Assunto: Co-incineração de resíduos perigosos

Processo: 0675/07 – Processo Urgente / Providência Cautelar
Data do Acórdão: 10-01-2008
Relator: Madeira dos Santos

Sumário:
I – O despacho que, culminando um meio administrativo incidental, dispensou o procedimento de avaliação de impacte ambiental que deveria normalmente fazer-se num outro procedimento mais vasto, tendente a licenciar a actividade de co-incineração de resíduos industriais perigosos, constitui um acto intercalar relativamente ao futuro licenciamento.
II – Tal acto cumpre a função de eliminar um dos passos normais do procedimento principal, simplificando e acelerando os seus trâmites – e esgotando aí a sua eficácia.
III – Licenciada a actividade de co-incineração – e findo, assim, aquele procedimento mais vasto – mostra-se integralmente executado o despacho dito em I, sendo então impossível suspender a eficácia dele por ser de negar-lhe a produção ulterior de quaisquer efeitos.
IV – O pedido cautelar de intimação de alguém para que provisoriamente se abstenha de um certo comportamento, alegadamente violador de normas de direito administrativo, supõe que haja um vazio decisório, isto é, que não exista ou subsista uma qualquer pronúncia justificativa de tal comportamento.
V – Daí que não possa ser judicialmente intimada a abster-se de co-incinerar resíduos industriais perigosos a sociedade que fora admitida a fazê-lo através de actos administrativos de licenciamento que persistem e operam eficazmente na ordem jurídica.

Decisão:

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:

[ I ]
Os Municípios de Setúbal, Palmela e Sesimbra pediram ao TAF de Almada no mesmo requerimento inicial «a adopção de duas providências cautelares», sendo uma a suspensão da eficácia do Despacho n.º 16.090/2006, em que o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional concedeu uma «dispensa de avaliação de impacte ambiental», e consistindo a outra na intimação dos requeridos – o Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, o Ministério da Economia e da Inovação (doravante, Ministérios do Ambiente e da Economia), o Instituto do Ambiente, o Instituto dos Resíduos e a A… (doravante, A…) – a absterem-se «de licenciar, autorizar ou realizar os testes e demais operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos na fábrica da A… no...».

Por sentença de fls. 1764 e ss., o TAF de Almada decidiu suspender a eficácia daquele despacho n.º 16.090/2006 e intimou a A… «a abster-se de realizar os testes e demais operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos na referida fábrica».

O Ministério da Economia, o Ministério do Ambiente e a A... interpuseram recursos da sentença para o TCA-Sul.

E, por acórdão de fls. 2407 e ss., esse tribunal de 2.ª instância tomou as seguintes decisões: concedeu provimento ao recurso interposto pelo Ministério da Economia, que absolveu da instância, por ilegitimidade passiva; negou provimento aos recursos deduzidos pelo Ministério do Ambiente e pela A... – salvo, no recurso desta, quanto à atendibilidade de um facto – assim mantendo a «suspensão de eficácia do referido despacho» n.º 16.090/2006 e a intimação da A... «a abster-se das operações de co-incineração naquela fábrica».
[II – Recursos]
Inconformado com tal aresto, o Ministério do Ambiente interpôs para este STA um recurso de revista em que formulou as seguintes conclusões:
I – Da admissibilidade do presente recurso de revista
1) É público e notório que a questão da co-incineração de RIP’s desencadeou arrebatadas tomadas de posição e controvérsias, deslocando a análise do problema mais para o lado da paixão que para o lado da razão (científica, jurídica, etc.).
2) A relevância social do tema, e as questões levantadas à sua volta, determinaram que o mesmo fosse tratado a nível da Assembleia da República, e levaram à criação, inovadora entre nós, de uma Comissão Científica Independente, e, no seio desta, de um Grupo de Trabalho Médico.
3) O processo de co-incineração pretende desenvolver-se, para já, noutra cimenteira (…), pelo que uma decisão desse Supremo Tribunal servirá de orientação aos tribunais inferiores na apreciação das questões que já aí se encontram em julgamento, e noutras que de futuro se venham a colocar.
4) E servirá, certamente, não apenas como contributo a um melhor esclarecimento da questão, como ainda, para atalhar ao generalizado uso dos meios cautelares da nova lei de processo, interpretados do modo alargado que vem caracterizando as decisões dos tribunais inferiores, como meio para obstar a opções «políticas» do Governo — hoje sobre a gestão de RIP’s, e à realização de operações de co-incineração; amanhã outra qualquer questão da «política» do Governo (este ou outro).
5) Pelo que, as questões jurídicas a apreciar por esse Alto Tribunal se revestem de inegável importância jurídica, extravasando o caso concreto, prevendo-se que as questões suscitadas possam vir a ter aplicação em inúmeros casos futuros.
6) Assim, importará uma pronúncia desse Supremo Tribunal sobre:
i) A questão da admissibilidade de providência cautelar relativa a actividade regulada por lei expressa, e devidamente licenciada, quando a mesma não se fundamente na impugnação da lei que regula a actividade, ou dos licenciamentos conferidos ao seu abrigo (como sucede in casu, face ao DL 85/2005, e aos licenciamentos emitidos a coberto do mesmo); ou ainda, na inobservância de qualquer das condições de que a lei faz depender o regular exercício dessa actividade;
ii) A questão de saber se deve ser considerado no âmbito do artigo 120°, n° 1, al. b), do CPTA, toda e qualquer situação de facto consumado, ou apenas as merecedoras da tutela do direito, especialmente quando a providência incida sobre actividade legalmente licenciada nos termos da lei, ou dos licenciamentos emitidos ao abrigo da mesma (como ocorre in casu); e ainda,
iii) A questão de saber se o tribunal pode, substituindo-se ao requerente de uma dada providência, dispensá-lo do indicar o critério à luz do qual pretende ver declarada a providência; ou do ónus de alegar e fazer prova dos «prejuízos de difícil reparação», ou da constituição de uma situação de «facto consumado» e, nessas condições decretar a providência.
II – Dos fundamentos do presente recurso
7) Vem o presente recurso interposto do acórdão, de 10.5.2007, do TCA Sul, que negou provimento a recurso da decisão do TAF de Almada que decretara a suspensão de eficácia do despacho n.º 16090/2006 do MAOTDR — que dispensou... o procedimento de avaliação de impacte ambiental para proceder à co-incineração de resíduos industriais perigosos da fábrica cimenteira sita no ... — e, intimara à abstenção da realização de testes e demais operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos na referida fábrica (vd. relatório do acórdão em recurso a fls.70).
8) Porém, esse decisório:
- Ignora o que não podia ignorar: a existência de lei válida, e em vigor (maxime, o DL 69/2000, e o DL 85/2005);
- Acolhe o que não podia acolher: argumentos incompatíveis com a lei existente (o DL 69/2000, e o DL 85/2005, ex vi arts. 3º/1, 45º/1, e 120º/1 b), e 2, e do CPTA);
- Recusa o que não podia recusar: a análise da questão aprecianda pelo inelutável prisma do princípio da legalidade, isto é, do respeito pelo primado da lei cuja existência e validade, aliás, nunca foi posta em causa; como ainda, do princípio da segurança, e da separação de poderes, basilares dum Estado de Direito.
9) Erra, pois, o acórdão em recurso quando, no atinente à suspensão de eficácia do despacho n° 16090/2006 do MAOTDR, nada diz sobre a violação do princípio da separação de poderes, por intromissão do poder judicial no âmbito da discricionariedade administrativa, no tocante à declaração de que circunstâncias se reputam de excepcionais em sede de dispensa de AIA, nos termos do art. 3°/1 do DL 69/2000, do art. 3º do CPTA, e art. 2° da CRP;
10) Erra o acórdão em recurso por se restringir à mera (e infundada) afirmação de que «não é defensável pretender que a sentença recorrida se baseou em meras conjecturas ou eventualidades...», sem dizer, porém, porquê, ou face a que matéria dos autos e, principalmente, por ignorar o facto de, em Portugal, a opção pela co-incineração de RIP’, em detrimento doutros métodos ou soluções, ser objecto de Lei da República em vigor; e de que a co-incineração no ... foi objecto de todos os licenciamentos nos termos daquela exigíveis;11) Erra o acórdão em recurso ao afirmar que «se nos afigura não ser justificado nem prudente pretender que estando a quantidade total de dioxinas e furanos emitidos entre 2000 e 2006, abaixo dos valores limites da emissão desses poluentes, a co-incineração de RI Perigosos “nunca poderá prejudicar a saúde humana”, tanto mais quanto é certo que o último estudo de impacto ambiental foi realizado há quase dez anos atrás e por isso mesmo não tem em conta a evolução tecnológica nestas matérias entretanto ocorridas» — não se descortinando em que é que a AIA (aliás, efectuada já) pode influir nos níveis de emissão dioxinas e de furanos;
12) Como erra igualmente ao invocar a «evolução tecnológica na matéria», quando a legislação em Portugal (DL n° 85/2005, de 28.4) adoptou a co-incineração como método de tratamento de RIP’s, em detrimento de outros métodos ou soluções;
13) Como erra ainda, quando (ao que se apura da passagem transcrita na cópia dactilografada) afirma que «a decisão da 1.ª instância é correcta» porque «suspendeu o despacho que dispensou a AIA», e porque determinou a «suspensão das operações de co-incineração...», pois isso nada diz sobre os fundamentos dessa alegada «correcção», não demonstrando, face à matéria dos autos, as razões por que se entende ser a mesma como acertada.14) Como erra finalmente quando ignora a esmagadora maioria das questões suscitadas no recurso, sobre as quais, ou se não pronunciou, ou muito deficientemente o fez; nomeadamente ignorando a ponderação de interesses (art. 120°/2 do CPTA), quando do lado público temos lei expressa a consagrar a co-incineração como método de tratamento de RIPs, e a estabelecer as condições em que a mesma será exercida; e ainda, os licenciamentos atribuídos ao abrigo da mesma; e do lado privado apenas temos a suposta perigosidade acrescida da co-incineração quando confrontada com outros métodos, ao contrário daquele, não escolhidos na lei; ou dito doutro modo,
15) Quando ignora a circunstância do legislador, nos termos do DL 85/2005, ter adoptado como método de tratamento RIP’s (com exclusão de outros) a co-incineração; e de, ao abrigo desse diploma ter conferido os diferentes licenciamentos para o efeito à fábrica cimenteira do..., o que, só por si seria suficiente para denegar as providências requeridas, em nome do maior prejuízo adveniente da violação dos princípios do primado da lei, e da segurança jurídica, basilares num Estado de Direito — vd. art. 120º/2, articulado com o princípio aflorado no art. 45º/1 do CPTA, ex vi 9º/1 do CC, onde se dispõe que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico».

