<br /></div><div align="justify">79 Com efeito, essa interpretação conforme das disposições de direito interno não pode, por si só, apresentar a clareza e a precisão exigidas para satisfazer a exigência de segurança jurídica (v., neste sentido, acórdãos de 19 de Setembro de 1996, Comissão/Grécia, C 236/95, Colect., p. I 4459, n.° 13, e de 10 de Maio de 2001, Comissão/Países Baixos, C 144/99, Colect., p. I 3541, n.° 21).<br /></div><div align="justify">80 Por outro lado, as simples práticas administrativas, por natureza modificáveis ao critério da administração e desprovidas de publicidade adequada, não podem ser consideradas como constituindo execução das obrigações que incumbem aos Estados Membros no quadro da transposição de uma directiva (v. acórdãos de 13 de Março de 1997, Comissão/França, C 197/96, Colect., p. I 1489, n.° 14; de 7 de Março de 2002, Comissão/Itália, C 145/99, Colect., p. I 2235, n.° 30, e de 10 de Março de 2005, Comissão/Reino Unido, C 33/03, Colect., p. I 1865, n.° 25).<br /></div><div align="justify">81 Importa, pois, declarar que a legislação do Land da Baixa Áustria não está em conformidade com o artigo 6.º, n.º 1, da directiva.<br /></div><div align="justify">82 Portanto, este fundamento da acção é procedente.<br /></div><div align="justify"><strong>Violação do artigo 6.º, n.º 1, da directiva no Land da Alta Áustria<br /></strong></div><div align="justify"><strong>- Argumentos das partes<br /></strong></div><div align="justify">83 A<strong> Comissão</strong> refere que o § 15, n.º 2, da Oö NSchG prevê a possibilidade de estabelecer planos de gestão de paisagens. Porém, essa faculdade não seria suficiente face à obrigação enunciada no artigo 6.º, n.º 1, da directiva.<br /></div><div align="justify">84 A <strong>Comissão</strong> salienta, por outro lado, que nos termos desta mesma disposição, o Governo do Land pode elaborar, para as zonas protegidas, planos de gestão de paisagens incluindo medidas «necessárias no interesse público e que não afectem de maneira significativa a exploração económica autorizada dos terrenos em causa». Ora, a oração subordinada relativa à «exploração económica» é concebida como uma restrição à obrigação de elaborar planos de gestão de paisagens.<br /></div><div align="justify">85 O <strong>Governo austríaco</strong> sustenta que o artigo 6.º, n.º 1, da directiva confere aos Estados Membros a faculdade de determinar a natureza das medidas de protecção a tomar.<br /></div><div align="justify">86 Este <strong>Governo </strong>alega igualmente que o § 15, n.º 2, da Oö NSchG é conforme à directiva, dado que o conceito de «exploração económica» só é entendido como uma exploração que respeita as regras de protecção aplicáveis às zonas protegidas. Uma exploração contrária aos objectivos de protecção previstos no artigo 6.º, n.º 1, da directiva não pode, assim, ser autorizada pelas autoridades regulamentares ou administrativas competentes.<br /></div><div align="justify"><strong>- Apreciação do Tribunal de Justiça<br /></strong></div><div align="justify">87 Recorde se, a título preliminar, que através dos conceitos utilizados no artigo 6.º, n.º 1, da directiva, o legislador comunitário pretendeu impor aos Estados Membros a obrigação de tomar as medidas de conservação necessárias que satisfaçam as exigências ecológicas dos tipos de habitats naturais e das espécies referidas, respectivamente, nos anexos I e II da directiva.<br /></div><div align="justify">88 Há, porém, que observar que o § 15, n.º 2, da Oö NSchG, segundo o qual as «zonas europeias de protecção» e as «zonas de protecção da natureza» «podem» ser objecto de planos de gestão de paisagens, confere uma margem de apreciação ao Governo do Land quanto à questão de saber se é necessário tomar as «medidas de conservação necessárias».<br /></div><div align="justify">89 Ora, tal como foi exposto no n.° 76 do presente acórdão, essa análise não se insere no âmbito da competência facultativa dos Estados Membros. Logo por este facto, o § 15, n.º 2, da Oö NSchG não constitui uma transposição correcta do artigo 6.º, n.º 1, da directiva.<br /></div><div align="justify">90 Importa acrescentar que o referido § 15, n.º 2, da Oö NSchG não precisa o alcance do conceito de «exploração económica autorizada» e que é concebível que intervenções desta natureza possam impedir que sejam tomadas medidas de conservação necessárias. Logo, esta disposição é, também a este respeito, incompatível com o artigo 6.º, n.º 1, da directiva.<br /></div><div align="justify">91 Resulta das considerações precedentes que a legislação do Land da Alta Áustria não está em conformidade com a referida disposição da directiva.<br /></div><div align="justify">92 É, portanto, procedente este fundamento da acção da Comissão.<br /></div><div align="justify"><strong>Violação do artigo 6.º, n.º 2, da directiva no Land do Tirol<br /></strong></div><div align="justify"><strong>- Argumentos das partes<br /></strong></div><div align="justify">93 A <strong>Comissão</strong> defende que nem os §§ 1 e 2, nem os §§ 5 ou 14 da Tiroler NSchG permitem considerar que o artigo 6.º, n.º 2, da directiva foi transposto em conformidade com o direito comunitário. Os §§ 22, 23 e 24 da Tiroler NSchG referem se à protecção de espécies vegetais, de espécies animais ou de aves, bem como a medidas relativas às espécies não protegidas, mas não impõem a proibição de deterioração das zonas especiais de conservação.<br /></div><div align="justify">94 O <strong>Governo austríaco</strong> alega que a obrigação enunciada no artigo 6.º, n.º 2, da directiva é tomada em consideração pelas referidas disposições da Tiroler NSchG.<br /></div><div align="justify">95 Com efeito, embora admitindo que as referidas disposições não comportam uma proibição específica de deterioração das zonas especiais de conservação, este <strong>Governo </strong>entende, no entanto, que a transposição da referida obrigação não exige necessariamente a reprodução literal do texto do artigo 6.º, n.º 2, da directiva. A autoridade legislativa do Land teve devidamente em conta esta exigência de protecção, de modo a ser garantido que os habitats naturais e os habitats de espécies não sejam deteriorados e que as espécies para as quais essas zonas foram designadas não sejam perturbadas.<br /></div><div align="justify">96 O referido <strong>Governo</strong> acrescenta que, em qualquer caso, as alterações legislativas introduzidas pelo § 14 da Tiroler NSchG tornaram essa lei conforme à directiva.<br /></div><div align="justify"><strong>- Apreciação do Tribunal de Justiça</strong><br /></div><div align="justify">97 Importa observar, antes de mais, que o § 14 da Tiroler NSchG só foi adoptado após o termo do prazo fixado no parecer fundamentado. Portanto, esta alteração legislativa não é pertinente para a apreciação do presente fundamento da acção de incumprimento, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça referida n.° 50 do presente acórdão.<br /></div><div align="justify">98 Quanto à primeira obrigação prevista no artigo 6.º, n.º 2, da directiva, nos termos da qual os Estados Membros devem tomar as medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, atendendo à argumentação esgrimida pelo Governo austríaco quanto às modalidades de transposição do artigo 6.º, n.º 2, da directiva, importa sublinhar que o direito do Land do Tirol, tal como estava em vigor no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não continha qualquer disposição revestida da necessária precisão jurídica que obrigasse as autoridades competentes a evitarem a deterioração dos referidos habitats (v., neste sentido, acórdão Comissão/Reino Unido, já referido, n.° 37).<br /></div><div align="justify">99 Nestas condições, não pode ser acolhida a argumentação segundo a qual o contexto jurídico geral que resulta da legislação em vigor no Land do Tirol satisfaz as exigências supramencionadas.<br /></div><div align="justify">100 Quanto à segunda obrigação resultante do artigo 6.º, n.º 2, da directiva, nos termos da qual os Estados Membros devem tomar as medidas adequadas para evitar perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas especiais de conservação foram designadas, importa observar que os §§ 22 a 24 da Tiroler NSchG não transpõem esta obrigação, dado que não se referem às espécies cuja conservação torna necessária a designação das referidas zonas, isto é, às espécies indicadas no anexo II da directiva, mas às espécies indicadas no anexo IV a) desta última, cuja protecção é exigida pelo artigo 12.º da directiva.<br /></div><div align="justify">101 Ora, a protecção das espécies para as quais as zonas especiais de conservação foram designadas deve ser assegurada de maneira completa (v. acórdão de 13 de Fevereiro de 2003, Comissão/Luxemburgo, C 75/01, Colect., p. I 1585, n.° 43).<br /></div><div align="justify">102 Logo, a legislação do Land do Tirol não está em conformidade com o artigo 6.º, n.º 2, da directiva.<br /></div><div align="justify">103 É, portanto, procedente este fundamento da acção da Comissão.<br /></div><div align="justify"><strong>Violação do artigo 16.º, n.º 1, da directiva nos Länder da Baixa Áustria e de Salzburgo<br /></strong></div><div align="justify"><strong>- Fundamento relativo à legislação do Land da Baixa Áustria<br /></strong></div><div align="justify"><strong>- Argumentos das partes</strong></div><div align="justify"><br />104 A <strong>Comissão</strong> sustenta que os §§ 20, 21 e 22 da Nö NSchG não se referem ao critério de «manutenção num estado de conservação favorável» e que as condições e critérios a respeitar para derrogar o regime de protecção previsto pela directiva não são enumerados de maneira exaustiva, contrariamente ao que está previsto no artigo 16.º, n.º 1, deste diploma.<br /></div><div align="justify">105 A <strong>Comissão</strong> acrescenta que as proibições enunciadas no § 95 da Nö JagdG se referem unicamente às espécies animais que vivem em estado selvagem, não se aplicando, portanto, a outras espécies.<br /></div><div align="justify">106 O <strong>Governo austríaco</strong> entende que, graças à técnica legislativa escolhida, a protecção imposta pela directiva está assegurada pelo § 20, n.º 4, da Nö NSchG. Com efeito, as autoridades competentes devem, por um lado, agir em conformidade com a directiva e, por outro, respeitar as proibições enunciadas na legislação sobre a caça. Na prática, as autorizações derrogatórias só são concedidas de maneira muito restritiva, quer dizer, apenas quando não há que temer qualquer perigo significativo para as espécies protegidas de plantas e de animais selvagens.<br /></div><div align="justify">107 Este <strong>Governo</strong> defende igualmente que a mesma disposição garante o respeito do princípio da segurança jurídica, uma vez que impõe às autoridades competentes a obrigação de determinar expressamente os meios, instalações e métodos de captura ou de abate autorizados.<br />108 O referido Governo explica, por último, que as derrogações previstas no § 21, n.os 1 e 2, da Nö NSchG nunca seriam aplicáveis em caso de prejuízo intencional para plantas, animais ou habitas protegidos. </div><div align="justify"><br /><strong>- Apreciação do Tribunal de Justiça</strong></div><div align="justify"><br />109 Recorde se, antes de mais, que os artigos 12.º a 14.º e 15, alíneas a) e b), da directiva formam um conjunto coerente de normas que impõem aos Estados Membros o estabelecimento de regimes de protecção rigorosos das espécies animais e vegetais em causa (v., neste sentido, acórdão Comissão/Reino Unido, já referido, n.° 112).<br /></div><div align="justify">110 Importa igualmente observar que o artigo 16.º da directiva, que define de maneira precisa os critérios com base nos quais os Estados Membros podem prever derrogações às proibições enunciadas nos artigos 12.º a 15.º deste diploma constitui uma disposição derrogatória do sistema de protecção previsto pela directiva. Por conseguinte, este artigo deve ser interpretado restritivamente (v. acórdão Comissão/Reino Unido, já referido, n.° 111).<br /></div><div align="justify">111 A este respeito, acrescente se que, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, da directiva, qualquer medida tomada a nível nacional que derrogue as proibições previstas pela directiva deve estar subordinada à condição de que não exista outra solução satisfatória.<br /></div><div align="justify">112 Daqui resulta que as disposições nacionais que sujeitam a autorização de derrogações às proibições estabelecidas nos artigos 12.º a 14.º e 15.º, alíneas a) e b), da directiva não a todos os critérios e condições constantes do seu artigo 16.º mas, de maneira incompleta, a certos elementos deste, não podem constituir um regime conforme a este último artigo.<br /></div><div align="justify">113 Por outro lado, como se recordou no n.° 80 do presente acórdão, uma prática administrativa conforme às disposições de uma directiva não é suficiente para assegurar a transposição correcta do direito comunitário.<br /></div><div align="justify">114 Aliás, quanto ao § 20, n.º 4, da Nö NSchG, importa recordar, antes de mais, que embora preveja que as derrogações só podem ser autorizadas quando não exista um risco para a flora e a fauna selvagens, ele não exclui derrogações para o caso de as populações das espécies em causa não se encontrarem num estado de conservação favorável.<br /></div><div align="justify">115 Ora, nos termos do artigo 16.º, n.º 1, da directiva, o estado de conservação favorável dessas populações na sua área de repartição natural constitui uma condição necessária e prévia à concessão das derrogações que prevê.<br /></div><div align="justify">116 Nestas condições, a ambiguidade que caracteriza o texto do § 20, n.º 4, da Nö NSchG é incompatível com a exigência de uma transposição precisa e clara do artigo 16.º, n.º 1, da directiva (v., por analogia, acórdão de 23 de Março de 1995, Comissão/Grécia, C 365/93, Colect., p. I 499, n.° 9).<br /></div><div align="justify">117 Em segundo lugar, quanto aos motivos de derrogação, é de notar que o § 20, n.º 4, da Nö NSchG menciona, a título de exemplo, derrogações para fins científicos ou didácticos.<br /></div><div align="justify">118 Mas, embora seja verdade que tais derrogações possam ter como base o artigo 16.º, n.º 1, alínea d), da directiva, o texto da disposição controvertida de direito nacional não exclui, porém, que as derrogações possam ser autorizadas por motivos diferentes dos que são enumerados de maneira exaustiva no artigo 16.º, n.º 1, alíneas a) a d), da directiva.<br /></div><div align="justify">119 Em terceiro lugar, importa notar que o § 20, n.º 4, da Nö NSchG também não retoma as condições de derrogação previstas no artigo 16.º, n.º 1, alínea e), da directiva, a saber, a exigência de que todas as medidas derrogatórias sejam tomadas em condições estritamente controladas e revistam um carácter selectivo e limitado.<br /></div><div align="justify">120 No respeitante, a seguir, ao § 21 da Nö NSchG, basta recordar que o artigo 16.º, n.º 1, da directiva não prevê motivos de derrogação a favor de uma exploração comercial de natureza agrícola ou silvícola.<br /></div><div align="justify">121 Por último, quanto à argumentação do Governo austríaco assente nas disposições da legislação sobre a caça, importa notar que a aplicação do § 20, n.º 4, da Nö NSchG é susceptível de violar os artigos 12.º a 15.º da directiva para além do domínio da caça. Por outro lado, mesmo que as autoridades competentes respeitem as disposições nacionais de protecção da natureza relativas ao exercício da caça, esse regime não é susceptível de estabelecer um quadro jurídico conforme à disposição comunitária que enumera de maneira exaustiva os motivos de derrogação admitidos. Com efeito, o § 95 da Nö JagdG não contém essa lista de motivos, mas limita se a proibir um certo número de métodos de caça para certas espécies animais.<br /></div><div align="justify">122 Resulta do exposto que a legislação do Land da Baixa Áustria não está em conformidade com o artigo 16.º, n.º 1, da directiva.<br /></div><div align="justify">123 É, portanto, procedente este fundamento da acção da Comissão.<br /></div><div align="justify"><strong>- Fundamento relativo à legislação do Land de Salzburgo<br /></strong></div><div align="justify"><strong>- Argumentos das partes<br /></strong></div><div align="justify">124 A <strong>Comissão</strong> salienta que o § 34 da Sbg NSchG e o § 104, n.º 4, da Sbg JagdG não referem o critério da «manutenção num estado de conservação favorável» enunciado no artigo 16.º, n.º 1, da directiva. Por outro lado, os motivos de derrogação previstos no § 34, n.º 1, pontos 2 e 9, da Sbg NSchG relativos ao fabrico de bebidas e à construção de instalações não podem ser relacionados com nenhum dos motivos indicados no artigo 16.º, n.º 1, da directiva.<br /></div><div align="justify">125 O <strong>Governo austríaco</strong> sustenta que, na medida em que o artigo 16.º, n.º 1, da directiva prevê a possibilidade de derrogar as proibições previstas pela directiva, seria contrário à lógica do sistema de protecção assim estabelecido impor uma obrigação de restabelecer um estado de conservação favorável no quadro de uma disposição relativa à concessão de autorizações derrogatórias. Aliás, o § 34, n.º 3, da Sbg NSchG é mais rigoroso que o artigo 16.º, n.º 1, da directiva, na medida em que qualquer medida derrogatória deve evitar deteriorações a nível das populações de espécies vegetais ou animais presentes na zona em causa. </div><div align="justify"><br /><strong>- Apreciação do Tribunal de Justiça<br /></strong></div><div align="justify">126 Importa observar que a expressão «manutenção num estado de conservação favorável» que figura no artigo 16.º, n.º 1, da directiva se refere a uma situação definida no artigo 1.º, alínea i), deste diploma e que comporta, por um lado, os elementos gerais mencionados na primeira alínea do referido artigo e, por outro, um certo número de critérios de natureza cumulativa. Tal como resulta do número 67 do presente acórdão, compete aos Estados Membros transpor estes conceitos para o seu direito interno com suficiente precisão jurídica.<br /></div><div align="justify">127 Pelo contrário, o § 104, n.º 4, da Sbg JagdG prevê que as autorizações derrogatórias podem ser concedidas «quando isto não ameace a população da espécie selvagem em causa». Esta disposição afasta se do regime de protecção previsto pela directiva, dado que permite derrogações às proibições de princípio sem as subordinar a um imperativo de manutenção das populações das espécies em causa num estado de conservação favorável.<br /></div><div align="justify">128 Quanto ao § 34, n.º 1, da Sbg NSchG, as justificações baseadas, respectivamente, no fabrico de bebidas e na construção de instalações não estão abrangidas por nenhum dos motivos enumerados de maneira exaustiva no artigo 16.º, n.º 1, da directiva.<br /></div><div align="justify">129 Deve, por isso, entender se que se verifica o incumprimento alegado.<br /></div><div align="justify"><strong>Violação do artigo 22.º, alínea b), da directiva no Land da Baixa Áustria<br /></strong></div><div align="justify"><strong>- Argumentos das partes<br /></strong></div><div align="justify">130 A <strong>Comissão</strong> observa que o § 17, n.º 5, da Nö NSchG faz depender a concessão de uma autorização da introdução de espécies não indígenas de um critério não previsto pela directiva, concretamente de que um eventual prejuízo não seja «duradouro». Além disso, esta disposição não proíbe todos os atentados aos habitats naturais na sua área de repartição natural, bem como à fauna e à flora selvagens indígenas devidos à introdução intencional de espécies não indígenas.<br /></div><div align="justify">131 O <strong>Governo austríaco</strong> entende que, no âmbito de uma interpretação do § 17, n.º 5, da Nö NSchG conforme à directiva, a autorização de introduzir na natureza uma espécie não indígena ou não adaptada às condições locais será sempre recusada se essa intervenção causar prejuízo à fauna e à flora indígenas.<br /></div><div align="justify"><strong>- Apreciação do Tribunal de Justiça<br /></strong></div><div align="justify">132 Importa notar que o § 17, n.º 5, da Nö NSchG permite a introdução intencional de espécies animais ou vegetais não indígenas na condição de os habitats naturais, bem como a fauna e a flora selvagens indígenas não serem prejudicados de forma duradoura.<br /></div><div align="justify">133 Ora, esse regime não constitui uma transposição correcta do sistema de protecção estabelecido pela directiva. Este sistema exige, com efeito, que todas as medidas derrogatórias respeitem os requisitos fixados no artigo 22.º, alínea b), da directiva, designadamente aquele segundo o qual uma autorização só será concedida se não ocasionar qualquer prejuízo aos habitats naturais.<br /></div><div align="justify">134 A este respeito, deve salientar se que a expressão «qualquer prejuízo» constitui uma exigência de protecção desprovida de ambiguidade que vai para além da enunciada no § 17, n.º 5, da Nö NSchG.<br /></div><div align="justify">135 Deve, por isso, entender se que se verifica o incumprimento alegado.<br /></div><div align="justify">136 Resulta do exposto que a República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 1.º, do artigo 6.º, n.os 1 e 2, dos artigos 12.º e 13.º, bem como do artigo 16.º, n.º 1, e do artigo 22.º, alínea b), da directiva.<br /></div><div align="justify">Quanto às despesas<br /></div><div align="justify">137 Por força do disposto no artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão pedido a condenação da República da Áustria e tendo esta sido vencida quanto à maioria dos seus fundamentos que são objecto do litígio, há que condená la nas despesas.<br /></div><div align="justify">138 Quanto aos fundamentos da acção de incumprimento alegados na petição inicial abrangidos pela desistência da Comissão numa fase posterior do processo, importa notar que o abandono das acusações em causa ocorreu após terem sido alterados os diplomas jurídicos nacionais em questão. Esta desistência é, assim, imputável à demandada, dado que só tardiamente adaptou as disposições de direito interno às exigências do direito comunitário. Nos termos do artigo 69.º, n.º 5, do Regulamento de Processo, há que condenar a República da Áustria na totalidade das despesas da presente instância.<br /></div><div align="justify"><strong>Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:<br /></strong></div><div align="justify">1) A República da Áustria não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 1.º, alíneas e), g) e i), do artigo 6.º, n.os 1 e 2, dos artigos 12.º e 13.º, bem como do artigo 16.º, n.º 1, e do artigo 22.º, alínea b), da Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens.<br /></div><div align="justify">2) Quanto ao mais, a acção é julgada improcedente.<br /></div><div align="justify">3) A República da Áustria é condenada nas despesas.</div>Subturma 11http://www.blogger.com/profile/06128454361777716469noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-64081456092706955142008-03-28T04:02:00.003+00:002008-03-28T10:31:16.991+00:00Acórdão sobre direito à informação ambiental (Ac.TC n.º 136/2005)<strong>ACÓRDÃO N.º 136/2005</strong><br />Processo n.º 470/02<br />2.ª Secção<br />Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto<br /><br />Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:<br /><br /><br /><strong>I. Relatório</strong><br /><br /><div align="justify">1.Em 3 de Setembro de 2001, a A. apresentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, requerimento de intimação do Primeiro-Ministro a facultar-lhe certidões referentes à totalidade do contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas do grupo B., incluindo os respectivos Anexos e estudos técnicos, de modo a permitir à requerente avaliar a incidência ambiental e concorrencial do projecto de implantação de uma unidade industrial em Esposende.<br />Em 15 de Março de 2002, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu o pedido de intimação formulado por aquela organização ambientalista, a quem reconheceu, embora, legitimidade para recorrer a tal meio processual acessório (apenas no que concerne às suas preocupações ambientais). Na fundamentação da sentença discutiu-se a “constitucionalidade da reserva decorrente do segredo industrial, pois que a lei constitucional não o refere explicitamente” (no n.º 2 do artigo 268.º), referindo-se expressamente as normas do n.º 1 do artigo 62.º do Código de Procedimento Administrativo, do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, e do n.º 1 do artigo 13.º Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, concluindo-se que “os valores subjacentes à consagração dos segredos comercial e industrial têm protecção constitucional” pelo que tais normas não seriam inconstitucionais.<br />A requerente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo, adoptando a tese, considerada e afastada na sentença, da inconstitucionalidade dos artigos 62.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo e 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, quando interpretados no sentido de imporem reservas ao direito de informação, para além do previsto no artigo 286.º, n.º 2, da Constituição.<br />Por acórdão de 23 de Maio de 2002, a 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso. Considerando estar em causa a colisão entre o direito à informação e os direitos à propriedade e iniciativa privada, com o inerente segredo industrial e comercial, concluiu o acórdão, por maioria, pela legitimidade da opção feita pelo legislador ordinário no artigo 10.º da Lei n.º 65/93 (na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março) e no artigo 62º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo, «permitindo a recusa de acesso a documentos “cuja comunicação ponha em causa segredos industriais”». Mais concluiu que “[s]ó quando não existe lei é legítima a ponderação dos valores em conflito pelo intérprete”, sendo que, no caso, a legislação a aplicar seria o “art.º 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto”, e que também dos termos contratuais – a cláusula 17.ª do contrato de investimento estrangeiro, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros 34-B/2001, de 30 de Março de 2001 – resultava “a vinculação do Estado Português ao dever de sigilo”.<br /></div><div align="justify">2.Recorreu então a referida organização ambientalista para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação das normas constantes “dos art.ºs 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, 10.º da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, tal como foram interpretadas e aplicadas pelo Douto Acórdão recorrido, isto é, no [sentido] de que fez prevalecer normas protectoras de segredo industrial, de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção em confronto com o direito à informação para protecção do ambiente, por parte de uma associação ambientalista; assim como no sentido de que não haverá, em caso de colisão, uma prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial; e, ainda, no sentido de que o Estado Português, por causa de tal protocolo, estaria vinculado contratualmente a uma obrigação de segredo, pelo que se violaria o princípio da legalidade.”<br />Admitido o recurso, a recorrente encerrou assim as suas alegações:<br />«A - Nestes autos está em causa a problemática da protecção do ambiente e,<br />B - reflexamente a defesa da vida, integridade física e moral das pessoas, incluindo a segurança,<br />C - nomeadamente na sua vertente da prevenção perante eventuais violações;<br />D - o que implica o direito à informação, como instrumento fundamental para o exercício daqueles direitos,<br />E – pois a todo o direito compete uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo.<br />F – A vinculação das entidades públicas diz respeito ao Estado, tanto enquanto legislador, como no que se refere à administração,<br />G – Como vincula entidades privadas.<br />H – Estamos perante normas em que está em causa a força jurídica dos direitos, liberdades garantias,<br />I – que são directamente aplicáveis, mesmo na ausência de lei, contra a lei e em vez da lei.<br />J – As eventuais restrições a direitos deste género terão de ter em conta princípios constitucionais diversos, nomeadamente o da proporcionalidade e a exigência de respeito do seu núcleo essencial.<br />K – A defesa do ambiente opera-se fundamentalmente por acção preventiva (princípios da prevenção e da precaução), na medida em que os danos ambientais são frequentemente de natureza irremediável e grave;<br />L - os diferentes procedimentos existentes são o meios formais fundamentais para exercer o direito à informação, e para a consequente tutela dos mesmos direitos e interesses.<br />M – Só em casos limitados, de informações e/ou documentos “classificados” é que poderá haver restrições ao direito à informação dos particulares: quando estão em jogo poderosos interesses públicos,<br />N – ou quando se pretenda, em alguns casos, proteger a intimidade e privacidade das pessoas.<br />O – O nosso quadro legal constitucional configura o direito ao “arquivo aberto”, em nome de uma chamada “democracia administrativa” e de um “direito de saber”.<br />P – Não há segredos industriais a defender no caso dos autos,<br />Q – Já que o regime da propriedade industrial não os contempla; de facto,<br />R – estando nós no domínio da liberdade de iniciativa privada e da concorrência, assim como da tipicidade dos direitos de propriedade industrial, estes são defendidos através das normas do registo e da punição da concorrência desleal,<br />S – sendo certo que, com o registo, deixa de haver segredo, passando a existir publicidade registral.<br />T – De resto, nunca o Recorrido informou que tipo de segredo industrial estaria a ser protegido: quando muito estaremos no segredo do…segredo!<br />U – O douto Acórdão em apreço veio lesar ilicitamente interesses relacionados com o ambiente, a vida e segurança das pessoas e o correspondente direito à informação.<br />V – Mesmo em caso de eventual colisão de interesses e/ou direitos, os de carácter não-patrimonial prevalecem sobre os de índole patrimonial, na sequência de entendimento (quase) unânime da Jurisprudência.<br />X – O direito ao ambiente é protegido constitucionalmente e insere-se nos direitos de personalidade.<br />Y – Com a recusa radical de prestar à Recorrente todas e quaisquer informações, o Recorrido e o Douto Acórdão em apreço estiveram a violar, pelo menos, o núcleo fundamental do DIREITO À INFORMAÇÃO em matéria de ambiente.<br />Z – Foram violadas as disposições dos art.ºs 9.º, 17.º, 18.º, 20.º, 24.º a 26.º, 35.º, 52.º, 66.º, 81.º, 90.º e 268.º da Const. Política, muito especialmente se verificando a inconstitucionalidade dos art.ºs 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, n.º 1 do [artigo 13.º do] D.L. n.º 321/95, de 28 de Novembro, 10.º da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, tal como foram interpretadas e aplicadas pelo Douto Acórdão recorrido, isto é, no sentido de fazer prevalecer normas protectoras de “segredo industrial”, de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada, dos meios de produção, em confronto com o direito à informação para a protecção do ambiente por parte de uma associação ambientalista; assim como no sentido de que não haverá, em caso de colisão uma prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial; e, ainda, no sentido de que o Estado Português, por causa de tal protocolo, estaria vinculado a uma obrigação de segredo, pelo que se violaria o princípio da legalidade.<br />Tais normas, na dimensão interpretativa que lhes foi conferida pelo Douto Acórdão recorrido, violam os princípios e normas constitucionais do direito à vida (art.º 24.º), à integridade moral e física das pessoas, incluindo a segurança (art.º 25.º), ao ambiente e qualidade de vida (art.º 66.º), nomeadamente a faculdade de prevenção de tais violações (art.ºs 266.º e 268.º), traduzindo-se tal dimensão interpretativa na efectiva denegação de justiça.»<br />Por seu turno, o Primeiro Ministro concluiu assim as suas alegações:<br />«I. Apesar das flutuações reconhecíveis nas alegações da recorrente, parece seguro que o objecto do presente recurso só poderá ser a questão da constitucionalidade do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, e do n.º 1 do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, por confronto com o n.º 2 do artigo 268.º da Constituição. Na verdade, das diversas disposições legais indicadas nas alegações, apenas essas foram aplicadas no acórdão recorrido.<br />II. A disposição do art.º 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, tem vindo reiteradamente a ser julgada não inconstitucional, por aplicação do raciocínio dispositivo expresso no acórdão n.º 254/99 do Tribunal Constitucional, tirado em Plenário. A mesma doutrina aplica-se ao n.º 1 do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro.<br />III. Constata-se ainda que o acórdão recorrido procedeu a uma valoração circunstanciada dos bens constitucionalmente protegidos eventualmente conflituantes no caso concreto, não se justificando qualquer censura.<br />IV. Em consequência, resulta incontornável a carência de razão da recorrente.»<br /></div><div align="justify">Cumpre agora apreciar e decidir.<br /></div><div align="justify"><strong>II. Fundamentos<br /></strong></div><div align="justify">3.Como se nota nas contra-alegações de recurso, as normas em causa no presente processo só podem ser as do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e a do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, que foi deficientemente identificado na decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e assim permaneceu. Sendo esta uma norma especial em relação àquela primeira, poder-se-ia até centrar nela a análise, não fora o facto de a decisão recorrida a não ter mencionado – ao contrário da do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95 -, e de a estatuição de uma e outra normas irem no mesmo sentido: “A Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas”, diz a referida Lei; “As informações relacionadas com operações de investimento estrangeiro não podem ser divulgadas sem autorização escrita dos seus intervenientes, excepto quando susceptíveis de conhecimento público”, diz a norma do citado Decreto-Lei.<br />Serão, assim consideradas ambas as normas – por ambas virem impugnadas e ambas terem sido aplicadas durante o processo –, mas já não outras normas relevantes do Código de Procedimento Administrativo – designadamente a do seu artigo 64.º - por não terem sido referidas no requerimento de interposição do recurso.<br /></div><div align="justify">4.Importa, por outro lado, salientar que no presente processo não está em causa a norma que prevê limitações ao direito à informação enquanto aplicável aos elementos que eventualmente tenham servido para instruir os procedimentos administrativos de licenciamento da unidade industrial a que se reporta o contrato de investimento estrangeiro em questão – mas apenas os elementos constantes dos anexos a este contrato, que não foram publicados.