Também a A... interpôs um recurso de revista do sobredito acórdão do TCA, tendo culminado a sua minuta com a enunciação das conclusões seguintes:
A - A sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, confirmada pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, fundamenta a verificação do preenchimento do requisito do periculum in mora em razões de (i) eventualidade quanto à produção de danos no caso em apreço e de (ii) frequência quanto à irreversibilidade da lesão dos bens em causa, se ocorrer.
B - Pelo que é manifesta a falta de substrato justificativo de que padece a decisão de verificação do requisito do periculum in mora - com efeito, a referida decisão não invoca factos concretos do caso sub judice, nem se baseia em qualquer tipo de prova relativa à probabilidade da produção dos prejuízos alegados pelos ora Recorridos ou relativa ao seu carácter irreversível ou de difícil reparação.
C - De resto, a produção de prejuízos alegada pelos ora Recorridos também não se mostrou suficientemente credível, nem muito menos razoavelmente fundada, de forma a permitir a formulação do juízo de séria probabilidade que se impõe aquando do apuramento do periculum in mora.
D - O acórdão recorrido corroborou a sentença da primeira instância, que não deu como provado qualquer facto que permita concluir pela existência dos invocados prejuízos irreparáveis, tendo decidido sem fundamento factual concreto bastante - o que configura uma violação de lei, substantiva por erro de interpretação e de aplicação da alínea b) do n° 1 do artigo 120° do CPTA.
E - Pelo que se requer a esse Venerando Tribunal que, partindo dos factos dados como assentes pelas instâncias, efectue a correcta qualificação jurídica da questão em apreço, concluindo pela não subsunção dos factos à norma que prevê o requisito do periculum in mora - nos termos do n.º 3 do artigo 150.° do CPTA.
F - Acresce que a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, confirmada pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, aponta a natureza e a tutela constitucional dos bens alegadamente visados pela providência cautelar (ambiente e saúde pública) para justificar que eventuais danos provocados a esses bens sempre correriam o risco de se revelar impossíveis ou muito difíceis de reparar - ignorando a averiguação do que resulta dos factos alegados e provados no caso concreto.
G - Relativamente à articulação do princípio da precaução com a ponderação do periculum in mora, cumpre concluir que aquele princípio não pode ser manipulado no sentido de inverter totalmente o ónus de alegação e prova imposto pela necessidade de verificar o preenchimento (ou não) do requisito do periculum in mora - nomeadamente, se conduzir a uma situação de probatio diabólica a cargo do requerido da providência cautelar.
H - No entanto, o caso concreto nem sequer se encontra abrangido pelo âmbito de aplicação do princípio da precaução. Com efeito, o objecto do acto administrativo em juizo não releva de uma matéria relativamente à qual haja incerteza, nomeadamente por falta de provas científicas.
I - Ainda assim, a ora Recorrente teve oportunidade de alegar e provar a não produção de danos pela co-incineração, de forma a colocar o tribunal “beyond the reasonable doubt”.
J - O presente recurso de revista é admissível por se encontrarem retinidos os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 150.° do CPTA.
L - Na verdade, a questão que está em causa nos presentes autos - o rigor na apreciação dos factos integradores do periculum in mora, nomeadamente a necessidade de fundamento factual concreto bastante (que há-de resultar da matéria assente, tal como alegada e provada pelo requerente da providência cautelar) para que o tribunal decida pelo preenchimento daquele requisito - afigura-se ser, manifestamente, uma daquelas que se subsume na previsão do n.º 1 do artigo 150.° do CPTA.
M - A questão sub judice tem uma importância fundamental, atenta a sua relevância jurídica e social (quer de um ponto de vista puramente teórico, quer analisando as suas consequências práticas) e contribui para uma melhor aplicação do direito - não se situando o presente recurso para além da delimitação negativa do âmbito da revista fixada pelo n.º 4 do artigo 150.° do CPTA.
N - O núcleo essencial da questão controvertida reconduz-se à interpretação e à aplicação da regra contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 120.° do CPTA - justificando-se a intervenção clarificadora do Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente, para decidir sobre se, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 120.° do CPTA, se pode considerar preenchido o requisito do periculum in mora em casos falta de fundamento factual concreto bastante.
O - Concluindo: de acordo com o disposto, na alínea b) do n.º 1 do artigo 120º do CPTA, deveriam as providências cautelares requeridas ter sido recusadas por insuficiência de base factual que permita sustentar a decisão de verificação do preenchimento do requisito do periculum in mora, de que depende a concessão daquelas providências.

Os municípios recorridos contra-alegaram, tendo concluído da seguinte forma:
I - Tendo em consideração a alegação apresentada pelo recorrente Ministério do Ambiente:
1ª- Atento o teor do douto Acórdão recorrido de 10.05.2007, da sentença de 23.01.2007 e da alegação do recorrente Ministério do Ambiente não se divisa qualquer questão que seja necessário resolver na presente acção que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental e que, como tal, possa constituir fundamento do recurso excepcional em apreço.
2ª- Como também nada permite concluir que «a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito», bem pelo contrário, o douto Acórdão recorrido, exceptuando a absolvição da instância do requerido Ministério da Economia e Inovação, confirmou praticamente na íntegra a lapidar sentença do TAF de Almada de 23.01.2007, que constitui uma decisão judicial de elevadíssimo mérito.
3ª- O Recorrente Ministério do Ambiente confundiu a «relevância jurídica ou social» de determinada questão ou questões, cuja apreciação possa ser suscitada perante o STA no recurso excepcional de revista previsto no art. 150° 1. do CPTA, com « A relevância social do tema» co-incineração de resíduos perigosos (vide 4° e 5° parágrafos do ponto II da alegação – 2ª pág.
4ª- Efectivamente não esteve (nem está) em causa no presente processo a apreciação da questão da co-incineração de resíduos perigosos enquanto método de tratamento dos Resíduos Industriais Perigosos (RIPs), mas sim a co-incineração de resíduos industriais perigosos na fábrica de cimento da A... no ... e bem assim o despacho do Ministro do Ambiente que dispensou a A... da avaliação de impacte ambiental para proceder à co-incineração de RIPs naquela sua fábrica.
5ª- Para poder ser admitido o recurso excepcional de revista para o STA previsto no artigo 150° 1 do CPTA é necessário que esteja em causa a apreciação, por este Supremo Tribunal, de uma questão concreta que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental, ou seja, em que se verifique existir «complexidade das operações lógicas implicadas pela questão a resolver e a probabilidade de esta se renovar em litígios futuros» – Ac. do STA de 22.03.2007 – Proc. 223/07, ou então que «a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito», o que também não é manifestamente o caso.
6ª- Sustenta-se no Ac. do STA de 6.12.2006 – Proc. 858/06 que o recurso de revista consagrado no art. 150° 1 do CPTA «obedece a normas próprias e delas resulta que o mesmo é um recurso excepcional, a ser admitido num número limitado de casos, que, por via de regra, é um recurso de reexame, isto é, cujo fundamento específico é a violação da lei substantiva ou processual e cujo objecto é a questão ou relação jurídica objecto da pronúncia no Tribunal recorrido» e não um determinado tema cuja relevância resulte do destaque dado à discussão do mesmo na comunicação social, em órgãos de soberania, no seio da comunidade científica ou na praça pública.
7ª- Segundo o Ac. do STA de 12.10.2005 – Proc. 705/05 «a melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito»
8ª- Assim o presente recurso excepcional de revista interposto pelo recorrente Ministério do Ambiente carece de fundamento legal, dado o não preenchimento dos requisitos impostos pelo art. 150° 1 do CPTA, pelo que, salvo o devido respeito e sem querer meter a foice em seara alheia, deverá o mesmo ser rejeitado.
À cautela procede-se porém à apresentação das conclusões alcançadas na sequência da análise detalhada de cada um dos (pseudo) fundamentos invocados pelo recorrente Ministério do Ambiente.
9ª- O 1° fundamento apontado é o da «Deficiente apreciação e julgamento da matéria de facto e de direito» que além de vago e genérico, não individualiza a questão que pela sua relevância jurídica ou social se reveste de importância fundamental e que, como tal, justificaria a admissão do presente recurso.
10ª- Acresce que a «Deficiente apreciação e julgamento da matéria de facto e de direito» poderia ser um motivo válido (se fosse verdadeiro e devidamente concretizado) para impugnação de uma decisão judicial em sede de recurso ordinário, mas nunca no contexto do presente recurso excepcional de revista
11ª- Do alegado no Capítulo III também não se poderá extrair minimamente a conclusão de que a admissão do recurso se revela necessária (e muito menos claramente necessária) para uma melhor aplicação do direito.
12ª- Não faz qualquer sentido o sustentado pelo recorrente Min. do Ambiente na parte final Capitulo II da sua alegação, não sendo compreensível que questão é essa da «admissibilidade de providência cautelar», ou seja, se o recorrente Min. do Ambiente entende que a presente acção cautelar deveria ter sido objecto de indeferimento liminar, ou se pretende sustentar que no poderiam ter sido decretadas providências cautelares nos casos que enuncia na alínea i) - pág. 4 da sua alegação.
13ª- Na primeira hipótese há trânsito em julgado quanto a essa matéria; na segunda hipótese o recorrente estaria a pôr em causa a competência dos tribunais administrativos para sindicar todos os actos administrativos impugnados e para decretar providências cautelares mais as respectivas acções cautelares, omitindo que «mesmo a actividade discricionária está sujeita a aspectos vinculados e ao respeito pelos princípios gerais de direito que regem a sua actividade (confiram-se o art. 266° da RP e os arts 3°, n.º 1 e art. 4° ambos do CPA), pelo que sempre se poderá formular um juízo sobre a conformidade do decidido com a lei e o direito, sem que se deixe de respeitar o princípio da separação de poderes» - douta sentença do TAF de Almada de 23.0l.2007 - pág. 41.
14ª- Quanto à questão da discricionariedade relativa à avaliação das circunstâncias excepcionais para dispensa de AIA, que o recorrente Ministério do Ambiente invoca na pág. 6 da sua alegação, remete-se para o alegado na parte final da conclusão anterior, acrescentando-se apenas que o Meritíssimo Juiz do TAF de Almada não decidiu essa questão, remetendo, e bem, tal decisão para a acção principal, tendo-se limitado a concluir que «não se pode dizer que a pretensão anulatória dos Requerentes, deduzida na acção principal, seja manifestamente improcedente com a arguição do vicio em causa, apesar de... também não ser evidente a sua procedência págs. 41/42 »
15ª- Quanto à questão do periculum in mora não é verdade que o Tribunal a quo tenha reduzido a sua pronúncia «às inconclusivas passagens transcritas» na pág. 7 da alegação do recorrente Ministério do Ambiente.
16ª- O douto Acórdão recorrido esclarece porque é que considera «não ser defensável pretender que a sentença recorrida se baseou em meras conjecturas ou eventualidades», desde logo pela «não realização do estudo “prévia caracterização detalhada das condições ambientais e populacionais de cada local em causa”, ou seja, por não ter sido cumprida a condição imposta no Relatório de Dezembro de 2000 do Grupo de Trabalho Médico e também porque entende o Tribunal Central Administrativo – Sul que mesmo que tivesse estado abaixo dos valores limites a emissão de dioxinas, daí não se poderá inferir que «nunca poderá prejudicar a saúde humana, tanto mais que o último estudo de impacte ambiental foi realizado há quase dez anos atrás»
17ª- Acresce que a alínea h) da matéria de facto considerada provada dá por reproduzidos pareceres científicos e artigos de opinião entre os quais se incluem o estudo/parecer da autoria dos Médicos …. e … – «Co-incineração de Resíduos Sólidos» elaborado em Fevereiro de 2002, e aprovado por unanimidade pela Comissão Coordenadora do Conselho Científico da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (doc.7 anexo ao requerimento inicial) e bem assim o artigo do Professor Doutor ... (doc. 3 anexo ao requerimento inicial) que comprovam que as dioxinas e os furanos que resultam da co-incineração de resíduos perigosos em fornos de cimento são substâncias altamente cancerígenas, cujos efeitos subsistem cerca de 30 anos, integrando por isso a categoria dos Poluentes Orgânicos Persistentes.
18ª- Também não assiste qualquer razão ao recorrente Ministério do Ambiente quando invoca a pág. 8/9 da sua alegação que o Ac. recorrido não esclarece porque considera correcta a sentença da 1.ª instância quanto à questão da ponderação dos interesses públicos e privados (convém referir que os municípios requerentes também defenderam interesses públicos), esquecendo-se que no douto Ac. recorrido se sustenta que «o interesse económico da A... em obter um combustível alternativo barato não relevará para ultrapassar a salvaguarda dos direitos fundamentais dos cidadãos como o ambiente equilibrado e sadio e a saúde pública», sendo claríssima também a posição do Tribunal a quo quanto ao alegado passivo ambiental, ao considerar que não será razoável «aceitar o quadro de proliferação a céu aberto de novos óleos e solventes» e que «da proibição decretada à A... de proceder à co-incineração…não decorre necessariamente o aumento do passivo ambiental», uma vez que compete às entidades públicas competentes «providenciar para que o armazenamento e a eliminação dos RIPs não se processe em termos de causar ou atentar contra o ambiente e a saúde pública».
19ª- Quanto ao alegado na alínea B) do Capítulo III da alegação do Ministério do Ambiente, cumpre referir que quer o TAF de Almada, quer o TCA - Sul não cuidaram de saber se a co-incineração é ou não o melhor processo de tratamento de resíduos industriais perigosos, como sustenta aquele recorrente, mas tão só se existe ou não o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que os recorridos visam assegurar no processo principal; se seria ou não manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada e se existiriam ou não circunstâncias susceptíveis de obstar ao conhecimento de mérito das 2 requeridas providências cautelares.
20ª- Alude o recorrente Ministério do Ambiente, de forma sistemática, ao Dec- Lei n.º 85/2005 de 28.04 para justificar legalmente a sua opção pela co-incineração de resíduos industriais perigosos, nunca se referindo porém ao facto de no preâmbulo do supra - referido Decreto Lei a co-incineração e a incineração serem caracterizadas como «soluções de fim -de- linha para um adequado tratamento de resíduos», o que significa desde logo que a opção pela co-incineração não só não é a «única legalmente admissível», como ainda que o legislador entende que essa deve ser uma opção de último recurso, ou seja, de fim-de-linha.
21ª- Acresce que o Dec.- Lei n.º 85/2005 não deixa de consagrar no seu art.º17°, n.º 4 que a «alteração da instalação que implique a co-incineração de resíduos perigosos... é considerada alteração substancial na acepção da alínea b) do nº. 1 do art. 2° do Dec. Lei 194/2000, de 21 de Agosto». Ora se «alteração substancial» é, segundo a definição dada pela alínea b) do nº. 1 do art. 2° do Dec. Lei 194/2000 «alteração de instalação susceptível de produzir efeitos nocivos e significativos nas pessoas ou no ambiente», logo só há uma solução possível que é, cumprindo a Convenção de Estocolmo e por apego ao Princípio da Precaução consagrado no art. 174° do Tratado da União Europeia, impedir essa alteração para que se não produzam os tais «efeitos nocivos e significativos nas pessoas ou no ambiente».
22ª- A Convenção de Estocolmo, subscrita por Portugal e mais 118 Países em Maio de 2001 e aprovada pelo Decreto 15/2004, publicado no Diário da República I Série de 3.06.2004, que entrou em vigor em Portugal em 13 de Outubro de 2004, conforme resulta do Aviso nº 152/2004 publicado no Diário da República I Série de 27.08.2004 , consagra no seu artigo 5° medidas para reduzir ou eliminar as libertações derivadas da produção não intencional de Poluentes Orgânicos Persistentes (POP), «com o objectivo da sua continuada minimização e, quando possível, da sua efectiva eliminação».
23ª- Na Parte II do Anexo C. desta «Convenção sobre Poluentes Orgânicos Persistentes» refere-se que «As dibenzeno-p-dioxinas policloradas e os dibenzo-furanos policlorados ….são formados de modo não deliberado e libertados por processos térmicos que envolvem matéria orgânica e cloro em resultado de uma combustão incompleta ou de reacções químicas.», indicando-se na respectiva alínea b) os «Fornos de cimento que queimem resíduos perigosos», como uma das fontes industriais que «têm potencial para a formação e libertação comparativamente elevadas» das supra referidas substâncias.
24ª- A própria definição de resíduo perigoso reforça o que acabamos de sustentar o art. 3° alínea c) do Dec. Lei 178/2006 de 5.09 define «Resíduo perigoso» como o resíduo que apresente, pelo menos, uma característica de perigosidade para a saúde ou para o ambiente, nomeadamente os identificados como tal na Lista Europeia de Resíduos.
25ª- Alude também o recorrente Min. do Ambiente de forma repetitiva e fastidiosa aos três licenciamentos concedidos à fábrica da A... no ... para a co-incineração de resíduos perigosos : licença ambiental, concedida pelo Instituto do Ambiente e licenças de instalação e de exploração, concedidas pelo Instituto dos Resíduos, como se tanto bastasse para justificar a aplicação desse brutal método de queima de resíduos.
26ª- Os actos de concessão dos licenciamentos ambiental, de instalação e de exploração à recorrente A..., a que se alude nas alíneas p) q) e r) da matéria de facto dada como provada no douto Acórdão recorrido de 10.05.2007 e na douta sentença recorrida de 23.01.2007, têm como ponto de partida e conditio sine qua non o despacho cuja suspensão foi decretada no presente processo cautelar - despacho do Ministro do Ambiente nº. 16.090/2006 de 14.07.2006, publicado no DR II Série de 3.08.2006, que dispensou a A... do procedimento de avaliação de impacto ambiental para proceder à co-incineração de resíduos industriais perigosos na sua fábrica do ..., pelo que a impugnação dos requerentes, ora recorridos, ao ter por objecto um despacho de cuja validade e eficácia dependem esses 3 actos de licenciamento, está a pô-los também em causa, pelo menos de forma indirecta.