<br />A requerente solicitou “certidões referentes à totalidade do contrato outorgado com as empresas do grupo B., incluindo os anexos e estudos técnicos que permitam a exacta compreensão do projecto em apreciação”. Mas, em relação a tais estudos técnicos ou outros elementos – designadamente, o parecer favorável à instalação da unidade industrial – a fundamentação (desde logo, do Primeiro-Ministro) para a sua não entrega à requerente não reside na prevalência do dever de confidencialidade, nos termos do contrato de investimento estrangeiro celebrado, sobre o direito à informação da requerente, mas antes (cfr. fls. 86 e seg. dos autos) na diversa origem dos documentos em causa: terem emanado de uma entidade administrativa (a Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Norte), não tendo o requerido domínio ou conhecimento sobre tais elementos (o que se invoca logo no parecer do Ministério Público na 1ª instância, dado por reproduzido na decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, e para que remete também a decisão recorrida, do Tribunal Central Administrativo).<br /></div><div align="justify">5.Quanto à norma do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95, e quanto à sua conformidade com o n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, invocou o Primeiro-Ministro, nas contra-alegações, que este Tribunal já se pronunciou “por diversas vezes, sendo que a doutrina que tem feito prevalência se encontra fixada no Acórdão n.º 254/99”, podendo o raciocínio “estender-se, sem esforço, ao n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro”.<br />Apesar de em tal acórdão se ter excluído a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto (na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março) do objecto do processo – por tal norma não ter sido aplicada na decisão recorrida, por não se terem seguido os trâmites relevantes para a sua invocação (os artigos 16.º e 17.º da Lei n.º 65/93 impõem que “o requerente, antes de interpor o recurso contencioso, te[nha] de reclamar primeiro para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o que não fez”), e por o requerente não ter invocado, nesse caso, como fundamento da sua pretensão, “o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da Constituição” –, a discussão da conformidade constitucional de tal norma foi, efectivamente, considerada necessária “para a fundamentação da decisão”.<br />Tal impostação do problema foi, depois, seguida nos acórdãos 335/99, 384/99, 385/99 e 386/99 (todos disponíveis em <a href="http://www.tribunalconstitucional.pt/">http://www.tribunalconstitucional.pt/</a>) – o primeiro e o último excluindo também expressamente a apreciação da norma do artigo 10.º da Lei n.º 65/93 do objecto do recurso, e os restantes referentes a um conjunto de normas que não incluía esta norma, mas todos remetendo para a decisão do Plenário (no referido acórdão n.º 254/99) onde, como se disse, tal norma foi incluída na fundamentação, nos seguintes termos:<br />«Poderá, assim, discutir-se se o direito do acesso aos arquivos e registos administrativos não exclui à partida o direito de revelação de segredos comerciais e industriais que deles constam. Nesta perspectiva, a recusa de acesso a documentos que ponham em causa segredos comerciais e industriais, por parte da Administração, e a proibição da utilização por esta de informações que possam desrespeitar direitos de autor ou de propriedade industrial ou configurar práticas de concorrência desleal, nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, estariam desde logo autorizadas constitucionalmente à partida pela própria expressão constitucional do conteúdo do direito. O principal argumento contra esta interpretação é o de o n.º 2 do artigo 268.º ter considerado necessária uma reserva de lei restritiva em matérias de segredos de Estado, de segredos de instrução criminal e de intimidade das pessoas, que na referida interpretação estariam igualmente excluídas do sentido imediato do direito de acesso. Haveria que dizer que no n.º 2 não se tem uma verdadeira reserva de lei, mas a simples remissão para a lei da definição de certos limites.<br />De qualquer modo, a exacta delimitação dos documentos que podem ser comunicados e dos que permanecem sob sigilo na hipótese sub judice sempre exige uma cuidadosa ponderação do conflito de direitos e interesses constitucionalmente protegidos e uma demonstração da necessidade e proporcionalidade da recusa de acesso à informação. Tal ponderação e, portanto, o recurso aos critérios do artigo 18º sempre seriam adicionalmente necessários.<br />Bastará, para tanto, observar que o direito de informação instrumental do direito à tutela jurisdicional expresso nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 268.º e que a recorrente considera justamente apenas implícito nestes números, não tem qualquer conteúdo imediatamente expresso na Constituição, pelo que não tem sentido falar de limites imanentes desse conteúdo como limites à partida. Relativamente a tal direito, que, como vimos, é o único em causa neste processo, não valem as anteriores considerações acerca do n.º 2 do artigo 268º.<br />Em geral, sempre que a solução de um conflito de direitos ou interesses constitucionalmente protegidos se faça pela proibição do exercício de um direito em certas circunstâncias, seja a proibição explícita, implícita ou obtida por remissão, têm justificação as cautelas constitucionais contra as leis restritivas. Ora na hipótese em crise trata-se de justificar constitucionalmente uma proibição de acesso a documentos que interessam ao titular do direito à tutela jurisdicional para este mesmo efeito. Têm todo o cabimento as cautelas constitucionais.<br /></div><div align="justify">11. Demonstrada a possibilidade em abstracto de restrições aos direitos de informação previstos, quer no n.º 2 do artigo 268.º - que não está directamente em causa -, quer no n.º 1 do artigo 268.º, ou derivados dos n.ºs 4 e 5 do mesmo artigo, em situações de conflitos entre direitos fundamentais (ou interesses constitucionalmente protegidos), quer em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, quer em outras matérias, falta demonstrar a necessidade e a proporcionalidade de restrições determinadas por situações de conflito em matéria de segredo comercial ou industrial, de direitos de autor ou de direitos de propriedade industrial, e de concorrência desleal, tendo em vista os critérios dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º. Como se disse no acórdão n.º 282/86 ( [Acórdãos do Tribunal Constitucional], 8, p.223), o princípio da necessidade e da proporcionalidade - esta não é mais do que a necessidade não apenas da existência de restrição, mas de certa medida ou modo de restrição - enunciado no artigo 18.º, n.º 2 vale directamente para todas as medidas restritivas dos direitos fundamentais. A sua aplicação exige a definição genérica (“tem de revestir carácter geral e abstracto”: n.º 3 do artigo 18º) das situações de conflito entre direitos fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos, o que equivale à enunciação das circunstâncias ou dos pressupostos de facto em que o direito prevalece e das circunstâncias ou dos pressupostos de facto em que o direito é restringido. As longas demonstrações da existência ou inexistência de necessidade e de proporcionalidade da restrição em determinados pressupostos constituem a substância quer das opiniões que fizeram vencimento como das vencidas no referido Acórdão n.º 282/86 (sobre a suspensão e o cancelamento dos direitos emergentes dos técnicos de contas), assim como, também por exemplo, no Acórdão n.º 103/87 (sobre restrições aos direitos fundamentais dos agentes da Polícia de Segurança Pública).<br />Por outro lado, a proibição de “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais” do n.º 3 do artigo 18.º não se refere ao seu conteúdo à partida (prima facie ou a priori), mas ao seu conteúdo “essencial”, como resulta afinal do processo de interpretação e aplicação dos preceitos constitucionais, incluindo a solução dos conflitos entre direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Quer isto dizer que a final sempre haverá circunstâncias ou pressupostos de facto em que o direito fundamental é reconhecido e que constituem o seu conteúdo essencial. Nesta medida, a proibição da parte final do n.º 3 é uma consequência do princípio da harmonização ou concordância prática dos direitos ou interesses em conflito que o Tribunal tem aplicado (cfr., por exemplo, os citados acórdãos n.ºs 177/92 [p.404], 113/97 [4481] e o Acórdão n.º 288/98 [Diário da República, I Série-A, de 18-4-1998, pp. 1714-20, 25). Trata-se, portanto, como se diz no Acórdão n.º 177/92 (ibidem) de harmonizar “os direitos em confronto, para se ser levado, se tal se mostre necessário, à prevalência (ou razão de prevalência) de um direito ou bem em relação a outro”, ou, como se diz no Acórdão n.º 288/98 (p.1714-25) “a harmonização, a concordância prática, se faz entre bens jurídicos, implicando normalmente que, em cada caso, haja um interesse que acaba por prevalecer e outro por ser sacrificado”. Nas várias hipóteses de conflito há que determinar “em cada caso” genericamente “as razões de prevalência”. É uma “ponderação casuística” (Acórdão n.º 177/92) e ao mesmo tempo generalizadora.»<br />Quanto à “ponderação casuística” referida neste aresto, entendeu a recorrente que haveria um conflito entre “as normas protectoras de segredo industrial, de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção”, por um lado, e “o direito à informação para protecção do ambiente, por parte de uma associação ambientalista”, por outro.<br />Verifica-se, porém, que se não detecta para o “direito à informação para protecção do ambiente”, especificamente invocado pela recorrente - como também não tinha o “direito de informação instrumental do direito de tutela jurisdicional” referido naquele acórdão –, “qualquer conteúdo imediatamente expresso na Constituição”, o que logo poderia constituir argumento para desqualificar uma solução do caso baseada necessariamente numa “concordância prática” entre um direito de acesso aos arquivos e registos administrativos reconhecido aos cidadãos e o direito à reserva e ao segredo que a lei institui como forma de tutela dos direitos de propriedade privada e livre iniciativa.<br />Tal entendimento não foi, no entanto, adoptado no referido acórdão n.º 254/99, onde, embora a propósito de uma situação em que se reconheceu a existência de um “interesse pessoal legítimo na obtenção de certa informação” (interesse pessoal que não está agora em causa, sendo o interesse na tutela do ambiente, como se sabe um “interesse difuso”), se escreveu o seguinte:<br />«6. Em causa está o direito de acesso, na forma de direito de consulta e de direito de obter certidão, do detentor de interesse legítimo no conhecimento dos elementos que lhe permitam usar de meios administrativos ou contenciosos a documentos de um processo administrativo que possam ser relevantes para tal fim.<br />Esse direito não está consagrado especificamente na Constituição. A recorrente pretende que está implícito no direito dos administrados, consagrado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 268.º da Constituição, a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, e nessa medida tem razão. A tutela jurisdicional seria muitas vezes ineficaz sem um direito instrumental de quaisquer pessoas que tenham interesse legítimo à informação dos elementos que possam ser relevantes e que constem de processo administrativo.<br />A recorrente pretende também que esse direito está implícito no direito de acesso consagrado no n.º 2 do mesmo artigo 268.º, como direito geral de todos os cidadãos mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito, nem tenham em vista obter elementos que lhe permitam, iniciar um tal procedimento, de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas. Também aqui tem o recorrente razão, pois seria incompreensível que o direito de quem tem um interesse pessoal legítimo na obtenção de certa informação tivesse menor âmbito do que o direito, de qualquer cidadão, de acesso aos arquivos e registos administrativos (conferir, no mesmo sentido, por exemplo, os acórdãos deste tribunal n.ºs 176/92 e 177/92, ambos de 7 de Maio, 234/92 e 237/92, ambos de 30 de Junho, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1992, pp. 377 ss., 397 ss., 599 ss., 609 ss.). O direito de acesso do interessado nunca pode ser menor que o do cidadão em geral, até porque o interesse público na transparência da actividade administrativa, ou numa “administração aberta”, como forma de garantia do respeito pelos princípios constitucionais, norteadores dessa actividade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, só pode ser favorecido pela acção dos directamente interessados e está na prática dependente dessa acção. Acresce que o administrado interessado, mesmo que não seja cidadão, não tendo nesse caso os direitos de participação na vida pública, nomeadamente através do esclarecimento sobre actos do Estado e demais entidades públicas (artigo 48.º da Constituição), que caracterizam a posição do cidadão no Estado democrático (artigo 2.º), tem frequentemente direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que implicam, como no caso do direito à tutela jurisdicional, direitos de acesso à informação. Há, pois, que entender que a introdução do n.º 2 do artigo 268.º na revisão constitucional de 1989 veio alargar o conteúdo do direito de informação procedimental reconhecido no n.º 1, pelo que os limites, que caracterizavam esse direito na redacção originária de 1976 - nomeadamente, a restrição ao direito de ser informado sobre o andamento do processo e ao de conhecer a resolução definitiva sobre ele -, não tornam inconstitucionais as formulações mais amplas desse direito (abstraindo das referências à confidencialidade) nos artigos 62.º e 64.º do LPA e 82.º da LPTA (cfr. o n.º 1 do artigo 16.º da Constituição).<br /></div><div align="justify">7. A recorrente pretende, porém, que os limites do direito de acesso do n.º 2 do artigo 268.º são apenas os que resultam da reserva de lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas e que esses limites valem para todos os direitos de informação consagrados explícita ou implicitamente no mesmo artigo. Não tem razão em nenhum destes pontos.<br />Em primeiro lugar, a Constituição claramente diz o contrário, ao dispor apenas no caso do direito de acesso do n.º 2 que limites podem ser estabelecidos por uma reserva de lei, o que representa uma degradação ou uma hipoteca (usando a terminologia de Gomes Canotilho, Revista de Legislação e Jurisprudência, 125, 1992, p.254), relativamente ao regime do direito à informação procedimental do n.º 1 e do direito instrumental à informação derivado do direito do administrado à tutela jurisdicional dos n.ºs 4 e 5 do artigo 268.º. Estes direitos são reconhecidos sem limites explícitos. A formulação da reserva de lei, ao dizer que o direito de acesso é reconhecido “sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”, implica até uma prevalência de princípio dos interesses na confidencialidade regulados nessas matérias sobre o direito ao acesso que podem, porventura em nome do critério do melhor equilíbrio possível entre os direitos em conflito (invocado no acórdão recorrido), justificar nas circunstâncias dadas o sacrifício da confidencialidade (cfr. também as cautelas do Acórdão n.º 177/92, lug cit., p.405). Nada disto se aplica aos outros direitos à informação consagrados no artigo 268.º.<br />Em segundo lugar, sem exceptuar o do n.º 2, todos os direitos de informação frente à Administração Pública consagrados no artigo 268.º estão limitados por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com eles conflituam (assim Gomes Canotilho, ibidem). Tais limites, ditos a posteriori, por se determinarem depois da determinação do conteúdo do direito por via de interpretação (a qual poderá determinar limites desse conteúdo), sempre seriam admissíveis, quer no direito de informação procedimental do n.º 1, quer no direito de informação instrumental do direito de tutela jurisdicional. Os dois direitos estão, aliás, estreitamente ligados na sua regulação legal, na medida em que o CPA e a LPTA integram o último no regime do direito de informação procedimental do artigo 62.º do CPA e do artigo 82.º do LPTA, e ainda na medida em que se considera, como o acórdão aqui recorrido, que o interesse na informação pretendida para uso administrativo ou procedimental é um interesse legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos a que se refere o 64.º do CPA para o efeito de considerar o direito de informação procedimental reconhecido no artigo 62.º extensivo às pessoas que provem ter tal interesse. Ora não há nenhuma razão para que limites do mesmo género não existam no caso do direito de acesso do n.º 2. É que se trata de um género de limites que existe qualquer que seja o modo de definição de um direito na Constituição, porque resultam simplesmente da existência de outros direitos ou bens, igualmente reconhecidos na Constituição e que em certas circunstâncias com eles conflituam, bem como da possibilidade de conflitos em certas circunstâncias entre direitos idênticos na titularidade de diferentes pessoas. Os conflitos não podem ser evitados a não ser pela previsão na Constituição dessas circunstâncias e pela consequente transformação dos elementos do conflito em elementos da definição dos direitos ou bens constitucionais em jogo. Ora a previsão exaustiva das circunstâncias que podem dar lugar a conflitos deste tipo é praticamente impossível pela imprevisibilidade das situações de vida e pelos limites da linguagem que procura prevê-las em normas jurídicas, além de que a Constituição nunca pretendeu regular pormenorizadamente, ou tão exaustivamente quanto possível, os direitos que consagra. Estas considerações aplicam-se a todos os direitos fundamentais reconhecidos na Constituição. Todos esses direitos podem ser limitados ou comprimidos por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, sem excluir a possibilidade de conflitos entre direitos idênticos na titularidade de diferentes pessoas (pense-se, quanto ao direito à vida, no regime legal de legítima defesa e do conflito de deveres, e no dever fundamental de defesa da Pátria - artigo 276.º n.º 1 da Constituição), sendo sempre necessário fundamentar a necessidade da limitação ou compressão quando ela não se obtém por interpretação das normas constitucionais que regulam esses direitos.<br /></div><div align="justify">8. Não vale dizer, em contrário, que quando a Constituição consagra um limite expresso, seja ele uma reserva de lei, implica que nenhum outro limite foi desejado. Este argumento obviamente não procede. Ele subentende que o limite expresso, ou a reserva de lei, é uma excepção e que existe uma regra que proíbe a existência de outras excepções além das expressas. A primeira premissa não é verdadeira. A reserva de lei do n.º 2 é uma remissão da Constituição para a lei e não uma excepção constitucional a normas constitucionais. É certo que da existência de uma remissão explícita não se deduz qualquer outra remissão e pode deduzir-se o carácter excepcional da remissão. Assim o n.º 2 do artigo 268.º implica que em matérias que não sejam relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos não tem à partida (prima facie, a priori) os limites que resultam da lei nestas matérias. Nessas outras matérias apenas pode ter a posteriori os limites que resultam da solução constitucional das situações de conflito com outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos, que são os únicos que valem para os direitos de informação procedimental ou instrumental do direito de tutela jurisdicional dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 268.º.<br />Assim, em relação a direitos que formula à partida sem qualquer limite, para além do que resulta imediatamente da definição constitucional do seu objecto como a liberdade de expressão e informação (artigo 37.º, n.º 1), a própria Constituição admite que o seu exercício pode constituir infracção criminal, ilícito de mera ordenação social e ilícito civil (n.ºs 3 e 4 do artigo 37.º) e o Tribunal Constitucional entendeu que o seu exercício poderia ainda constituir ilícito disciplinar (Acórdão n.º 81/84, Acórdãos cit., 4, pp. 225 ss., especialmente 233-234; cfr. sobre conflitos com o mesmo direito, o Acórdão n.º 113/97, Diário da República, II série de 15-4- 1997, pp.4478,4481). Temos aqui um direito fundamental sem explícitos limites a priori, que a Constituição reconhece ter limites a posteriori em certas áreas e em que a lei criou limites a posteriori em outras áreas. Também o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar é consagrado à partida no n.º 1 do artigo 25.º da Constituição sem qualquer limite e, no entanto, o Tribunal Constitucional admitiu que em hipóteses de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (e, portanto, de conflito com o interesse na prossecução penal e com o princípio da verdade material) pode haver intercepção e gravação de comunicações telefónicas (Acórdão n.º 7/87, Acórdãos cit., 9, pp. 7 ss., 35; cfr., de modo semelhante, quanto ao uso, não consentido pelo visado, de fotografia como prova em processo de divórcio, o Acórdão n.º 263/97, Diário da República, II série, de 1-7-1997, pp. 7567, 7569). É certo que no acórdão n.º 7/87 o Tribunal invocou a reserva de lei em matéria de processo criminal que limita à partida o direito ao sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada (art.ºs 34.º, n.ºs 1 e 4), mas estava em causa apenas a hipótese em que o sigilo diz respeito a matéria de reserva da intimidade, em que não há reserva de lei. Também o direito de acesso a cargos públicos electivos (artigo 50.º, n.º 1 da Constituição) era, antes da revisão de 1989, consagrado sem limites à partida além dos que resultavam de outros preceitos constitucionais directamente para os magistrados judiciais (artigo 221.º, n.º 3, hoje 216.º, n.º 3) ou através de reservas de lei para os militares e agentes militarizados (artigo 270.º) e para as eleições para a Assembleia da República (artigo 153.º, hoje 150.º). Mas nos acórdãos n.ºs 225/85 e 244/85 (Acórdãos cit., 6, pp.793 ss., 798-801 e pp. 211 ss., 217-228) o Tribunal admitiu restrições legais para os funcionários judiciais (em vista do interesse na separação e independência das funções autárquica e judicial) e para os funcionários e agentes da administração autárquica directa da mesma autarquia (em vista do interesse na independência e imparcialidade do poder local). Em ambos os casos as restrições expressas na Constituição ou resultantes das reservas de lei em certas matérias fundaram argumentos no sentido da admissibilidade de outras restrições, em hipóteses de conflito de direitos ou interesses constitucionalmente reconhecidos.»<br />Conclui-se, pois, que é possível ao legislador prever excepções ao direito geral de informação, quer no âmbito das restrições expressamente autorizadas pela Constituição, quer em hipóteses de conflito de direitos ou interesses constitucionalmente reconhecidos.<br />Ora, não será, desde logo, de excluir a possibilidade de inclusão, no presente caso, dos elementos de informação pedidos (ou pelo menos de parte deles) no âmbito de informação relativa à “intimidade das pessoas”, se se entender que tal cláusula justificativa de restrições ao direito à informação, prevista na parte final do artigo 268.º, n.º 2, da Constituição, é igualmente aplicável a pessoas colectivas – e, no caso, à vida interna (ao “segredo dos negócios” e dos processos de laboração) da empresa que celebrou com o Estado o contrato de investimento estrangeiro em que se previu logo o dever de confidencialidade das partes, e em cujos anexos se encontram os elementos em questão.<br />Mesmo, porém, que, num caso como o presente, se entenda não poder subsumir o fundamento da limitação ao direito de informação sob a “intimidade das pessoas”, prevista do artigo 268.º, n.º 2, in fine, da Constituição, não se conclui no sentido da inconstitucionalidade da solução normativa do conflito de valores ou interesses que foi adoptada pela decisão recorrida.<br /></div><div align="justify">6.Na verdade, acresce que, a ter de operar-se uma ponderação de interesses contrapostos constitucionalmente reconhecidos, há que tomar em consideração que os contratos de investimento assinados pelo Estado Português e pelas empresas que se propõem realizar um investimento industrial visam satisfazer interesses e valores também constitucionalmente relevantes – cfr. as “tarefas fundamentais do Estado” elencadas no artigo 9.º da Constituição, entre as quais se conta, na alínea d), “[p]romover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais”. Designadamente, trata-se de instrumentos importantes (designadamente, numa economia com as características da economia portuguesa) para possibilitar as condições para o desenvolvimento económico e, consequentemente, para a obtenção dos meios, pelos particulares e pelo Estado, para a obtenção de bens e para a satisfação das necessidades individuais e colectivas, e inclusive de bens e necessidades protegidas por direitos fundamentais – parecendo desnecessário recordar aqui considerações bem conhecidas sobre o efectivo “custo dos direitos” proclamados no texto da Constituição, a que este Tribunal não tem deixado de (explicita ou implicitamente) aludir, pelo menos fora do âmbito dos “direitos, liberdades e garantias”, quando se refere à cláusula de “reserva do possível” (designadamente, do económica e financeiramente possível).<br />Importa também atentar em que os contratos de investimento celebrados entre o Estado Português e empresas ou investidores, podendo implicar, como no presente caso, um compromisso de sigilo quanto às informações fornecidas por essas empresas, envolvem um conjunto de contrapartidas – para ambas as partes e com incidência em terceiros, concorrentes ou não – que têm de ser ponderadas, no momento da celebração do contrato, sendo, evidentemente, ao Governo, ao celebrar esses contratos, que compete realizar essa ponderação.<br />Por outro lado, o projecto em causa foi previamente objecto de aprovação pelas entidades competentes – a quem cabe, designadamente, avaliar também o impacte ambiental e estabelecer as condições de funcionamento da unidade fabril – e, quer na pendência da sua construção, quer no decurso do seu funcionamento, continuará sujeito às regras de funcionamento e à vigilância e fiscalização das entidades oficiais. A tutela do direito ao ambiente que a recorrente invoca como fundamento para o seu direito à informação está igualmente prevista como objecto de salvaguarda pela actividade da Administração Pública, no quadro das funções do Estado, não sendo, pois, de considerar a “vigilância” pela recorrente como via única – ou, sequer, principal ou privilegiada – de acautelar esse direito.<br />Estamos, pois, perante a contraposição entre um interesse dos investidores (por isso, umas vezes manifestado, e outras não, mas no presente caso elevado pelas partes a dever contratual) em manter reserva sobre as condições de realização de um investimento, e o interesse de organizações ambientalistas em terem acesso a tais informações que o Estado Português se comprometeu, legal e contratualmente, a manter reservadas. Ambos os interesses assumem, naturalmente, relevância pública.<br />Ora, num contexto em que o Governo entendeu aceitar vincular-se no próprio contrato a uma cláusula de confidencialidade (sendo de presumir que tal vinculação constituiu, para ambas as partes, um elemento essencial para a celebração do contrato) e em que, portanto, o confronto entre, por um lado, uma informação geral sobre todos os aspectos do contrato (no caso, sobre os anexos, não publicados no Diário da República) e, por outro lado, o interesse no investimento estrangeiro foi já realizado pelo Governo, a ponderação imposta aos Tribunais, em caso de conflito entre, por um lado, o direito geral à informação, invocado pela recorrente, e, por outro lado, o interesse na concretização do investimento estrangeiro, pode resultar aligeirada. Neste sentido, o tribunal recorrido entendeu remeter, não só para as normas agora em causa, como para o referido dever contratual de confidencialidade, e, implicitamente, para a avaliação realizada na sua celebração. E acrescente-se ainda que a recorrente nada de mais específico ou concreto adiantou sobre ameaças ao ambiente, para além do seu interesse ou legitimidade geral, como associação que tem como finalidades a defesa do ambiente, ou de desconfianças gerais que o projecto ou a empresa em questão lhe suscitava.<br />Entende-se, assim, que a contraposição a realizar pelo tribunal recorrido podia bastar-se, nestas condições, com uma implícita ponderação, ou confronto (sem dúvida menos desenvolvido do que o que se verificou no caso decidido pelo acórdão n.º 254/99), com o resultado daquele que foi efectuado. Atendendo às tarefas fundamentais do Estado fixadas no artigo 9.º da Constituição e aos princípios cometidos pelo seu artigo 266.º à Administração Pública, a conclusão do tribunal recorrido podia pender, ainda que por via de um tal confronto abreviado, a favor da possibilidade de limitações ao direito à informação com fundamento no citado conflito, concluindo-se, portanto, no sentido da conformidade constitucional da norma do artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 321/95, no que concerne à divulgação e acesso de documentos inerentes à celebração dos contratos de investimento estrangeiro, quando susceptíveis de conhecimento público – e, portanto, também, nesta medida, da norma do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95, da qual a norma do artigo 13.º, n.º 1, do referido decreto-lei constitui, como se disse, um caso especial.<br /></div><div align="justify">7.Diga-se, ainda, que a afirmação de uma geral “prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial”, também invocada pela recorrente, é, por si só, insusceptível de ser ponderada, por não se poder estabelecer o aludido confronto.<br />Não há, de facto, em tese geral, nenhum conflito entre direitos de carácter patrimonial das empresas signatárias do contrato de investimento com o Estado Português e o direito ao ambiente, nem parece ele resultar simplesmente das circunstâncias referidas nos autos. Aliás, mesmo que, em termos meramente potenciais, tal conflito pudesse vir a ocorrer no futuro, ele seria também completamente alheio às normas que vêm impugnadas – as quais, como se deixou referido, se limitam a permitir à Administração, no quadro de operações de investimento estrangeiro, e com fundamento em compromissos assumidos num contrato de investimento, a recusa de acesso a documentos que ponham em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas, e sem o consentimento destas (ausência de consentimento, no caso, previamente acautelada pela inclusão no próprio contrato de investimento de uma cláusula de sigilo).<br />Caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos ambientais sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas, a propósito das quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre direitos da propriedade privada e da livre iniciativa, e a sua constitucionalidade, se se entender que essa normas não asseguram cabalmente os valores constitucionalmente protegidos.<br />Conclui-se, pois, pela improcedência da arguição de inconstitucionalidade dirigida às normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95.<br /></div><div align="justify"><strong>III. Decisão</strong><br /></div><div align="justify">Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional:<br /></div><div align="justify">a) Não julgar inconstitucionais as normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro;<br /></div><div align="justify">b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, no que diz respeito às questões de constitucionalidade suscitadas.<br /></div><div align="justify">Lisboa, 15 de Março de 2005<br /></div><div align="justify">Paulo Mota Pinto<br />Benjamim Rodrigues<br />Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta)<br />Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junta)<br />Rui Manuel Moura Ramos<br /><br /></div><div align="center"><br /><strong>Declaração de voto<br /></strong></div><div align="center">Votei vencida o presente Acórdão por entender que a interpretação normativa constante da decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade na restrição ao direito à informação, que se retira dos artigos 18º, nº 2, e 268º, nº 2, da Constituição. Remeto, no essencial, para as razões invocadas pelo Senhor Conselheiro Mário Torres na sua declaração de voto.<br />Maria Fernanda Palma<br /><br /><br /><strong>DECLARAÇÃO DE VOTO</strong></div><strong></strong><div align="justify"><br />Votei vencido, por entender que a interpretação normativa acolhida na decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade na restrição ao direito à in­formação, resultante das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).<br /></div><div align="justify">Reconheço, em consonância com reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional, que o direito dos cidadãos de acesso aos arquivos e registos adminis­trativos pode sofrer restrições – para além das expressamente previstas no n.º 2 do ci­tado artigo 268.º da CRP: matérias relativas à segurança interna e externa, à investiga­ção criminal e à intimidade das pessoas – impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, entre os quais os destina­dos a proteger segredos industriais e comerciais, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março (“A Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas”). Já se afigura mais ampla, e não meramente especial em relação à anterior, a norma do artigo 13.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, segundo a qual: “As infor­mações relacionadas com operações de investimento estrangeiro não podem ser di­vulgadas sem autorização escrita dos seus intervenientes, excepto quando susceptíveis de conhecimento público”.</div><div align="justify"></div><div align="justify">Mas se não se pode dizer, a meu ver, que é constitucionalmente ilegítima toda e qualquer restrição ao acesso a documentação detida pela Administração estra­nha às matérias referidas expressamente no n.º 2 do artigo 268.º da CRP, também te­nho por seguro que, quer quando estejam em causa essas matérias quer outras relativas a direitos ou interesses constitucionalmente tutelados, sempre a restrição ao direito à informação há‑de res­peitar os princípios da proporcionalidade, da adequação e da pro­porcionalidade e re­clamará uma ponderação em concreto dos direitos em conflito a efectuar pelo tribunal.<br /></div><div align="justify">Foi essa a orientação que o Tribunal Constitucional traçou quando por diversas vezes se pronunciou sobre o direito de acesso a documentos inseridos em pro­cessos de autorização da introdução de medicamentos no mercado (cfr. Acórdãos n.