27ª- A douta sentença do TAF de Almada de 23.01.2007 reconhece aliás (1° parágrafo da pág.30) que os 3 actos de licenciamento em questão dependem «da validade e eficácia do despacho ministerial que dispensou o procedimento de avaliação de impacto ambiental».
28ª- Nenhuma dúvida pode subsistir quanto a esta matéria, uma vez que tal resulta dos doc.s 1, 2 e 3 juntos aos autos pela contra-interessada A... aquando da apresentação, em 16.11.2006, da sua resposta ao decretamento provisório das providências cautelares, mais concretamente da 4.ª página desse doc. 1 (licença ambiental), das 7.ª e 9.ª páginas do referido doc. 2 (licença de instalação) e da pág. 6 do doc. 3 (licença de exploração), em que se refere que «A presente licença de exploração ... abrange a operação de co-incineração de resíduos, contemplando condições de exploração comuns à Licença Ambiental n.º 37/2006, de 20 de Outubro» - doc. 1.
29ª - Acresce que em 31.01.2007 fizeram os Municípios ora recorridos dar entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, acção administrativa especial que visa a anulação dos 3 licenciamentos a que supra se alude e que corre os seus termos com o nº 1 10/07.3 BEALM (doc. 1 anexo à contra - alegação apresentada no recurso interposto da sentença do TAF de Almada de 23.01.2007).
30ª- Não faz também qualquer sentido a afirmação de que o principio da precaução «após a publicação da lei cede perante outros princípios fundamentais do Estado de Direito - como sejam os da legalidade ou do primado da lei; da segurança jurídica ; e da separação de poderes» - pág. 11 da alegação do recorrente Ministério do Ambiente.
31ª - O princípio da precaução não constitui um mero princípio programático que se aplica numa fase anterior à da produção legislativa de cada País subscritor do Tratado da União Europeia, permanecendo plenamente válido e eficaz mesmo para além desse momento.
32ª - A autoridade recorrente está vinculada, na sua actuação administrativa, ao princípio da precaução consagrado no art. 174, n.º 2 do Tratado da União Europeia, cabendo-lhe o ónus da prova de que das operações de co-incineração de resíduos perigosos em fornos de cimento não resulta um acréscimo de risco para a saúde pública e para o meio-ambiente, comparativamente com a produção de cimento através da utilização de combustível tradicional.
33ª - O recorrente Ministério do Ambiente manifestou aliás (na 4ª pag. in fine da sua alegação de recurso apresentado perante o TCA Sul da douta sentença do TAF de Almada de 23.01.2007) estar de acordo quanto à parte daquela sentença recorrida em que se sustenta a tese da transferência do «princípio do ónus da prova para os que pretendem licenciar e exercer a actividade» de co-incineração de resíduos industriais perigosos.
34ª - Carece também de fundamento o alegado na alínea D) do Capitulo III de que o requisito do periculum in mora se articula com o fumus boni iuris.
35ª - Segundo Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, in Comentário ao CPTA, 2.ª edição 2007, pág. 706 «Tanto a alínea b), como a alínea c) do nº 1 (do art. 120° do CPTA), fazem depender a atribuição de providências cautelares da formulação de um juízo sobre as perspectivas de êxito que o requerente tem no processo principal», acrescentando-se contudo que «a alínea b) satisfaz-se, no que a este ponto diz respeito, com uma formulação negativa, nos termos da qual basta que “não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular” pelo requerente no processo principal “ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito” para que uma providência conservatória possa ser concedida. Consagra-se, deste modo, o que já foi qualificado como um fumus non malus iuris».
36ª - O Meritíssimo Juiz do TAF de Almada analisou todos os fundamentos invocados pelos requerentes, tendo concluído, através da douta sentença de 23.01.2007, não ser manifesta a falta de fundamento das pretensões formuladas, nem se verificar a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito, tendo esta análise cuidada e respectivas conclusões sido sufragada pelo douto Acórdão recorrido de 10.05.2007.
37ª - Afirma ainda, igualmente sem o mínimo de razão e falsamente o recorrente Ministério do Ambiente que o legislador adoptou «como método de tratamento de resíduos, com exclusão de outros, a co-incineração».
38ª -Nega-se pois a evidência resultante da cuidada ponderação feita pelos Tribunais de 1.ª Instância acerca de todas as questões suscitadas na acção cautelar e no recurso para o TCA-Sul e bem assim do facto de o Dec. Lei 85/2005 de 28.04 consagrar outros «processos de tratamento térmico» de resíduos para além da co-incineração e da incineração, como sejam os que vêm indicados no art. 3° 1. al. e): a pirólise, a oxidação, a gaseificação e os processos de plasma.
39ª - Ao contrário do sustentado pelo recorrente Ministério do Ambiente é óbvia a existência do periculum in mora, atentos os danos irreversíveis causados pelas dioxinas, furanos, metais pesados e outros Poluentes Orgânicos Persistentes que resultam da co-incineração dos resíduos perigosos, conforme é reconhecido pela Convenção de Estocolmo: art. 5° e al. b) da Parte II do Anexo C) e pelos Pareceres e artigos de opinião dados por reproduzidos na alínea h) da matéria dada por provada e ainda o estudo da B… a que se alude na alínea g) da mesma matéria de facto.
40ª - Mesmo sabendo das condições em que foi proferido o Parecer da Comissão Científica Independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-incineração e que foram devidamente denunciadas nos artigos 26° a 32° do requerimento inicial que se dão por reproduzidos, o recorrente Ministério do Ambiente teima em fundamentar-se no Relatório de 20.07.2000 da autoria dessa Comissão (págs. 4, 17 e 18 da sua alegação).
41ª - O Parecer do Professor Doutor …, Catedrático Jubilado do Instituto Superior Técnico de Lisboa, igualmente dado por reproduzido na alínea h) da matéria dada como provada, é arrasador desse Parecer da dita Comissão Científica Independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-incineração.
42ª - Quanto aos «resultados dos testes de queima de RIP’s» a que o recorrente Ministério do Ambiente alude na pág. 200 da sua alegação, o douto Acórdão recorrido considerou-os irrelevantes uma vez que o estudo que os deu a conhecer não revela a «concreta composição dos RIP queimados no período em causa, não existindo termo de comparação entre as emissões de poluentes num e noutro caso», ou seja, no caso do fabrico de cimento com utilização de combustível tradicional ou através da utilização de resíduos perigosos.
43ª - É óbvio que sem se conhecer a composição e o teor de contaminação dos resíduos não se podem fazer extrapolações a partir das medições realizadas
44ª - Os resultados dos testes de Dezembro de 2006 são ainda irrelevantes pelo facto de tal matéria não ter sido invocada durante os articulados e por isso não ter sido sujeita a contraditório, nem ter sido sequer levada ao conhecimento do Tribunal da 1.ª instância que, por isso, se não pronunciou sobre tal matéria de facto.
45ª - O processo de co-incineração de resíduos industriais perigosos é um processo viciado à partida, pois tudo ficou decidido no momento em que foi celebrado o Acordo de 9 de Maio de 1997 entre a Ministra Elisa Ferreira e os Presidentes dos Conselhos de Administração da C… e da A... - doc. 14 anexo ao requerimento inicial, cujo teor se dá por reproduzido (vide al. a) da matéria de facto dada como provada pela douta sentença de 23.01.2007 e pelo douto Acórdão recorrido de 10.05.2007). Ficou logo decidida a «eliminação, por incineração em fornos de cimento, dos resíduos industriais perigosos incineráveis», ou seja, a co-incineração, sem que para tal tivesse sido necessário efectuar quaisquer estudos prévios.
Só perante as enormes ondas de contestação desse método de queima de resíduos é que os seus defensores procuraram criar uma capa de cientificidade para uma decisão já há muito tomada.
II - Tendo em consideração a alegação apresentada pela recorrente A... SA:
46ª - Alega a recorrente A... no ponto 4. do Capítulo I da sua alegação pág. 5, que o TAF de Almada «decidiu que se encontrava preenchido o requisito do periculum in mora com base apenas, na eventualidade da produção de danos no caso em apreço e na frequente irreversibilidade da lesão dos bens em causa, se esta lesão ocorrer» (vide sobre esta matéria o supra-alegado - conclusão 39).
47ª -Sustenta ainda a recorrente A... na pág. 5 da sua alegação que «O acórdão recorrido, reincidiu no erro de direito de que padecia a sentença inicial – a saber, a insuficiência da matéria factual para sustentar uma decisão no sentido de se encontrar preenchido o requisito do periculum in mora».
Ora, segundo o Ac. do STA de 3.05.2007 – Proc. 365/07 «Não preenche os pressupostos do art. 150º, n.º 1 do CPTA o recurso de Acórdão do TCA em 2ª Instância, em que a questão que se pretende ver reapreciada consiste na verificação da suficiência ou não da matéria de facto apurada».
48ª - Tendo em consideração a matéria de facto considerada provada, o teor dos doutos Pareceres e artigos de opinião apresentados pelos requerentes, de que se destacam os indicados no art 26ª da presente contra-alegação, não podem restar quaisquer dúvidas quanto ao consistente substrato factual de que partiram os Meritíssimos Juízes dos Tribunais de lª e 2ª Instâncias ao concluírem pela verificação da existência de periculum in mora.
49ª - Quanto ao «erro de interpretação e aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 120° do CPTA» invocado no Capitulo II da alegação da recorrente A..., cumpre realçar que os Meritíssimos Juízes dos Tribunais de 1ª e 2ª Instâncias ponderaram «as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença», não tendo decidido «com base em critérios abstractos» como especula a recorrente A... no ponto 8 - pág. 7 da sua alegação.
50ª - Foi efectivamente com base nos múltiplos factos concretos supra-indicados, que indiciam o fundado receio da produção de danos irreversíveis ou pelo menos de difícil reparação, que as providências cautelares foram decretadas.
51ª - Quanto à questão que consiste em saber se foi ou não correcta a aplicação do principio da precaução e da consequente inversão do ónus da prova remete-se para o supra-alegado - conclusões 32ª e 33ª da presente contra-alegação.
52ª - Quanto ao invocado Parecer da Digníssima Procuradora do Ministério Público junto do TCA-Sul a que a recorrente A... alude na pág. 16 da sua alegação, remete-se para o já invocado perante o Tribunal de 2ª instância em resposta a esse Parecer e que se encontra transcrito em itálico na presente contra-alegação.
53ª - Nenhuma razão assiste à recorrente A... quando sustenta no Capítulo III da sua alegação - pag. 17 que a questão relativa ao «rigor na apreciação dos factos integradores do periculum in mora, nomeadamente a necessidade de fundamento factual concreto bastante», constitui uma daquelas questões que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental e, como tal, justifica a admissão do presente recurso.
54ª - Salvo o devido respeito, parece ser evidente a falta de preenchimento dos requisitos de admissibilidade do recurso excepcional de revista consagrado pelo art. 150º, n.º 1 do CPTA, pois não se divisa donde advém a «complexidade das operações lógica e jurídica indispensáveis para a resolução do caso» – Ac. do STA de 23.09.2004-Proc. 903/04, ou a possibilidade de as questões em apreço ultrapassarem os limites da situação singular e se repetirem, «nos seus traços teóricos, num número ilimitado de casos futuros» – Ac. do STA supra-citado.
55ª - A recorrente pretende fazer intervir os Venerandos Conselheiros do STA na apreciação de uma questão que até um leigo estaria em condições de prontamente sobre ela decidir sem qualquer margem de erro possível, pois é por demais evidente que em caso de «falta de fundamento factual concreto bastante» não pode ser decretada qualquer providência cautelar, seja ela qual for.
56ª - Só que esse não é manifestamente o caso pois é vasto e consistente o substrato factual em que assenta o douto Acórdão recorrido como já demonstramos supra, pelo que carece totalmente de fundamento o argumento da necessidade de admissão do presente recurso para «Melhor aplicação do direito» – Alínea C) do Capítulo III da alegação da recorrente A..., que também assenta no facto de, no entender daquela recorrente, ser necessário decidir «sobre se, à luz da alínea b) do n.º 1 do artigo 120° do CPTA, se pode considerar preenchido o requisito do periculum in mora em casos de falta de fundamento factual concreto bastante».
57ª - Acresce que «A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual, competindo ao tribunal de revista aplicar definitivamente o direito aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o que significa que, à partida, está excluído o recurso com fundamento em erro de julgamento quanto à matéria de facto (n°s 2 a 4 do art.º 150° do CPTA)» – Ac. STA 24.04.2007 – Proc. 10/07,
58ª - É perfeitamente descabido o argumento da recorrente A... de que a relevância social advém, do «(ab) uso da tutela cautelar» - pág. 21 e que «a qualificação legal do “receio”, na alínea b) do n.º 1 do artigo 120° do CPTA, como “fundado” tem justamente como objectivo a restrição das medidas cautelares, no sentido de evitar a concessão indiscriminada da tutela meramente cautelar» - pág. 22 , uma vez que o que está em causa no caso em apreço é a sindicância de um acto administrativo inequivocamente sindicável pelos tribunais administrativos e as respectivas consequências de tal acto na saúde pública e no meio-ambiente, pelo que essa ideia do abuso da tutela cautelar não lembra ao Diabo.
59ª - Na alínea D) do Capítulo III da sua alegação invoca a recorrente A..., sem razão, que «o que está em causa é um erro de direito por insuficiência da decisão de facto». Mesmo que assim fosse não se divisa «a complexidade das operações lógicas implicadas pela questão a resolver e a probabilidade de esta se renovar em litígios futuros» – Ac. do STA de 22.03.2007 – Proc. 223/07.