ºs 254/99, 335/99, 384/99, 385/99 e 386/99), orientação que, aliás, já havia sido a adop­tada nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo então recorridos e que, em cada caso concreto, especificaram, dentre as diversas espécies de documentos que inte­gravam aqueles processos de autorização, quais podiam e quais não podiam ser facul­tados aos requerentes de acesso. Por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal Ad­ministrativo, de 10 de Julho de 1997, confirmado pelo Acórdão n.º 254/99 do Tribunal Constitucional, consignou‑se:<br /><br />“[...] o direito à informação é configurado como um direito fundamental do administrado e, de acordo com a doutrina, de natureza análoga aos «direitos, liberdades e garantias» enunciados na Constituição e sujeito ao respectivo re­gime (artigos 17.º e 18.º da CRP).<br />Como tal, está sujeito às limitações e restrições estabelecidas nos ter­mos da lei.<br />Tal direito, embora seja, prima facie, um direito sem restrições consti­tucionalmente explícitas – ressalvadas as que constam do n.º 2 do artigo 268.º da CRP (...) – não é um direito absoluto e, assim, quando se encontra em coli­são com outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, não está im­pedida a legitimação da sua restrição, desde logo, no âmbito do próprio sistema constitucional e da harmonização das respectivas normas.<br />Ora, no artigo 17.º do Decreto Lei n.º 72/91, subjacente à classificação como confidenciais dos elementos de instrução dos processos de autorização a que se refere aquele diploma, nomeadamente nos seus artigos 5.º e 14.º, desen­cadeados no INFARMED – tal como no artigo 62.º do CPA e artigo 10.º da Lei n.º 65/93 e ainda nos artigos 1.º e 47.º do Código da Propriedade Industrial – está a ponderação de razões relacionadas com a protecção de direitos (de pro­priedade intelectual e respectivos segredos comerciais e industriais) integrados no direito de propriedade privada, também constitucionalmente assumido como direito fundamental (artigo 62.º da CRP).<br /></div><div align="justify">A prevalência que, porventura, dermos a um destes direitos em con­fronto (direito à informação e direito de propriedade intelectual e industrial e atinentes segredos), implica a postergação do conteúdo essencial do outro; isto é, a aplicação das normas atinentes ao direito à informação exclui as de protec­ção ao direito de propriedade e vice-versa.<br />Estaríamos, assim, na presença de uma colisão de direitos consagrados constitucionalmente cujas características não apontam para a existência de uma relação de hierarquia (uma vez que pertencem à mesma categoria de direitos fundamentais) nem de generalidade e especialidade.<br />Só através de uma casuística ponderação, com vista a uma possível harmonização dos referidos direitos em causa, nomeadamente através do crité­rio metódico do melhor equilíbrio possível entre direitos colidentes poderá ser solucionada a questão, dando a possível satisfação ao interesse invocado pelo requerente, sem desvendar ou violar a confidencialidade dos documentos que porventura contenham segredos comerciais ou industriais e se mostrem incor­porados no processo em causa.<br />Tal ponderação não pode deixar também de levar em conta que, no pro­cesso de intimação, tratando‑se de um processo expedito, o titular dos direitos de propriedade a proteger e dos eventuais segredos comerciais e industriais constantes do processo não foi chamado a intervir para defender direitos seus que pode ver postergados.<br />A aferição da confidencialidade dos documentos a que o particular pretende aceder deve ser feita em relação a cada tipo de documento em con­creto e não, em geral, a todos os documentos que acompanham o processo de autorização de introdução do medicamento no mercado.<br /></div><div align="justify">Assim sendo, entendemos que a situação de equilíbrio entre os dois di­reitos colidentes passa pela passagem das certidões atrás referidas relativas à composição qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A, do Anexo I da Portaria n.º 161/96), documentação toxicológica e farmacológica (Parte III, A a Q, do Anexo I da Portaria n.º 161/96) e ensaios clínicos (Parte IV, B‑1 do Anexo à Portaria n.º 161/91) e pela consulta dos documentos relativos às maté­rias assim delimitadas e ainda às certidões das decisões proferidas no processo administrativo, bem como dos relatórios de inspecção a que se refere o artigo 91.º do Decreto‑Lei n.º 72/91 e do pedido a que se referem os artigos 13.º e 14.º do mesmo diploma e a respectiva decisão fundamentada, estando o mais abrangido pela confidencialidade a que é obrigada a autoridade requerida.”<br /><br />Impunha-se, assim, para ser constitucionalmente admissível a restrição ao direito de acesso aos arquivos administrativos, uma “casuística ponderação”, “que deve ser feita em relação a cada tipo de documento em concreto, e não em geral, a todos os documentos que acompanham o processo de autorização de introdução do medicamento no mercado”.<br /></div><div align="justify">Este entendimento foi sufragado pelo citado Acórdão n.º 254/99, tirado em Plenário do Tribunal Constitucional, cuja doutrina foi seguida nos demais acórdãos atrás referidos.<br /></div><div align="justify">No Acórdão n.º 254/99, o Tribunal Constitucional, após haver reafir­mado o pressuposto de que “os direitos de acesso à informação administrativa consa­grados no artigo 268.º são direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias enunciados no Título II da Constituição (artigo 17.º da Cons­tituição), para os efeitos da aplicação do regime do artigo 18.º”, pressuposto que o Tribunal já afirmara nos Acórdãos n.ºs 177/92 e 234/92, reconheceu que “a exacta de­limitação dos documentos que podem ser comunicados e dos que permanecem sob sigilo na hipótese sub judice sempre exige uma cuidadosa ponderação do conflito de direitos e interesses constitucionalmente protegidos e uma demonstração da necessi­dade e proporcionalidade da recusa de acesso à informação”. É que “em geral, sem­pre que a solução de um conflito de direitos ou interesses constitucionalmente prote­gidos se faça pela proibição do exercício de um direito em certas circunstâncias, seja a proibição explícita, implícita ou obtida por remissão, têm justificação as cautelas constitucionais contra as leis restritivas”; ora, “na hipótese em crise trata‑se de justi­ficar constitucionalmente uma proibição de acesso a documentos que interessam ao titular do direito à tutela jurisdicional para este mesmo efeito”; logo, “tem todo o ca­bimento as cautelas constitucionais”.<br /></div><div align="justify">E, no seguimento do ponto 11, transcrito no precedente acórdão, o Acór­dão n.º 254/99 prossegue:<br /><br />“12. Ora, há que reconhecer que na hipótese dos autos há um conflito entre o direito à informação instrumental do direito de tutela jurisdicional, in­vocado pela recorrente, por um lado, e os direitos ao segredo comercial ou in­dustrial, de autor ou de propriedade industrial e o interesse no respeito das re­gras de leal concorrência, por outro lado, que o director do INFARMED consi­dera eventualmente na titularidade da pessoa detentora da autorização de intro­dução no mercado de certo medicamento. A decisão do Supremo Tribunal Administrativo aqui recorrida considerou que os direitos por último referidos se reconduzem ao direito de propriedade (artigo 62.º, n.º 1, da Constituição). Poderá invocar‑se ainda em concurso, pelo menos quanto aos direitos de autor e de propriedade industrial, o direito à invenção científica, integrado na liber­dade de criação cultural do Título II da Constituição (artigo 42.º), o interesse de livre iniciativa económica privada (artigos 61.º, n.º 1, e 80.º, alínea c)), o inte­resse no funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equili­brada concorrência entre empresas (artigo 81.º, alínea e)) e o interesse numa política científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do país (artigo 81.º, alínea j)). Quanto à relevância dos interesses económicos por último refe­ridos é bem claro que o desrespeito sistemático dos direitos de sigilo comercial e industrial dos produtores de produtos farmacêuticos poderia conduzir não só a uma grave perturbação das regras da concorrência neste sector de economia privada, como também uma redução drástica do acesso dos consumidores às inovações dos mercado internacional de produtos farmacêuticos, com prejuízo da qualidade dos bens e serviços consumidos (artigo 60.º, n.º 1), senão do di­reito à protecção da saúde (artigo 64.º, n.º 1). Do outro lado da situação de con­flito, o lado da recorrente, há que ponderar em concurso, os direitos de autor ou de propriedade industrial a fazer eventualmente valer em juízo, que chamam também à colação as mesmas regras de leal concorrência em economia de mer­cado, mas também os interesses dos consumidores e da saúde na fiscalização da qualidade dos produtos farmacêuticos, dos seus perigos tóxicos e da sua ap­tidão clínica.<br /></div><div align="justify">Só tendo em consideração todos os referidos critérios de ponderação com relevância constitucional se pode compreender e justificar a determinação feita no acórdão recorrido dos casos em que se reconhece o direito à informa­ção e dos casos em que ele é restringido nos processos administrativos de auto­rização no mercado, de renovação da autorização e de alteração de medica­mento. Por um lado, reconheceu‑se prevalência ao direito de informação quanto:<br /></div><div align="justify">1. aos elementos essenciais para a instrução de processos de defesa de direitos de autor e industriais, nomeadamente quanto às certidões das decisões proferidas no processo administrativo de autorização de introdução no mercado de um medicamento, bem como nos processos do pedido a que se referem os artigos 13.º (renovação de autorização) e 14.º (alteração de medicamentos auto­rizados) do Decreto‑Lei n.º 72/91, bem como às certidões dos respectivos pe­didos, e ainda quanto aos elementos destes processos relativos à composição qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A, do Anexo I da Portaria n.º 161/96, de 16 de Maio);<br /></div><div align="justify">2. aos elementos relacionados com o interesse colectivo na fiscalização da qualidade, da aptidão clínica e do perigo tóxico do medicamento, nomea­damente quanto à documentação toxicológica e farmacológica (Parte III, A a Q, do Anexo I), aos ensaios clínicos (Parte IV, B‑1, do Anexo I da Portaria n.º 161/96) e aos relatórios de inspecção a que se refere o artigo 91.º do De­creto‑Lei n.º 72/91.<br /></div><div align="justify">Por outro lado, são na parte restante justificadas as restrições que à con­sulta de elementos dos processos de autorização no mercado, de renovação, de autorização e de alteração de medicamento e à obtenção de certidões dos do­cumentos correspondentes resultam da confidencialidade decretada pelo artigo 17.º do Decreto‑Lei n.º 72/91. Os artigos 62.º do CPA e 82.º da LPTA devem interpretar‑se de acordo com a restrição constitucionalmente exigida do âmbito da confidencialidade decretada para o artigo 17.º do Decreto‑Lei n.º 72/91. Fica assim abrangida pela proibição de consulta e passagem de certidão contida nestes artigos toda a restante documentação entregue para instrução dos pro­cessos em questão, referida no Anexo I da Portaria n.º 161/96, nomeadamente a relativa ao modo de preparação, ao controlo das matérias primas, ao controlo efectuado nas fases intermédias de fabrico, ao controlo do produto acabado, aos ensaios de estabilidade, de biodisponibilidade/bioequivalência e a de far­macologia clínica. Remete‑se para o Anexo da Portaria n.º 321/92, de 8 de Abril, com as «Normas a que devem obedecer os ensaios analíticos, tó­xico‑farmacológicos e clínicos dos medicamentos de uso humano», para me­lhor compreensão e justificação das opções feitas.<br /></div><div align="justify">Não se diga que o segredo comercial ou industrial, bem como o segredo relativo à propriedade científica se protege através do sistema da publicidade e controlo da utilização por terceiros que caracteriza o regime das patentes e dos direitos de autor. O que se protege através das patentes e dos direitos de autor não é o segredo, mas a exclusividade de fruição das vantagens dos produtos de propriedade industrial e intelectual, nomeadamente científica. O proprietário tem o direito de optar pela protecção do segredo ou pela protecção da patente ou do direito de autor.<br /></div><div align="justify">Poderá, assim, entender‑se que o acórdão recorrido bem decidiu, quando se pronunciou no sentido de que o artigo 17.º do Decreto‑Lei n.º 72/91 não respeita o direito de informação consagrado no artigo 268.º, n.ºs 1, 4 e 5, da Constituição, na medida em que classifica como confidenciais os seguintes elementos apresentados à DGAF para a instrução dos processos a que se refere o Decreto‑Lei n.º 72/91, de 8 de Fevereiro: documentação relativa à composi­ção qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A, do Anexo I da Portaria n.º 161/96, de 16 de Maio), documentação toxicológica e farmacoló­gica (Parte III, A a Q, do Anexo I da Portaria n.º 161/96) e ensaios clínicos (Parte IV, B‑1, do Anexo I da Portaria n.º 161/96), documentação correspon­dente às mesmas matérias dos processos de renovação de autorização (artigo 13.º do Decreto‑Lei n.º 72/91) e de alterações dos medicamentos autorizados (artigo 14.º do Decreto‑Lei n.º 72/91). Nesta parte já teve a recorrente satisfa­ção da sua pretensão, pelo que deixou de ser objecto do processo. Quanto à parte restante dos elementos pretendidos, em que a recorrente não obteve pro­vimento do tribunal a quo, há que confirmar o juízo de constitucionalidade do acórdão recorrido, quanto à confidencialidade decretada pelo artigo 17.º do Decreto‑Lei n.º 72/91 no que respeita aos elementos apresentados à DGAF para a instrução dos processos a que se refere o mesmo Decreto‑Lei além dos anteriormente enunciados, e que resulta também quanto aos mesmos elementos do artigo 62.º do CPA, do artigo 82.º da LPTA e do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, embora este último não seja objecto do processo.”<br /><br />Foi extensa a transcrição, mas ela evidencia bem a minúcia da “pondera­ção casuística” constitucionalmente exigida e então efectuada pelo tribunal recorrido e pelo Tribunal Constitucional, em contraste com a ausência de ponderação autónoma que as decisões das instância no presente caso revelam.<br /></div><div align="justify">O acórdão recorrido, embora tenha chegado a reconhecer que, perante a inexistência de hierarquia entre os direitos em confronto, havia que proceder a uma ponderação, logo abandonou essa via – que era a única constitucionalmente ad­missível – com a seguinte argumentação:<br /><br />“(...) Só quando não existe lei é legítima a ponderação dos valores em conflito pelo intérprete. No caso dos autos, o Estado Português acordou (cláu­sula 17.ª do contrato de investimento estrangeiro, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 34‑B/2001) que «Toda a informação relativa ao projecto, à sociedade, aos sócios e à B.., a que o Estado Português tenha acesso, no âmbito do presente contrato, está abrangida pelo dever de si­gilo nos termos da legislação aplicável». A legislação aplicável é o artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto. Portanto, da lei e do contrato aplicáveis ao caso resulta a vinculação do Estado Português ao dever de sigilo. A sujeição da Administração ao princípio da legalidade impõe‑lhe de forma vinculada, neste caso, a recusa de fornecer a documentação pedida.”<br /><br />Este entendimento é constitucionalmente inadmissível. O tribunal não pode demitir‑se de efectuar a “ponderação casuística” exigida pelo princípio da pro­porcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos direitos fundamentais com o argumento de que o legislador ordinário – e muito menos a Administração, através da celebração de contrato com particulares – já teria optado pelo sacrifício total do direito à informação e pela supremacia ilimitada do direito do contraente particular ao sigilo do negócio. E saliente‑se que o que tem de ser comprovado é a justificação da recusa de acesso aos documentos e não o contrário (a inexistência de prejuízo rele­vante por causa da facultação desse acesso).<br /></div><div align="justify">Recorde‑se que a recorrente requereu, além do acesso ao contrato de in­vestimento e seus anexos, igualmente o acesso aos “estudos técnicos” relativos ao projecto de estabelecimento industrial em causa (cfr. fls. 80), que envolvem projectos de diversa natureza técnica relativos à unidade industrial de fabrico de tubos de cobre, ligas de cobre e outros tubos técnicos, que se pretendia implantar (cfr. fls. 96 e 97), designadamente projectos de tratamento de resíduos de vários tipos (cfr. fls. 87 e 88).<br /></div><div align="justify">Não se pode ignorar a importância decisiva que o acesso à informação ambiental tem para o efectivo exercício do direito e dever que a todos incumbe de de­fender um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, e do direito dos cidadãos de participação na prevenção e controlo da poluição e na correcta locali­zação das actividades (artigo 66.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), da CRP), com expresso reconhecimento constitucional da legitimidade de intervenção, designadamente pela via da acção popular, das associações de defesa dos interesses em causa (qualidade e vida e preservação do ambiente), sendo avesso a toda a filosofia da defesa dos “inte­resses difusos” a consideração de que, no caso, bastaria a intervenção da Administra­ção para assegurar a salvaguarda do interesse público.<br /></div><div align="justify">Por outro lado, é incompatível com a eficiente defesa dos valores ambi­entais, em que prevalecem os princípios da prevenção e da precaução, a consideração de que “caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) da­nos ambientais”, então, sim, poder‑se‑á discutir a prevalência do direito ambiente.<br /></div><div align="justify">Em suma: considero inconstitucional, por violação do princípio da pro­porcionalidade das restrições ao direito à informação (artigos 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da CRP), a interpretação normativa acolhida no acórdão recorrido, que dispensa a ponderação judicial concreta dos interesses em confronto quando o legislador ordiná­rio ou a Administração, através da celebração de um contrato de investimento, terão optado por atribuir prevalência absoluta ao interesse do particular contraente ao sigilo das informações relacionadas com essa operação de investimento estrangeiro.<br /></div><div align="justify">Mário José de Araújo Torres </div>Pedro Delgado Alveshttp://www.blogger.com/profile/02017186165465663864noreply@blogger.com12tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-56092583387414152862008-03-19T16:10:00.005+00:002008-04-10T14:40:56.609+01:00Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3 de Maio de 2007<p align="justify"><strong>Processo:</strong> 709/07-1<br /><strong>Data do Acórdão:</strong> 03/05/2007<br /><strong>Relator:</strong> Carvalho Martins </p><p align="justify"><strong>Sumário:</strong></p><p align="justify"><em>A emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, tal como trepidações e factos semelhantes podem, ser objecto de impedimento por pessoa vizinha, no pressuposto de um daqueles factores e sem necessidade da sua conjunção, atento o art. 1346.° do Cód. Civil. O facto de os AA. habitarem na vizinhança daquela auto-estrada é relevante e confere-lhes direito à oposição ao que lhes provoque prejuízo substancial. Outrossim, o direito ao repouso, ao descanso e à saúde são corolários do direito da personalidade (art. 70.° do Cód. Civil). Havendo conflito entre tais direitos e o da actividade viária, preferem, ainda assim, aqueles (art. 335º do Cód. Civil), no condicionalismo exposto. Donde deve cessar o que prejudique o descanso, repouso e saúde das pessoas, embora não seja de excluir que a actividade viária possa ser prosseguida se vier a ser realizada sem prejudicar o direito de personalidade.<br /></em><br /><strong>Decisão:</strong><br /><br />Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:</p><p align="justify"><strong>I - A Causa:</strong> </p><p align="justify">CARLOS P... e mulher MARIA R..., residentes no lugar de Chão, freguesia de Comes, Vila Nova de Cerveira, veio propor contra BRISA - AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A.”, com sede na Quinta da Torre da Aguilha, Edificio Brisa, S. Domingos de Rana, Cascais, a presente acção ordinária n°188/02, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a indemnização de € 162.500,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.</p><p align="justify">Citada, para o efeito, a Ré veio contestar, considerando não poder a BRISA ser condenada ao pagamento de qualquer indemnização aos AA. pelos danos peticionados, devendo a presente acção ser considerada improcedente e devendo a R. ser absolvida do pedido formulado pelos AA..<br />Oportunamente, foi proferida decisão, onde se consagrou que:<br />Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada e, em consequência, absolve-se a “BRISA — AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, SA.” do pedido formulado pelos Autores CARLOS P... e mulher MARIA R....Custas a cargo dos Autores. </p><p align="justify">CARLOS P... e mulher, não se conformando com a sentença de fls., vieram interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que<br />- A Ré “Brisa — Auto Estradas de Portugal, S.A.” expropriou aos AA. uma parcela de terreno com 4.021,00 m2 destinada à construção da AE Porto — Valença confinante com a cada em que estes residem;<br />O tabuleiro da AE, com 32 mts de largura, ficou a cerca de 20 mts da casa dos AA. e elevado cerca de 22 mts em relação à cota a que esta se encontra (resp. quesito 5°, 6° e 7°);<br />3 — No sublanço da AE junto à casa dos AA., em 2003 circularam em média<br />6737 veículos por dia (resp. quesito 10°). O que perfaz cerca de 4,678 veículos por minuto;4 — Antes da construção da AE o local onde se situa a casa dos AA. era sossegado, com boa exposição solar (resp. quesito 79°), com habitat disperso, rodeado por campos de cultivo e terrenos florestais (resp. quesito 90° e 91°);<br />5— Com a construção da AE o local passou a ser ruidoso, pela passagem dos veículos nas juntas de dilatação e das bandas sonoras existentes nas bermas das faixas de rodagem.<br />— O ruído produzido, sobretudo durante a noite, perturba o sossego dos AA. prejudicando o descanso e a tranquilidade, o que se reflecte na saúde;<br />— Em Março de 2006 os valores médios do ruído diurno junto à casa dos AA.<br />foi de 52,5 decibéis e o ruído nocturno foi de 45,9 decibéis (resp. quesito 95°);<br />8 — Este último valor médio foi ligeiramente superior (0,9 decibéis) ao limite legal previsto no Regulamento Geral do Ruído para as zonas sensíveis;<br />9 Como já foi referido, a casa dos AA. localiza-se uma zona de habitat disperso, construído antes da AE, pelo que, para efeitos do disposto no art. 3°, n° 3, al.g) do Dec-Lei 292/2000 de 14/11 terá que ser considerada “zona sensível”;<br />10 — Apesar dos valores médios do ruídos estarem no limite legal (o diurno) e ligeiramente acima (o nocturno), a verdade é que pela análise dos resultados juntos com o relatório das medições acústicos de fls. verifica-se que o ruído atingiu “picos” que excederam os 100,00 decibéis,<br />11 — E são precisamente esses “picos” que incomodam, perturbam o sossego e sono dos AA., violando gravemente o direito à tranquilidade e à saúde destes;<br />— Factos que já levaram os AA. a tentarem vender a casa, o que não conseguiram concretizar (resp. quesitos 87° e 88°), não sendo possível mudarem a residência para outro local por falta de meios financeiros (resp. quesito 89°);<br />13 — Com a construção da AE a casa dos AA. ficou sujeita à sombra provocada pela respectiva estrutura que no Inverno cobre cerca de 2/3 da área total do prédio desde cerca das 13h00 até ao pôr-do-sol (resp. quesitos 12°, 13°, 14° e 15°);<br />14- Durante o Inverno o gelo e a geada acumulam-se sobre o telhado e os pátios em consequência desse encobrimento dos raios solares (resp. quesitos 17° e 18°),<br />15 — A água que cai na AE é lançada pelos canais de escoamento existentes na parte inferior do tabuleiro e, projectada pelo vento, cai em bátegas sobre a casa, os anexos e o terreno dos AA. (resp. quesitos 22° e 24°);<br />16 — A redução da exposição solar e a queda da água das chuvas vindas do tabuleiro tornou a casa húmida e fria, desconfortável e nociva para a saúde dos AA. (resp. quesitos 28°, 34° e 35°);<br />17 — Os AA. utilizavam um dos anexos como estábulo para a criação de gado, tendo, uma média, 7 a 8 vacas para produção de leite que lhe dava um lucro anual de cerca de 3.600,00 € e era a principal fonte de receita da actividade que exerciam (resp. quesitos 37°, 38°, 40° e 41°);<br />18 — Com a construção da AE o estábulo ficou sem exposição solar, frio e húmido, e o ruído dos veículos nas juntas de dilatação e nas bandas sonoras causava stress nos animais o que prejudicava o desenvolvimento, a engorda e a produção de leite (resp. quesitos 42°, 43°, 45°, 46°, 47° e 48°),<br />19 — Esse ruído alterava os cios das vacas e diminuía a probabilidade de ficarem prenhes, tal como reduziu a produção de ovos e a atrofia do desenvolvimento dos galináceos que os AA. criavam noutro anexo (resp. quesitos 49°, 50°, 55°, 58° e 50°);<br />20 — A redução das crias e da produção de leite fez com os AA. abandonassem esta actividade (resp. quesito 51°);<br />21— No período de tempo seco o ar fica poluído com poeiras em suspensão, com fumos provenientes dos escapes dos veículos e com os maus cheiros dos combustíveis queimados (resp. quesito 70°, 71° e 72°);<br />22 — Por vezes é atirado lixo da AE para o prédio dos AA. (resp. quesito 69°);<br />23 — Os ruídos dos veículos, dos ventos contra os pilares do viaduto da AE, a poluição do ar e a humidade do local e do interior da casa afectam gravemente a saúde dos AA.;<br />24— Perturbando-lhes o sossego e a tranquilidade, sobretudo durante as horas do sono.25— A Ré tem por objecto uma actividade lucrativa que comporta riscos de ocorrência de danos para terceiros que é obrigada a indemnizar.<br />26— “A responsabilidade pelo risco pressupõe a existência não de factos ilícitos culposos mas de factos violadores de personalidade de outrem apenas objectiva ou materialmente imputáveis a uma certa pessoa com base em esta ter posto em acção para seu beneficio, certas forças que constituíam fontes de riscos e de potenciais danos para a atingida personalidade de outrem”: R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, pág. 461.<br />27 — A douta sentença recorrida violou o disposto no art. 70° do C.C. e o art, 40° da Lei 11/78 de 7 de Abril pelo que deve ser revogada.<br />Brisa-Auto-Estradas de Portugal, SA, notificada das alegações dos recorrentes, veio apresentar as suas contra-alegações, que pugnaram pela improcedência do recurso interposto.</p><p align="justify"><strong>II. Os Fundamentos:</strong> </p><p align="justify">Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:<br /><br />Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:<br />A) - Por expropriação por utilidade pública — processo n°58/98, do Tribunal de Vila Nova de Cerveira — a “Brisa — Auto-Estradas de Portugal, S.A.”, expropriou uma parcela de terreno com a área de 4 021 m a desanexar do prédio rústico, terreno de cultivo, que tinha a área de 11 698 m e que se encontra inscrito na matriz sob os artigos 707°, 708°, 720° e 722° da freguesia de Comes.<br />B) - Confinante a esse prédio encontra-se uma casa de rés-do-chão e andar, destinada a habitação dos Autores, anexos e logradouro, sita no lugar de Chão, freguesia de Comes, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o art. 2 10°.<br />C) - Aquela expropriação por utilidade pública destinou-se à construção da auto- estrada Porto - Valença.<br />D) - No local, esta via está assente sobre pilares em betão, com a altura de cerca de 25 m.<br />E) - Os lados exteriores das faixas de rodagem da AE estão delimitados por bandas sonoras.<br />- O terreno referido em A) constituía uma exploração agrícola na qual os Autores exerciam, de forma exclusiva, essa actividade profissional.<br />2° - Em resultado da expropriação e da construção da auto-estrada, a casa, anexos e logradouro ficaram separados do terreno de cultivo sobrante da expropriação.<br />5°,6° - O tabuleiro da AE está distanciado da casa dos Autores cerca de 20 m, e elevado cerca de 22 m em relação à cota em que aquela se encontra.<br />7° - O tabuleiro da auto-estrada está dividido em duas partes, com 16 m de largura cada uma.<br />8°,9° - No local, o traçado da auto-estrada é em curva, com raio de 980 m e desenvolvimento de 1 210,9 m, apresentando um declive descendente, no sentido Porto — Valença, de 5,5%.<br />10° - No sub-lanço em causa, em 2003, circularam, em média, 6737 veículos por dia nos dois sentidos de circulação.<br />11º - A percentagem de veículos pesados no tráfego médio diário é de 6,2%.<br />12° - Após a construção da AE, o prédio referido em B) ficou sujeito à sombra provocada pela respectiva estrutura durante largo período do dia, sendo tal período mais longo no Inverno.<br />13°,14° - No Inverno, essa sombra estende-se por uma mancha paralela à AE, que chega a cobrir cerca de 2/3 da área global do prédio, com maior incidência na casa de habitação, nos pátios e nos anexos.<br />15° - No Inverno, aquelas construções e os terrenos anexos ficam encobertos dos raios solares desde cerca das 13 horas até ao pôr-do-sol.<br />17° - A ausência de incidência do sol dificulta o degelo.<br />18° - Em situações climatéricas extremas, o gelo e a geada acumulam-se obra o telhado e os pátios exteriores da casa dos Autores.<br />19º - Essa acumulação deteriora a telha e o mosaico dos pátios, se tais materiais padecerem de gelividade.<br />21° - Os pavimentos ficam escorregadios, se tiverem inclinações que obstem à formação de poças e consequente aparecimento de lodo.<br />22° - A água da chuva que cai na AE é lançada no ar pelos canais de escoamento existentes na parte inferior do tabuleiro.<br />23° - Tal escoamento processa-se através de tubos em PVC com o diâmetro de 110 mm e afastados entre si 25 m, cujo dimensionamento prevê que, na situação mais desfavorável, drene a meia secção.<br />24°: - Esta água projectada pelo vento, dependendo da intensidade e duração deste, cai em bátegas sobre a casa, os anexos e o terreno referidos em B).<br />26° - Após cessar a chuva, a queda de água prolonga-se por algum tempo, dependendo da quantidade de precipitação ocorrida.<br />28° - Durante o Inverno, pela menor exposição solar e pela chuva, a atmosfera na casa dos Autores torna-se mais húmida e mais fria.<br />29° - Existem alguns musgos no telhado da casa, nas águas voltadas a norte, a poente e a nascente.<br />30° - A caixilharia da casa, o telhado e o isolamento das paredes são insuficientes para evitar a entrada do frio e infiltração de humidades.<br />31° - As paredes da instalação sanitária com orientação a poente e as de um quarto com orientação a nascente estão sujas, com o aparecimento de fungos.<br />34º,35º - A humidade e o frio tornam uma casa mais desconfortável e nociva para a saúde dos seus habitantes.<br />36° - Depois da construção da auto-estrada, os Autores já pintaram a casa, para remover os vestígios de humidade.<br />37º - Os Autores utilizam um dos anexos com estábulo para a criação de gado bovino.38° - Antes da construção da auto-estrada, os Autores tinham cerca de 7 a 8 vacas para produção de leite.<br />40°,41° - O lucro anual do leite do gado seria de cerca de € 3.600,00, constituindo a principal fonte de receita da actividade agrícola que exerciam.<br />42° - Actualmente, o estábulo é húmido e frio.<br />43° - Depois da construção da auto-estrada, o estábulo ficou com a exposição solar reduzida.45°,46° - A passagem dos veículos sobre as juntas de dilatação da plataforma causam ruído, sobretudo no tráfego de veículos pesados, o mesmo se verificando quando as viaturas rodam sobre as bandas sonoras.<br />47°,48° - Estes ruídos provocam stress nos animais, o que prejudica o seu 490,500 - A exposição das vacas a ruídos de grande intensidade e inconstantes pode alterar o cio e diminuir a probabilidade de ficarem prenhes.<br />51º - Essa redução da produção de crias e de leite fez com que os Autores abandonassem essa actividade.<br />54° - Um dos outros anexos dos Autores é destinado a galinheiro.<br />55° - Aí criavam galináceos para produção de carne e de ovos para consumo próprio.57° - O galinheiro situa-se a cerca de 10 m da extremidade do viaduto e a cerca de 15 m da faixa de rodagem.<br />58°,59° - A vibração proveniente da auto-estrada provoca a redução da produção de ovos, bem como a atrofia do desenvolvimento dos animais.<br />64°,65°66°67° - A água caída da AE sobre os estábulos infiltra-se para o interior, humedecendo as faces interiores das paredes, escorre e inunda o piso, o que a salubridade das condições de criação dos animais.<br />69° Por vezes, é atirado lixo do tabuleiro da auto-estrada para o prédio dos Autores.<br />70°,71°,72° - No período de tempo seco, o ar fica poluído com poeiras em suspensão, com fumos provenientes dos escapes dos veículos e com os maus cheiros dos combustíveis queimados.<br />73° - Os ventos nos pilares e na restante estrutura do viaduto provocam ruídos.<br />74º - O prédio referido em B) localiza-se num vale rodeado de montes pelo nascente e sul/poente e duma pequena elevação a norte.<br />75° - Com a construção da AE o local passou a ser fustigado pelos ventos canalizados pelo viaduto.<br />76°,77° - Esses ventos provocam ruídos e causam mal-estar, desassossego e nervosismo nos animais e nas pessoas.<br />78° - Os Autores têm como única casa de morada de família o prédio referido em B).79° - O local onde esse prédio se situa era, antes da construção da AE, sossegado, com boa exposição solar.<br />80° - A humidade do local e do interior da casa são susceptíveis de afectar a saúde do Autor.<br />82° - O ruído do trânsito e do vento contra a estrutura do viaduto causam perturbações no sono do Autor.<br />85° - A sujeição a esses ruídos perturba os Autores.<br />86° - Toda a actividade dos Autores é exercida no logradouro da residência e nos terrenos sobrantes dos prédios expropriados.<br />87° - Os Autores já tentaram vender a casa.<br />88° - Os Autores não conseguiram concretizar essa venda.<br />89° - Os Autores carecem de meios financeiros para mudarem a residência e a actividade para outro local.<br />90°,91° - O local referido, antes da construção da AE, era rodeado por campos de cultivo e terrenos florestais, e tinha bons acessos.<br />93° - O projecto de execução da auto-estrada em questão foi aprovado pelo Ministério da tutela e foi objecto de estudo de impacte ambiental prévio.<br />94° - Segundo tal estudo, não se justificava a colocação de barreiras acústicas na zona onde se situa o prédio dos Autores.<br />95° - Em Março de 2006, nos terrenos anexos à habitação dos Autores, debaixo do viaduto, os valores médios de ruído diurno foram de 52,5 decibéis, e de ruído nocturno foram de 45,9 decibéis.<br /><br />Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660º, do mesmo Código.<br /><br />Das conclusões, ressalta a seguinte questão:<br />1. A sentença recorrida violou o disposto no art. 70° do C.C. e o artº 40° da Lei 11/78 de 7 de Abril pelo que deve ser revogada?<br /><br />Apreciando, dir-se-á que todos os cidadãos têm direito a um ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, podendo pedir, em caso de ameaça directa ou de lesão desse direito, a cessação das causas da violação e a respectiva indemnização. Em particular, na hipótese de não coexistência, de forma pacífica, dos direitos em apreço (Ac. RP, 8-5-1997: CJ, 1997. 3.°-183), no que, designadamente se potencia como emergência do disposto no art.1347º, Cód. Civil, maxime do seu nº3.<br /><br />E isto sem necessidade de hermenêutica restritiva, pois que o direito do ambiente, protegido constitucionalmente, insere-se nos direitos da personalidade. Sendo que, para além do respeito pelas regras estabelecidas para o licenciamento administrativo, há direitos à qualidade de vida, à saúde e à segurança das pessoas, emergentes da lei fundamental, que também têm protecção jurídica. É, assim, que o próprio direito do ambiente prevalece ao dano económico, nos termos do art. 335.º, n.º 2. do Cód. Civil (Ac. STJ, 2-7-1996: BMJ, 459-444).<br /><br />O art. 335.°, do Código Civil, contém duas soluções, consoante os direitos são ou não iguais ou da mesma espécie: no primeiro caso, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes; no segundo, prevalece o direito que deva considerar-se superior (Pessoa Jorge, Pressupostos da Responsabilidade Civil, 201).<br />Naturalmente que, para haver colisão de direitos, têm de estar frente a frente dois direitos subjectivos, ou seja, o comportamento de cada titular tem de preencher, por hipótese, o seu direito, não só estruturalmente, na forma que lhe cabe, mas também na valoração jurídica que em concreto lhe dá sentido. De outro modo, poderíamos ter um conflito entre um direito, materialmente actuado, e um outro e diverso fenómeno, que poderia até consistir no abuso de um direito — mas não já uma colisão de direitos, porque um dos sujeitos actuaria sem direito ou para lá do seu direito.<br /><br />Mas se isto é assim, resulta daqui que a colisão, como fonte de perturbação constante da ordem jurídica, teve de ser também juridicamente resolvida, ou pelo critério da prevalência, quando os direitos sejam desiguais ou de espécie diferente e, assim, seja possível considerar o estabelecimento de uma hierarquia entre eles, ou pelo critério da conciliação, quando todos os direitos sejam iguais ou da mesma espécie. No primeiro caso, só o direito superior pode ser exercido, ou só ele pode ser exercido integralmente, e o direito inferior não deve ser exercido, ou não deve ser exercido senão na medida em que tal exercício parcial já não colida com a produção do efeito próprio do direito superior; no segundo caso, os titulares devem ceder na medida do necessário para que todos os direitos produzam igualmente o seu efeito, e não haja maior detrimento para uns do que para outros.<br /><br />Vem isto a significar, em última análise, que a situação de colisão de direitos se traduz. em cada caso concreto, na fixação de um preciso limite, a cada direito, o qual é juridicamente inserido na sua própria estrutura formal e que, assim sendo, a actuação do titular que impede os outros direitos, iguais ou da mesma espécie que o seu, de produzirem igualmente efeito, ou de o produzirem sem maior detrimento para o respectivo titular; ou, ainda, que obstacula o exercício do direito que deva considerar-se superior, actua em excesso de direito, com falta de direito, viola a especifica proibição normativa do art. 335º. E, como tal, tem esta violação de entender-se como um puro e simples ilícito (forma) com todas as características diferenciais que se nos mostraram perante a diversa qualificação jurídica de abuso do direito (F. Cunha de Sá, Abuso do Direito, 528 e 529).<br /><br />O direito ao repouso integra-se no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, e, através destes, direito à saúde e à qualidade de vida. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia dos Direitos dos Homem estão, respectivamente por força do art. 16.º, n.° 2. da Constituição e da Lei n.° 65/78, de 13 de Outubro, integradas no ordenamento jurídico português. Em caso de colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente, prevalece, nos termos do art. 335.º n.º 2, do Cód. Civil, o que deva considerar-se superior. O direito ao repouso é superior ao próprio direito de propriedade, ou, mesmo, ao direito ao exercício duma actividade viária, até de cariz público, susceptível de traçado alternativo, ou de estruturas de eliminação das circunstâncias perturbadoras.<br /><br />De resto, o direito ao repouso pode ser ofendido mesmo que afectado por ruído de nível inferior a 10 db e ainda que a actividade de que este resulte haja sido, até, autorizada administrativamente.<br /><br />Em consequência, o proprietário, e sua família, de uma casa de habitação, nas circunstâncias descritas nos Autos, afectados na sua integridade, por auto-estrada adjacente, devem ser indemnizados pelos danos causados ao respectivo direito ao repouso, pelo ruído daí proveniente e pelas vibrações resultantes do trânsito de veículos, igualmente provenientes e relacionadas com a actividade viária realizada na respectivas via, pela circulação de viaturas (Ac. STJ. 9-1-1996: BMJ, 453.º-417).<br /><br />A emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, tal como trepidações e factos semelhantes podem, ser objecto de impedimento por pessoa vizinha, no pressuposto de um daqueles factores e sem necessidade da sua conjunção, atento o art. 1346.° do Cód. Civil. O facto de os AA. habitarem na vizinhança daquela auto-estrada é relevante e confere-lhes direito à oposição ao que lhes provoque prejuízo substancial. Outrossim, o direito ao repouso, ao descanso e à saúde são corolários do direito da personalidade (art. 70.° do Cód. Civil). Havendo conflito entre tais direitos e o da actividade viária, preferem, ainda assim, aqueles (art. 335º do Cód. Civil), no condicionalismo exposto. Donde deve cessar o que prejudique o descanso, repouso e saúde das pessoas, embora não seja de excluir que a actividade viária possa ser prosseguida se vier a ser realizada sem prejudicar o direito de personalidade (Ac. RL. 27-2-1997:CJ, 1997. 1.°-145).<br /><br />Os direitos de personalidade integram, assim, o direito ao sossego e ao repouso. No âmbito dos direitos de personalidade, o julgador, ao aplicar a lei, deve atender à especial sensibilidade dos lesados. O ruído, mesmo que seja inferior ao nível legalmente permitido, desde que seja cansativo, perturbante e prejudicial à saúde, impõe ao seu agente causador o dever de indemnizar o lesado (Ac. RC. 8-7-1997: CJ, 1997, 4-23).<br /><br />Tudo isto porque os direitos de personalidade são protegidos contra qualquer ofensa ilícita, nos termos do art. 70.° do CC, não sendo necessária a culpa nem a intenção de prejudicar o ofendido, pois decisiva é a ofensa em si. Constitui ofensa ilícita do direito ao repouso (que se integra no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado e, através destes no direito à saúde e qualidade de vida) o trânsito numa auto-estrada adjacente a habitação, como actividade causadora de ruído, de tal ordem, exactamente a que os Autos evidenciam, na matéria eleita em probatório, que provoca o desassossego, a intranquilidade e consequências físicas e psíquicas indesejáveis e graves no agregado familiar que reside em prédio contíguo.<br /><br />Nem afasta o carácter ilícito da ofensa o facto de a emissão de ruído estar contida nos limites legalmente fixados e de tal actividade ter sido autorizada administrativamente. O direito à integridade física, à saúde, ao repouso e ao sono prevalece, nos termos do art. 335°. n.° 2, do CC. sobre o direito de propriedade e o direito ao exercício de uma actividade viária do titular da respectiva concessão (Ac. STJ. 6-5-1998: CJJSTJ, 1998. 2-76).<br />Em caso de conflito, os direitos de personalidade prevalecem sobre os direitos de propriedade, ou estruturas que pressuponham uma relação dominial. Os direitos de personalidade integram o direito ao sossego e ao repouso. No âmbito dos direitos de personalidade, o julgador, ao aplicar a lei, deve atender à especial sensibilidade do lesado. O ruído, mesmo que seja inferior ao nível legalmente permitido, desde que seja cansativo, perturbante e prejudicial à saúde, impõe ao seu agente causador o dever de indemnizar o lesado (Ac. RC. 8.7-1997: CJ, 1997. 4.º-23).<br />O direito à vida, à integridade física, à honra, à saúde, ao bom nome, à intimidade, à inviolabilidade de domicílio e de correspondência, e ao repouso essencial à existência, são exemplos de direitos de personalidade reconhecidos pela nossa lei, constituindo a sua violação facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar o lesado (Ac. STJ. 13-3.1986: BMJ. 355.°-356) . Ora, não desfruta de ambiente repousante, calmo e tranquilo quem, como os recorrentes, no presente processo, se encontram sujeitos a:<br />5°,6° - O tabuleiro da AE está distanciado da casa dos Autores cerca de 20 m, e elevado cerca de 22 m em relação à cota em que aquela se encontra.<br />10° - No sub-lanço em causa, em 2003, circularam, em média, 6737 veículos por dia nos dois sentidos de circulação.<br />11º - A percentagem de veículos pesados no tráfego médio diário é de 6,2%.<br />12° - Após a construção da AE, o prédio referido em B) ficou sujeito à sombra provocada pela respectiva estrutura durante largo período do dia, sendo tal período mais longo no Inverno.<br />13°,14° - No Inverno, essa sombra estende-se por uma mancha paralela à AE, que chega a cobrir cerca de 2/3 da área global do prédio, com maior incidência na casa de habitação, nos pátios e nos anexos.<br />15° - No Inverno, aquelas construções e os terrenos anexos ficam encobertos dos raios solares desde cerca das 13 horas até ao pôr-do-sol.<br />17° - A ausência de incidência do sol dificulta o degelo.<br />18° - Em situações climatéricas extremas, o gelo e a geada acumulam-se obra o telhado e os pátios exteriores da casa dos Autores.<br />19º - Essa acumulação deteriora a telha e o mosaico dos pátios, se tais materiais padecerem de gelividade.<br />21° - Os pavimentos ficam escorregadios, se tiverem inclinações que obstem à formação de poças e consequente aparecimento de lodo.<br />22° - A água da chuva que cai na AE é lançada no ar pelos canais de escoamento existentes na parte inferior do tabuleiro.24°: - Esta água projectada pelo vento, dependendo da intensidade e duração deste, cai em bátegas sobre a casa, os anexos e o terreno referidos em B).<br />26° - Após cessar a chuva, a queda de água prolonga-se por algum tempo, dependendo da quantidade de precipitação ocorrida.<br />28° - Durante o Inverno, pela menor exposição solar e pela chuva, a atmosfera na casa dos Autores torna-se mais húmida e mais fria.<br />29° - Existem alguns musgos no telhado da casa, nas águas voltadas a norte, a poente e a nascente.<br />30° - A caixilharia da casa, o telhado e o isolamento das paredes são insuficientes para evitar a entrada do frio e infiltração de humidades.<br />31° - As paredes da instalação sanitária com orientação a poente e as de um quarto com orientação a nascente estão sujas, com o aparecimento de fungos.<br />34º,35º - A humidade e o frio tornam uma casa mais desconfortável e nociva para a saúde dos seus habitantes.<br /><br />Ou, ainda, se encontram - impressionantemente - sujeitos a:<br />69° Por vezes, ser atirado lixo do tabuleiro da auto-estrada para o prédio dos Autores.70°,71°,72° - No período de tempo seco, o ar fica poluído com poeiras em suspensão, com fumos provenientes dos escapes dos veículos e com os maus cheiros dos combustíveis queimados.<br />73° - Os ventos nos pilares e na restante estrutura do viaduto provocam ruídos.<br />74º - O prédio referido em B) localiza-se num vale rodeado de montes pelo nascente e sul/poente e duma pequena elevação a norte.<br />75° - Com a construção da AE o local passou a ser fustigado pelos ventos canalizados pelo viaduto.<br />76°,77° - Esses ventos provocam ruídos e causam mal-estar, desassossego e nervosismo nos animais e nas pessoas.<br />78° - Os Autores têm como única casa de morada de família o prédio referido em B).79° - O local onde esse prédio se situa era, antes da construção da AE, sossegado, com boa exposição solar.<br />80° - A humidade do local e do interior da casa são susceptíveis de afectar a saúde do Autor.<br />82° - O ruído do trânsito e do vento contra a estrutura do viaduto causam perturbações no sono do Autor.<br />85° - A sujeição a esses ruídos perturba os Autores.<br />86° - Toda a actividade dos Autores é exercida no logradouro da residência e nos terrenos sobrantes dos prédios expropriados.<br />87° - Os Autores já tentaram vender a casa.<br />88° - Os Autores não conseguiram concretizar essa venda.<br />89° - Os Autores carecem de meios financeiros para mudarem a residência e a actividade para outro local.<br />90°,91° - O local referido, antes da construção da AE, era rodeado por campos de cultivo e terrenos florestais, e tinha bons acessos.<br />95° - Em Março de 2006, nos terrenos anexos à habitação dos Autores, debaixo do viaduto, os valores médios de ruído diurno foram de 52,5 decibéis, e de ruído nocturno foram de 45,9 decibéis.<br /><br />Quanto basta para considerar que os direitos de personalidade são, efectivamente, protegidos contra qualquer ofensa ilícita, nos termos do art. 70º do CC, não sendo necessária a culpa nem a intenção de prejudicar o ofendido, pois decisiva é a ofensa em si. Constituindo ofensa ilícita do direito ao repouso (que se integra no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado e, através destes, no direito à saúde e qualidade de vida) as actividades e circunstâncias supra referenciadas. Causadoras de ruído e condições de vida, de tal ordem que provocam o desassossego, a intranquilidade e consequências físicas e psíquicas indesejáveis e graves no agregado familiar que reside em prédio em questão. </p><p align="justify">Nem afasta o carácter ilícito da ofensa o facto de a emissão de ruído - insista-se - estar contida nos limites legalmente fixados e de tal actividade viária ter sido autorizada administrativamente. Isto porque o direito à integridade física, à saúde, ao repouso e ao sono prevalece, nos termos do art. 335º n.º 2 do CC., sobre o direito à existência e utilização de auto-estrada, que não sai questionado nos presentes Autos, mas que impõe a consideração de disfunções, exterioridades ou externalidades de carácter negativo, nos termos expressos, sobre os Autores, que deverão, por isso, ser minoradas e/ou compensadas (Ac. STJ, 6-5-1998:CJISTJ, 1998. 2.°-76), em termos de garantia da efectividade de direitos. </p><p align="justify">Com tais elementos, constituem pressupostos de responsabilidade civil, nos termos dos arts. 483º. e 487.º nº 2. do Cód. Civil, a prática de um acto ilícito - nos termos balizados - , a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto do agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um ‘bom pai de família’. A causa juridicamente relevante de um dano é, de acordo com a doutrina da causalidade adequada, adoptada pelo art. 563.º do Cód. Civil, aquela que, em abstracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da experiência comum ou conhecidas do lesante (Ac. STJ. 10-3-1998: CJ, 475-635). </p><p align="justify">Não pode, no entanto, deixar de se levar em consideração uma outra possibilidade de adaptação de estruturas jurídicas preexistentes à tutela ambiental, que se traduz na «construção» de um direito à salubridade ambiental cujo objecto seria uma dada característica (salubridade) do espaço-território essencial à saúde. Seria, assim, um direito de personalidade dotado de uma dimensão espácio-temporal correspondente à dimensão da colectividade a que o sujeito pertence.<br />No direito italiano, tal construção foi inicialmente sugerida numa conhecida sentença do Supremo Collegio de 1979, na qual se sustenta que o direito à salubridade ambiental decorre do art. 32.° da Constituição italiana. Recolhendo perfil equivalente na emissão conceitual do que se consagra no art. 66º da Constituição da República Portuguesa (Ambiente e Qualidade de Vida).</p><p align="justify">Há nesta perspectiva algum progresso: o direito ao ambiente é diferenciado das situações subjectivas relativas a bens privados ou públicos ou às res communes omnium que as compõem; o seu objecto, como se notou, é uma dada característica ou qualidade — a salubridade — de um espaço territorial; o seu titular no exercício de um direito próprio é, simultaneamente, portador de um interesse comum ou difuso da formação social onde está inserido (José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil Por Danos Ecológicos – Da Reparação do Dano Através de Restauração Natural, pp.35, ss). </p><p align="justify">À parte do ressarcimento de danos ambientais através da consideração das restrições de vizinhança e a possível tutela concedida pelas situações jurídicas de personalidade, é claro que a problemática da imputação dos danos causados às pessoas e às coisas através do ambiente e dos danos causados directamente à Natureza se reconduz, naturalmente, também, ao instituto da responsabilidade civil.Neste contexto, e na ausência de estruturas de imputação adequadas aos danos ambientais, a questão essencial que se coloca — desde um ângulo jus-privatístico — é a de saber em que medida os prejuízos ecológicos são ressarcíveis através do sistema geral de responsabilidade civil (ibidem, pag. 38). </p><p align="justify">A Constituição portuguesa contém o núcleo do que poderia ser um excelente Direito do ambiente. De um modo geral, pode considerar-se que tal núcleo encontrou consagração na Lei de Bases do Ambiente, aprovada pela Lei n° 11/87, de 7 de Abril, e adiante designada LBA. </p><p align="justify">Trata-se dum diploma excelente: o grande desafio que ele põe aos juristas — e aos cidadãos interessados — reside no seu estudo e na sua aplicação. </p><p align="justify">De entre os múltiplos aspectos civis contidos na Lei de Bases do Ambiente cumpre referir três:<br />— a técnica privatística da concessão de direitos subjectivos;<br />— o papel das associações de defesa do ambiente;<br />— a responsabilidade civil. </p><p align="justify">No que à problemática em epígrafe tange, assinale-se que a LBA recorre, por diversas vezes, à concessão de direitos subjectivos às pessoas. Trata-se dum aspecto que aflora, desde logo, no seu artigo 2° e que encontra importante abrigo no artigo 40º:<br />4. Os cidadãos directamente ameaçados ou lesados no seu direito a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado podem pedir, nos termos gerais de direito, a cessação das causas de violação e a respectiva indemnização.<br />5. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é reconhecido às autarquias e aos cidadãos que sejam afectados pelo exercício de actividades susceptíveis de prejudicarem a utilização dos recursos do ambiente o direito às compensações por parte das entidades responsáveis pelos prejuízos causados.»</p><p align="justify">Cumprindo, a este popósito, citar o artigo 41º da LBA:<br />«1. Existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos (...)» (António Menezes Cordeiro, Tutela do Ambiente e Direito Civil, in Direito do Ambiente, INA, 1994, pp.389-396).<br />Leve-se, deste modo, em consideração que, tendo em conta a indemnização solicitada - e a factualidade dada como provada, fazendo funcionar o conceito de equidade, a que se refere a aI. a) do n.º 1, do art. 4º, Cód. Civil, a dever ser tomada, aqui, na acepção de realização da justiça abstracta, no caso concreto, o que, em regra envolve uma atenuação do rigor da norma legal, por virtude da apreciação subjectiva do julgador (Rodrigues Bastos, Das Leis, sua Interpretação e Aplicação,1967, pág. 28; Ac. RE. 11-12-1975, BMJ 254-246; Menezes Cordeiro, A Decisão Segundo a Equidade, in O Direito, 122, 261) -, fixa-se o seu quantum em 40 000 (quarenta mil Euros), no que respeita aos danos não patrimoniais.</p><p align="justify">No que tange aos danos patrimoniais invocados, o pedido improcede, totalmente, pois que, para além da sua invocação nada resultou provado que os possa tornar susceptíveis de indemnização. Sendo que o ónus consiste - na referência do art. 342°,1, do CCivil - na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusivamente cifrar-se em evitar a perda de um beneficio antes adquirido (A. Varela, Obrigações, 35): traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como liquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova: ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte) (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 184).</p><p align="justify">O ónus da prova traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta (Ac. RC, 17-11-1987: CJ 1987, 50-80).</p><p align="justify">Colhe, deste modo, resposta afirmativa a questão perfilada em 1.<br /><br />Podendo, assim, concluir-se que:<br />1. Todos os cidadãos têm direito a um ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, podendo pedir, em caso de ameaça directa ou de lesão desse direito, a cessação das causas da violação e a respectiva indemnização.<br />2. O direito ao repouso integra-se no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, e, através destes, direito à saúde e à qualidade de vida. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia dos Direitos dos Homem estão, respectivamente por força do art. 16.º, n.° 2. da Constituição e da Lei n.° 65/78, de 13 de Outubro, integradas no ordenamento jurídico português. Em caso de colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente, prevalece, nos termos do art. 335.º n.º 2, do Cód. Civil, o que deva considerar-se superior.<br />3. A emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, tal como trepidações e factos semelhantes podem, ser objecto de impedimento por pessoa vizinha, no pressuposto de um daqueles factores e sem necessidade da sua conjunção, atento o art. 1346.° do Cód. Civil. O facto de os AA. habitarem na vizinhança daquela auto-estrada é relevante e confere-lhes direito à oposição ao que lhes provoque prejuízo substancial. Outrossim, o direito ao repouso, ao descanso e à saúde são corolários do direito da personalidade (art. 70.° do Cód. Civil). Havendo conflito entre tais direitos e o da actividade viária, preferem, ainda assim, aqueles (art. 335º do Cód. Civil), no condicionalismo exposto. Donde deve cessar o que prejudique o descanso, repouso e saúde das pessoas, embora não seja de excluir que a actividade viária possa ser prosseguida se vier a ser realizada sem prejudicar o direito de personalidade.<br />4. Os direitos de personalidade integram o direito ao sossego e ao repouso. No âmbito dos direitos de personalidade, o julgador, ao aplicar a lei, deve atender à especial sensibilidade dos lesados.<br />5. Quanto basta para considerar que os direitos de personalidade são, efectivamente, protegidos contra qualquer ofensa ilícita, nos termos do art. 70º do CC, não sendo necessária a culpa nem a intenção de prejudicar o ofendido, pois decisiva é a ofensa em si. Constituindo ofensa ilícita do direito ao repouso (que se integra no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado e, através destes, no direito à saúde e qualidade de vida) as actividades e circunstâncias supra referenciadas. Causadoras de ruído e condições de vida, de tal ordem que provocam o desassossego, a intranquilidade e consequências físicas e psíquicas indesejáveis e graves no agregado familiar que reside em prédio em questão.<br />6. Nem afasta o carácter ilícito da ofensa o facto de a emissão de ruído - insista-se - estar contida nos limites legalmente fixados e de tal actividade viária ter sido autorizada administrativamente. Isto porque o direito à integridade física, à saúde, ao repouso e ao sono prevalece, nos termos do art. 335º n.º 2 do CC., sobre o direito à existência e utilização de auto-estrada, que não sai questionado nos presentes Autos, mas que impõe a consideração de disfunções, exterioridades ou externalidades de carácter negativo, nos termos expressos, sobre os Autores, que deverão, por isso, ser minoradas e/ou compensadas, em termos de garantia da efectividade de direitos.<br />7. A causa juridicamente relevante de um dano é, de acordo com a doutrina da causalidade adequada, adoptada pelo art. 563.º do Cód. Civil, aquela que, em abstracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da experiência comum ou conhecidas do lesante.<br />8. O ónus da prova traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta.</p><p align="justify"><strong>III. A Decisão:</strong></p><p align="justify">Pelas razões expostas, concede-se parcial provimento ao recurso interposto, revogando-se, por isso, parcialmente, a decisão recorrida, ao desatender qualquer indemnização por danos patrimoniais solicitada, por ausência de prova, concedendo-a, no entanto, também em termos de equidade, por ressarcimento de danos não patrimoniais, impetrados, no montante total de 40 000 (Quarenta mil) Euros, para os requerentes.</p><p align="justify">Sem Custas, atendendo ao estatuto de que as partes gozam, circunstancialmente. </p><p align="justify">Guimarães, 3 de Março de 2007.<br /></p>Amarelahttp://www.blogger.com/profile/08644441266825025059noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-5294227708953294032008-03-11T02:24:00.004+00:002008-03-11T12:16:18.731+00:00Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 229/2007<div align="center"><br />Processo nº 1065/2006 - 2ª Secção<br />Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma<br /><br /><br />Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional<br /><br /></div><div align="center"><br /><strong>I<br />Relatório<br /></div></strong><div align="justify"><br /><strong>1. </strong>Nos presentes autos, o Tribunal Cível de Lisboa proferiu a seguinte decisão:<br /><br />De acordo com o artigo 66° do Código de Processo Civil, e 18° nº 1 da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais são da competência dos Tribunais Judiciais somente as matérias que a lei não atribua a outra ordem jurisdicional.<br />No caso concreto, pretende o requerente que o tribunal emita mandado, que lhe permita proceder à remoção de animais em número superior ao legal, conforme artigo 3° n.° 6 do Decreto-lei n.° 314/2003, de 17-12.<br />A salvaguarda do ambiente e salubridade nos agregados populacionais são uma atribuição dos municípios (artigo 14° n.° 1 alínea h) da Lei n° 159/99, de 14 de Setembro), realizada em prol do interesse público.<br />Logo, os actos a realizar pelo ente público competente serão necessariamente actos de gestão pública, por se compreenderem no exercício de um poder público, integrando a realização de uma função pública da pessoa colectiva, independentemente de envolverem ou não, eles mesmos, o exercício de meios de coerção.<br />Assim, decorrendo da lei que o acto administrativo de que se pretende a sindicância é de gestão pública, por se compreender no exercício de atribuições e competências deferidas a uma entidade pública, deveria, à partida, a apreciação do pedido formulado caber aos Tribunais Administrativos, conforme artigos 4° n° 1 alínea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.<br />No mesmo sentido, vide os Ac. RC de 20-01-87, in Boletim do Ministério da Justiça nº 363, p. 609, Ac. RL 6‑10‑87, in Boletim do Ministério do Justiça n° 370, p. 602, Ac. RL 8-04-92, Boletim do Ministério da Justiça nº 416, p. 693 e Ac. da RE de 7 de Junho de 1990, Colectânea de Jurisprudência, Tomo III, p. 280.<br />Como se escreveu no Ac. do Tribunal Constitucional nº 158/95, A decisão camarária é caracterizável com acto administrativo na medida em que há aí um comando de um órgão autárquico, prosseguindo e realizando interesses públicos relativamente à remoção de um animal de raça canina, com efeitos jurídicos sobre uma situação individual e num caso concreto.<br />Ainda, no Ac. do Tribunal Constitucional n.° 579/95, de 20-11, escreve‑se que: problema pressuposto pela decisão de inconstitucionalidade é assim, o da qualificação do acto camarário (a decisão de remoção dos animais) como exercício de função administrativa integrante do poder autárquico. A atribuição de competência aos tribunais de comarca para o recurso da decisão camarária apenas será duvidosa, no plano constitucional, na medida em que o problema anterior for resolvido no sentido da qualificação como acto administrativo da decisão camarária (...) ao prever que “as razões de salubridade ou tranquilidade da vizinhança” (...) são fundamento da decisão camarária de remoção dos animais em causa, integra uma tal decisão no âmbito (...) das atribuições cometidas às câmaras (...)<br />A tranquilidade da vizinhança ou a qualidade de vida em que pode interferir a instalação de animais em habitações sem as devidas condições para que não resultem incómodos e perigos para a saúde não é um mero problema de conflito de direitos entre sujeitos privados, mas corresponde antes a uma ordenação geral da vida dos agregados populacionais, a um interesse público que compete às autarquias preservar e promover.<br />Só para uma concepção liberal historicamente datada, segundo a qual os poderes públicos não englobam entre os seus objectivos a promoção de bens colectivos de interesse geral, nomeadamente a qualidade de vida dos habitantes das povoações, é que situações como as referidas (...) poderão ser identificadas como meros conflitos de interesses ou direitos entre sujeitos privados.<br />Porém, na ordem jurídica do Estado de direito democrático e social, que sedimentou em direitos sociais que desenvolvem os direitos fundamentais individuais, a relevância autónoma dos conflitos de interesses conexionados com a vizinhança, o sossego e a tranquilidade de vida, coloca-se no plano de uma ordenação geral da vida colectiva destinada a assegurar um nível aceitável de qualidade de vida no espaço físico e no ambiente psicológico de cada indivíduo. É esse mínimo de ordenação que justifica medidas condicionantes do espaço de cada cidadão, em ordem a prevenir riscos para os outros.<br />Uma tal necessidade de defender e preservar a qualidade de vida e o ambiente dos cidadãos nas relações de vizinhança justifica a subtracção de certas situações a uma pura ponderação de interesses sob a égide do direito privado, cujas coordenadas são a igualdade e a liberdade em contraposição à autoridade e à competência características do direito público (cf. Menezes Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil, 1988, p. 11 e ss.), e a sua inserção no direito público. O facto de as relações de vizinhança serem conexionadas com interesses públicos não implica, aliás, que apenas esteja em causa o interesse público. A doutrina do Direito Administrativo reconhece hoje que a prossecuçâo do interesse público não é o único critério de acção administrativa. Também os direitos subjectivos e os interesses legítimos dos particulares constituem limite e critério de acção administrativa (cf. Freitas do Amoral, Direito Administrativo, II, 1988, p. 80 e ss.).<br />Estamos, assim, perante o exercício de poderes administrativos de competência das autarquias locais, sendo a decisão de remoção de canídeos acto administrativo, à luz de uma definição analítica, segundo a qual o acto administrativo é um acto jurídico unilateral, orgânica e materialmente administrativo e que versa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto (cf. Freitas do Amaral, ob. cit., III, 1989, p. 66 e ss.).<br />***<br />Posto isto, verifica-se porém, que o Decreto-lei n.° 314/2003, de 17 de Dezembro, artigo 3º n.° 6, dispõe expressamente no sentido de serem competentes os tribunais judiciais para verificação da legalidade do acto administrativo, pressuposto da emissão do mandado requerido. De notar que a emissão de tal mandado não é, nem pode ser, acto meramente formal, antes requer a verificação dos pressupostos legais que ditam tal prerrogativa camarária.<br />De notar ainda, que a forma processual utilizada – a providência cautelar – preconiza que os tribunais judiciais sejam competentes para a apreciação da correspondente acção declarativa – artigo 383° n.° 1 do Código de Processo Civil – e não se vislumbra qual essa possa ser, senão o recurso contencioso da própria decisão camarária – que declara, definitivamente, a legalidade do acto – sendo este, claramente, de jurisdição administrativa.<br />***<br />Esta disposição legal integra-se em diploma exarado no exercício do poder legislativo cometido ao Governo pelo artigo 198° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa.<br />Ora, tal norma vem alterar, claramente, a definição da competência dos tribunais judiciais, tal como ela resulta do ordenamento jurídico geral, ao atribuir aos tribunais judiciais competência afecta à prática de actos administrativos por um órgão da administração local.<br />É esta matéria de reserva relativa da Assembleia da República – artigo 165° n.° 1 alínea p) da Constituição da República Portuguesa.<br />Pelo exposto, e como já decidiu o Tribunal Constitucional, com força obrigatória geral, sobre norma idêntica vertida no Decreto-lei n.° 317/85, de 2 de Agosto, a disposição ao abrigo da qual foi instaurada a presente providência enferma de inconstitucionalidade orgânica, por exarada por órgão incompetente para legislar sobre o matéria em apreço.<br />Deverá, pois, tal inconstitucionalidade ser declarada, no âmbito da fiscalização sucessiva cometida aos tribunais judiciais, e desaplicada a norma correspondente – artigo 204° da Constituição da República Portuguesa.<br />Desconsiderada tal norma, conclui-se, do mais que se deixou exarado, que se encontra expressamente excluída da competência dos Tribunais Judiciais a apreciação do pedido deduzido nos presentes autos, por ser para tal absolutamente incompetente em razão da matéria, em conformidade com o disposto nos artigos 101°, 102° n.° 1, 105° n.° 1, 494°, proémio e alínea a) e 495° todos do Código de Processo Civil.<br />Por todo o exposto, decido:<br />– Não aplicar, por ferido de inconstitucionalidade orgânica, o artigo 3° n.° 6 do Decreto-lei n.º 314/2003, de 17 de Dezembro;<br />– Declarar incompetente, em razão da matéria, o presente tribunal para conhecer da providência requerida.<br /><br /><br />Foi interposto recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da norma desaplicada.<br /></div><div align="justify">Junto do Tribunal Constitucional, o Ministério Público produziu alegações que concluiu do seguinte modo:<br /><br />1º<br />As normas incluídas no Decreto‑Lei n° 314/03 de 17 de Dezembro – aprovando o programa nacional de luta e vigilância contra a raiva animal e regulando a posse e detenção de animais a ela susceptíveis – configuram-se como tendo natureza administrativa, já que visam a realização prioritária do interesse público na área da saúde e qualidade da vida das populações – tendo a natureza de acto administrativo a “notificação”, feita pela autarquia, nos termos do n° 5 do artigo 3º, para o particular pôr termo às situações ilegais, removendo os animais detidos em excesso ou sem condições de salubridade.