Já neste Supremo, a formação aludida no art. 150º, n.º 5, do CPTA pronunciou-se no sentido da admissão dos dois recursos de revista.

A Ex.ª Magistrada do MºPº junto deste STA emitiu douto parecer no sentido da confirmação do acórdão recorrido.

[ III - Factos ]

O acórdão «sub censura» considerou provados os seguintes factos:
a) Em 09/05/1997, foi celebrado um “memorando de entendimento entre o Ministério do Ambiente e o sector cimenteiro nacional sobre a eliminação de resíduos pela indústria cimenteira, em que se definem as bases da intervenção do sector cimenteiro na gestão de resíduos industriais — cfr. doc. de fls. 126 a 129, que se dá por reproduzido;
b) Em Dezembro de 1998, foi elaborado o “parecer - síntese” da Comissão de Avaliação do Impacte Ambiental do projecto de eliminação dos resíduos industriais pelo sector cimenteiro, que incidiu sobre quatro cimenteiras nacionais e em que se conclui que “não se colocam questões de carácter técnico inibidoras da localização de qualquer das componentes do projecto” e que “os problemas de natureza técnica suscitados pelas diversas localizações das diversas componentes do projecto apresentado pela D… são passíveis de ser enfrentados tecnicamente com suficiente eficácia ambiental, uma vez adoptadas as soluções que reflictam o estado da arte e assegurado o cumprimento rigoroso dos procedimentos legais e a satisfação das condicionantes constantes deste parecer” — cfr. doc. de fls. 38 a 42, que se dá por reproduzido;
c) Na sequência do parecer indicado na alínea anterior, foi emitida, em 28/12/1998 Declaração de Impacto Ambiental favorável - acordo;
d) Em 20/06/2000, a Câmara Municipal de Setúbal deliberou “rejeitar a intenção do Governo de co-incinerar resíduos perigosos no Parque Natural da Arrábida”— cfr. docs. de fls. 117 a 120 dos autos;
e) Em 20/07/2000, foi publicado no D.R., I Série-B e em Anexo a Resolução do Conselho de Ministros, o relatório da Comissão Científica Independente, em que se conclui:
“8 - Conclusões e recomendações (...)
Com base nos argumentos apresentados em pormenor ao longo deste relatório, a CCI resume as suas recomendações mais relevantes:
1) De acordo com as directivas da UE segundo as quais os Estados membros devem seguir um princípio de auto-suficiência e proximidade para a gestão de resíduos, a CCI reconhece a necessidade premente de Portugal dispor de unidades de queima de resíduos industriais perigosos, aplicável quando se apresentar como a melhor opção em impacte ambiental para a valorização e a eliminação de RIP;
2) A Comissão recomenda o processo de co-incineração em fornos de unidades cimenteiras por não implicar um acréscimo previsível de emissões nocivas para a saúde quando comparado com a utilização de combustíveis tradicionais, por ter menores impactes ambientais que as incineradoras dedicadas, contribuir para um decréscimo do efeito de estufa, conduzir a uma maior recuperação de energia, por não ter impactes ambientais acrescidos em relação aos da produção de cimento quando respeitando os limites fixados, por razões económicas mais favoráveis em termos de investimentos e de custos de operação, e por se revelar como uma solução mais flexível para a gestão dos RIP, permitindo acompanhar melhor a evolução tecnológica;
3) Das unidades cimenteiras referidas no Decreto-Lei n.° 120/99, de 16 de Abril, para o processo de co-incineração de RIP, a Comissão recomenda que a unidade de … não proceda à queima deste tipo de resíduos. Por isso se propõe o alargamento destas unidades a uma das outras cimenteiras de ... ou de …, devendo a opção ser a favor da unidade que apresente um melhor desempenho ambiental.Porque a queima de RIP em fornos de cimenteiras com as regras propostas (v. 8) não implica impactes ambientais acrescidos em relação à produção de cimento e porque ... possui certificação de qualidade e certificação ambiental, nos termos das normas JSO 9000 e JSO 14 000, a Comissão recomenda este alargamento a ...;
4) Quaisquer das unidades cimenteiras em apreço estão certificadas segundo as normas JSO 9000, são das cimenteiras com melhor desempenho energético ao nível europeu, o que torna estas unidades credíveis para iniciarem o processo de co-incineração de RIP a título provisório. O facto de possuírem certificação ISO fornece uma vantagem adicional para o processo de acompanhamento das suas actividades;
5) Deve existir uma Unidade para o Pré-Tratamento de RIP, que tem por objectivo transformar os resíduos num material homogéneo, de manipulação industrial segura, e com características que respeitam certas especificações físicas e químicas que os tornem aptos como fonte de combustíveis e matérias-primas minerais para os fornos das cimenteiras;
6) A Comissão recomenda que seja elaborada uma lista inicial de RIP para co-incineração, a qual deverá ser revista de cinco em cinco anos, para poder acompanhar as evoluções tecnológicas e de gestão de resíduos;
7) A Comissão recomenda que o processo de aceitação de RIP para co-incineração requeira análises químicas independentes de duas amostras dos resíduos e a aprovação de uma comissão apropriada;
8) Para garantir a ausência de riscos acrescidos para as populações e a segurança dos operadores, e dada a necessidade de, para este efeito, assegurar o controlo efectivo da emissão de poluentes dentro dos limites fixados na legislação, bem como a concentração de metais pesados no cimento, a Comissão considera que:
A queima dos RIP deve ser efectuada no queimador principal;Devem ser fixados limites à composição química dos resíduos aceites na UPT para co-incineração (v. capítulo 7);
Devem ser fixados limites à composição química em cloro e em metais pesados para a entrada de RIP nos fornos das cimenteiras (v. capítulo 7);
9) Cada cimenteira a operar em co-incineração deve dispor, em redor da unidade de queima, de uma rede de medição do impacte ao nível do solo e do ar da sua emissão de efluentes;
10) Nas localidades onde decorre o processo de co-incineração de RIP em cimenteiras, para fomentar a confiança das populações através de uma transparência de processos, propõe--se que membros da Comissão Local intervenham activamente no sistema de controlo, mediante a criação de procedimentos para uma informação relevante assídua, em tempo real quando tecnicamente possível;
11) Todas as unidades licenciadas para a co-incineração de RIP devem, no momento de passagem à situação de licença definitiva, estar certificadas pelas normas ISO 14000;
12) Às populações que se encontrem na imediação das cimenteiras a operar em co-incineração deverá ser proporcionada vigilância epidemiológica activa que assegure a detecção precoce de qualquer problema de saúde.”Cfr. doc. de fls. 717 a 868, que se dá por reproduzido;
f) Em 11/12/2000, foi elaborado o relatório do Grupo de Trabalho Médico sobre os riscos para a saúde pública do processo de co-incineração, em que, e entre mais, se lê:“... cada situação de produção de poluentes, em resultado de incineração ou de co-incineração, exige uma avaliação especifica. A variabilidade de condições meteorológicas e geográficas, que condiciona riscos distintos de poluição atmosférica e/ou dos solos, as diferenças de densidade populacional das comunidades sujeitas aos poluentes, e a caracterização, qualitativa e quantitativa, das produções agrícolas e animais no perímetro afectado, podem, eventualmente, condicionar a existência de um risco não desprezível para a saúde”.
Conclusão
A co-incineração de resíduos industriais perigosos em cimenteiras, realizada de acordo com os mais recentes normativos tecnológicos, sendo uma solução final para um conjunto de resíduos sem tratamento aparente, contribui globalmente para uma franca redução dos riscos para a saúde das populações que resultam da contaminação de solos ou da queima não controlada.
A evidência científica disponível quanto à co-incineração, aponta no sentido de que a substituição de uma parte do combustível convencional por resíduos não se traduzirá por um acréscimo de emissões nocivas. Nestas condições, a co-incineração não contribuirá para uma exposição acrescida a substâncias prejudiciais à saúde, nem através de emissões para a atmosfera nem através do cimento produzido.”
No entanto, dever-se-á acautelar a eventualidade de riscos acrescidos a nível das localizações nas quais o processo de tratamento de resíduos em co-incineração possa vir a ocorrer, através da prévia caracterização detalhada das condições ambientais e populacionais de cada local em causa, e das posteriores monitorização ambiental e vigilância epidemiológica. Estes procedimentos constituem os recursos instrumentais para prevenir, garantir a detecção precoce de complicações e minimizar eventuais riscos. Devem por isso esses procedimentos ser assegurados em conjunção com os propostos no relatório da CCI tendentes a garantir a segurança das populações.
Em conclusão, para efeito do disposto no n°4 do artigo 5°da Lei n°22/2000 de 10 de Agosto, e uma vez asseguradas as condições anteriormente enunciadas, entende-se, tendo em conta o estado actual dos conhecimentos e os resultados de estudos realizados noutros países em situações similares, dar parecer positivo ao desenvolvimento das operações de co-incineração de resíduos industriais.” - cfr. doc. de fls. 203 a 213, que se dá por reproduzido;g) Em 10/04/2001 a B…, elaborou “uma análise crítica” em que, entre o mais, conclui que “a tese defendida pela CCI de que uma cimenteira a queimar resíduos industriais perigosos não tem emissões acrescidas é falsa...” - cfr. doc. de fls. 134 a 145, que se dá por reproduzido;h) Para além do estudo indicado na alínea anterior, circularam pareceres no seio da comunidade universitária e foram publicados artigos de opinião na comunicação social, em que e em síntese, imputam-se erros ao relatório da CCI e rejeita-se a realização da co-incineração de resíduos industriais perigosos nas cimenteiras por, alegadamente, ter efeitos nocivos sobre a saúde humana e sobre o ambiente - cfr. docs. de fls. 43, 51, 52, 53 a 68, 69 a 87, 109 a 116, 130 a 131, 132 a 133, 146, 147, 155 a 189, 190 a 203, 240 a 242, 243 a 248, 249 a 252 dos autos, que se dão por reproduzidos;
i) Em Abril de 2002, a Comissão Científica Independente apresentou os “resultados dos testes definitivos para a co-incineração de resíduos industriais perigosos na cimenteira do ...”, que incidiram sobre os ensaios realizados entre 18/02/2002 e 11/03/2002 e em que, entre o mais, se concluiu pela “... adequação da opção da co-incineração em unidades cimenteiras para o tratamento de resíduos Industriais perigosos cujo destino final requer destruição térmica. No que diz respeito aos poluentes mais perigosos para o ambiente e para a saúde pública — metais pesados e dioxinas/furanos — não se verificaram quaisquer emissões acrescidas pela combustão de resíduos industriais perigosos, até uma substituição em energia de cerca de 15% praticado em relação ao combustível corrente. Verifica-se ainda que as emissões de tais poluentes estão muito abaixo dos limites permitidos pela nova Directiva Europeia 76/CE/2000 para o processo de co-incineração (...)“ — cfr. doc. de fls. 215 a 231, que se dá por reproduzido;
j) Os resultados dos testes indicados na alínea anterior, foram objecto, por parte da CCI, de “parecer favorável à laboração do processo de co-incineração de RIP na cimenteira da A..., no forno 9 do ..., por um período provisório de seis meses” — cfr. doc. de fls. 232 a 235, que se dá por reproduzido;
k) Em Dezembro de 2005, foi elaborado o “relatório dos processos de co-incineração de resíduos em articulação com os CJR VER”, em que, entre o mais, se lê:
“(...) V) Depois do último relatório existe alguma evidência de que a CI apresente algum perigo ambiental ou para a saúde?
R) A co-incineração de RIP já vem sendo praticada em cimenteiras há 20 anos e não há evidência de constituírem actualmente qualquer perigo para a saúde pública e para o ambiente (...) Actualmente (...) com o recurso a tecnologias BAT, são dos processos mais seguros e valiosos para a gestão de resíduos não passíveis de tratamento de maior hierarquia a custos económicos aceitáveis, desde que o seu conteúdo calorífico seja superior a 8 MJ/kg. Em condições especiais pode mesmo ser usada para a eliminação de pequenas quantidades de PoPs.
Quanto aos metais pesados, deverão ser aplicadas as restrições recomendadas pela CCI à entrada do forno, tomando como referência os níveis propostos na nova legislação norte-americana.
VI) Há alguma evidência de que a co-incineração em cimenteiras cause emissões significativas de dioxinas?
R. Informação técnica abundante mostra claramente que as cimenteiras actuais são uma fonte irrelevante de dioxinas, quer a laborar com combustível normal quer co-incinerando resíduos, urbanos ou industriais, banais ou perigosos. Estima-se que as cimenteiras contribuam com valores inferiores a 0,5% para as emissões totais de dioxinas/furanos nos 25 países da União Europeia
VII) Os locais previstos para a CI devem obrigatoriamente ser os mesmos?
R. Tendo sido transcrita para a legislação portuguesa a directiva europeia, todas as unidades cimenteiras se encontram em condições de solicitar autorização para a valorização de resíduos industriais, quer banais quer perigosos, dado que praticam BAT e se encontram certificadas a nível industrial. A operação regular da CI requer a realização de ensaios prévios de queima de RIPs para verificar da conformidade com os níveis de emissão permitidos.
“— cfr. doc. de fls. 546 a 713 dos autos, que se dá por reproduzido;
l) Em 08/03/2006 a Câmara Municipal de Setúbal deliberou aprovar a “Moção co-incineração” em que, invocando-se a existência do Parque Natural da Arrábida, se rejeita a possibilidade de co-incinerar resíduos perigosos na cimenteira da A..., no ... – cfr. docs. de fls. 122;
m) No relatório elaborado sobre a “análise das emissões atmosféricas da valorização energética de resíduos industriais banais na fábrica A...-...”, realizadas durante Julho de 2005 e Maio de 2006, concluiu-se que, quanto às emissões atmosféricas de resíduos não perigosos, “... não ocorreram alterações significativas nas emissões atmosféricas (...) devido à substituição parcial do combustível principal (coque de petróleo, fuel óleo) por combustíveis alternativos (resíduos industriais banais)” — cfr. doc. de fls. 1314 a 1326;
n) Através de requerimento datado de 10 de Julho de 2006, dirigido ao Instituto de Resíduos, a A..., S.A., requereu “... a dispensa do procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA), ao abrigo do art. 3° do Decreto-Lei n.° 69/2001, de 3 de Maio (...) para o Projecto de Alteração para Co-incineração de Resíduos Industriais Perigosos na sua unidade fabril ...”, sita no ... — cfr. P.A.;
o) Em 14/07/2006, o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, proferiu o seguinte despacho:
“Despacho n° 16 090/2006
Por requerimento dirigido ao Instituto dos Resíduos, a A... - Companhia Geral de Cal e Cimento, S. A., adiante designada por A..., na qualidade de proponente, solicitou a dispensa total do procedimento de avaliação de impacto ambiental (AIA) para o projecto de alteração para co-incineração de resíduos industriais perigosos (RIP) na fábrica da A..., no ..., localizada na freguesia de Nossa Senhora da Anunciada, concelho de Setúbal, nos termos do artigo 3º do Decreto-Lei n.° 69/2000, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 197/2005;
Para esse efeito, a A... sustenta que:
Para efectuar a co-incineração dos RIP de lamas oleosas (LER 190205, LER 050103 e LER 050106), óleos (LER 190207 e LER 191103) e solventes (LER 190208), não é necessário efectuar qualquer alteração na actual instalação, uma vez que irão ser usadas as infra-estruturas existentes para armazenamento e alimentação aos fornos de resíduos industriais banais (RIB), não havendo lugar a alterações tecnológicas, operacionais ou mudança de dimensão, verificando-se apenas uma alteração de combustível;O diferencial de impacte ambiental dessa alteração terá assim exclusivamente a ver com eventuais diferenças que possam existir ao nível das emissões resultantes da co-incineração destes resíduos;
As alterações necessárias já foram sujeitas a um procedimento de AIA, que decorreu em 1998, o qual foi bastante detalhado e complementado com estudos adicionais, nomeadamente na vertente qualidade do ar e análise de risco, e cuja comissão de avaliação concluiu não existir risco para o ambiente em resultado da co-incineração de resíduos na A...;
Do referido procedimento de AIA resultou que não se colocavam questões de carácter técnico inibidoras da localização de qualquer das componentes do projecto;Posteriormente, foi criada, nos termos da Lei n° 20/99, de 15 de Abril, e do Decreto-Lei nº 120/99, de 16 de Abril, a Comissão Cientifica independente de Controlo e Fiscalização Ambiental da Co-Incineração, adiante designada por CCI, no sentido de fazer a análise dos efeitos da co-incineração na qualidade do ar e saúde humana, de forma a dar um parecer sobre o tratamento de RIP e sobre a implementação da respectiva co-incineração;Demonstrou a CCI após uma exaustiva identificação das várias tecnologias alternativas disponíveis, que a co-incineração em fornos de cimento seria a solução a adoptar, visto permitir, em condições economicamente muito mais favoráveis, adaptar a capacidade de tratamento a uma evolução previsível, que se traduz numa grande capacidade inicial para resolver um enorme passivo de RIP, acumulado ao longo de dezenas de anos, com diminuição progressiva, como resultado de uma adequada gestão estratégica do problema, que possa incentivar a redução da produção e outras formas de valorização;A CCI emitiu um parecer favorável à co-incineração de RIP, recomendando dois locais para essa operação: ... e …, tendo iniciado o processo de fiscalização e controlo de ensaios de queima;
Foi ainda decidido, pela Assembleia da República, ao aprovar a Lei n.º 22/2000, de 10 de Agosto, a criação de um grupo de trabalho médico para o estudo especifico do impacte sobre a saúde pública dos processos de queima de RIP, o qual emitiu, em Dezembro de 2000, parecer positivo ao desenvolvimento das operações de co-incineração de resíduos industriais e concluiu que a co-incineração não contribuiria para uma exposição acrescida a substâncias prejudiciais à saúde, nem através de emissões para a atmosfera nem através do cimento produzido;
De acordo com as conclusões da CCI relativamente aos ensaios da queima de resíduos industriais perigosos, que foram efectuados na cimenteira de ..., entre 22 de Fevereiro a 11 de Março de 2002, confirmou-se, de forma objectiva, a adequação da opção da valorização energética em unidades cimenteiras para o tratamento de resíduos industriais perigosos cujo destino final requer a destruição térmica;
Se verificou que as emissões de tais poluentes estavam muito abaixo dos limites permitidos pela Directiva Europeia n° 76/CE/2000, de 4 de Dezembro, para o processo de co-incineração, transposta para a ordem jurídica interna pelo Decreto-Lei n.° 85/2005, de 28 de Abril;
A fábrica da A... - ... detém experiência de co-incineração de RIB, que se iniciou na sequência da atribuição da licença de operação e que veio demonstrar que esse processo não tem impactes negativos significativos, estando as emissões monitorizadas abaixo dos valores limite de emissão impostos pelo Decreto-Lei n.° 85/2005, de 28 de Abril;No âmbito desta licença de operação, entre Julho de 2005 e Junho de 2006, a fábrica da A... – ... valorizou energeticamente 63423,4 t de resíduos, dos quais 38948,3 t abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 85/2005, de 28 de Abril (farinhas de carne e osso, chips de pneus, RDF—fracção leve de veículos em fim de vida), cujo auto controlo das emissões atmosféricas foi efectuado em continuo no que se refere aos parâmetros de partículas CO, S02, NOx, COT, HCJ e HF, bem como para os parâmetros de processo de vapor de água, oxigénio, temperatura e pressão atmosférica, tendo os respectivos resultados sido enviados trimestralmente ao instituto do Ambiente (IA);
Ainda neste âmbito, os resultados apresentados ao instituto dos Resíduos, em relatório de actividade anual, demonstraram que não ocorreram alterações significativas nas emissões atmosféricas das fábricas A..., ..., devido à substituição parcial do combustível principal (coque de petróleo e fuelóleo) por combustíveis alternativos (resíduos industriais banais);
A fábrica da A...-... tem vindo a introduzir medidas de melhoria de processos fabris, tendo em 2004 terminado a implementação de um conjunto de acções de modernização ambiental, de acordo com o contrato de melhoria contínua de desempenho ambiental que a indústria cimenteira assinou com os ministérios responsáveis pelas áreas do ambiente e da economia, destacando-se, em termos de co-incineração de resíduos, as acções que incidem sobre as emissões dos fornos de clínquer e acções relativas à melhoria da monitorização ambiental (na medida em que estas são fundamentais para atestar o adequado funcionamento das primeiras);
A fábrica A...-... detém certificação de qualidade pela Norma ISO 9001 e certificação ambiental pela Norma ISO 14001 e no âmbito da certificação ambiental tem introduzido melhorias diversas no processo produtivo e nas acções de controlo ambiental relevantes para a garantia das adequadas condições para a co-incineração de resíduos;A importância de soluções de gestão dos resíduos industriais perigosos de âmbito nacional conduz à necessidade inadiável da implementação de uma solução abrangente e integrada. Neste sentido, considerando a instalação dos centros integrados de recuperação, valorização e eliminação de resíduos perigosos (CIR VER), criados pelo Decreto-Lei n.° 3/2004, de 3 de Janeiro, os quais irão tratar cerca de 90% dos RIP, a utilização da fracção co-incinerável de RIP como combustível alternativo na fábrica A... - ... será a melhor opção típica «fim de linha», podendo satisfazer o duplo objectivo de eliminar e de valorizar em termos energéticos os RIP;
A dispensa do procedimento de AIA está prevista no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 69/2000, de 3 de Maio, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 197/2005, de 8 de Novembro, podendo ser concedida uma vez verificada a existência de circunstâncias excepcionais e devidamente fundamentadas;
O Instituto dos Resíduos, na qualidade de entidade competente de licenciamento da operação ao abrigo do Decreto-Lei n.º 85/2005, remeteu ao IA o requerimento do proponente e um parecer favorável à dispensa, realçando os aspectos que justificam a pretensão da A... quanto ao procedimento de AIA do projecto de co-incineração de RIPO instituto dos Resíduos reiterou a necessidade técnica de se encontrar uma solução para os RIP ao nível nacional, referindo a existência de um processo de pré-contencioso comunitário, sendo uma das questões mais relevantes deste processo o não cumprimento, por Portugal, da Directiva n.º 91/689/CEE, do Conselho, de 12 de Dezembro, relativa aos resíduos perigosos, designadamente quanto a não tomar as medidas necessárias para permitir o tratamento adequado dos RIP, tendo sido dado um prazo bastante limitado para Portugal responder; Salienta ainda este instituto que o cumprimento do quadro legislativo nacional e comunitário em vigor permite garantir que a gestão destes resíduos nas unidades de co-incineração corresponde a um elevado nível de protecção da saúde humana e do ambiente, permitindo, também, através da redução das suas exportações, garantir a aplicação dos princípios da proximidade e da auto-suficiência ao nível da gestão de resíduos perigosos;