<br />2°<br />A intervenção jurisdicional prevista no n° 6 daquele artigo 3° é expressão do princípio constitucional da “reserva do juiz”, visando possibilitar a execução do acto administrativo nos casos em que ela envolve entrada coerciva no domicílio do requerido – configurando-se, deste modo, como acessória ou instrumental da relação jurídica administrativa em causa.<br />3°<br />Sendo o Decreto‑Lei n° 314/03 editado a descoberto de credencial parlamentar, não pode aquela norma inovar no sistema de repartição de competências entre os tribunais judiciais e administrativos, decorrente do ETAF.<br />4º<br />Cabe presentemente no âmbito da jurisdição administrativa a tutela de direitos fundamentais do particular, no âmbito de uma relação jurídico‑administrativa, bem como a fiscalização da legalidade de quaisquer actos jurídicos emanados pela Administração no exercício da função administrativa (artigo 4º, n° 1, alíneas a) e b) do ETAF) – cabendo processualmente no âmbito dos processos cautelares, regulados no CPTA, a obtenção de autorização jurisdicional para executar o referido acto administrativo.<br />5º<br />Nestes termos, deve a norma desaplicada na decisão recorrida ser interpretada em conformidade com a Constituição, de modo a caber à jurisdição administrativa a competência para a emissão do “mandado judicial” previsto no n° 6 do artigo 3° do Decreto Lei n° 314/03.<br /><br /><br />Por seu turno, os recorridos contra‑alegaram, concluindo o seguinte:<br /><br />1° – A norma contida no art° 3° nº 6 do D/L 314/2003 de 17 de Dezembro enferma de inconstitucionalidade orgânica, em virtude de a redacção do respectivo artigo violar e desrespeitar o disposto no art° 165º n° 1 alínea p) da CRP.<br />2° – A decisão para a remoção dos animais tendo em conta a saúde pública é um acto administrativo, logo, o Tribunal onde foi proposta a providência cautelar é incompetente em razão da matéria.<br />3º – É por isso passível de inconstitucionalidade a norma constante no D/L 314/2003 de 17 de Dezembro por se encontrar excluída dos Tribunais Judiciais, visto que estamos perante um acto administrativo.<br /><br /><br />Cumpre apreciar e decidir.<br /><br /><br /></div><div align="center"><br /><strong>II<br />Fundamentação</strong></div><strong><div align="justify"></strong><br /><strong>2.</strong> Nos presentes autos é submetida à apreciação do Tribunal Constitucional a norma do nº 6 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 314/2003, de 17 de Dezembro, quando interpretada no sentido de competir ao tribunal civil a emissão do mandado judicial para aceder ao local onde se encontrem os animais que devam ser removidos.<br />O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 579/95, declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma do artigo 10º, nº 4, do Decreto-Lei nº 317/85, de 2 de Agosto, na parte em que atribui competência ao tribunal judicial da comarca para conhecer do recurso da decisão camarária relativa à remoção da canídeos ou outros animais de companhia, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea q), da Constituição.<br />Nos presentes autos, a relação jurídica em causa tem a mesma natureza (administrativa), tratando‑se de execução judicial de uma decisão administrativa [artigo 4º, nº 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro] e igualmente está em causa a competência do tribunal civil para praticar um acto jurisdicional relativo à remoção dos animais (no Acórdão mencionado, tratava‑se da competência para decidir o recurso da decisão camarária de remoção; no presente processo trata‑se da emissão de mandado, a pedido do Presidente da Câmara, para aceder ao local com vista à remoção dos animais).<br />Em ambos os casos, os diplomas foram emitidos pelo Governo sem autorização parlamentar.<br />No Acórdão nº 579/95, o Tribunal Constitucional entendeu o seguinte:<br /><br />4. A questão de constitucionalidade julgada nos acórdãos que justificam o pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, resulta de a decisão camarária de remoção de canídeos e o respectivo recurso poderem surgir como mera forma de dirimir conflitos de vizinhança de natureza civil.<br />Problema pressuposto pela decisão de inconstitucionalidade é, assim, o da qualificação do acto camarário (a decisão de remoção dos animais) como exercício de função administrativa integrante do poder autárquico. A atribuição de competência aos tribunais de comarca para o recurso da decisão camarária apenas será duvidosa, no plano constitucional, na medida em que o problema anterior for resolvido no sentido da qualificação como acto administrativo da decisão camarária.<br /><br />5. O Decreto-Lei nº 317/85, ao prever que "as razões de salubridade ou tranquilidade da vizinhança" referidas no artigo 10º são fundamento da decisão camarária de remoção dos animais em causa, integra uma tal decisão no âmbito da defesa da "qualidade de vida do respectivo agregado populacional", que faz parte das atribuições cometidas às câmaras pelo artigo 2º, nº 1, alíneas a) e i), do Decreto-Lei nº 100/84.<br />A tranquilidade da vizinhança ou a qualidade de vida em que pode interferir a instalação de animais em habitações sem as devidas condições para que não resultem incómodos e perigos para a saúde não é um mero problema de conflito de direitos entre sujeitos privados, mas corresponde antes a uma ordenação geral da vida dos agregados populacionais, a um interesse público que compete às autarquias preservar e promover.<br />Só para uma concepção liberal historicamente datada, segundo a qual os poderes públicos não englobam entre os seus objectivos a promoção de bens colectivos de interesse geral, nomeadamente a qualidade de vida dos habitantes das povoações, é que situações como as referidas no artigo 10º, nº 4, poderão ser identificadas como meros conflitos de interesses ou direitos entre sujeitos privados.<br /><br />6. Porém, na ordem jurídica do Estado de direito democrático e social, que sedimentou em direitos sociais que desenvolvem os direitos fundamentais individuais, a relevância autónoma dos conflitos de interesses conexionados com a vizinhança, o sossego e a tranquilidade de vida, coloca-se no plano de uma ordenação geral da vida colectiva destinada a assegurar um nível aceitável de qualidade de vida no espaço físico e no ambiente psicológico de cada indivíduo. É esse mínimo de ordenação que justifica medidas condicionantes do espaço de cada cidadão, em ordem a prevenir riscos para os outros.<br />Uma tal necessidade de defender e preservar a qualidade de vida e o ambiente dos cidadãos nas relações de vizinhança justifica a subtracção de certas situações a uma pura ponderação de interesses sob a égide do direito privado, cujas coordenadas são a igualdade e a liberdade em contraposição à autoridade e à competência características do direito público (cf. Menezes Cordeiro, Teoria Geral do Direito Civil, 1988, p. 11 e ss.), e a sua inserção no direito público. O facto de as relações de vizinhança serem conexionadas com interesses públicos não implica, aliás, que apenas esteja em causa o interesse público. A doutrina do Direito Administrativo reconhece hoje que a prossecução do interesse público não é o único critério de acção administrativa. Também os direitos subjectivos e os interesses legítimos dos particulares constituem limite e critério de acção administrativa (cf. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, II, 1988, p. 80 e ss.).<br />Estamos, assim, perante o exercício de poderes administrativos de competência das autarquias locais, sendo a decisão de remoção de canídeos acto administrativo, à luz de uma definição analítica, segundo a qual o acto administrativo é um acto jurídico unilateral, orgânica e materialmente administrativo e que versa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto (cf. Freitas do Amaral, ob.cit., III, 1989, p. 66 e ss.).<br /><br />7. O artigo 10º, nº 4, do Decreto-Lei nº 317/85, ao atribuir competência ao tribunal judicial de comarca para julgar o recurso da decisão camarária de remoção de canídeos, vem definir a competência dos tribunais quanto àquela matéria, alterando a repartição de competência entre os tribunais que deriva do sistema geral vigente no ordenamento jurídico. Com efeito, a natureza de acto administrativo da decisão camarária implicaria, nos termos do Decreto‑Lei nº 267/85, de 16 de Julho, que o recurso contencioso de anulação fosse da competência dos tribunais administrativos.<br />Mas, mesmo que se entenda que a competência dos tribunais administrativos em matérias deste tipo não é imposta pelo artigo 214º da Constituição, questão que não terá de ser analisada pelo Tribunal Constitucional neste caso, não haverá dúvida alguma de que a regulamentação do referido artigo 10º, nº 4, incide sobre a competência material dos tribunais, pois tal norma não aplica, meramente, o sistema geral de repartição de competências vigente.<br /><br />8. Em consequência de tudo isto, teremos que concluir que o artigo 10º, nº 4, do Decreto-Lei nº 317/85 regula matérias integradas no âmbito da reserva de lei imposta pelo artigo 168º, nº 1, alínea q), da Constituição. É entendimento deste Tribunal e perspectiva aceita na doutrina que a reserva de lei integra a competência material dos tribunais (cf. Acórdãos nºs 230/86, 32/87, 25/88, 66/88, 101/88 e 126/88, DR, I série, de 12 de Setembro de 1986, e II série, de 7 de Abril de 1987, e 7 de Maio, 20 de Agosto, 31 de Agosto e 5 de Setembro de 1988, respectivamente, e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., 1993, p. 670 e ss.).<br />Desta forma, conclui-se que a norma cujo valor constitucional é questionado - o artigo 10º, nº 4, do Decreto‑Lei nº 317/85 - é organicamente inconstitucional, por estar integrada num Decreto-Lei editado pelo Governo ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 201º da Constituição, sem a autorização legislativa do Parlamento que o cumprimento do artigo 168º, nº 1, alínea q), da Constituição impõe.<br /><br /><br />Tais considerações são, com as devidas adaptações, pertinentes nos presentes autos. O pedido do Presidente da Câmara foi referido pelo tribunal a quo à forma processual de uma providência cautelar e, podendo discutir‑se que seja essa a sua natureza e sobre o tipo de intervenção judicial exigível – questão acerca da qual o Tribunal Constitucional não se debruçará – trata‑se, em todo o caso, de uma matéria do âmbito das relações jurídico‑administrativas, a qual é, segundo o Direito vigente, da competência dos tribunais administrativos. Nessa medida, a norma objecto do presente recurso, atribuindo a competência para a emissão do mandado ao tribunal judicial, incide sobre a competência material dos tribunais, já que, como se refere no Acórdão transcrito supra, “não aplica, meramente, o sistema geral de repartição de competências vigente” [cf. artigo 4º, nº 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais].<br />Há, pois, que concluir pela inconstitucionalidade orgânica da norma desaplicada.<br /><br /></div><div align="center"><br /><strong>III<br />Decisão<br /></div></strong><div align="justify"><strong><br />3.</strong> Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide confirmar o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.<br /><br /></div><div align="justify">Lisboa, 28 de Março de 2007 </div><div align="justify"><br />Maria Fernanda Palma<br />Paulo Mota Pinto<br />Mário José de Araújo Torres<br />Benjamim Rodrigues<br />Rui Manuel Moura Ramos</div>Pedro Delgado Alveshttp://www.blogger.com/profile/02017186165465663864noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-39967453330376954712008-03-05T21:14:00.002+00:002008-03-11T12:17:02.634+00:00Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Outubro de 2004<div align="justify"><strong>Processo:</strong> 04B3354<br /><strong>Data do Acórdão:</strong> 19-10-2004<br /><strong>Relator:</strong> Salvador da Costa<br /><br /><strong>Sumário:</strong><br /><em>1. O fim da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, não assente na ideia da titularidade de direitos por parte dos animais, é o de os proteger contra violências cruéis ou desumanas ou gratuitas, para as quais não exista justificação ou tradição cultural bastante, isto é, no confronto de meios e de fins ao serviço do Homem num quadro de razoabilidade e de proporcionalidade. </em></div><div align="justify"><em>2. Os conceitos de violência injustificada, de morte, de lesão grave, de sofrimento cruel e prolongado e de necessidade a que se reporta o artigo 1º, n.º 1, da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, significam essencial e respectivamente, o acto gratuito de força ou de brutalidade, a eliminação da estrutura vital, o golpe profundo ou extenso ou a dor intensa, a dor física assaz intensa e por tempo considerável, e a não justificabilidade razoável ou utilidade no confronto com o Homem e o seu desenvolvimento equilibrado.</em></div><div align="justify"><em>3. A prática desportiva de tiro com chumbo aos pombos em voo, embora lhes implique prévio arrancamento de penas da cauda, a morte e a lesão física desta instrumental, tal não envolve sofrimento cruel nem prolongado.<br />4. A referida modalidade desportiva, já com longa tradição cultural em Portugal, disciplinada por uma federação com o estatuto de utilidade pública desportiva, é legalmente justificada ou não desnecessária no confronto com o Homem e o seu desenvolvimento equilibrado, pelo que não é proibida pelo artigo 1º, n.ºs 1 e 3, alínea e), da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, nem por qualquer outra disposição legal.</em><br /><br /><strong>Decisão:</strong><br /><br />Acordam no Supremo Tribunal de Justiça<br /><strong><br />I</strong><br />A Sociedade A intentou, no dia 16 de Abril de 1999, contra a B e o C de Vila Verde, acção declarativa e de condenação, com processo ordinário, pedindo a declaração da ilicitude da actividade dos réus de tiro aos pombos e a sua condenação a absterem-se de realizar identificado concurso de tiro aos pombos ou outro com a utilização de alvos vivos, nomeadamente pombos, e de matar, ferir ou deixar morrer, mormente à fome ou à sede os animais que se encontrem em seu poder, e a fixação de sanção pecuniária compulsória para a hipótese de não cumprirem a decisão que lhes seja desfavorável.Os réus apresentaram contestação, excepcionando a incompetência do tribunal em razão da matéria e afirmando a licitude da actividade de tiro ao voo, e o C de Vila Verde pediu, em reconvenção, a condenação da autora na indemnização no montante de 2 560 000$, e juros à taxa legal pelos prejuízos decorrentes de não ter podido realizar o torneio agendado para o dia 3 de Abril de 1999 em razão de providência cautelar conexa com a acção.Julgada, em recurso, improcedente a excepção da incompetência em razão da matéria do tribunal judicial, foi proferida sentença na fase da condensação do processo, no dia 29 de Agosto de 2003, que absolveu os réus quanto à acção e a autora quanto à reconvenção.Apelou a autora e a Relação, por acórdão proferido no dia 11 de Março de 2004, negou provimento ao recurso.<br />Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:<br />- a Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, derrogou parcialmente o despacho de 4 de Abril de 1994 no âmbito do tiro a alvos vivos;<br />- a regra é a do respeito pelo direito dos animais, conforme decorre das excepções relativas à tourada e a caça;<br />- são proibidas todas as violências injustificadas contra animais, ou seja, os actos consistentes em, sem necessidade, infligir-lhes a morte ou o sofrimento cruel e concursos, torneios, exibições ou provas similares que lhes provoquem dor ou sofrimento consideráveis;<br />- ao admitir-se que os animais podem servir como alvo, por isso trazer para o atirador um acréscimo de dificuldade e de divertimento pessoal, recusa-se-lhes qualquer espécie de protecção ou valor próprio;<br />- a prática de tiro aos pombos não tem subjacente qualquer tradição nem implica qualquer valor cultural, pelo que não há fundamento legal para fundamentar a excepção da sua permissão;<br />- a única utilidade real na morte dos animais é o gozo pessoal dos atiradores, e a proibição do tiro com alvos vivos está prevista no artigo 1º, n.º 1, da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro;<br />- a substituição de animais vivos por alvos artificiais não deturpa o desporto nem lhe retira eficácia nem realização de objectivos;<br />- aceitar que a competição e a aferição da destreza e o acréscimo de gozo ou divertimento de alguns ou a tradição são suficientes para afastar a proibição da morte ou sofrimento de animais sem necessidade consagrada na Lei 92/95, de 12 de Setembro, é negar a sua existência;<br />- a atribuição da utilidade pública à recorrida B, em despacho omisso quanto ao tiro aos pombos, não afecta a referida proibição da lei;<br />- a interpretação da lei pelo acórdão recorrido no sentido da não proibição viola o texto e o seu espírito, pelo que deve ser revogado.<br />Responderam os recorridas, em síntese de conclusão:<br />- a protecção dos animais não está prevista na Constituição e o artigo 1º da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, não contém enumeração taxativa das excepções a considerar; - nos termos dos artigos 202º, n.º 1, 205º, n.º 1 e 212º, n.º 3, do Código Civil, os animais são coisas móveis, sem direito à integridade pessoal ou física, pelo que podem ser apropriados;- a protecção dos animais não ocorre por via de lhes atribuir direitos, mas pelo dever das pessoas em relação a eles, e a atribuição àqueles do direito à vida e à integridade física só poderia operar por via de alteração da Constituição;<br />- no plano teleológico, a expressão necessidade constante da lei não pode ser interpretada no plano puramente económico, antes se impondo-se a ponderação de valores jurídicos tutelados, em termos de a protecção dos animais ceder a valores hierarquicamente superiores, sem recurso a analogia;<br />- a lei relativa à arte equestre, às touradas, à caça e à investigação científica não contém normas excepcionais insusceptíveis de aplicação analógica;<br />- existe total semelhança entre a actividade do tiro ao voo aos pombos e as largadas nos campos de treino de caça - artigos 2º, alínea l), da Lei n.º 173/99, de 21 de Setembro, e 2º, alínea s), e 51º do Decreto-Lei n.º 227-B/2000, de 15 de Setembro;<br />- no tiro ao voo aos pombos a sua morte ocorre imediatamente ou muito rapidamente, sem sofrimento prolongado e cruel, e não morrem pelo meio indicado pelos recorrentes;<br />- o tiro aos pombos não é substituível pelo tiro aos pratos ou a hélices, existe há muito em Portugal, consta desde o século passado em programas de inúmeras festas populares de centenas de freguesias do País, é parte integrante do património cultural português;<br />- a defesa do património cultural português, prevista na Constituição, e das tradições justificam as excepções da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, pelo que importa operar a extensão analógica do conceito de necessidade;<br />- a vontade do legislador foi no sentido de manter a licitude da actividade de tiro aos pombos, tal como a pesca desportiva, apesar de nesta os peixes terem sofrimento cruel e prolongado.<br /><br /><strong>II</strong><br /><br />É a seguinte a factualidade declarada provada nas instâncias:<br />1. A autora, Sociedade A, é uma associação zoófila, com estatutos aprovados pelo Alvará n.º 23/949, de 13 de Junho de 1949, cujos fins, entre outros, são os de impedir e reprimir tudo quanto represente crueldade contra os animais e assegurar o respeito pelos seus direitos.<br />2. A ré B foi declarada pessoa colectiva de utilidade pública por despacho do Primeiro Ministro de 15 de Junho de 1978, e foi-lhe concedido o estatuto de utilidade pública desportiva pelo despacho do Primeiro Ministro de 18 de Março de 1994.<br />3. A autora tem conhecimento de que as rés organizaram um concurso de tiro com chumbo, com utilização de pombos, e pretendem realizá-lo no dia 3 de Abril de 1999, nas instalações do segundo réu, prova integrada no calendário oficial de 1999 de tiro com alvos vivos.<br />4. A entidade responsável pela organização dessas provas é a primeira ré, nos termos do seu regulamento, e a realização em concreto da prova caberia ao segundo réu, e seria o contributo material, humano e financeiro do último que poria de pé o referido torneio, e seria da competência da primeira a coordenação, orientação e supervisão da dita prova.5. Uma das actividades dos réus é a prática de tiro com chumbo, com utilização de alvos vivos – pombos, aos quais são arrancadas penas da cauda antes de serem libertos, e, no âmbito dessas provas, são mortos.<br /><br /><strong>III</strong><br />A questão essencial decidenda é a de saber da legalidade ou ilegalidade em Portugal da modalidade de tiro aos pombos, isto é, com alvos vivos.<br />Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e dos recorridos, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:- núcleo fáctico provado relevante para a decisão:<br />- núcleo normativo essencialmente aplicável no caso espécie;<br />- sentido literal das normas do artigo 1º, n.º 1, Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, no confronto com o caso espécie;<br />- abrange a proibição do n.º 1 do artigo 1º da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, actividade desportiva de tiro ao voo de pombos?<br />- solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.<br />Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.<br />1.Comecemos por mencionar o núcleo fáctico relevante para a decisão do caso espécie.A B era, desde 15 de Abril de 1978, pessoa colectiva de utilidade pública, e é, desde 18 de Março de 1994, uma pessoa colectiva de utilidade pública desportiva. Uma das actividades dos réus é a prática de tiro com chumbo com utilização de alvos vivos – pombos, e organizaram, no âmbito do calendário oficial de 1999, um concurso de tiro com chumbo aos pombos e pretendiam realizar o torneio, nas instalações do segundo réu, no dia 3 de Abril de 1999.<br />A B é a responsável pela organização dessas provas, orientando-as e supervisionando-as nos termos do seu regulamento, e ao C de Vila Verde cabia, no caso, a sua realização por via de contributo humano, financeiro e material.<br />Antes de serem libertos para as provas de tiro ao voo são-lhes arrancadas penas da cauda e, no seu âmbito, são mortos.<br />Os factos em análise não revelam, por um lado, o processo de libertação dos pombos, nem o modo como se confrontam com os atiradores, nem o que acontece aos que não são atingidos, nem ao seu tempo de vida quando os tiros os não matam imediatamente.<br />Nem, por outro, revelam se os pombos abatidos são utilizados na alimentação humana ou se o não são por serem mortos sem condições de salubridade.Em razão da notoriedade geral, pela constatação das pessoas em várias zonas do nosso País, deve também considerar-se assente que a actividade desportiva de tiro aos pombos em Portugal é antiga de mais de um século e meio (artigo 514º, n.º 1, do Código de Processo Civil).<br /><br />2.Seleccionemos agora o núcleo normativo essencialmente aplicável no caso espécie.A propósito das tarefas fundamentais do Estado, resulta da Constituição da República Portuguesa que entre elas se contam a protecção e valorização do património cultural do povo português e a defesa da natureza e do ambiente (artigo 9º, proémio, e alínea e), primeira parte).<br />A Lei n.º 30/86, de 27 de Agosto, que regia sobre o exercício da caça aquando da publicação da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, estabelecia, além do mais que aqui não releva, por um lado, no n.º 1 do seu artigo 30º, que as associações e os clubes de caçadores e de cunicultores podiam ser autorizados a instalar e manter campos de treino destinados à prática, durante todo o ano, de actividades de carácter venatório, nomeadamente a de exercício de tiro e de treino de cães de caça nos termos em que viesse a ser regulamentado.<br />E, por outro, estabelecia no n.º 2 daquele artigo que nos campos de treino de caça somente eram autorizadas as largadas e o abate de espécies cinegéticas criadas em cativeiro.O Decreto-Lei n.º 311/87, de 10 de Agosto, primeiro diploma que regulamentou a Lei n.º 30/86, de 27 de Agosto, estabeleceu, por um lado, ser permitida a caça em cativeiro, designadamente para utilização em campos de treino de caça, mediante autorização da Direcção-Geral das Florestas, ouvida a Direcção-Geral da Pecuária sobre os aspectos sanitários (artigo 79º, n.ºs 1 e 2).<br />E, por outro, que a Direcção-Geral das Florestas podia constituir ou autorizar a instalação de campos de treino de caça destinados à prática de actividades de carácter venatório, durante todo o ano, nomeadamente o exercício de tiro com arma de fogo, arco ou besta, cetraria e treino de cães de caça, em termos a regulamentar por portaria do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (artigo 80º).<br />Por seu turno, a Portaria n.º 816-B/87, de 30 de Setembro, estabelecia ser autorizável pela Direcção-Geral das Florestas às associações, sociedades ou clubes de caçadores e de canicultores legalmente existentes, a requerimento deles, a instalação de campos de caça destinados à prática de actividades de carácter venatório, nomeadamente o exercício de tiro com armas de fogo durante todo o ano e em todos os dias da semana (artigos 1º e 2º, n.º 1).<br />O mesmo regime de criação de caça e aves de presa em cativeiro foi mantido pelo novo regulamento da mencionada lei, o Decreto-Lei n.º 274-A/88, de 3 de Agosto, que substituiu o Decreto-Lei n.º 311/87, de 10 de Agosto, salvo o acrescentamento da finalidade de realização de corridas de lebres).<br />O referido regulamento foi, entretanto, substituído pelo Decreto-Lei n.º 251/92, de 12 de Novembro, que manteve essencialmente o regime anterior relativo aos campos de treino de caça (artigos 87º e 88º).<br />No regulamento da lei da caça que se seguiu ao Decreto-Lei n.º 251/92, de 12 de Novembro, ou seja, no Decreto-Lei n.º 136/96, de 14 de Agosto, continuou a constar o mesmo regime concernente à criação de caça em cativeiro e aos campos de treino de caça (artigos 87º e 88º).<br />E a Lei n.º 179/99, de 21 de Setembro, que estabelece as actuais bases de gestão sustentada dos recursos cinegéticos, substitutiva da Lei n.º 30/86, de 27 de Agosto, manteve a vigência dos diplomas que a regulamentaram, incluindo o preceito que admite a reprodução, criação e detenção de espécies cinegéticas em cativeiro para utilização, além do mais, em campos de treino de caça, definidos como áreas destinadas à prática, durante todo o ano, de actividades de carácter venatório, nomeadamente o exercício de tiro e de treino de cães de caça e as provas de Santo Huberto quanto a essas espécies (artigos 2º, alínea l) e 27º, n.º 1).<br />As bases do sistema desportivo constam da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro. Por via dela, as federações desportivas, sendo embora entidades de direito privado, podiam assumir, por via da atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, na sua área específica, poderes de regulamentação, de disciplina e outros de natureza pública (artigo 22º, n.º 1).<br />A referida lei foi regulamentada por via do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril, que contém o regime jurídico das federações desportivas.<br />Decorre deste último diploma, por um lado, que o estatuto de utilidade pública desportiva atribui a uma federação desportiva, em exclusivo, a competência para o exercício, dentro do respectivo âmbito, de poderes de natureza pública, bem como a titularidade de direitos especialmente previstos na lei (artigo 7º).<br />E, por outro, terem natureza pública os poderes das federações exercidos no âmbito da regulamentação e disciplina das competições desportivas, quer sejam conferidos pela lei para a realização obrigatória de finalidades compreendidas nas atribuições do Estado e envolvam, perante terceiros, prerrogativas de autoridade, quer se traduzam na prestação de apoios ou serviços legalmente determinados (artigo 8º, n.º 1).<br />Na sequência dos mencionados diplomas e, naturalmente, dos estatutos da B, foi a esta atribuída pelo Governo o estatuto de utilidade pública desportiva (Diário da República, II Série, n.º 78, de 4 de Abril de 1994).<br />Pouco mais de um ano depois, foi publicada a Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, proibindo o uso da violência injustificada sobre os animais, disciplinando o comércio e os espectáculos com recurso a eles e estabelecendo normas reguladoras da sua reprodução, identificação, transporte e eliminação pelas câmaras municipais e sobre a legitimidade das associações zoófilas para agir em juízo em sua defesa. Estabelece o seu artigo 1º, n.º 1, daquela Lei o seguinte: "São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes em, sem necessidade, se infligir a morte, o sofrimento cruel e prolongado ou graves lesões a um animal".<br />Expressa, por seu turno, o seu n.º 3, proémio, alínea e): "São também proibidos os actos consistentes em utilizar animais para fins didácticos, de treino, filmagens, exibições, publicidade ou actividades semelhantes, na medida em que daí resultem para eles dor ou sofrimento consideráveis, salvo experiência científica de comprovada necessidade".Na determinação do sentido prevalente das referidas normas partir-se-á da sua letra e confrontar-se-á o que dela pareça resultar com a sua história, inserção sistemática e escopo finalístico, tendo presente que se deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (artigo 9º do Código Civil).<br />Nessa tarefa interpretativa importa atentar em que o facto de a lei proibir, em regra, a morte desnecessária dos animais não significa que eles sejam titulares de direitos subjectivos à vida e à integridade física, certo que, segundo a nossa ordem jurídica, trata-se de coisas móveis (artigos 202º, n.º 1, 205º, n.º 1 e 212º, n.º 3, do Código Civil).<br />Trata-se, com efeito, são coisas móveis, outrora designadas por coisas semoventes, apropriáveis, pelo que, pelo menos na ordem jurídica portuguesa, não faz qualquer sentido a afirmação no sentido de que a morte de pombos por via de tiro ao voo ofende o seu direito à vida ou à integridade física.<br />Na realidade, aquilo que se vem afirmando sobre a designação de direitos dos animais são, afinal, os deveres que as pessoas tem para com eles, além do mais porque se trata de seres que com elas partilham a natureza e sem os quais a consecução dos seus fins não seria viável.<br />As normas jurídicas tendentes à protecção dos animais ou, noutra perspectiva, atinentes à defesa da comunidade de pessoas face ao desconforto de terem de percepcionar a desumanidade de algumas, visam essencialmente fins sociais, sendo que as vantagens que delas resultam para eles são mero reflexo dessa normatividade de fim social.<br />É nesse sentido que devem ser entendidos os textos internacionais sobre a protecção dos animais quando se referem ao seu direito à vida, à integridade física, à liberdade e ao respeito (Declaração Universal dos Direitos do Animal, Unesco).<br /><br />3.Atentemos agora, confrontando-o com o caso espécie, no sentido das normas do artigo 1º, n.º 1, da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, que resulta da sua letra.<br />A previsão desta parte do artigo reporta-se a violências injustificadas contra animais por via de dois conceitos indeterminados, e a sua estatuição é a da respectiva proibição. A referida previsão normativa relativa a violências injustificadas é de algum modo densificada por via dos conceitos morte, sofrimento cruel e prolongado, graves lesões e desnecessidade.Vê-se, pois, que também a mencionada densificação do conceito violências injustificadas ocorre por via de conceitos indeterminados, como é o caso dos que envolvem as expressões sem necessidade, sofrimento cruel e prolongado e de graves lesões. A violência injustificada no contexto da lei é o desnecessário acto de força ou de brutalidade contra os animais.<br />O conceito normativo de necessidade revela-se essencial na determinação âmbito de aplicação do preceito em análise, pelo que importa determinar-lhe o sentido, naturalmente por via do seu preenchimento de tipo valorativo, no confronto com o caso espécie.O conceito de necessidade é polissémico, porque é susceptível de significar, além do mais, indispensabilidade, justificabilidade, utilidade, e estado de privação, envolvendo as primeiras significações um sentido essencialmente jurídico e a última um sentido económico. Tendo em conta os termos da lei e a realidade das coisas animais, o conceito jurídico sem necessidade aponta no sentido de significar, no confronto com o Homem e o seu desenvolvimento integral, sem justificação razoável ou sem utilidade.<br />A morte dos animais traduz-se na eliminação da sua estrutura vital, enquanto a sua lesão grave se consubstancia no resultado de uma acção ou omissão, ou seja, no ferimento, golpe profundo ou extenso ou dor intensa.<br />O sofrimento cruel e prolongado dos animais é, por seu turno, a sua dor física assaz intensa e por tempo considerável face ao circunstancialismo envolvente.Aproximando os referidos conceitos normativos dos factos provados, não se vislumbra que no âmbito da actividade desportiva em causa os pombos sejam afectados de sofrimento cruel e prolongado.<br />Com efeito, a circunstância de antes da libertação dos pombos lhe serem arrancadas algumas penas da cauda, ao que parece com vista a imprimir-lhes a irregularidade do voo, não pode ser considerada nem lesão nem geradora de sofrimento cruel. Acresce que o necessário enquadramento dos factos disponíveis na previsão e na estatuição legal cinge-se à morte dos pombos por via dos tiros dos concorrentes envolvidos na indicada prova desportiva em e ao sofrimento que isso necessariamente lhes provoca.<br />4.Tendo presente o caso espécie, confrontemos agora o sentido literal das normas do artigo 1º, n.º 1, Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, com o que resulta dos pertinentes elementos extraliterais de interpretação.<br />Na história da lei, relativamente aos seus trabalhos preparatórios, assume particular relevância o projecto de lei n.º 107/VI, da autoria do deputado António Maria Pereira, que inseria na alínea j) do n.º 1 do artigo 3º a expressão de que eram também proibidos os actos consistentes em organizar provas de tiro a animais vivos (Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 33, de 6 de Abril de 1995, pág. 462).<br />O referido projecto foi substituído pelo Projecto n.º 530/VI, cuja alínea j) do n.º 1 do artigo 3º ainda expressava serem também proibidos actos consistentes em organizar provas de tiro a animais vivos.<br />No debate parlamentar da lei na generalidade, o deputado António Maria Pereira afirmou que no artigo 1º se enumeravam os princípios gerais, nos quais se proibia, em termos genéricos, a crueldade para com os animais, incluindo o seu abandono e se concretizavam depois algumas actuações particularmente cruéis.<br />E no que concerne à justificação do texto da alínea j) do n.º 1 do artigo 3º, afirmou proibir-se o tiro aos pombos, modalidade também proibida em numerosos países da União Europeia, designadamente na Inglaterra, França e no Grão-Ducado do Luxemburgo, nos quais o pombo vivo era substituído por um alvo lançado de um aparelho, solução com que se obtinha o mesmo resultado de pôr à prova a perícia dos atiradores sem o aspecto cruel que reveste o pombo acabado de ser liberto (Diário da Assembleia da República, II Série-A, n.º 88, de 17 de Junho de 1995, pág. 2955).<br />Todavia, a referida proibição não passou para a Lei em análise, e não resulta da discussão parlamentar a motivação dessa supressão.<br />Perante esse circunstancialismo, é razoável que o intérprete conclua no sentido de que o legislador pretendeu manter a licitude da prática desportiva de tiro ao voo de pombos.Mas também não é absolutamente descabido o entendimento da recorrente no sentido de que tal supressão foi pensada em razão da consideração da sua desnecessidade por virtude de a proibição já constar do proémio e do n.º 1 do artigo 1º da referida Lei.Daí que o elemento histórico da Lei em causa não seja decisivo para a determinação sobre se o seu artigo 1º, n.º 1 inclui ou não a proibição da prática desportiva de tiro ao voo de pombos.<br />Dir-se-á também, por antecipação, não assumir qualquer relevo, neste ponto, o facto de oito deputados, cerca de quatro anos depois da publicação desta Lei, haverem apresentado um projecto de lei sobre a protecção dos animais com vista a tornarlícita a prática de tiro com alvos vivos desde que sob a égide de uma federação desportiva, tal como não releva a circunstância de os deputados de um dos grupos parlamentares haverem apresentado, cerca de dois anos depois da publicação da Lei, um projecto para a sua alteração no sentido da proibição de forma expressa das provas de tiro com animais vivos.<br />No que concerne ao elemento sistemático de interpretação da lei, ou seja, no quadro da unidade do sistema jurídico envolvente, importa ter em conta o contexto normativo concernente, os respectivos lugares paralelos e a envolvência sistemática.<br />No que concerne ao contexto do próprio normativo em apreciação, em sede de elenco complementar de proibições de violência contra os animais, logo se ressalva a violência na arte equestre e nas touradas autorizadas por lei, em casos de experiência científica de comprovada necessidade e na prática da caça (artigo 1º, n.º 3 alíneas b), e) e f), desta Lei).<br />Quanto ao paralelismo normativo, tendo em conta prática desportiva de tiro ao voo de pombos, a anterior lei da caça e respectivos regulamentos, que vigoravam aquando da publicação da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, permitiam a existência de campos de treino da prática de actividades de carácter venatório com largadas e abate de espécies cinegéticas criadas em cativeiro, incluindo aves de presa em que se incluem, como é natural, os pombos bravos.<br />Assim, estamos perante normas que se reportam a uma prática de tiro a alvos vivos, que não diverge na sua estrutura essencial da que ocorre no caso espécie, e que a lei admite.Face aos ao artigo 2º, alínea a), dos Estatutos da recorrida B, datados de 29 de Outubro de 1984, o seu objecto envolve a competência para orientar e dirigir superiormente o tiro ao voo e aos pratos (Diário da República, III Série, de 9 de Janeiro de 1985).<br />Foi-lhe inicialmente atribuída pelo Governo a posição jurídica de pessoa colectiva de utilidade pública e, posteriormente, a posição jurídica de pessoa colectiva de utilidade pública desportiva (Diário da República, II Série, de 20 de Junho de 1978, e de 4 de Abril de 1994).<br />Por virtude de lhe ter sido atribuído o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública desportiva, passou a exercer poderes regulamentares e disciplinares e outros de natureza pública no âmbito, além do mais, do tiro ao voo e aos pratos (artigos 22º, n.º 1, da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro, e 7º do Decreto-Lei n.º 144/93, de 26 de Abril).<br />O referido circunstancialismo não releva essencialmente, como é natural, para a interpretação do proémio e do n.º 1 do artigo 1º da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, no sentido de a respectiva proibição não abranger a prática desportiva de tiro ao voo com pombos, mas não pode deixar de ser considerado no quadro dessa interpretação, porque se não compreenderia que o Governo mantivesse à recorrida Federação de Tiro Com Armas de Caça o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública desportiva, exercendo por via dele, no âmbito da organização e disciplina da actividade desportiva de tiro ao voo de pombos, além do mais, poderes de ordem administrativa, não obstante a lei proibir essa prática.<br />A propósito do fim da lei em análise, resulta da respectiva discussão parlamentar a ideia de os homens, que não podem prescindir da existência dos animais, os não devem torturar gratuitamente e devem reduzir, até onde for possível, o seu sofrimento, mas tendo em atenção a realidade cultural portuguesa (Deputados António Maria Pereira e João Amaral, no debate parlamentar relativo à Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, Diário da Assembleia da República, I Série, n.º 88, 1995, págs. 2957 e 2959).<br />Na realidade, o escopo finalístico desta Lei foi o de proporcionar o chamado bem estar dos animais, prevenindo que lhe sejam infligidos maus tratos por acção ou omissão das pessoas, e proibindo as suas práticas de crueldade e violência física e ou psicológica.<br />Tendo em linha de conta o pressuposto da proibição constante do proémio e do n.º 1 do artigo 1º da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, consubstanciado no conceito sem necessidade, a lei equaciona a proibição com outros interesses considerados relevantes no nosso ordenamento jurídico.<br />Dir-se-á, assim, numa breve síntese, que o fim da lei é proteger os animais de violências cruéis ou desumanas e gratuitas, para as quais não exista justificação ou tradição cultural bastante, isto é, no confronto de meios e de fins envolvidos em função do Homem.<br />5.Atentemos agora, finalmente, na questão fulcral de saber se a proibição do n.º 1 do artigo 1º da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, abrange ou não a actividade desportiva de tiro ao voo de pombos.<br />Não releva nesta matéria, ao invés do que do alegado pela recorrente, o facto por ela invocado de a prática da modalidade desportiva em causa visar o treino da precisão do tiro e de os pombos poderem substituídos, sem perda da eficácia respectiva, por pratos ou hélices.<br />Mas, tal como ela refere, não pode haver tradição, por mais antiga que seja, que justifique a infracção da lei que proíba a prática de actividade de violência contra os animais, mas não é isso que está em causa no recurso, certo que se pretende saber se ocorre ou não essa proibição.<br />Também não relevam para o mesmo efeito as concepções e a sensibilidade de cada um acerca da natureza como suporte da vida e da própria vida humana e dos outros animais, pois o que importa é a determinação do sentido e alcance das normas interpretandas.<br />Os factos não revelam, como já se referiu, que aos pombos, na sua sujeição de alvos de tiro em voo no âmbito da prática desportiva em análise, seja infligido sofrimento cruel e prolongado ou lesões graves diversas daquelas que lhe provocam a morte.A solução do caso espécie depende, por isso, essencialmente, conforme já se referiu, da ponderação de valores sociais envolvidos no conceito indeterminado de necessidade inserido na referida previsão legal proibitiva do n.º 1 do artigo 1º da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro.<br />Ao invés do que a recorrente alegou, o único critério de determinação da necessidade da morte dos pombos não pode ser apenas o que resulta do confronto valorativo entre o acréscimo da perícia dos atiradores e o gozo destes e a morte e o sofrimento dos pombos.Nem há fundamento legal para considerar a exclusiva conexão desse conceito com razões de alimentação, de saúde pública, de investigação científica, porque, conforme resulta do ordenamento jurídico globalmente considerado, há outros valores a considerar nesta sede.<br />Conforme resulta da experiência comum, os pombos reproduzem-se facilmente, não há risco da sua extinção, e a própria prática desportiva em causa constitui um facto de promoção do crescimento da espécie.<br />Como resulta da própria natureza das coisas, no âmbito das competições desportivas de tiro ao voo de pombos desenvolve-se actividade económica no quadro dos bens e dos serviços, com a consequente produção de riqueza individual e colectiva.Tal como acima se referiu, o conceito de necessidade em análise significa o resultado de uma valoração de confronto entre a preservação dos animais na sua vida e integridade física e o seu sacrifício socialmente útil e justificado ou útil em função do interesse das pessoas ou da comunidade.<br />A referida justificação não é excluída em absoluto em situações em que está em causa uma prática desportiva de longa tradição integrante da cultura de uma comunidade humana.<br />Ora, o tiro ao voo de pombos, em paralelo com a arte equestre e as touradas, traduz-se numa modalidade desportiva com tradição e relevância em Portugal, conforme resulta, além do mais, designadamente do número de clubes de tiro existentes em Portugal e, de algum modo, de o Governo ter confiado a uma federação desportiva o seu fomento, regulação e disciplina.<br />Por isso, no caso espécie, a morte infligida aos pombos não é meramente gratuita ou improvisada, porque se inscreve numa prática desportiva já antiga, integrada na tradição, como processo de ligação do passado ao presente, e, consequentemente faz parte do nosso património cultural, a exemplo do que ocorre com as touradas e a arte equestre.<br />Decorrentemente, tendo em conta o que se prescreve no artigo 1º, n.º 1, da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, há no caso espécie justificação e utilidade para a e na morte dos pombos no âmbito das provas de tiro ao voo e para o sofrimento que isso lhes implica, que se não revela cruel.Por conseguinte, a prática desportiva de tiro ao voo de pombos não se enquadra na proibição a que se reporta o proémio e o n.º 1 do artigo 1º nem no seu n.º 3, alínea e), da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro, pelo que não é proibida no nosso ordenamento jurídico.<br />Improcede, por isso, o recurso, com a consequência de dever manter-se o conteúdo do acórdão recorrido.<br />Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).<br />Todavia, está dispensada de pagamento de custas neste processo, ou seja, goza de isenção objectiva do seu pagamento (artigo 10º da Lei n.º 92/95, de 12 de Setembro).<br /></div><div align="justify"><strong>IV</strong><br />Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.<br /></div><div align="justify">Lisboa, 19 de Outubro de 2004.<br />Salvador da Costa<br />Ferreira de Sousa<br />Armindo Luís</div>Amarelahttp://www.blogger.com/profile/08644441266825025059noreply@blogger.com9tag:blogger.com,1999:blog-5953841151304858773.post-85123117731228919032008-02-21T11:23:00.005+00:002008-03-11T23:33:54.046+00:00Acórdão Supremo Tribunal Administrativo de 10 de Janeiro de 2008<div align="justify"><strong>Assunto:</strong> Co-incineração de resíduos perigosos<br /><br /><strong>Processo:</strong> 0675/07 – Processo Urgente / Providência Cautelar<br /><strong>Data do Acórdão:</strong> 10-01-2008<br /><strong>Relator:</strong> Madeira dos Santos<br /><br /><strong>Sumário:<br /></strong><em>I – O despacho que, culminando um meio administrativo incidental, dispensou o procedimento de avaliação de impacte ambiental que deveria normalmente fazer-se num outro procedimento mais vasto, tendente a licenciar a actividade de co-incineração de resíduos industriais perigosos, constitui um acto intercalar relativamente ao futuro licenciamento.<br />II – Tal acto cumpre a função de eliminar um dos passos normais do procedimento principal, simplificando e acelerando os seus trâmites – e esgotando aí a sua eficácia.<br />III – Licenciada a actividade de co-incineração – e findo, assim, aquele procedimento mais vasto – mostra-se integralmente executado o despacho dito em I, sendo então impossível suspender a eficácia dele por ser de negar-lhe a produção ulterior de quaisquer efeitos.<br />IV – O pedido cautelar de intimação de alguém para que provisoriamente se abstenha de um certo comportamento, alegadamente violador de normas de direito administrativo, supõe que haja um vazio decisório, isto é, que não exista ou subsista uma qualquer pronúncia justificativa de tal comportamento.<br />V – Daí que não possa ser judicialmente intimada a abster-se de co-incinerar resíduos industriais perigosos a sociedade que fora admitida a fazê-lo através de actos administrativos de licenciamento que persistem e operam eficazmente na ordem jurídica.<br /></em><br /><strong>Decisão:</strong></div><div align="justify"><br />Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:<br /><br /><strong>[ I ]</strong><br />Os Municípios de Setúbal, Palmela e Sesimbra pediram ao TAF de Almada no mesmo requerimento inicial «a adopção de duas providências cautelares», sendo uma a suspensão da eficácia do Despacho n.º 16.090/2006, em que o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional concedeu uma «dispensa de avaliação de impacte ambiental», e consistindo a outra na intimação dos requeridos – o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, o Ministério da Economia e da Inovação (doravante, Ministérios do Ambiente e da Economia), o Instituto do Ambiente, o Instituto dos Resíduos e a A… (doravante, A…) – a absterem-se «de licenciar, autorizar ou realizar os testes e demais operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos na fábrica da A… no...».<br /><br />Por sentença de fls. 1764 e ss., o TAF de Almada decidiu suspender a eficácia daquele despacho n.º 16.090/2006 e intimou a A… «a abster-se de realizar os testes e demais operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos na referida fábrica».<br /><br />O Ministério da Economia, o Ministério do Ambiente e a A... interpuseram recursos da sentença para o TCA-Sul.<br /><br />E, por acórdão de fls. 2407 e ss., esse tribunal de 2.ª instância tomou as seguintes decisões: concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério da Economia, que absolveu da instância, por ilegitimidade passiva; negou provimento aos recursos deduzidos pelo Ministério do Ambiente e pela A... – salvo, no recurso desta, quanto à atendibilidade de um facto – assim mantendo a «suspensão de eficácia do referido despacho» n.º 16.090/2006 e a intimação da A... «a abster-se das operações de co-incineração naquela fábrica».<br /></div><div align="justify"><strong>[II – Recursos]</strong><br />Inconformado com tal aresto, o Ministério do Ambiente interpôs para este STA um recurso de revista em que formulou as seguintes conclusões:<br /></div><div align="justify"><em>I – Da admissibilidade do presente recurso de revista</em><br />1) É público e notório que a questão da co-incineração de RIP’s desencadeou arrebatadas tomadas de posição e controvérsias, deslocando a análise do problema mais para o lado da paixão que para o lado da razão (científica, jurídica, etc.).<br />2) A relevância social do tema, e as questões levantadas à sua volta, determinaram que o mesmo fosse tratado a nível da Assembleia da República, e levaram à criação, inovadora entre nós, de uma Comissão Científica Independente, e, no seio desta, de um Grupo de Trabalho Médico.<br />3) O processo de co-incineração pretende desenvolver-se, para já, noutra cimenteira (…), pelo que uma decisão desse Supremo Tribunal servirá de orientação aos tribunais inferiores na apreciação das questões que já aí se encontram em julgamento, e noutras que de futuro se venham a colocar.<br />4) E servirá, certamente, não apenas como contributo a um melhor esclarecimento da questão, como ainda, para atalhar ao generalizado uso dos meios cautelares da nova lei de processo, interpretados do modo alargado que vem caracterizando as decisões dos tribunais inferiores, como meio para obstar a opções «políticas» do Governo — hoje sobre a gestão de RIP’s, e à realização de operações de co-incineração; amanhã outra qualquer questão da «política» do Governo (este ou outro).<br />5) Pelo que, as questões jurídicas a apreciar por esse Alto Tribunal se revestem de inegável importância jurídica, extravasando o caso concreto, prevendo-se que as questões suscitadas possam vir a ter aplicação em inúmeros casos futuros.<br />6) Assim, importará uma pronúncia desse Supremo Tribunal sobre:<br />i) A questão da admissibilidade de providência cautelar relativa a actividade regulada por lei expressa, e devidamente licenciada, quando a mesma não se fundamente na impugnação da lei que regula a actividade, ou dos licenciamentos conferidos ao seu abrigo (como sucede in casu, face ao DL 85/2005, e aos licenciamentos emitidos a coberto do mesmo); ou ainda, na inobservância de qualquer das condições de que a lei faz depender o regular exercício dessa actividade;<br />ii) A questão de saber se deve ser considerado no âmbito do artigo 120°, n° 1, al. b), do CPTA, toda e qualquer situação de facto consumado, ou apenas as merecedoras da tutela do direito, especialmente quando a providência incida sobre actividade legalmente licenciada nos termos da lei, ou dos licenciamentos emitidos ao abrigo da mesma (como ocorre in casu); e ainda,<br />iii) A questão de saber se o tribunal pode, substituindo-se ao requerente de uma dada providência, dispensá-lo do indicar o critério à luz do qual pretende ver declarada a providência; ou do ónus de alegar e fazer prova dos «prejuízos de difícil reparação», ou da constituição de uma situação de «facto consumado» e, nessas condições decretar a providência.<br /></div><div align="justify"><em>II – Dos fundamentos do presente recurso</em><br />7) Vem o presente recurso interposto do acórdão, de 10.5.2007, do TCA Sul, que negou provimento a recurso da decisão do TAF de Almada que decretara a suspensão de eficácia do despacho n.º 16090/2006 do MAOTDR — que dispensou... o procedimento de avaliação de impacte ambiental para proceder à co-incineração de resíduos industriais perigosos da fábrica cimenteira sita no ... — e, intimara à abstenção da realização de testes e demais operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos na referida fábrica (vd. relatório do acórdão em recurso a fls.70).<br />8) Porém, esse decisório:<br />- Ignora o que não podia ignorar: a existência de lei válida, e em vigor (maxime, o DL 69/2000, e o DL 85/2005);<br />- Acolhe o que não podia acolher: argumentos incompatíveis com a lei existente (o DL 69/2000, e o DL 85/2005, ex vi arts. 3º/1, 45º/1, e 120º/1 b), e 2, e do CPTA);<br />- Recusa o que não podia recusar: a análise da questão aprecianda pelo inelutável prisma do princípio da legalidade, isto é, do respeito pelo primado da lei cuja existência e validade, aliás, nunca foi posta em causa; como ainda, do princípio da segurança, e da separação de poderes, basilares dum Estado de Direito.<br />9) Erra, pois, o acórdão em recurso quando, no atinente à suspensão de eficácia do despacho n° 16090/2006 do MAOTDR, nada diz sobre a violação do princípio da separação de poderes, por intromissão do poder judicial no âmbito da discricionariedade administrativa, no tocante à declaração de que circunstâncias se reputam de excepcionais em sede de dispensa de AIA, nos termos do art. 3°/1 do DL 69/2000, do art. 3º do CPTA, e art. 2° da CRP;<br />10) Erra o acórdão em recurso por se restringir à mera (e infundada) afirmação de que «não é defensável pretender que a sentença recorrida se baseou em meras conjecturas ou eventualidades...», sem dizer, porém, porquê, ou face a que matéria dos autos e, principalmente, por ignorar o facto de, em Portugal, a opção pela co-incineração de RIP’, em detrimento doutros métodos ou soluções, ser objecto de Lei da República em vigor; e de que a co-incineração no ... foi objecto de todos os licenciamentos nos termos daquela exigíveis;11) Erra o acórdão em recurso ao afirmar que «se nos afigura não ser justificado nem prudente pretender que estando a quantidade total de dioxinas e furanos emitidos entre 2000 e 2006, abaixo dos valores limites da emissão desses poluentes, a co-incineração de RI Perigosos “nunca poderá prejudicar a saúde humana”, tanto mais quanto é certo que o último estudo de impacto ambiental foi realizado há quase dez anos atrás e por isso mesmo não tem em conta a evolução tecnológica nestas matérias entretanto ocorridas» — não se descortinando em que é que a AIA (aliás, efectuada já) pode influir nos níveis de emissão dioxinas e de furanos;<br />12) Como erra igualmente ao invocar a «evolução tecnológica na matéria», quando a legislação em Portugal (DL n° 85/2005, de 28.4) adoptou a co-incineração como método de tratamento de RIP’s, em detrimento de outros métodos ou soluções;<br />13) Como erra ainda, quando (ao que se apura da passagem transcrita na cópia dactilografada) afirma que «a decisão da 1.ª instância é correcta» porque «suspendeu o despacho que dispensou a AIA», e porque determinou a «suspensão das operações de co-incineração...», pois isso nada diz sobre os fundamentos dessa alegada «correcção», não demonstrando, face à matéria dos autos, as razões por que se entende ser a mesma como acertada.14) Como erra finalmente quando ignora a esmagadora maioria das questões suscitadas no recurso, sobre as quais, ou se não pronunciou, ou muito deficientemente o fez; nomeadamente ignorando a ponderação de interesses (art. 120°/2 do CPTA), quando do lado público temos lei expressa a consagrar a co-incineração como método de tratamento de RIPs, e a estabelecer as condições em que a mesma será exercida; e ainda, os licenciamentos atribuídos ao abrigo da mesma; e do lado privado apenas temos a suposta perigosidade acrescida da co-incineração quando confrontada com outros métodos, ao contrário daquele, não escolhidos na lei; ou dito doutro modo,<br />15) Quando ignora a circunstância do legislador, nos termos do DL 85/2005, ter adoptado como método de tratamento RIP’s (com exclusão de outros) a co-incineração; e de, ao abrigo desse diploma ter conferido os diferentes licenciamentos para o efeito à fábrica cimenteira do..., o que, só por si seria suficiente para denegar as providências requeridas, em nome do maior prejuízo adveniente da violação dos princípios do primado da lei, e da segurança jurídica, basilares num Estado de Direito — vd. art. 120º/2, articulado com o princípio aflorado no art. 45º/1 do CPTA, ex vi 9º/1 do CC, onde se dispõe que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico».<br /><br />Também a A... interpôs um recurso de revista do sobredito acórdão do TCA, tendo culminado a sua minuta com a enunciação das conclusões seguintes:<br />A - A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, confirmada pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, fundamenta a verificação do preenchimento do requisito do periculum in mora em razões de (i) eventualidade quanto à produção de danos no caso em apreço e de (ii) frequência quanto à irreversibilidade da lesão dos bens em causa, se ocorrer.<br />B - Pelo que é manifesta a falta de substrato justificativo de que padece a decisão de verificação do requisito do periculum in mora - com efeito, a referida decisão não invoca factos concretos do caso sub judice, nem se baseia em qualquer tipo de prova relativa à probabilidade da produção dos prejuízos alegados pelos ora Recorridos ou relativa ao seu carácter irreversível ou de difícil reparação.<br />C - De resto, a produção de prejuízos alegada pelos ora Recorridos também não se mostrou suficientemente credível, nem muito menos razoavelmente fundada, de forma a permitir a formulação do juízo de séria probabilidade que se impõe aquando do apuramento do periculum in mora.<br />D - O acórdão recorrido corroborou a sentença da primeira instância, que não deu como provado qualquer facto que permita concluir pela existência dos invocados prejuízos irreparáveis, tendo decidido sem fundamento factual concreto bastante - o que configura uma violação de lei, substantiva por erro de interpretação e de aplicação da alínea b) do n° 1 do artigo 120° do CPTA.<br />E - Pelo que se requer a esse Venerando Tribunal que, partindo dos factos dados como assentes pelas instâncias, efectue a correcta qualificação jurídica da questão em apreço, concluindo pela não subsunção dos factos à norma que prevê o requisito do periculum in mora - nos termos do n.º 3 do artigo 150.° do CPTA.<br />F - Acresce que a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, confirmada pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, aponta a natureza e a tutela constitucional dos bens alegadamente visados pela providência cautelar (ambiente e saúde pública) para justificar que eventuais danos provocados a esses bens sempre correriam o risco de se revelar impossíveis ou muito difíceis de reparar - ignorando a averiguação do que resulta dos factos alegados e provados no caso concreto.<br />G - Relativamente à articulação do princípio da precaução com a ponderação do periculum in mora, cumpre concluir que aquele princípio não pode ser manipulado no sentido de inverter totalmente o ónus de alegação e prova imposto pela necessidade de verificar o preenchimento (ou não) do requisito do periculum in mora - nomeadamente, se conduzir a uma situação de probatio diabólica a cargo do requerido da providência cautelar.<br />H - No entanto, o caso concreto nem sequer se encontra abrangido pelo âmbito de aplicação do princípio da precaução. Com efeito, o objecto do acto administrativo em juizo não releva de uma matéria relativamente à qual haja incerteza, nomeadamente por falta de provas científicas.<br />I - Ainda assim, a ora Recorrente teve oportunidade de alegar e provar a não produção de danos pela co-incineração, de forma a colocar o tribunal “beyond the reasonable doubt”.<br />J - O presente recurso de revista é admissível por se encontrarem retinidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 150.° do CPTA.<br />L - Na verdade, a questão que está em causa nos presentes autos - o rigor na apreciação dos factos integradores do periculum in mora, nomeadamente a necessidade de fundamento factual concreto bastante (que há-de resultar da matéria assente, tal como alegada e provada pelo requerente da providência cautelar) para que o tribunal decida pelo preenchimento daquele requisito - afigura-se ser, manifestamente, uma daquelas que se subsume na previsão do n.º 1 do artigo 150.° do CPTA.<br />M - A questão sub judice tem uma importância fundamental, atenta a sua relevância jurídica e social (quer de um ponto de vista puramente teórico, quer analisando as suas consequências práticas) e contribui para uma melhor aplicação do direito - não se situando o presente recurso para além da delimitação negativa do âmbito da revista fixada pelo n.º 4 do artigo 150.° do CPTA.<br />N - O núcleo essencial da questão controvertida reconduz-se à interpretação e à aplicação da regra contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 120.° do CPTA - justificando-se a intervenção clarificadora do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, para decidir sobre se, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 120.° do CPTA, se pode considerar preenchido o requisito do periculum in mora em casos falta de fundamento factual concreto bastante.<br />O - Concluindo: de acordo com o disposto, na alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, deveriam as providências cautelares requeridas ter sido recusadas por insuficiência de base factual que permita sustentar a decisão de verificação do preenchimento do requisito do periculum in mora, de que depende a concessão daquelas providências.<br /><br />Os municípios recorridos contra-alegaram, tendo concluído da seguinte forma:<br />I - Tendo em consideração a alegação apresentada pelo recorrente Ministério do Ambiente:<br />1ª- Atento o teor do douto Acórdão recorrido de 10.05.2007, da sentença de 23.01.2007 e da alegação do recorrente Ministério do Ambiente não se divisa qualquer questão que seja necessário resolver na presente acção que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental e que, como tal, possa constituir fundamento do recurso excepcional em apreço.<br />2ª- Como também nada permite concluir que «a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito», bem pelo contrário, o douto Acórdão recorrido, exceptuando a absolvição da instância do requerido Ministério da Economia e Inovação, confirmou praticamente na íntegra a lapidar sentença do TAF de Almada de 23.01.2007, que constitui uma decisão judicial de elevadíssimo mérito.<br />3ª- O Recorrente Ministério do Ambiente confundiu a «relevância jurídica ou social» de determinada questão ou questões, cuja apreciação possa ser suscitada perante o STA no recurso excepcional de revista previsto no art. 150° 1. do CPTA, com « A relevância social do tema» co-incineração de resíduos perigosos (vide 4° e 5° parágrafos do ponto II da alegação – 2ª pág.<br />4ª- Efectivamente não esteve (nem está) em causa no presente processo a apreciação da questão da co-incineração de resíduos perigosos enquanto método de tratamento dos Resíduos Industriais Perigosos (RIPs), mas sim a co-incineração de resíduos industriais perigosos na fábrica de cimento da A... no ... e bem assim o despacho do Ministro do Ambiente que dispensou a A... da avaliação de impacte ambiental para proceder à co-incineração de RIPs naquela sua fábrica.<br />5ª- Para poder ser admitido o recurso excepcional de revista para o STA previsto no artigo 150° 1 do CPTA é necessário que esteja em causa a apreciação, por este Supremo Tribunal, de uma questão concreta que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental, ou seja, em que se verifique existir «complexidade das operações lógicas implicadas pela questão a resolver e a probabilidade de esta se renovar em litígios futuros» – Ac. do STA de 22.03.2007 – Proc. 223/07, ou então que «a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito», o que também não é manifestamente o caso.<br />6ª- Sustenta-se no Ac. do STA de 6.12.2006 – Proc. 858/06 que o recurso de revista consagrado no art. 150° 1 do CPTA «obedece a normas próprias e delas resulta que o mesmo é um recurso excepcional, a ser admitido num número limitado de casos, que, por via de regra, é um recurso de reexame, isto é, cujo fundamento específico é a violação da lei substantiva ou processual e cujo objecto é a questão ou relação jurídica objecto da pronúncia no Tribunal recorrido» e não um determinado tema cuja relevância resulte do destaque dado à discussão do mesmo na comunicação social, em órgãos de soberania, no seio da comunidade científica ou na praça pública.<br />7ª- Segundo o Ac. do STA de 12.10.2005 – Proc. 705/05 «a melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito»<br />8ª- Assim o presente recurso excepcional de revista interposto pelo recorrente Ministério do Ambiente carece de fundamento legal, dado o não preenchimento dos requisitos impostos pelo art. 150° 1 do CPTA, pelo que, salvo o devido respeito e sem querer meter a foice em seara alheia, deverá o mesmo ser rejeitado.<br />À cautela procede-se porém à apresentação das conclusões alcançadas na sequência da análise detalhada de cada um dos (pseudo) fundamentos invocados pelo recorrente Ministério do Ambiente.<br />9ª- O 1° fundamento apontado é o da «Deficiente apreciação e julgamento da matéria de facto e de direito» que além de vago e genérico, não individualiza a questão que pela sua relevância jurídica ou social se reveste de importância fundamental e que, como tal, justificaria a admissão do presente recurso.<br />10ª- Acresce que a «Deficiente apreciação e julgamento da matéria de facto e de direito» poderia ser um motivo válido (se fosse verdadeiro e devidamente concretizado) para impugnação de uma decisão judicial em sede de recurso ordinário, mas nunca no contexto do presente recurso excepcional de revista<br />11ª- Do alegado no Capítulo III também não se poderá extrair minimamente a conclusão de que a admissão do recurso se revela necessária (e muito menos claramente necessária) para uma melhor aplicação do direito.<br />12ª- Não faz qualquer sentido o sustentado pelo recorrente Min. do Ambiente na parte final Capitulo II da sua alegação, não sendo compreensível que questão é essa da «admissibilidade de providência cautelar», ou seja, se o recorrente Min. do Ambiente entende que a presente acção cautelar deveria ter sido objecto de indeferimento liminar, ou se pretende sustentar que no poderiam ter sido decretadas providências cautelares nos casos que enuncia na alínea i) - pág. 4 da sua alegação.<br />13ª- Na primeira hipótese há trânsito em julgado quanto a essa matéria; na segunda hipótese o recorrente estaria a pôr em causa a competência dos tribunais administrativos para sindicar todos os actos administrativos impugnados e para decretar providências cautelares mais as respectivas acções cautelares, omitindo que «mesmo a actividade discricionária está sujeita a aspectos vinculados e ao respeito pelos princípios gerais de direito que regem a sua actividade (confiram-se o art. 266° da RP e os arts 3°, n.º 1 e art. 4° ambos do CPA), pelo que sempre se poderá formular um juízo sobre a conformidade do decidido com a lei e o direito, sem que se deixe de respeitar o princípio da separação de poderes» - douta sentença do TAF de Almada de 23.0l.2007 - pág. 41.<br />14ª- Quanto à questão da discricionariedade relativa à avaliação das circunstâncias excepcionais para dispensa de AIA, que o recorrente Ministério do Ambiente invoca na pág. 6 da sua alegação, remete-se para o alegado na parte final da conclusão anterior, acrescentando-se apenas que o Meritíssimo Juiz do TAF de Almada não decidiu essa questão, remetendo, e bem, tal decisão para a acção principal, tendo-se limitado a concluir que «não se pode dizer que a pretensão anulatória dos Requerentes, deduzida na acção principal, seja manifestamente improcedente com a arguição do vicio em causa, apesar de... também não ser evidente a sua procedência págs. 41/42 »<br />15ª- Quanto à questão do periculum in mora não é verdade que o Tribunal a quo tenha reduzido a sua pronúncia «às inconclusivas passagens transcritas» na pág. 7 da alegação do recorrente Ministério do Ambiente.