Por fim, refere o INR que do ponto de vista da política de gestão de resíduos se justiça a adopção de medidas de urgência aplicáveis a todo o procedimento, que conduzam à entrada em funcionamento destas instalações;
O IA, na qualidade de Autoridade de AIA, emitiu parecer favorável à dispensa do procedimento de AIA, considerando que o pedido apresentado pela A... se encontra enquadrado por suficiente justificação técnica, propondo ainda um conjunto de medidas de minimização dos impactes ambientais considerados relevantes.
Assim, tendo em conta que:
A alteração em causa já foi sujeita a um procedimento de AIA, detalhado e complementado com estudos adicionais, cuja comissão de avaliação concluiu não existir risco para o ambiente em resultado da co-incineração de resíduos na A...-...;Posteriormente, foi criada a CCI que se pronunciou favoravelmente à co-incineração de RIP nesta instalação;
O grupo médico emitiu parecer positivo ao desenvolvimento das operações de co-incineração de resíduos industriais, concluindo que a co-incineração de RIP em cimenteiras, realizada de acordo com os mais recentes normativos tecnológicos, contribui globalmente para uma franca redução dos riscos para a saúde das populações que resultam da contaminação de solos ou da queima não controlada; foram realizados ensaios de queima de RIP na fábrica da A...-..., cujos resultados demonstraram a não existência de quaisquer emissões acrescidas e que as emissões das componentes mais perigosas para a saúde pública estão abaixo dos limites permitidos pela legislação em vigor;
A fábrica da A...-... alcançou melhorias no seu desempenho ambiental, nomeadamente no que respeita às emissões dos fornos de clínquer e à monitorização;
A fábrica da A...-... detém experiência de co-incineração de RIB, tendo-se verificado que esse processo não tem impactes negativos significativos, estando as emissões monitorizadas abaixo dos valores limite de emissão, conforme atestado pelo Instituto dos Resíduos;
Actualmente, Portugal exporta cerca de metade da sua produção anual de RIP, contrariando o princípio da auto-suficiência que norteia a política europeia de resíduos, orientada para a redução da exportação;
O regime jurídico dos resíduos, recentemente aprovado, consagra o princípio da auto-suficiência como um dos princípios orientadores da política de gestão de resíduos, nos termos do qual devem ser criadas condições para que a gestão dos FJP decorra, preferencialmente, em território nacional, reduzindo, assim, ao mínimo possível os movimentos transfronteiriços de resíduos;
Neste quadro, configura-se como uma prioridade do Governo no domínio específico dos resíduos, reiterada no seu Programa, a criação de soluções para a adequada gestão de RIP;
O princípio da hierarquia das operações de gestão de resíduos, consagrado no novo regime jurídico dos resíduos, em conformidade com a Directiva n.° 75/442/CEE, do Conselho, de 15 Julho, estabelece que deve ser dada prioridade à prevenção, reutilização, reciclagem ou outras formas de valorização, em detrimento da eliminação definitiva de resíduos, nomeadamente a sua deposição em aterro, quando seja técnica ou financeiramente inviável a opção por uma das outras soluções;
O actual enquadramento sócio-económico e ambiental da gestão de RIP, com destaque para as restrições à deposição de resíduos orgânicos em aterros, o aumento do custo dos combustíveis fósseis e as decisões comunitárias que determinam os processos de co-incineração como operações de valorização energética, favorece a opção pela co-incineração de resíduos;
A valorização energética de RIP por co-incineração se configura como uma solução adequada para a fracção destes resíduos não susceptível de operações prioritárias à luz do princípio da hierarquia acima referido;
Existe no País um passivo ambiental de resíduos industriais, incluindo perigosos, indevidamente acumulado em diversos locais, alguns dos quais há muito referenciados e para o qual urge encontrar solução eficaz;
É necessária e urgente uma solução de gestão dos RIP de âmbito nacional e que complemente os CIRVER;
O processo de pré-contencioso comunitário relativo ao tratamento de RIP em Portugal contribui para reforçar a premência da implementação de uma solução nacional para a gestão da totalidade destes resíduos;
Os pareceres da autoridade nacional em matéria de resíduos e da autoridade de AIA são favoráveis à dispensa total de procedimento de AIA;
Conclui-se estarem reunidas as condições que justificam a dispensa do procedimento de avaliação de impacte ambiental.
Assim, ao abrigo e nos termos do disposto no n° 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.° 69/2000, de 3 de Maio, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 197/2005, de 8 de Novembro, determina-se que o projecto de alteração para co-incineração de resíduos industriais perigosos na fábrica da A... no ... seja totalmente dispensado do procedimento de avaliação de impacte ambiental, ficando a presente dispensa condicionada ao cumprimento integral das medidas de minimização, anexas ao presente despacho de 14 de Julho de 2006. – O Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, Francisco Carlos da Graça Nunes Correia.
Medidas de minimização
Projecto «Alteração para co-incineração de resíduos industriais perigosos na fábrica da A... no...»
Sem prejuízo das medidas de minimização e monitorização decorrentes do licenciamento ambiental, devem ser aplicadas as seguintes medidas de minimização.
Transporte e recepção dos resíduos:
O transporte dos resíduos deverá cumprir o disposto em directrizes legais aplicáveis em vigor; Controlo analítico da composição dos resíduos recebidos através de plano de amostragem; Procedimento de detecção de eventual radioactividade; Armazenagem: Armazenagem dos resíduos líquidos em silos estanques (inox); Silos de resíduos líquidos instalados em bacia de retenção de forma a prevenir derrames; Silos devidamente identificados com o tipo de resíduos que contêm; Armazenagem das quantidades mínimas necessárias à manutenção do processo produtivo; Alimentação aos fornos: Sistemas automáticos em circuito fechado por bombagem para encaminhamento dos resíduos ao queimador, sem intervenção humana; Consumo de resíduos controlado por doseadores em contínuo à saída dos silos; Sistema informático de controlo e condução do processo de queima dos fornos, não permitindo a valorização de resíduos se, em situações de arranque, a temperatura da torre de ciclones for inferior a 850ºC e a marcha dos fornos for inferior a 1,2 rpm no forno 8 e 1,8 rpm no forno 9; Gestão - dispor de sistema de gestão ambiental certificado;
Monitorização:Monitorização das emissões atmosféricas das chaminés dos fornos de acordo com o estabelecido no Decreto-Lei n.° 85/2005, de 28 de Abril;
Procedimentos de actuação definidos em caso de ultrapassagem de valores limite de emissão;
Todos os resultados das medições devem ser registados, processados, validados e enviados às entidades competentes; Estações de monitorização da qualidade do ar ao nível do solo que permitem a medição dos seguinte parâmetros: monóxido de carbono (CO), óxidos de azoto (NOx), dióxido de enxofre (S02), PMJO, PM2,5, ozono (03) e parâmetros meteorológicos;
Actuação em emergência em incêndio e explosão:
Plano de emergência interno implementado, que estabelece a estrutura de emergência e inclui instruções de como proceder em diversos cenários de emergência;
Equipamento de primeira intervenção, constituído por rede de incêndio equipada com hidrantes de ligação STORZ de 50 mm e 70 mm, rede de incêndio armada e extintores adequados às classes de fogos previsíveis;
Existência de material para a contenção de derrames, nomeadamente de absorventes para hidrocarbonetos e absorventes para produtos químicos, devidamente localizados na fábrica;
Realização periódica de simulacros para testar a preparação dos operadores destacados para ocorrer em emergências e analisar e rever os modos de actuação;
Minimização da emissão de NOx- utilização de SNCR, quando necessário;
Minimização da emissão de metais pesados – filtros de mangas”. Cfr. fls. 33 a 35 dos autos;
p) Em 20/10/2006, o Instituto do Ambiente, emitiu a “licença ambiental” que habilita a A..., S.A., “para o exercício da actividade de fabrico de cimento e de co-incineração de resíduos, incluídas respectivamente na categoria 3. 1ª e 5.1 do Anexo I do Decreto-Lei n.° 194/2000, de 21 de Agosto, e classificadas com a CAE n.° 26510 (Fabrico e comercialização de cimento)” — cfr. doc. de fls. 476 a 523, que se dá por reproduzido;
q) Através de Oficio expedido em 24/10/2006, o Instituto de Resíduos notificou a A..., S.A. que emitiu a seu favor a licença de instalação, referente à operação de co-incineração — cfr. doc. de fls. 1011 a 1029 dos autos;
r) Em 27/11/2006, o Instituto dos Resíduos emitiu, a favor da A..., S.A., a “licença de exploração n° 1012006/INR, nos termos do Decreto-Lei n.° 85/2005, de 28 de Abril” — cfr. doc. de fls. 525 a 545, que se dá por reproduzido;
s) Em 29/11/2006, o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional proferiu o seguinte despacho em que determina:
“1- Reconhecer, para efeitos do n.° 1 do artigo 128° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, os graves prejuízos para o interesse público resultantes de um eventual diferimento na execução do meu despacho n° 16.090/2006, de 14 de Julho de 2006, publicado na II série do Diário da República n° 149, de 3 de Agosto de 2006, e, em consequência;
2- Determinar a continuação da execução do referido Despacho.”Cfr. doc. de fls. 1414 e segs., que se dá por reproduzido;
u) Lê-se, entre o mais, no intróito do r.i. que a presente acção é intentada “...contra a A... — Companhia de Cal e Cimento, S.A. (...), na qualidade de interessada particular e beneficiária da supra referida dispensa de avaliação de impacte ambiental” — cfr. fls. 2 dos autos;
v) Os Requerentes formularam o seguinte pedido:
“Em face da matéria de facto e de Direito supra-exposta, no pressuposto do douto e proficiente suprimento de V. Ex.as, Meritíssimos (as) Juízes, deverão ser adoptadas as requeridas providências cautelares, determinando-se a suspensão de eficácia do Despacho n.º 16.090/2006, da autoria do Ex. mo Senhor Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional de 14.07.2006, publicado no D.R, II Série de 3.08.2006 (doc. 1 do processo principal) e intimando as entidades da Administração e da entidade particular, requeridas na presente acção, a que se abstenham de licenciar, autorizar ou realizar os testes e demais operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos na fábrica da A... no ..., para cujo projecto de alteração foi concedida, ilegalmente, a dispensa de avaliação de impacte ambiental , até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida na acção principal .
Mais se requer ao abrigo do art. 131º, 1, do CPTA o decretamento provisório das requeridas providências cautelares tendo em consideração os factores de urgência e de eminência de grave risco para a saúde pública, principalmente dos cidadãos que habitam nos concelhos dos Municípios ora requerentes e para o meio ambiente em geral e desses mesmos concelhos em particular que advêm inevitavelmente das operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos e que foram alegados ao longo da presente petição.” Cfr. fls. 25 dos autos.