<br />16ª- O douto Acórdão recorrido esclarece porque é que considera «não ser defensável pretender que a sentença recorrida se baseou em meras conjecturas ou eventualidades», desde logo pela «não realização do estudo “prévia caracterização detalhada das condições ambientais e populacionais de cada local em causa”, ou seja, por não ter sido cumprida a condição imposta no Relatório de Dezembro de 2000 do Grupo de Trabalho Médico e também porque entende o Tribunal Central Administrativo – Sul que mesmo que tivesse estado abaixo dos valores limites a emissão de dioxinas, daí não se poderá inferir que «nunca poderá prejudicar a saúde humana, tanto mais que o último estudo de impacte ambiental foi realizado há quase dez anos atrás»<br />17ª- Acresce que a alínea h) da matéria de facto considerada provada dá por reproduzidos pareceres científicos e artigos de opinião entre os quais se incluem o estudo/parecer da autoria dos Médicos …. e … – «Co-incineração de Resíduos Sólidos» elaborado em Fevereiro de 2002, e aprovado por unanimidade pela Comissão Coordenadora do Conselho Científico da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (doc.7 anexo ao requerimento inicial) e bem assim o artigo do Professor Doutor ... (doc. 3 anexo ao requerimento inicial) que comprovam que as dioxinas e os furanos que resultam da co-incineração de resíduos perigosos em fornos de cimento são substâncias altamente cancerígenas, cujos efeitos subsistem cerca de 30 anos, integrando por isso a categoria dos Poluentes Orgânicos Persistentes.<br />18ª- Também não assiste qualquer razão ao recorrente Ministério do Ambiente quando invoca a pág. 8/9 da sua alegação que o Ac. recorrido não esclarece porque considera correcta a sentença da 1.ª instância quanto à questão da ponderação dos interesses públicos e privados (convém referir que os municípios requerentes também defenderam interesses públicos), esquecendo-se que no douto Ac. recorrido se sustenta que «o interesse económico da A... em obter um combustível alternativo barato não relevará para ultrapassar a salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos como o ambiente equilibrado e sadio e a saúde pública», sendo claríssima também a posição do Tribunal a quo quanto ao alegado passivo ambiental, ao considerar que não será razoável «aceitar o quadro de proliferação a céu aberto de novos óleos e solventes» e que «da proibição decretada à A... de proceder à co-incineração…não decorre necessariamente o aumento do passivo ambiental», uma vez que compete às entidades públicas competentes «providenciar para que o armazenamento e a eliminação dos RIPs não se processe em termos de causar ou atentar contra o ambiente e a saúde pública».<br />19ª- Quanto ao alegado na alínea B) do Capítulo III da alegação do Ministério do Ambiente, cumpre referir que quer o TAF de Almada, quer o TCA - Sul não cuidaram de saber se a co-incineração é ou não o melhor processo de tratamento de resíduos industriais perigosos, como sustenta aquele recorrente, mas tão só se existe ou não o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que os recorridos visam assegurar no processo principal; se seria ou não manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada e se existiriam ou não circunstâncias susceptíveis de obstar ao conhecimento de mérito das 2 requeridas providências cautelares.<br />20ª- Alude o recorrente Ministério do Ambiente, de forma sistemática, ao Dec- Lei n.º 85/2005 de 28.04 para justificar legalmente a sua opção pela co-incineração de resíduos industriais perigosos, nunca se referindo porém ao facto de no preâmbulo do supra - referido Decreto Lei a co-incineração e a incineração serem caracterizadas como «soluções de fim -de- linha para um adequado tratamento de resíduos», o que significa desde logo que a opção pela co-incineração não só não é a «única legalmente admissível», como ainda que o legislador entende que essa deve ser uma opção de último recurso, ou seja, de fim-de-linha.<br />21ª- Acresce que o Dec.- Lei n.º 85/2005 não deixa de consagrar no seu art.º17°, n.º 4 que a «alteração da instalação que implique a co-incineração de resíduos perigosos... é considerada alteração substancial na acepção da alínea b) do nº. 1 do art. 2° do Dec. Lei 194/2000, de 21 de Agosto». Ora se «alteração substancial» é, segundo a definição dada pela alínea b) do nº. 1 do art. 2° do Dec. Lei 194/2000 «alteração de instalação susceptível de produzir efeitos nocivos e significativos nas pessoas ou no ambiente», logo só há uma solução possível que é, cumprindo a Convenção de Estocolmo e por apego ao Princípio da Precaução consagrado no art. 174° do Tratado da União Europeia, impedir essa alteração para que se não produzam os tais «efeitos nocivos e significativos nas pessoas ou no ambiente».<br />22ª- A Convenção de Estocolmo, subscrita por Portugal e mais 118 Países em Maio de 2001 e aprovada pelo Decreto 15/2004, publicado no Diário da República I Série de 3.06.2004, que entrou em vigor em Portugal em 13 de Outubro de 2004, conforme resulta do Aviso nº 152/2004 publicado no Diário da República I Série de 27.08.2004 , consagra no seu artigo 5° medidas para reduzir ou eliminar as libertações derivadas da produção não intencional de Poluentes Orgânicos Persistentes (POP), «com o objectivo da sua continuada minimização e, quando possível, da sua efectiva eliminação».<br />23ª- Na Parte II do Anexo C. desta «Convenção sobre Poluentes Orgânicos Persistentes» refere-se que «As dibenzeno-p-dioxinas policloradas e os dibenzo-furanos policlorados ….são formados de modo não deliberado e libertados por processos térmicos que envolvem matéria orgânica e cloro em resultado de uma combustão incompleta ou de reacções químicas.», indicando-se na respectiva alínea b) os «Fornos de cimento que queimem resíduos perigosos», como uma das fontes industriais que «têm potencial para a formação e libertação comparativamente elevadas» das supra referidas substâncias.<br />24ª- A própria definição de resíduo perigoso reforça o que acabamos de sustentar o art. 3° alínea c) do Dec. Lei 178/2006 de 5.09 define «Resíduo perigoso» como o resíduo que apresente, pelo menos, uma característica de perigosidade para a saúde ou para o ambiente, nomeadamente os identificados como tal na Lista Europeia de Resíduos.<br />25ª- Alude também o recorrente Min. do Ambiente de forma repetitiva e fastidiosa aos três licenciamentos concedidos à fábrica da A... no ... para a co-incineração de resíduos perigosos : licença ambiental, concedida pelo Instituto do Ambiente e licenças de instalação e de exploração, concedidas pelo Instituto dos Resíduos, como se tanto bastasse para justificar a aplicação desse brutal método de queima de resíduos.<br />26ª- Os actos de concessão dos licenciamentos ambiental, de instalação e de exploração à recorrente A..., a que se alude nas alíneas p) q) e r) da matéria de facto dada como provada no douto Acórdão recorrido de 10.05.2007 e na douta sentença recorrida de 23.01.2007, têm como ponto de partida e conditio sine qua non o despacho cuja suspensão foi decretada no presente processo cautelar - despacho do Ministro do Ambiente nº. 16.090/2006 de 14.07.2006, publicado no DR II Série de 3.08.2006, que dispensou a A... do procedimento de avaliação de impacto ambiental para proceder à co-incineração de resíduos industriais perigosos na sua fábrica do ..., pelo que a impugnação dos requerentes, ora recorridos, ao ter por objecto um despacho de cuja validade e eficácia dependem esses 3 actos de licenciamento, está a pô-los também em causa, pelo menos de forma indirecta.<br />27ª- A douta sentença do TAF de Almada de 23.01.2007 reconhece aliás (1° parágrafo da pág.30) que os 3 actos de licenciamento em questão dependem «da validade e eficácia do despacho ministerial que dispensou o procedimento de avaliação de impacto ambiental».<br />28ª- Nenhuma dúvida pode subsistir quanto a esta matéria, uma vez que tal resulta dos doc.s 1, 2 e 3 juntos aos autos pela contra-interessada A... aquando da apresentação, em 16.11.2006, da sua resposta ao decretamento provisório das providências cautelares, mais concretamente da 4.ª página desse doc. 1 (licença ambiental), das 7.ª e 9.ª páginas do referido doc. 2 (licença de instalação) e da pág. 6 do doc. 3 (licença de exploração), em que se refere que «A presente licença de exploração ... abrange a operação de co-incineração de resíduos, contemplando condições de exploração comuns à Licença Ambiental n.º 37/2006, de 20 de Outubro» - doc. 1.<br />29ª - Acresce que em 31.01.2007 fizeram os Municípios ora recorridos dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, acção administrativa especial que visa a anulação dos 3 licenciamentos a que supra se alude e que corre os seus termos com o nº 1 10/07.3 BEALM (doc. 1 anexo à contra - alegação apresentada no recurso interposto da sentença do TAF de Almada de 23.01.2007).<br />30ª- Não faz também qualquer sentido a afirmação de que o principio da precaução «após a publicação da lei cede perante outros princípios fundamentais do Estado de Direito - como sejam os da legalidade ou do primado da lei; da segurança jurídica ; e da separação de poderes» - pág. 11 da alegação do recorrente Ministério do Ambiente.<br />31ª - O princípio da precaução não constitui um mero princípio programático que se aplica numa fase anterior à da produção legislativa de cada País subscritor do Tratado da União Europeia, permanecendo plenamente válido e eficaz mesmo para além desse momento.<br />32ª - A autoridade recorrente está vinculada, na sua actuação administrativa, ao princípio da precaução consagrado no art. 174, n.º 2 do Tratado da União Europeia, cabendo-lhe o ónus da prova de que das operações de co-incineração de resíduos perigosos em fornos de cimento não resulta um acréscimo de risco para a saúde pública e para o meio-ambiente, comparativamente com a produção de cimento através da utilização de combustível tradicional.<br />33ª - O recorrente Ministério do Ambiente manifestou aliás (na 4ª pag. in fine da sua alegação de recurso apresentado perante o TCA Sul da douta sentença do TAF de Almada de 23.01.2007) estar de acordo quanto à parte daquela sentença recorrida em que se sustenta a tese da transferência do «princípio do ónus da prova para os que pretendem licenciar e exercer a actividade» de co-incineração de resíduos industriais perigosos.<br />34ª - Carece também de fundamento o alegado na alínea D) do Capitulo III de que o requisito do periculum in mora se articula com o fumus boni iuris.<br />35ª - Segundo Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao CPTA, 2.ª edição 2007, pág. 706 «Tanto a alínea b), como a alínea c) do nº 1 (do art. 120° do CPTA), fazem depender a atribuição de providências cautelares da formulação de um juízo sobre as perspectivas de êxito que o requerente tem no processo principal», acrescentando-se contudo que «a alínea b) satisfaz-se, no que a este ponto diz respeito, com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular” pelo requerente no processo principal “ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito” para que uma providência conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um fumus non malus iuris».<br />36ª - O Meritíssimo Juiz do TAF de Almada analisou todos os fundamentos invocados pelos requerentes, tendo concluído, através da douta sentença de 23.01.2007, não ser manifesta a falta de fundamento das pretensões formuladas, nem se verificar a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito, tendo esta análise cuidada e respectivas conclusões sido sufragada pelo douto Acórdão recorrido de 10.05.2007.<br />37ª - Afirma ainda, igualmente sem o mínimo de razão e falsamente o recorrente Ministério do Ambiente que o legislador adoptou «como método de tratamento de resíduos, com exclusão de outros, a co-incineração».<br />38ª -Nega-se pois a evidência resultante da cuidada ponderação feita pelos Tribunais de 1.ª Instância acerca de todas as questões suscitadas na acção cautelar e no recurso para o TCA-Sul e bem assim do facto de o Dec. Lei 85/2005 de 28.04 consagrar outros «processos de tratamento térmico» de resíduos para além da co-incineração e da incineração, como sejam os que vêm indicados no art. 3° 1. al. e): a pirólise, a oxidação, a gaseificação e os processos de plasma.<br />39ª - Ao contrário do sustentado pelo recorrente Ministério do Ambiente é óbvia a existência do periculum in mora, atentos os danos irreversíveis causados pelas dioxinas, furanos, metais pesados e outros Poluentes Orgânicos Persistentes que resultam da co-incineração dos resíduos perigosos, conforme é reconhecido pela Convenção de Estocolmo: art. 5° e al. b) da Parte II do Anexo C) e pelos Pareceres e artigos de opinião dados por reproduzidos na alínea h) da matéria dada por provada e ainda o estudo da B… a que se alude na alínea g) da mesma matéria de facto.<br />40ª - Mesmo sabendo das condições em que foi proferido o Parecer da Comissão Científica Independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-incineração e que foram devidamente denunciadas nos artigos 26° a 32° do requerimento inicial que se dão por reproduzidos, o recorrente Ministério do Ambiente teima em fundamentar-se no Relatório de 20.07.2000 da autoria dessa Comissão (págs. 4, 17 e 18 da sua alegação).<br />41ª - O Parecer do Professor Doutor …, Catedrático Jubilado do Instituto Superior Técnico de Lisboa, igualmente dado por reproduzido na alínea h) da matéria dada como provada, é arrasador desse Parecer da dita Comissão Científica Independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-incineração.<br />42ª - Quanto aos «resultados dos testes de queima de RIP’s» a que o recorrente Ministério do Ambiente alude na pág. 200 da sua alegação, o douto Acórdão recorrido considerou-os irrelevantes uma vez que o estudo que os deu a conhecer não revela a «concreta composição dos RIP queimados no período em causa, não existindo termo de comparação entre as emissões de poluentes num e noutro caso», ou seja, no caso do fabrico de cimento com utilização de combustível tradicional ou através da utilização de resíduos perigosos.<br />43ª - É óbvio que sem se conhecer a composição e o teor de contaminação dos resíduos não se podem fazer extrapolações a partir das medições realizadas<br />44ª - Os resultados dos testes de Dezembro de 2006 são ainda irrelevantes pelo facto de tal matéria não ter sido invocada durante os articulados e por isso não ter sido sujeita a contraditório, nem ter sido sequer levada ao conhecimento do Tribunal da 1.ª instância que, por isso, se não pronunciou sobre tal matéria de facto.<br />45ª - O processo de co-incineração de resíduos industriais perigosos é um processo viciado à partida, pois tudo ficou decidido no momento em que foi celebrado o Acordo de 9 de Maio de 1997 entre a Ministra Elisa Ferreira e os Presidentes dos Conselhos de Administração da C… e da A... - doc. 14 anexo ao requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido (vide al. a) da matéria de facto dada como provada pela douta sentença de 23.01.2007 e pelo douto Acórdão recorrido de 10.05.2007). Ficou logo decidida a «eliminação, por incineração em fornos de cimento, dos resíduos industriais perigosos incineráveis», ou seja, a co-incineração, sem que para tal tivesse sido necessário efectuar quaisquer estudos prévios.<br />Só perante as enormes ondas de contestação desse método de queima de resíduos é que os seus defensores procuraram criar uma capa de cientificidade para uma decisão já há muito tomada.<br />II - Tendo em consideração a alegação apresentada pela recorrente A... SA:<br />46ª - Alega a recorrente A... no ponto 4. do Capítulo I da sua alegação pág. 5, que o TAF de Almada «decidiu que se encontrava preenchido o requisito do periculum in mora com base apenas, na eventualidade da produção de danos no caso em apreço e na frequente irreversibilidade da lesão dos bens em causa, se esta lesão ocorrer» (vide sobre esta matéria o supra-alegado - conclusão 39).<br />47ª -Sustenta ainda a recorrente A... na pág. 5 da sua alegação que «O acórdão recorrido, reincidiu no erro de direito de que padecia a sentença inicial – a saber, a insuficiência da matéria factual para sustentar uma decisão no sentido de se encontrar preenchido o requisito do periculum in mora».<br />Ora, segundo o Ac. do STA de 3.05.2007 – Proc. 365/07 «Não preenche os pressupostos do art. 150º, n.º 1 do CPTA o recurso de Acórdão do TCA em 2ª Instância, em que a questão que se pretende ver reapreciada consiste na verificação da suficiência ou não da matéria de facto apurada».<br />48ª - Tendo em consideração a matéria de facto considerada provada, o teor dos doutos Pareceres e artigos de opinião apresentados pelos requerentes, de que se destacam os indicados no art 26ª da presente contra-alegação, não podem restar quaisquer dúvidas quanto ao consistente substrato factual de que partiram os Meritíssimos Juízes dos Tribunais de lª e 2ª Instâncias ao concluírem pela verificação da existência de periculum in mora.<br />49ª - Quanto ao «erro de interpretação e aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 120° do CPTA» invocado no Capitulo II da alegação da recorrente A..., cumpre realçar que os Meritíssimos Juízes dos Tribunais de 1ª e 2ª Instâncias ponderaram «as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença», não tendo decidido «com base em critérios abstractos» como especula a recorrente A... no ponto 8 - pág. 7 da sua alegação.<br />50ª - Foi efectivamente com base nos múltiplos factos concretos supra-indicados, que indiciam o fundado receio da produção de danos irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação, que as providências cautelares foram decretadas.<br />51ª - Quanto à questão que consiste em saber se foi ou não correcta a aplicação do principio da precaução e da consequente inversão do ónus da prova remete-se para o supra-alegado - conclusões 32ª e 33ª da presente contra-alegação.<br />52ª - Quanto ao invocado Parecer da Digníssima Procuradora do Ministério Público junto do TCA-Sul a que a recorrente A... alude na pág. 16 da sua alegação, remete-se para o já invocado perante o Tribunal de 2ª instância em resposta a esse Parecer e que se encontra transcrito em itálico na presente contra-alegação.<br />53ª - Nenhuma razão assiste à recorrente A... quando sustenta no Capítulo III da sua alegação - pag. 17 que a questão relativa ao «rigor na apreciação dos factos integradores do periculum in mora, nomeadamente a necessidade de fundamento factual concreto bastante», constitui uma daquelas questões que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental e, como tal, justifica a admissão do presente recurso.<br />54ª - Salvo o devido respeito, parece ser evidente a falta de preenchimento dos requisitos de admissibilidade do recurso excepcional de revista consagrado pelo art. 150º, n.º 1 do CPTA, pois não se divisa donde advém a «complexidade das operações lógica e jurídica indispensáveis para a resolução do caso» – Ac. do STA de 23.09.2004-Proc. 903/04, ou a possibilidade de as questões em apreço ultrapassarem os limites da situação singular e se repetirem, «nos seus traços teóricos, num número ilimitado de casos futuros» – Ac. do STA supra-citado.<br />55ª - A recorrente pretende fazer intervir os Venerandos Conselheiros do STA na apreciação de uma questão que até um leigo estaria em condições de prontamente sobre ela decidir sem qualquer margem de erro possível, pois é por demais evidente que em caso de «falta de fundamento factual concreto bastante» não pode ser decretada qualquer providência cautelar, seja ela qual for.<br />56ª - Só que esse não é manifestamente o caso pois é vasto e consistente o substrato factual em que assenta o douto Acórdão recorrido como já demonstramos supra, pelo que carece totalmente de fundamento o argumento da necessidade de admissão do presente recurso para «Melhor aplicação do direito» – Alínea C) do Capítulo III da alegação da recorrente A..., que também assenta no facto de, no entender daquela recorrente, ser necessário decidir «sobre se, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 120° do CPTA, se pode considerar preenchido o requisito do periculum in mora em casos de falta de fundamento factual concreto bastante».<br />57ª - Acresce que «A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual, competindo ao tribunal de revista aplicar definitivamente o direito aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o que significa que, à partida, está excluído o recurso com fundamento em erro de julgamento quanto à matéria de facto (n°s 2 a 4 do art.º 150° do CPTA)» – Ac. STA 24.04.2007 – Proc. 10/07,<br />58ª - É perfeitamente descabido o argumento da recorrente A... de que a relevância social advém, do «(ab) uso da tutela cautelar» - pág. 21 e que «a qualificação legal do “receio”, na alínea b) do n.º 1 do artigo 120° do CPTA, como “fundado” tem justamente como objectivo a restrição das medidas cautelares, no sentido de evitar a concessão indiscriminada da tutela meramente cautelar» - pág. 22 , uma vez que o que está em causa no caso em apreço é a sindicância de um acto administrativo inequivocamente sindicável pelos tribunais administrativos e as respectivas consequências de tal acto na saúde pública e no meio-ambiente, pelo que essa ideia do abuso da tutela cautelar não lembra ao Diabo.<br />59ª - Na alínea D) do Capítulo III da sua alegação invoca a recorrente A..., sem razão, que «o que está em causa é um erro de direito por insuficiência da decisão de facto». Mesmo que assim fosse não se divisa «a complexidade das operações lógicas implicadas pela questão a resolver e a probabilidade de esta se renovar em litígios futuros» – Ac. do STA de 22.03.2007 – Proc. 223/07.<br /><br />Já neste Supremo, a formação aludida no art. 150º, n.º 5, do CPTA pronunciou-se no sentido da admissão dos dois recursos de revista.<br /><br />A Ex.ª Magistrada do MºPº junto deste STA emitiu douto parecer no sentido da confirmação do acórdão recorrido.<br /><strong><br />[ III - Factos ]</strong><br />O acórdão «sub censura» considerou provados os seguintes factos:<br />a) Em 09/05/1997, foi celebrado um “memorando de entendimento entre o Ministério do Ambiente e o sector cimenteiro nacional sobre a eliminação de resíduos pela indústria cimenteira, em que se definem as bases da intervenção do sector cimenteiro na gestão de resíduos industriais — cfr. doc. de fls. 126 a 129, que se dá por reproduzido;<br />b) Em Dezembro de 1998, foi elaborado o “parecer - síntese” da Comissão de Avaliação do Impacte Ambiental do projecto de eliminação dos resíduos industriais pelo sector cimenteiro, que incidiu sobre quatro cimenteiras nacionais e em que se conclui que “não se colocam questões de carácter técnico inibidoras da localização de qualquer das componentes do projecto” e que “os problemas de natureza técnica suscitados pelas diversas localizações das diversas componentes do projecto apresentado pela D… são passíveis de ser enfrentados tecnicamente com suficiente eficácia ambiental, uma vez adoptadas as soluções que reflictam o estado da arte e assegurado o cumprimento rigoroso dos procedimentos legais e a satisfação das condicionantes constantes deste parecer” — cfr. doc. de fls. 38 a 42, que se dá por reproduzido;<br />c) Na sequência do parecer indicado na alínea anterior, foi emitida, em 28/12/1998 Declaração de Impacto Ambiental favorável - acordo;<br />d) Em 20/06/2000, a Câmara Municipal de Setúbal deliberou “rejeitar a intenção do Governo de co-incinerar resíduos perigosos no Parque Natural da Arrábida”— cfr. docs. de fls. 117 a 120 dos autos;<br />e) Em 20/07/2000, foi publicado no D.R., I Série-B e em Anexo a Resolução do Conselho de Ministros, o relatório da Comissão Científica Independente, em que se conclui:<br />“8 - Conclusões e recomendações (...)<br />Com base nos argumentos apresentados em pormenor ao longo deste relatório, a CCI resume as suas recomendações mais relevantes:<br />1) De acordo com as directivas da UE segundo as quais os Estados membros devem seguir um princípio de auto-suficiência e proximidade para a gestão de resíduos, a CCI reconhece a necessidade premente de Portugal dispor de unidades de queima de resíduos industriais perigosos, aplicável quando se apresentar como a melhor opção em impacte ambiental para a valorização e a eliminação de RIP;<br />2) A Comissão recomenda o processo de co-incineração em fornos de unidades cimenteiras por não implicar um acréscimo previsível de emissões nocivas para a saúde quando comparado com a utilização de combustíveis tradicionais, por ter menores impactes ambientais que as incineradoras dedicadas, contribuir para um decréscimo do efeito de estufa, conduzir a uma maior recuperação de energia, por não ter impactes ambientais acrescidos em relação aos da produção de cimento quando respeitando os limites fixados, por razões económicas mais favoráveis em termos de investimentos e de custos de operação, e por se revelar como uma solução mais flexível para a gestão dos RIP, permitindo acompanhar melhor a evolução tecnológica;<br />3) Das unidades cimenteiras referidas no Decreto-Lei n.° 120/99, de 16 de Abril, para o processo de co-incineração de RIP, a Comissão recomenda que a unidade de … não proceda à queima deste tipo de resíduos. Por isso se propõe o alargamento destas unidades a uma das outras cimenteiras de ... ou de …, devendo a opção ser a favor da unidade que apresente um melhor desempenho ambiental.Porque a queima de RIP em fornos de cimenteiras com as regras propostas (v. 8) não implica impactes ambientais acrescidos em relação à produção de cimento e porque ... possui certificação de qualidade e certificação ambiental, nos termos das normas JSO 9000 e JSO 14 000, a Comissão recomenda este alargamento a ...;<br />4) Quaisquer das unidades cimenteiras em apreço estão certificadas segundo as normas JSO 9000, são das cimenteiras com melhor desempenho energético ao nível europeu, o que torna estas unidades credíveis para iniciarem o processo de co-incineração de RIP a título provisório. O facto de possuírem certificação ISO fornece uma vantagem adicional para o processo de acompanhamento das suas actividades;<br />5) Deve existir uma Unidade para o Pré-Tratamento de RIP, que tem por objectivo transformar os resíduos num material homogéneo, de manipulação industrial segura, e com características que respeitam certas especificações físicas e químicas que os tornem aptos como fonte de combustíveis e matérias-primas minerais para os fornos das cimenteiras;<br />6) A Comissão recomenda que seja elaborada uma lista inicial de RIP para co-incineração, a qual deverá ser revista de cinco em cinco anos, para poder acompanhar as evoluções tecnológicas e de gestão de resíduos;<br />7) A Comissão recomenda que o processo de aceitação de RIP para co-incineração requeira análises químicas independentes de duas amostras dos resíduos e a aprovação de uma comissão apropriada;<br />8) Para garantir a ausência de riscos acrescidos para as populações e a segurança dos operadores, e dada a necessidade de, para este efeito, assegurar o controlo efectivo da emissão de poluentes dentro dos limites fixados na legislação, bem como a concentração de metais pesados no cimento, a Comissão considera que:<br />A queima dos RIP deve ser efectuada no queimador principal;Devem ser fixados limites à composição química dos resíduos aceites na UPT para co-incineração (v. capítulo 7);<br />Devem ser fixados limites à composição química em cloro e em metais pesados para a entrada de RIP nos fornos das cimenteiras (v. capítulo 7);<br />9) Cada cimenteira a operar em co-incineração deve dispor, em redor da unidade de queima, de uma rede de medição do impacte ao nível do solo e do ar da sua emissão de efluentes;<br />10) Nas localidades onde decorre o processo de co-incineração de RIP em cimenteiras, para fomentar a confiança das populações através de uma transparência de processos, propõe--se que membros da Comissão Local intervenham activamente no sistema de controlo, mediante a criação de procedimentos para uma informação relevante assídua, em tempo real quando tecnicamente possível;<br />11) Todas as unidades licenciadas para a co-incineração de RIP devem, no momento de passagem à situação de licença definitiva, estar certificadas pelas normas ISO 14000;<br />12) Às populações que se encontrem na imediação das cimenteiras a operar em co-incineração deverá ser proporcionada vigilância epidemiológica activa que assegure a detecção precoce de qualquer problema de saúde.”Cfr. doc. de fls. 717 a 868, que se dá por reproduzido;<br />f) Em 11/12/2000, foi elaborado o relatório do Grupo de Trabalho Médico sobre os riscos para a saúde pública do processo de co-incineração, em que, e entre mais, se lê:“... cada situação de produção de poluentes, em resultado de incineração ou de co-incineração, exige uma avaliação especifica. A variabilidade de condições meteorológicas e geográficas, que condiciona riscos distintos de poluição atmosférica e/ou dos solos, as diferenças de densidade populacional das comunidades sujeitas aos poluentes, e a caracterização, qualitativa e quantitativa, das produções agrícolas e animais no perímetro afectado, podem, eventualmente, condicionar a existência de um risco não desprezível para a saúde”.<br />Conclusão<br />A co-incineração de resíduos industriais perigosos em cimenteiras, realizada de acordo com os mais recentes normativos tecnológicos, sendo uma solução final para um conjunto de resíduos sem tratamento aparente, contribui globalmente para uma franca redução dos riscos para a saúde das populações que resultam da contaminação de solos ou da queima não controlada.<br />A evidência científica disponível quanto à co-incineração, aponta no sentido de que a substituição de uma parte do combustível convencional por resíduos não se traduzirá por um acréscimo de emissões nocivas. Nestas condições, a co-incineração não contribuirá para uma exposição acrescida a substâncias prejudiciais à saúde, nem através de emissões para a atmosfera nem através do cimento produzido.”<br />No entanto, dever-se-á acautelar a eventualidade de riscos acrescidos a nível das localizações nas quais o processo de tratamento de resíduos em co-incineração possa vir a ocorrer, através da prévia caracterização detalhada das condições ambientais e populacionais de cada local em causa, e das posteriores monitorização ambiental e vigilância epidemiológica. Estes procedimentos constituem os recursos instrumentais para prevenir, garantir a detecção precoce de complicações e minimizar eventuais riscos. Devem por isso esses procedimentos ser assegurados em conjunção com os propostos no relatório da CCI tendentes a garantir a segurança das populações.<br />Em conclusão, para efeito do disposto no n°4 do artigo 5°da Lei n°22/2000 de 10 de Agosto, e uma vez asseguradas as condições anteriormente enunciadas, entende-se, tendo em conta o estado actual dos conhecimentos e os resultados de estudos realizados noutros países em situações similares, dar parecer positivo ao desenvolvimento das operações de co-incineração de resíduos industriais.” - cfr. doc. de fls. 203 a 213, que se dá por reproduzido;g) Em 10/04/2001 a B…, elaborou “uma análise crítica” em que, entre o mais, conclui que “a tese defendida pela CCI de que uma cimenteira a queimar resíduos industriais perigosos não tem emissões acrescidas é falsa...” - cfr. doc. de fls. 134 a 145, que se dá por reproduzido;h) Para além do estudo indicado na alínea anterior, circularam pareceres no seio da comunidade universitária e foram publicados artigos de opinião na comunicação social, em que e em síntese, imputam-se erros ao relatório da CCI e rejeita-se a realização da co-incineração de resíduos industriais perigosos nas cimenteiras por, alegadamente, ter efeitos nocivos sobre a saúde humana e sobre o ambiente - cfr. docs. de fls. 43, 51, 52, 53 a 68, 69 a 87, 109 a 116, 130 a 131, 132 a 133, 146, 147, 155 a 189, 190 a 203, 240 a 242, 243 a 248, 249 a 252 dos autos, que se dão por reproduzidos;<br />i) Em Abril de 2002, a Comissão Científica Independente apresentou os “resultados dos testes definitivos para a co-incineração de resíduos industriais perigosos na cimenteira do ...”, que incidiram sobre os ensaios realizados entre 18/02/2002 e 11/03/2002 e em que, entre o mais, se concluiu pela “... adequação da opção da co-incineração em unidades cimenteiras para o tratamento de resíduos Industriais perigosos cujo destino final requer destruição térmica. No que diz respeito aos poluentes mais perigosos para o ambiente e para a saúde pública — metais pesados e dioxinas/furanos — não se verificaram quaisquer emissões acrescidas pela combustão de resíduos industriais perigosos, até uma substituição em energia de cerca de 15% praticado em relação ao combustível corrente. Verifica-se ainda que as emissões de tais poluentes estão muito abaixo dos limites permitidos pela nova Directiva Europeia 76/CE/2000 para o processo de co-incineração (...)“ — cfr. doc. de fls. 215 a 231, que se dá por reproduzido;<br />j) Os resultados dos testes indicados na alínea anterior, foram objecto, por parte da CCI, de “parecer favorável à laboração do processo de co-incineração de RIP na cimenteira da A..., no forno 9 do ..., por um período provisório de seis meses” — cfr. doc. de fls. 232 a 235, que se dá por reproduzido;<br />k) Em Dezembro de 2005, foi elaborado o “relatório dos processos de co-incineração de resíduos em articulação com os CJR VER”, em que, entre o mais, se lê:<br />“(...) V) Depois do último relatório existe alguma evidência de que a CI apresente algum perigo ambiental ou para a saúde?<br />R) A co-incineração de RIP já vem sendo praticada em cimenteiras há 20 anos e não há evidência de constituírem actualmente qualquer perigo para a saúde pública e para o ambiente (...) Actualmente (...) com o recurso a tecnologias BAT, são dos processos mais seguros e valiosos para a gestão de resíduos não passíveis de tratamento de maior hierarquia a custos económicos aceitáveis, desde que o seu conteúdo calorífico seja superior a 8 MJ/kg. Em condições especiais pode mesmo ser usada para a eliminação de pequenas quantidades de PoPs.<br />Quanto aos metais pesados, deverão ser aplicadas as restrições recomendadas pela CCI à entrada do forno, tomando como referência os níveis propostos na nova legislação norte-americana.<br />VI) Há alguma evidência de que a co-incineração em cimenteiras cause emissões significativas de dioxinas?<br />R. Informação técnica abundante mostra claramente que as cimenteiras actuais são uma fonte irrelevante de dioxinas, quer a laborar com combustível normal quer co-incinerando resíduos, urbanos ou industriais, banais ou perigosos. Estima-se que as cimenteiras contribuam com valores inferiores a 0,5% para as emissões totais de dioxinas/furanos nos 25 países da União Europeia<br />VII) Os locais previstos para a CI devem obrigatoriamente ser os mesmos?<br />R. Tendo sido transcrita para a legislação portuguesa a directiva europeia, todas as unidades cimenteiras se encontram em condições de solicitar autorização para a valorização de resíduos industriais, quer banais quer perigosos, dado que praticam BAT e se encontram certificadas a nível industrial. A operação regular da CI requer a realização de ensaios prévios de queima de RIPs para verificar da conformidade com os níveis de emissão permitidos.<br />“— cfr. doc. de fls. 546 a 713 dos autos, que se dá por reproduzido;<br />l) Em 08/03/2006 a Câmara Municipal de Setúbal deliberou aprovar a “Moção co-incineração” em que, invocando-se a existência do Parque Natural da Arrábida, se rejeita a possibilidade de co-incinerar resíduos perigosos na cimenteira da A..., no ... – cfr. docs. de fls. 122;<br />m) No relatório elaborado sobre a “análise das emissões atmosféricas da valorização energética de resíduos industriais banais na fábrica A...-...”, realizadas durante Julho de 2005 e Maio de 2006, concluiu-se que, quanto às emissões atmosféricas de resíduos não perigosos, “... não ocorreram alterações significativas nas emissões atmosféricas (...) devido à substituição parcial do combustível principal (coque de petróleo, fuel óleo) por combustíveis alternativos (resíduos industriais banais)” — cfr. doc. de fls. 1314 a 1326;<br />n) Através de requerimento datado de 10 de Julho de 2006, dirigido ao Instituto de Resíduos, a A..., S.A., requereu “... a dispensa do procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), ao abrigo do art. 3° do Decreto-Lei n.° 69/2001, de 3 de Maio (...) para o Projecto de Alteração para Co-incineração de Resíduos Industriais Perigosos na sua unidade fabril ...”, sita no ... — cfr. P.A.;<br />o) Em 14/07/2006, o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, proferiu o seguinte despacho:<br />“Despacho n° 16 090/2006<br />Por requerimento dirigido ao Instituto dos Resíduos, a A... - Companhia Geral de Cal e Cimento, S. A., adiante designada por A..., na qualidade de proponente, solicitou a dispensa total do procedimento de avaliação de impacto ambiental (AIA) para o projecto de alteração para co-incineração de resíduos industriais perigosos (RIP) na fábrica da A..., no ..., localizada na freguesia de Nossa Senhora da Anunciada, concelho de Setúbal, nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei n.° 69/2000, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 197/2005;<br />Para esse efeito, a A... sustenta que:<br />Para efectuar a co-incineração dos RIP de lamas oleosas (LER 190205, LER 050103 e LER 050106), óleos (LER 190207 e LER 191103) e solventes (LER 190208), não é necessário efectuar qualquer alteração na actual instalação, uma vez que irão ser usadas as infra-estruturas existentes para armazenamento e alimentação aos fornos de resíduos industriais banais (RIB), não havendo lugar a alterações tecnológicas, operacionais ou mudança de dimensão, verificando-se apenas uma alteração de combustível;O diferencial de impacte ambiental dessa alteração terá assim exclusivamente a ver com eventuais diferenças que possam existir ao nível das emissões resultantes da co-incineração destes resíduos;<br />As alterações necessárias já foram sujeitas a um procedimento de AIA, que decorreu em 1998, o qual foi bastante detalhado e complementado com estudos adicionais, nomeadamente na vertente qualidade do ar e análise de risco, e cuja comissão de avaliação concluiu não existir risco para o ambiente em resultado da co-incineração de resíduos na A...;<br />Do referido procedimento de AIA resultou que não se colocavam questões de carácter técnico inibidoras da localização de qualquer das componentes do projecto;Posteriormente, foi criada, nos termos da Lei n° 20/99, de 15 de Abril, e do Decreto-Lei nº 120/99, de 16 de Abril, a Comissão Cientifica independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-Incineração, adiante designada por CCI, no sentido de fazer a análise dos efeitos da co-incineração na qualidade do ar e saúde humana, de forma a dar um parecer sobre o tratamento de RIP e sobre a implementação da respectiva co-incineração;Demonstrou a CCI após uma exaustiva identificação das várias tecnologias alternativas disponíveis, que a co-incineração em fornos de cimento seria a solução a adoptar, visto permitir, em condições economicamente muito mais favoráveis, adaptar a capacidade de tratamento a uma evolução previsível, que se traduz numa grande capacidade inicial para resolver um enorme passivo de RIP, acumulado ao longo de dezenas de anos, com diminuição progressiva, como resultado de uma adequada gestão estratégica do problema, que possa incentivar a redução da produção e outras formas de valorização;A CCI emitiu um parecer favorável à co-incineração de RIP, recomendando dois locais para essa operação: ... e …, tendo iniciado o processo de fiscalização e controlo de ensaios de queima;<br />Foi ainda decidido, pela Assembleia da República, ao aprovar a Lei n.º 22/2000, de 10 de Agosto, a criação de um grupo de trabalho médico para o estudo especifico do impacte sobre a saúde pública dos processos de queima de RIP, o qual emitiu, em Dezembro de 2000, parecer positivo ao desenvolvimento das operações de co-incineração de resíduos industriais e concluiu que a co-incineração não contribuiria para uma exposição acrescida a substâncias prejudiciais à saúde, nem através de emissões para a atmosfera nem através do cimento produzido;<br />De acordo com as conclusões da CCI relativamente aos ensaios da queima de resíduos industriais perigosos, que foram efectuados na cimenteira de ..., entre 22 de Fevereiro a 11 de Março de 2002, confirmou-se, de forma objectiva, a adequação da opção da valorização energética em unidades cimenteiras para o tratamento de resíduos industriais perigosos cujo destino final requer a destruição térmica;<br />Se verificou que as emissões de tais poluentes estavam muito abaixo dos limites permitidos pela Directiva Europeia n° 76/CE/2000, de 4 de Dezembro, para o processo de co-incineração, transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei n.° 85/2005, de 28 de Abril;<br />A fábrica da A... - ... detém experiência de co-incineração de RIB, que se iniciou na sequência da atribuição da licença de operação e que veio demonstrar que esse processo não tem impactes negativos significativos, estando as emissões monitorizadas abaixo dos valores limite de emissão impostos pelo Decreto-Lei n.° 85/2005, de 28 de Abril;No âmbito desta licença de operação, entre Julho de 2005 e Junho de 2006, a fábrica da A... – ... valorizou energeticamente 63423,4 t de resíduos, dos quais 38948,3 t abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 85/2005, de 28 de Abril (farinhas de carne e osso, chips de pneus, RDF—fracção leve de veículos em fim de vida), cujo auto controlo das emissões atmosféricas foi efectuado em continuo no que se refere aos parâmetros de partículas CO, S02, NOx, COT, HCJ e HF, bem como para os parâmetros de processo de vapor de água, oxigénio, temperatura e pressão atmosférica, tendo os respectivos resultados sido enviados trimestralmente ao instituto do Ambiente (IA);<br />Ainda neste âmbito, os resultados apresentados ao instituto dos Resíduos, em relatório de actividade anual, demonstraram que não ocorreram alterações significativas nas emissões atmosféricas das fábricas A..., ..., devido à substituição parcial do combustível principal (coque de petróleo e fuelóleo) por combustíveis alternativos (resíduos industriais banais);<br />A fábrica da A...-... tem vindo a introduzir medidas de melhoria de processos fabris, tendo em 2004 terminado a implementação de um conjunto de acções de modernização ambiental, de acordo com o contrato de melhoria contínua de desempenho ambiental que a indústria cimenteira assinou com os ministérios responsáveis pelas áreas do ambiente e da economia, destacando-se, em termos de co-incineração de resíduos, as acções que incidem sobre as emissões dos fornos de clínquer e acções relativas à melhoria da monitorização ambiental (na medida em que estas são fundamentais para atestar o adequado funcionamento das primeiras);<br />A fábrica A...-... detém certificação de qualidade pela Norma ISO 9001 e certificação ambiental pela Norma ISO 14001 e no âmbito da certificação ambiental tem introduzido melhorias diversas no processo produtivo e nas acções de controlo ambiental relevantes para a garantia das adequadas condições para a co-incineração de resíduos;A importância de soluções de gestão dos resíduos industriais perigosos de âmbito nacional conduz à necessidade inadiável da implementação de uma solução abrangente e integrada. Neste sentido, considerando a instalação dos centros integrados de recuperação, valorização e eliminação de resíduos perigosos (CIR VER), criados pelo Decreto-Lei n.° 3/2004, de 3 de Janeiro, os quais irão tratar cerca de 90% dos RIP, a utilização da fracção co-incinerável de RIP como combustível alternativo na fábrica A... - ... será a melhor opção típica «fim de linha», podendo satisfazer o duplo objectivo de eliminar e de valorizar em termos energéticos os RIP;<br />A dispensa do procedimento de AIA está prevista no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 197/2005, de 8 de Novembro, podendo ser concedida uma vez verificada a existência de circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas;<br />O Instituto dos Resíduos, na qualidade de entidade competente de licenciamento da operação ao abrigo do Decreto-Lei n.º 85/2005, remeteu ao IA o requerimento do proponente e um parecer favorável à dispensa, realçando os aspectos que justificam a pretensão da A... quanto ao procedimento de AIA do projecto de co-incineração de RIPO instituto dos Resíduos reiterou a necessidade técnica de se encontrar uma solução para os RIP ao nível nacional, referindo a existência de um processo de pré-contencioso comunitário, sendo uma das questões mais relevantes deste processo o não cumprimento, por Portugal, da Directiva n.º 91/689/CEE, do Conselho, de 12 de Dezembro, relativa aos resíduos perigosos, designadamente quanto a não tomar as medidas necessárias para permitir o tratamento adequado dos RIP, tendo sido dado um prazo bastante limitado para Portugal responder; Salienta ainda este instituto que o cumprimento do quadro legislativo nacional e comunitário em vigor permite garantir que a gestão destes resíduos nas unidades de co-incineração corresponde a um elevado nível de protecção da saúde humana e do ambiente, permitindo, também, através da redução das suas exportações, garantir a aplicação dos princípios da proximidade e da auto-suficiência ao nível da gestão de resíduos perigosos;<br />Por fim, refere o INR que do ponto de vista da política de gestão de resíduos se justiça a adopção de medidas de urgência aplicáveis a todo o procedimento, que conduzam à entrada em funcionamento destas instalações;<br />O IA, na qualidade de Autoridade de AIA, emitiu parecer favorável à dispensa do procedimento de AIA, considerando que o pedido apresentado pela A... se encontra enquadrado por suficiente justificação técnica, propondo ainda um conjunto de medidas de minimização dos impactes ambientais considerados relevantes.<br />Assim, tendo em conta que:<br />A alteração em causa já foi sujeita a um procedimento de AIA, detalhado e complementado com estudos adicionais, cuja comissão de avaliação concluiu não existir risco para o ambiente em resultado da co-incineração de resíduos na A...-...;Posteriormente, foi criada a CCI que se pronunciou favoravelmente à co-incineração de RIP nesta instalação;<br />O grupo médico emitiu parecer positivo ao desenvolvimento das operações de co-incineração de resíduos industriais, concluindo que a co-incineração de RIP em cimenteiras, realizada de acordo com os mais recentes normativos tecnológicos, contribui globalmente para uma franca redução dos riscos para a saúde das populações que resultam da contaminação de solos ou da queima não controlada; foram realizados ensaios de queima de RIP na fábrica da A...-..., cujos resultados demonstraram a não existência de quaisquer emissões acrescidas e que as emissões das componentes mais perigosas para a saúde pública estão abaixo dos limites permitidos pela legislação em vigor;<br />A fábrica da A...-... alcançou melhorias no seu desempenho ambiental, nomeadamente no que respeita às emissões dos fornos de clínquer e à monitorização;<br />A fábrica da A...-... detém experiência de co-incineração de RIB, tendo-se verificado que esse processo não tem impactes negativos significativos, estando as emissões monitorizadas abaixo dos valores limite de emissão, conforme atestado pelo Instituto dos Resíduos;<br />Actualmente, Portugal exporta cerca de metade da sua produção anual de RIP, contrariando o princípio da auto-suficiência que norteia a política europeia de resíduos, orientada para a redução da exportação;<br />O regime jurídico dos resíduos, recentemente aprovado, consagra o princípio da auto-suficiência como um dos princípios orientadores da política de gestão de resíduos, nos termos do qual devem ser criadas condições para que a gestão dos FJP decorra, preferencialmente, em território nacional, reduzindo, assim, ao mínimo possível os movimentos transfronteiriços de resíduos;<br />Neste quadro, configura-se como uma prioridade do Governo no domínio específico dos resíduos, reiterada no seu Programa, a criação de soluções para a adequada gestão de RIP;<br />O princípio da hierarquia das operações de gestão de resíduos, consagrado no novo regime jurídico dos resíduos, em conformidade com a Directiva n.° 75/442/CEE, do Conselho, de 15 Julho, estabelece que deve ser dada prioridade à prevenção, reutilização, reciclagem ou outras formas de valorização, em detrimento da eliminação definitiva de resíduos, nomeadamente a sua deposição em aterro, quando seja técnica ou financeiramente inviável a opção por uma das outras soluções;<br />O actual enquadramento sócio-económico e ambiental da gestão de RIP, com destaque para as restrições à deposição de resíduos orgânicos em aterros, o aumento do custo dos combustíveis fósseis e as decisões comunitárias que determinam os processos de co-incineração como operações de valorização energética, favorece a opção pela co-incineração de resíduos;<br />A valorização energética de RIP por co-incineração se configura como uma solução adequada para a fracção destes resíduos não susceptível de operações prioritárias à luz do princípio da hierarquia acima referido;<br />Existe no País um passivo ambiental de resíduos industriais, incluindo perigosos, indevidamente acumulado em diversos locais, alguns dos quais há muito referenciados e para o qual urge encontrar solução eficaz;<br />É necessária e urgente uma solução de gestão dos RIP de âmbito nacional e que complemente os CIRVER;<br />O processo de pré-contencioso comunitário relativo ao tratamento de RIP em Portugal contribui para reforçar a premência da implementação de uma solução nacional para a gestão da totalidade destes resíduos;<br />Os pareceres da autoridade nacional em matéria de resíduos e da autoridade de AIA são favoráveis à dispensa total de procedimento de AIA;<br />Conclui-se estarem reunidas as condições que justificam a dispensa do procedimento de avaliação de impacte ambiental.<br />Assim, ao abrigo e nos termos do disposto no n° 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.° 69/2000, de 3 de Maio, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro, determina-se que o projecto de alteração para co-incineração de resíduos industriais perigosos na fábrica da A... no ... seja totalmente dispensado do procedimento de avaliação de impacte ambiental, ficando a presente dispensa condicionada ao cumprimento integral das medidas de minimização, anexas ao presente despacho de 14 de Julho de 2006. – O Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, Francisco Carlos da Graça Nunes Correia.<br />Medidas de minimização<br />Projecto «Alteração para co-incineração de resíduos industriais perigosos na fábrica da A... no...»<br />Sem prejuízo das medidas de minimização e monitorização decorrentes do licenciamento ambiental, devem ser aplicadas as seguintes medidas de minimização.<br />Transporte e recepção dos resíduos:<br />O transporte dos resíduos deverá cumprir o disposto em directrizes legais aplicáveis em vigor; Controlo analítico da composição dos resíduos recebidos através de plano de amostragem; Procedimento de detecção de eventual radioactividade; Armazenagem: Armazenagem dos resíduos líquidos em silos estanques (inox); Silos de resíduos líquidos instalados em bacia de retenção de forma a prevenir derrames; Silos devidamente identificados com o tipo de resíduos que contêm; Armazenagem das quantidades mínimas necessárias à manutenção do processo produtivo; Alimentação aos fornos: Sistemas automáticos em circuito fechado por bombagem para encaminhamento dos resíduos ao queimador, sem intervenção humana; Consumo de resíduos controlado por doseadores em contínuo à saída dos silos; Sistema informático de controlo e condução do processo de queima dos fornos, não permitindo a valorização de resíduos se, em situações de arranque, a temperatura da torre de ciclones for inferior a 850ºC e a marcha dos fornos for inferior a 1,2 rpm no forno 8 e 1,8 rpm no forno 9; Gestão - dispor de sistema de gestão ambiental certificado;<br />Monitorização:Monitorização das emissões atmosféricas das chaminés dos fornos de acordo com o estabelecido no Decreto-Lei n.° 85/2005, de 28 de Abril;<br />Procedimentos de actuação definidos em caso de ultrapassagem de valores limite de emissão;<br />Todos os resultados das medições devem ser registados, processados, validados e enviados às entidades competentes; Estações de monitorização da qualidade do ar ao nível do solo que permitem a medição dos seguinte parâmetros: monóxido de carbono (CO), óxidos de azoto (NOx), dióxido de enxofre (S02), PMJO, PM2,5, ozono (03) e parâmetros meteorológicos;<br />Actuação em emergência em incêndio e explosão:<br />Plano de emergência interno implementado, que estabelece a estrutura de emergência e inclui instruções de como proceder em diversos cenários de emergência;<br />Equipamento de primeira intervenção, constituído por rede de incêndio equipada com hidrantes de ligação STORZ de 50 mm e 70 mm, rede de incêndio armada e extintores adequados às classes de fogos previsíveis;<br />Existência de material para a contenção de derrames, nomeadamente de absorventes para hidrocarbonetos e absorventes para produtos químicos, devidamente localizados na fábrica;<br />Realização periódica de simulacros para testar a preparação dos operadores destacados para ocorrer em emergências e analisar e rever os modos de actuação;<br />Minimização da emissão de NOx- utilização de SNCR, quando necessário;<br />Minimização da emissão de metais pesados – filtros de mangas”. Cfr. fls. 33 a 35 dos autos;<br />p) Em 20/10/2006, o Instituto do Ambiente, emitiu a “licença ambiental” que habilita a A..., S.A., “para o exercício da actividade de fabrico de cimento e de co-incineração de resíduos, incluídas respectivamente na categoria 3. 1ª e 5.1 do Anexo I do Decreto-Lei n.° 194/2000, de 21 de Agosto, e classificadas com a CAE n.° 26510 (Fabrico e comercialização de cimento)” — cfr. doc. de fls. 476 a 523, que se dá por reproduzido;<br />q) Através de Oficio expedido em 24/10/2006, o Instituto de Resíduos notificou a A..., S.A. que emitiu a seu favor a licença de instalação, referente à operação de co-incineração — cfr. doc. de fls. 1011 a 1029 dos autos;<br />r) Em 27/11/2006, o Instituto dos Resíduos emitiu, a favor da A..., S.A., a “licença de exploração n° 1012006/INR, nos termos do Decreto-Lei n.° 85/2005, de 28 de Abril” — cfr. doc. de fls. 525 a 545, que se dá por reproduzido;<br />s) Em 29/11/2006, o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional proferiu o seguinte despacho em que determina:<br />“1- Reconhecer, para efeitos do n.° 1 do artigo 128° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, os graves prejuízos para o interesse público resultantes de um eventual diferimento na execução do meu despacho n° 16.090/2006, de 14 de Julho de 2006, publicado na II série do Diário da República n° 149, de 3 de Agosto de 2006, e, em consequência;<br />2- Determinar a continuação da execução do referido Despacho.”Cfr. doc. de fls. 1414 e segs., que se dá por reproduzido;<br />u) Lê-se, entre o mais, no intróito do r.i. que a presente acção é intentada “...contra a A... — Companhia de Cal e Cimento, S.A. (...), na qualidade de interessada particular e beneficiária da supra referida dispensa de avaliação de impacte ambiental” — cfr. fls. 2 dos autos;<br />v) Os Requerentes formularam o seguinte pedido:<br />“Em face da matéria de facto e de Direito supra-exposta, no pressuposto do douto e proficiente suprimento de V. Ex.as, Meritíssimos (as) Juízes, deverão ser adoptadas as requeridas providências cautelares, determinando-se a suspensão de eficácia do Despacho n.º 16.090/2006, da autoria do Ex. mo Senhor Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional de 14.07.2006, publicado no D.R, II Série de 3.08.2006 (doc. 1 do processo principal) e intimando as entidades da Administração e da entidade particular, requeridas na presente acção, a que se abstenham de licenciar, autorizar ou realizar os testes e demais operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos na fábrica da A... no ..., para cujo projecto de alteração foi concedida, ilegalmente, a dispensa de avaliação de impacte ambiental , até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na acção principal .<br />Mais se requer ao abrigo do art. 131º, 1, do CPTA o decretamento provisório das requeridas providências cautelares tendo em consideração os factores de urgência e de eminência de grave risco para a saúde pública, principalmente dos cidadãos que habitam nos concelhos dos Municípios ora requerentes e para o meio ambiente em geral e desses mesmos concelhos em particular que advêm inevitavelmente das operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos e que foram alegados ao longo da presente petição.” Cfr. fls. 25 dos autos.<br /><br /><strong>[IV - Direito]</strong><br />Passemos ao direito.<br />Os municípios agora recorridos vieram, num único processo, «requerer a adopção de duas providências cautelares»; e, dando satisfação parcial ao solicitado, o TAF de Almada decidiu suspender a eficácia do despacho n.º 16.090/2006, da autoria do Ministro do Ambiente, e intimar a A... a abster-se de realizar testes e demais operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos numa sua fábrica, sita no .... Ora, o acórdão «sub judicio», provindo do TCA-Sul, reafirmou o decidido na 1.ª instância quanto à exigibilidade das providências, mantendo por inteiro aquelas pronúncias suspensiva e intimativa; e as presentes revistas acometem tal aresto, usando argumentos vários em prol da sua revogação.<br />A propósito desses argumentos, convém dizer, desde já, duas coisas: «primo», que a afirmação, múltiplas vezes repetida pelo Ministério do Ambiente, de que o acórdão recorrido silenciou ou ignorou certas questões não envolve a arguição de omissões de pronúncia – pois uma denúncia eficaz dessas nulidades teria de fazer-se «expressis verbis»; «secundo», que a conjugação das duas revistas consubstancia um ataque em largo espectro ao aresto recorrido – pois censuram-se nelas as duas providências emitidas e, sobretudo, não se introduz aí uma qualquer limitação aos poderes cognitivos de que este STA dispõe para aplicar ao caso «o regime jurídico que julgue adequado» (art. 150º, n.º 3, do CPC).<br />Ao longo do processo, as partes enfrentaram muitas vezes as questões relacionadas com a suspensão e a intimação de um modo conjunto, senão mesmo confuso, parecendo todas acreditar numa solidariedade íntima e indissociável dos dois assuntos. Todavia, tais questões são distintas e reclamam abordagens separadas. E, para além disso, as exigências inerentes à própria exposição do discurso levam a que dividamos a nossa indagação acerca da bondade do aresto em duas partes: assim, começaremos por atentar na admissibilidade de se suspender a eficácia do despacho n.º 16.090/2006; e só depois disso consideraremos o problema relativo à intimação da A....<br />Os municípios recorridos filiaram em duas autónomas razões a sua pretensão de que se suspendesse a eficácia do mencionado despacho: por um lado, na evidente ilegalidade dele e, por outro, nos prejuízos para o ambiente e para a saúde das populações que provavelmente adviriam da imediata execução do acto – e, ainda, na supremacia desses danos em relação aos causados pela não execução. O TAF de Almada afastou por completo aquela primeira razão de deferimento da providência – e essa pronúncia transitou, constituindo agora caso julgado formal. Quanto à segunda razão, temos que o aresto «sub censura» – secundando, aliás, o que dissera o TAF – considerou provável que, à execução do acto, se seguissem aqueles prejuízos, cujo relevo sobrelevaria a magnitude dos danos decorrentes da suspensão. Mas a perspectiva por que as instâncias abordaram o problema é imediatamente causal de várias perplexidades.<br />Desde logo, fere a atenção a circunstância de o acórdão ter enfrentado um pedido de suspensão de eficácia sem previamente atentar no tipo legal do acto suspendendo. Na medida em que vinha pedida a suspensão da eficácia de um despacho, impunha-se determinar qual o âmbito em que ele produziria tipicamente os seus efeitos, já que o apuramento dessa matéria constituía um antecedente necessário de duas operações ulteriores – a eventual qualificação dos efeitos prováveis do acto como danosos e a quantificação seguinte desses danos.<br />Depois, surpreende o grau de confiança com que as instâncias reconheceram haver um «periculum in mora» e efectuaram a ponderação de interesses (prevista no art. 120º, n.º 2, do CPTA). Trata-se de questões de facto, excluídas da apreciação deste STA. Mas, se atentarmos na factualidade que a sentença do TAF de Almada e o acórdão do TCA-Sul autonomizaram em elencos próprios, constata-se que estão aí referidos a existência e o conteúdo de relatórios e pareceres pró e contra as práticas da co-incineração – mas não o facto, puro e simples, de que as operações do género atentam, certa ou previsivelmente, contra o ambiente e a saúde das populações limítrofes. Dir-se-á porventura que as instâncias, nos pontos das decisões «de jure» em que discorreram sobre os riscos da co-incineração de resíduos industriais perigosos, efectuaram os seus julgamentos de facto acerca do assunto – tratando-se então do «exame crítico das provas» de que lhes cumpria conhecer (cfr. o art. 659º, n.º 3, do CPC). Mas, se assim foi, fica por explicar o motivo de não ter sido dada às partes a possibilidade de produzirem todas as provas por elas oferecidas; e, porque vem a propósito, deve sublinhar-se quão inaceitável é dizer-se – como fez a sentença, sem que o acórdão dela se demarcasse – que alguma das partes não cumpriu um «onus probandi» quando, afinal, lhe fora antes negada a possibilidade de produzir as provas que adrede oferecera.<br />Portanto, a primeira questão a elucidar no que concernia ao pedido de suspensão de eficácia era, e é, a do tipo legal do acto suspendendo, pois daí se inferirá a função típica que ele cumpre e os efeitos práticos a que naturalmente tende. Ora, a factualidade provada diz-nos que o despacho em causa se limitou a dispensar um procedimento de avaliação de impacto ambiental (AIA) – o qual, não fora essa dispensa, seria exigível no âmbito do procedimento mais amplo que a A... iniciara com vista a obter as licenças para implantar e fazer funcionar no ... uma instalação de co-incineração de resíduos («vide» o art. 3º do DL n.º 69/2000, de 3/5, na redacção do DL n.º 197/2005, de 8/11, e o regime jurídico estabelecido no DL n.º 85/2005, de 28/4). Nesta conformidade, o acto suspendendo culminou um subprocedimento incidentalmente enxertado num processo de licenciamento mais vasto e em curso; e a função do despacho foi apenas a de eliminar um dos passos normais desse procedimento principal, simplificando e acelerando os seus trâmites. Sendo assim, a execução do despacho – que os ora recorridos querem paralisar – trazia o efeito de tornar mais ágil a prossecução do processo de licenciamento, propiciando à A... uma obtenção mais rápida e mais simples das almejadas licenças.<br />Todavia, a factualidade provada diz-nos que a «licença ambiental» e a «licença de instalação», relativas à co-incineração dos autos, foram emitidas a favor da A... ainda antes da instauração do presente meio cautelar; e diz-nos também que a «licença de exploração» concernente à mesma actividade foi emitida em 27/11/2006 – ou seja, dois dias antes de ser emitida a «resolução fundamentada» prevista no art. 128º, n.º 1, do CPTA, mas sem que os ora recorridos tivessem pedido nos autos a «declaração de ineficácia» (n.º 4 do mesmo artigo) desse terceiro e último acto de licenciamento. Sendo as coisas assim, avulta de imediato a suspeita de que a suspensão, decretada pelo TAF em 23/1/2007, incidiu sobre um acto que já então estaria inteiramente executado.<br />Dissemos acima que o despacho suspendendo era um mero acto de trâmite. Enquanto acto intercalar, ele tendia a projectar os seus efeitos típicos dentro da marcha do procedimento global em que se integrava – pois, e como é sabido, a natureza instrumental desses actos costuma confinar o seu alcance à sequência em que se localizam. Mas, se os efeitos próprios do acto se resumiam a dar uma certa feição aos termos ulteriores do procedimento – no caso, eliminando a necessidade da AIA e permitindo, assim, que o processo se desenvolvesse e acabasse sem ela – torna-se então certo que tais efeitos se esgotaram com o fim do respectivo procedimento.<br />Isto significa logo duas essenciais coisas: que o TAF de Almada – com o posterior beneplácito do TCA-Sul – suspendeu a eficácia de um acto já executado; e que essa decisão foi tomada sem que minimamente se ponderasse se uma tal suspensão era admissível à luz do estatuído no art. 129º do CPTA. Ora, podemos já adiantar que temos por absolutamente certa uma tal inadmissibilidade.<br />Aquele art. 129º recusa, «a contrario sensu», que se suspenda a eficácia de um acto que nenhuns efeitos produza ou venha a produzir doravante. Trata-se de uma solução lógica, pois, por falta de objecto, seria absurdo suspender-se «in futurum» uma eficácia inteiramente plasmada no passado. Ora, e como vimos já, a eficácia do despacho suspendendo resumia-se a conformar de um certo modo os termos ulteriores do procedimento mais geral em que ele se incluíra; mas, atingido o fim desse procedimento administrativo, uma tal conformação terminou-se e estabilizou-se, sendo então óbvio que a eficácia intercalar ou intermediária do despacho – que era apenas conformativa do «modus operandi» – completamente se esgotou.<br />Portanto, quando a suspensão da eficácia foi judicialmente decretada, o acto em causa já não estava em condições de produzir quaisquer efeitos, pois produzira antes todos aqueles a que naturalmente tendia. A tese contrária, induzida pelo requerimento inicial e passivamente aceite pelas instâncias, incorre numa confusão e culmina num erro: confunde o despacho suspendendo com o licenciamento efectivo da actividade e mistura ainda a dispensa de AIA com a co-incineração – como se tudo isso fosse uma e a mesma coisa; erra ao imaginar que a suspensão de um acto de trâmite suspenderia também, «ea ipsa», os actos de licenciamento já acontecidos e não autonomamente atacados – pois a presença (actual «tempore sententiae») desses actos evidenciava que eles não eram efeitos que o despacho suspendendo viesse a produzir no futuro, assim como os efeitos que se lhes seguissem seriam efeitos deles, e não do despacho de dispensa da AIA. Nesta conformidade, o pedido de suspensão de eficácia tinha de ser indeferido, por tal resultar das ocorrências procedimentais e ser imposto pelo art. 129º do CPTA. E esta certeza dispensa-nos de – como aconteceu no acórdão deste STA de 31/10/2007, proferido no rec. n.º 471/07-11 – avaliar se o despacho suspendendo era abstractamente idóneo para causar os «prejuízos de difícil reparação» aludidos no art. 120º, n.º 1, al. b), do CPTA e, sendo-o, se tais prejuízos existiriam presumivelmente em concreto e, ainda, com a magnitude bastante para justificarem o deferimento da providência.<br />Assente que o aresto «sub judicio» tem de ser revogado no que concerne à decidida suspensão de eficácia, resta agora apurar se é legal a intimação da A... para se abster de efectuar quaisquer actividades de co-incineração. Não vale a pena perguntarmo-nos pelas razões que terão levado os municípios recorridos a formular um pedido destes, depois de já ter solicitado a suspensão do despacho ministerial; e também está agora excluído do «thema decidendum» ver se era possível cumular o segundo pedido com o primeiro – tendo em conta que ele se reconduzia à previsão típica do art. 112º, n.º 2, al. f), do CPTA, normalmente articulável com uma acção administrativa comum («vide» o art. 37º, n.º 3, do mesmo diploma), daí advindo o facto extraordinário, mas encarado nos autos com bonomia, de existir um procedimento cautelar que parece depender de duas causas principais. E, colocando tudo isso para além do nosso horizonte, somente nos importa agora reter e demonstrar a claríssima inadmissibilidade de se deferir aquele pedido de intimação. Com efeito, a intimação de alguém para actuar, mesmo que só provisoriamente, de maneira conforme às «normas de direito administrativo» tem como antecedente necessário a falta de uma definição jurídico-administrativa do assunto, ou seja, um «vacuum» decisório. Se porventura já existir uma pronúncia da Administração sobre a matéria, o interessado na actuação oposta não pode pôr entre parêntesis o acto administrativo produzido e passar ao pedido de intimação. É que é impossível que, sem uma prévia supressão do acto, o tribunal intime alguém a actuar de modo repugnante à definição entretanto introduzida e subsistente na ordem jurídica – pois essa conduta jurisdicional pulverizaria as fronteiras entre os poderes do Estado, como o Ministério do Ambiente bem assinalou. Aliás, isso já era inequivocamente assim no domínio das intimações para um comportamento, previstas na LPTA.<br />Mostra-se agora claro o motivo por que é de indeferir o pedido de intimação. A A... não pode ser judicialmente intimada a abster-se de co-incinerar pela razão singela de que foi admitida a fazê-lo através de actos administrativos de licenciamento que persistem e operam eficazmente na ordem jurídica. Portanto, qualquer ordem jurisdicional – fundada em razões de direito administrativo – dirigida à A... para que cesse as actividades de co-incineração na cimenteira em causa pressupõe que os respectivos licenciamentos tenham já deixado de valer ou, pelo menos, de produzir efeitos, única hipótese em que deveras se retornaria a um estado de vazio decisório a preencher pela intimação judicial, fosse ela provisória ou definitiva. Ora, e «in casu», a subsistência na ordem jurídica dos referidos licenciamentos a favor da A... justifica «recte et per se» a inadmissibilidade do pedido de intimação formulado nos autos.<br />Deste modo, as revistas merecem inteiro provimento, já que os recorrentes têm razão quando clamam que o acórdão «sub judicio» não pode manter-se. E impõe-se, assim, a revogação do aresto impugnado, bem como o indeferimento das duas providências cautelares – de suspensão e de intimação – solicitadas pelos municípios recorridos.<br /><br /><strong>Nestes termos, acordam:<br />a) Em conceder provimento aos presentes recursos de revista e em revogar o acórdão «sub censura»;<br />b) Em indeferir os pedidos de suspensão de eficácia e de intimação dos autos. Custas pelos municípios recorridos, neste STA e nas instâncias, sendo a taxa de justiça reduzida a metade (art. 73º-E do CCJ).</strong><br /><br />Lisboa, 10 de Janeiro de 2008. – Madeira dos Santos (relator) – Santos Botelho – Adérito Santos.<br /></div>Amarelahttp://www.blogger.com/profile/08644441266825025059noreply@blogger.com0