[IV - Direito]
Passemos ao direito.
Os municípios agora recorridos vieram, num único processo, «requerer a adopção de duas providências cautelares»; e, dando satisfação parcial ao solicitado, o TAF de Almada decidiu suspender a eficácia do despacho n.º 16.090/2006, da autoria do Ministro do Ambiente, e intimar a A... a abster-se de realizar testes e demais operações de co-incineração de resíduos industriais perigosos numa sua fábrica, sita no .... Ora, o acórdão «sub judicio», provindo do TCA-Sul, reafirmou o decidido na 1.ª instância quanto à exigibilidade das providências, mantendo por inteiro aquelas pronúncias suspensiva e intimativa; e as presentes revistas acometem tal aresto, usando argumentos vários em prol da sua revogação.
A propósito desses argumentos, convém dizer, desde já, duas coisas: «primo», que a afirmação, múltiplas vezes repetida pelo Ministério do Ambiente, de que o acórdão recorrido silenciou ou ignorou certas questões não envolve a arguição de omissões de pronúncia – pois uma denúncia eficaz dessas nulidades teria de fazer-se «expressis verbis»; «secundo», que a conjugação das duas revistas consubstancia um ataque em largo espectro ao aresto recorrido – pois censuram-se nelas as duas providências emitidas e, sobretudo, não se introduz aí uma qualquer limitação aos poderes cognitivos de que este STA dispõe para aplicar ao caso «o regime jurídico que julgue adequado» (art. 150º, n.º 3, do CPC).
Ao longo do processo, as partes enfrentaram muitas vezes as questões relacionadas com a suspensão e a intimação de um modo conjunto, senão mesmo confuso, parecendo todas acreditar numa solidariedade íntima e indissociável dos dois assuntos. Todavia, tais questões são distintas e reclamam abordagens separadas. E, para além disso, as exigências inerentes à própria exposição do discurso levam a que dividamos a nossa indagação acerca da bondade do aresto em duas partes: assim, começaremos por atentar na admissibilidade de se suspender a eficácia do despacho n.º 16.090/2006; e só depois disso consideraremos o problema relativo à intimação da A....
Os municípios recorridos filiaram em duas autónomas razões a sua pretensão de que se suspendesse a eficácia do mencionado despacho: por um lado, na evidente ilegalidade dele e, por outro, nos prejuízos para o ambiente e para a saúde das populações que provavelmente adviriam da imediata execução do acto – e, ainda, na supremacia desses danos em relação aos causados pela não execução. O TAF de Almada afastou por completo aquela primeira razão de deferimento da providência – e essa pronúncia transitou, constituindo agora caso julgado formal. Quanto à segunda razão, temos que o aresto «sub censura» – secundando, aliás, o que dissera o TAF – considerou provável que, à execução do acto, se seguissem aqueles prejuízos, cujo relevo sobrelevaria a magnitude dos danos decorrentes da suspensão. Mas a perspectiva por que as instâncias abordaram o problema é imediatamente causal de várias perplexidades.
Desde logo, fere a atenção a circunstância de o acórdão ter enfrentado um pedido de suspensão de eficácia sem previamente atentar no tipo legal do acto suspendendo. Na medida em que vinha pedida a suspensão da eficácia de um despacho, impunha-se determinar qual o âmbito em que ele produziria tipicamente os seus efeitos, já que o apuramento dessa matéria constituía um antecedente necessário de duas operações ulteriores – a eventual qualificação dos efeitos prováveis do acto como danosos e a quantificação seguinte desses danos.
Depois, surpreende o grau de confiança com que as instâncias reconheceram haver um «periculum in mora» e efectuaram a ponderação de interesses (prevista no art. 120º, n.º 2, do CPTA). Trata-se de questões de facto, excluídas da apreciação deste STA. Mas, se atentarmos na factualidade que a sentença do TAF de Almada e o acórdão do TCA-Sul autonomizaram em elencos próprios, constata-se que estão aí referidos a existência e o conteúdo de relatórios e pareceres pró e contra as práticas da co-incineração – mas não o facto, puro e simples, de que as operações do género atentam, certa ou previsivelmente, contra o ambiente e a saúde das populações limítrofes. Dir-se-á porventura que as instâncias, nos pontos das decisões «de jure» em que discorreram sobre os riscos da co-incineração de resíduos industriais perigosos, efectuaram os seus julgamentos de facto acerca do assunto – tratando-se então do «exame crítico das provas» de que lhes cumpria conhecer (cfr. o art. 659º, n.º 3, do CPC). Mas, se assim foi, fica por explicar o motivo de não ter sido dada às partes a possibilidade de produzirem todas as provas por elas oferecidas; e, porque vem a propósito, deve sublinhar-se quão inaceitável é dizer-se – como fez a sentença, sem que o acórdão dela se demarcasse – que alguma das partes não cumpriu um «onus probandi» quando, afinal, lhe fora antes negada a possibilidade de produzir as provas que adrede oferecera.
Portanto, a primeira questão a elucidar no que concernia ao pedido de suspensão de eficácia era, e é, a do tipo legal do acto suspendendo, pois daí se inferirá a função típica que ele cumpre e os efeitos práticos a que naturalmente tende. Ora, a factualidade provada diz-nos que o despacho em causa se limitou a dispensar um procedimento de avaliação de impacto ambiental (AIA) – o qual, não fora essa dispensa, seria exigível no âmbito do procedimento mais amplo que a A... iniciara com vista a obter as licenças para implantar e fazer funcionar no ... uma instalação de co-incineração de resíduos («vide» o art. 3º do DL n.º 69/2000, de 3/5, na redacção do DL n.º 197/2005, de 8/11, e o regime jurídico estabelecido no DL n.º 85/2005, de 28/4). Nesta conformidade, o acto suspendendo culminou um subprocedimento incidentalmente enxertado num processo de licenciamento mais vasto e em curso; e a função do despacho foi apenas a de eliminar um dos passos normais desse procedimento principal, simplificando e acelerando os seus trâmites. Sendo assim, a execução do despacho – que os ora recorridos querem paralisar – trazia o efeito de tornar mais ágil a prossecução do processo de licenciamento, propiciando à A... uma obtenção mais rápida e mais simples das almejadas licenças.
Todavia, a factualidade provada diz-nos que a «licença ambiental» e a «licença de instalação», relativas à co-incineração dos autos, foram emitidas a favor da A... ainda antes da instauração do presente meio cautelar; e diz-nos também que a «licença de exploração» concernente à mesma actividade foi emitida em 27/11/2006 – ou seja, dois dias antes de ser emitida a «resolução fundamentada» prevista no art. 128º, n.º 1, do CPTA, mas sem que os ora recorridos tivessem pedido nos autos a «declaração de ineficácia» (n.º 4 do mesmo artigo) desse terceiro e último acto de licenciamento. Sendo as coisas assim, avulta de imediato a suspeita de que a suspensão, decretada pelo TAF em 23/1/2007, incidiu sobre um acto que já então estaria inteiramente executado.
Dissemos acima que o despacho suspendendo era um mero acto de trâmite. Enquanto acto intercalar, ele tendia a projectar os seus efeitos típicos dentro da marcha do procedimento global em que se integrava – pois, e como é sabido, a natureza instrumental desses actos costuma confinar o seu alcance à sequência em que se localizam. Mas, se os efeitos próprios do acto se resumiam a dar uma certa feição aos termos ulteriores do procedimento – no caso, eliminando a necessidade da AIA e permitindo, assim, que o processo se desenvolvesse e acabasse sem ela – torna-se então certo que tais efeitos se esgotaram com o fim do respectivo procedimento.
Isto significa logo duas essenciais coisas: que o TAF de Almada – com o posterior beneplácito do TCA-Sul – suspendeu a eficácia de um acto já executado; e que essa decisão foi tomada sem que minimamente se ponderasse se uma tal suspensão era admissível à luz do estatuído no art. 129º do CPTA. Ora, podemos já adiantar que temos por absolutamente certa uma tal inadmissibilidade.
Aquele art. 129º recusa, «a contrario sensu», que se suspenda a eficácia de um acto que nenhuns efeitos produza ou venha a produzir doravante. Trata-se de uma solução lógica, pois, por falta de objecto, seria absurdo suspender-se «in futurum» uma eficácia inteiramente plasmada no passado. Ora, e como vimos já, a eficácia do despacho suspendendo resumia-se a conformar de um certo modo os termos ulteriores do procedimento mais geral em que ele se incluíra; mas, atingido o fim desse procedimento administrativo, uma tal conformação terminou-se e estabilizou-se, sendo então óbvio que a eficácia intercalar ou intermediária do despacho – que era apenas conformativa do «modus operandi» – completamente se esgotou.
Portanto, quando a suspensão da eficácia foi judicialmente decretada, o acto em causa já não estava em condições de produzir quaisquer efeitos, pois produzira antes todos aqueles a que naturalmente tendia. A tese contrária, induzida pelo requerimento inicial e passivamente aceite pelas instâncias, incorre numa confusão e culmina num erro: confunde o despacho suspendendo com o licenciamento efectivo da actividade e mistura ainda a dispensa de AIA com a co-incineração – como se tudo isso fosse uma e a mesma coisa; erra ao imaginar que a suspensão de um acto de trâmite suspenderia também, «ea ipsa», os actos de licenciamento já acontecidos e não autonomamente atacados – pois a presença (actual «tempore sententiae») desses actos evidenciava que eles não eram efeitos que o despacho suspendendo viesse a produzir no futuro, assim como os efeitos que se lhes seguissem seriam efeitos deles, e não do despacho de dispensa da AIA. Nesta conformidade, o pedido de suspensão de eficácia tinha de ser indeferido, por tal resultar das ocorrências procedimentais e ser imposto pelo art. 129º do CPTA. E esta certeza dispensa-nos de – como aconteceu no acórdão deste STA de 31/10/2007, proferido no rec. n.º 471/07-11 – avaliar se o despacho suspendendo era abstractamente idóneo para causar os «prejuízos de difícil reparação» aludidos no art. 120º, n.º 1, al. b), do CPTA e, sendo-o, se tais prejuízos existiriam presumivelmente em concreto e, ainda, com a magnitude bastante para justificarem o deferimento da providência.
Assente que o aresto «sub judicio» tem de ser revogado no que concerne à decidida suspensão de eficácia, resta agora apurar se é legal a intimação da A... para se abster de efectuar quaisquer actividades de co-incineração. Não vale a pena perguntarmo-nos pelas razões que terão levado os municípios recorridos a formular um pedido destes, depois de já ter solicitado a suspensão do despacho ministerial; e também está agora excluído do «thema decidendum» ver se era possível cumular o segundo pedido com o primeiro – tendo em conta que ele se reconduzia à previsão típica do art. 112º, n.º 2, al. f), do CPTA, normalmente articulável com uma acção administrativa comum («vide» o art. 37º, n.º 3, do mesmo diploma), daí advindo o facto extraordinário, mas encarado nos autos com bonomia, de existir um procedimento cautelar que parece depender de duas causas principais. E, colocando tudo isso para além do nosso horizonte, somente nos importa agora reter e demonstrar a claríssima inadmissibilidade de se deferir aquele pedido de intimação. Com efeito, a intimação de alguém para actuar, mesmo que só provisoriamente, de maneira conforme às «normas de direito administrativo» tem como antecedente necessário a falta de uma definição jurídico-administrativa do assunto, ou seja, um «vacuum» decisório. Se porventura já existir uma pronúncia da Administração sobre a matéria, o interessado na actuação oposta não pode pôr entre parêntesis o acto administrativo produzido e passar ao pedido de intimação. É que é impossível que, sem uma prévia supressão do acto, o tribunal intime alguém a actuar de modo repugnante à definição entretanto introduzida e subsistente na ordem jurídica – pois essa conduta jurisdicional pulverizaria as fronteiras entre os poderes do Estado, como o Ministério do Ambiente bem assinalou. Aliás, isso já era inequivocamente assim no domínio das intimações para um comportamento, previstas na LPTA.
Mostra-se agora claro o motivo por que é de indeferir o pedido de intimação. A A... não pode ser judicialmente intimada a abster-se de co-incinerar pela razão singela de que foi admitida a fazê-lo através de actos administrativos de licenciamento que persistem e operam eficazmente na ordem jurídica. Portanto, qualquer ordem jurisdicional – fundada em razões de direito administrativo – dirigida à A... para que cesse as actividades de co-incineração na cimenteira em causa pressupõe que os respectivos licenciamentos tenham já deixado de valer ou, pelo menos, de produzir efeitos, única hipótese em que deveras se retornaria a um estado de vazio decisório a preencher pela intimação judicial, fosse ela provisória ou definitiva. Ora, e «in casu», a subsistência na ordem jurídica dos referidos licenciamentos a favor da A... justifica «recte et per se» a inadmissibilidade do pedido de intimação formulado nos autos.
Deste modo, as revistas merecem inteiro provimento, já que os recorrentes têm razão quando clamam que o acórdão «sub judicio» não pode manter-se. E impõe-se, assim, a revogação do aresto impugnado, bem como o indeferimento das duas providências cautelares – de suspensão e de intimação – solicitadas pelos municípios recorridos.

Nestes termos, acordam:
a) Em conceder provimento aos presentes recursos de revista e em revogar o acórdão «sub censura»;
b) Em indeferir os pedidos de suspensão de eficácia e de intimação dos autos. Custas pelos municípios recorridos, neste STA e nas instâncias, sendo a taxa de justiça reduzida a metade (art. 73º-E do CCJ).


Lisboa, 10 de Janeiro de 2008. – Madeira dos Santos (relator) – Santos Botelho – Adérito Santos.

0 comentários:


 

Copyright 2006| Blogger Templates by GeckoandFly modified and converted to Blogger Beta by Blogcrowds.
No part of the content or the blog may be reproduced without prior written permission.