Processo: 709/07-1
Data do Acórdão: 03/05/2007
Relator: Carvalho Martins

Sumário:

A emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, tal como trepidações e factos semelhantes podem, ser objecto de impedimento por pessoa vizinha, no pressuposto de um daqueles factores e sem necessidade da sua conjunção, atento o art. 1346.° do Cód. Civil. O facto de os AA. habitarem na vizinhança daquela auto-estrada é relevante e confere-lhes direito à oposição ao que lhes provoque prejuízo substancial. Outrossim, o direito ao repouso, ao descanso e à saúde são corolários do direito da personalidade (art. 70.° do Cód. Civil). Havendo conflito entre tais direitos e o da actividade viária, preferem, ainda assim, aqueles (art. 335º do Cód. Civil), no condicionalismo exposto. Donde deve cessar o que prejudique o descanso, repouso e saúde das pessoas, embora não seja de excluir que a actividade viária possa ser prosseguida se vier a ser realizada sem prejudicar o direito de personalidade.

Decisão:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I - A Causa:

CARLOS P... e mulher MARIA R..., residentes no lugar de Chão, freguesia de Comes, Vila Nova de Cerveira, veio propor contra BRISA - AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A.”, com sede na Quinta da Torre da Aguilha, Edificio Brisa, S. Domingos de Rana, Cascais, a presente acção ordinária n°188/02, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes a indemnização de € 162.500,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Citada, para o efeito, a Ré veio contestar, considerando não poder a BRISA ser condenada ao pagamento de qualquer indemnização aos AA. pelos danos peticionados, devendo a presente acção ser considerada improcedente e devendo a R. ser absolvida do pedido formulado pelos AA..
Oportunamente, foi proferida decisão, onde se consagrou que:
Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente por não provada e, em consequência, absolve-se a “BRISA — AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, SA.” do pedido formulado pelos Autores CARLOS P... e mulher MARIA R....Custas a cargo dos Autores.

CARLOS P... e mulher, não se conformando com a sentença de fls., vieram interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que
- A Ré “Brisa — Auto Estradas de Portugal, S.A.” expropriou aos AA. uma parcela de terreno com 4.021,00 m2 destinada à construção da AE Porto — Valença confinante com a cada em que estes residem;
O tabuleiro da AE, com 32 mts de largura, ficou a cerca de 20 mts da casa dos AA. e elevado cerca de 22 mts em relação à cota a que esta se encontra (resp. quesito 5°, 6° e 7°);
3 — No sublanço da AE junto à casa dos AA., em 2003 circularam em média
6737 veículos por dia (resp. quesito 10°). O que perfaz cerca de 4,678 veículos por minuto;4 — Antes da construção da AE o local onde se situa a casa dos AA. era sossegado, com boa exposição solar (resp. quesito 79°), com habitat disperso, rodeado por campos de cultivo e terrenos florestais (resp. quesito 90° e 91°);
5— Com a construção da AE o local passou a ser ruidoso, pela passagem dos veículos nas juntas de dilatação e das bandas sonoras existentes nas bermas das faixas de rodagem.
— O ruído produzido, sobretudo durante a noite, perturba o sossego dos AA. prejudicando o descanso e a tranquilidade, o que se reflecte na saúde;
— Em Março de 2006 os valores médios do ruído diurno junto à casa dos AA.
foi de 52,5 decibéis e o ruído nocturno foi de 45,9 decibéis (resp. quesito 95°);
8 — Este último valor médio foi ligeiramente superior (0,9 decibéis) ao limite legal previsto no Regulamento Geral do Ruído para as zonas sensíveis;
9 Como já foi referido, a casa dos AA. localiza-se uma zona de habitat disperso, construído antes da AE, pelo que, para efeitos do disposto no art. 3°, n° 3, al.g) do Dec-Lei 292/2000 de 14/11 terá que ser considerada “zona sensível”;
10 — Apesar dos valores médios do ruídos estarem no limite legal (o diurno) e ligeiramente acima (o nocturno), a verdade é que pela análise dos resultados juntos com o relatório das medições acústicos de fls. verifica-se que o ruído atingiu “picos” que excederam os 100,00 decibéis,
11 — E são precisamente esses “picos” que incomodam, perturbam o sossego e sono dos AA., violando gravemente o direito à tranquilidade e à saúde destes;
— Factos que já levaram os AA. a tentarem vender a casa, o que não conseguiram concretizar (resp. quesitos 87° e 88°), não sendo possível mudarem a residência para outro local por falta de meios financeiros (resp. quesito 89°);
13 — Com a construção da AE a casa dos AA. ficou sujeita à sombra provocada pela respectiva estrutura que no Inverno cobre cerca de 2/3 da área total do prédio desde cerca das 13h00 até ao pôr-do-sol (resp. quesitos 12°, 13°, 14° e 15°);
14- Durante o Inverno o gelo e a geada acumulam-se sobre o telhado e os pátios em consequência desse encobrimento dos raios solares (resp. quesitos 17° e 18°),
15 — A água que cai na AE é lançada pelos canais de escoamento existentes na parte inferior do tabuleiro e, projectada pelo vento, cai em bátegas sobre a casa, os anexos e o terreno dos AA. (resp. quesitos 22° e 24°);
16 — A redução da exposição solar e a queda da água das chuvas vindas do tabuleiro tornou a casa húmida e fria, desconfortável e nociva para a saúde dos AA. (resp. quesitos 28°, 34° e 35°);
17 — Os AA. utilizavam um dos anexos como estábulo para a criação de gado, tendo, uma média, 7 a 8 vacas para produção de leite que lhe dava um lucro anual de cerca de 3.600,00 € e era a principal fonte de receita da actividade que exerciam (resp. quesitos 37°, 38°, 40° e 41°);
18 — Com a construção da AE o estábulo ficou sem exposição solar, frio e húmido, e o ruído dos veículos nas juntas de dilatação e nas bandas sonoras causava stress nos animais o que prejudicava o desenvolvimento, a engorda e a produção de leite (resp. quesitos 42°, 43°, 45°, 46°, 47° e 48°),
19 — Esse ruído alterava os cios das vacas e diminuía a probabilidade de ficarem prenhes, tal como reduziu a produção de ovos e a atrofia do desenvolvimento dos galináceos que os AA. criavam noutro anexo (resp. quesitos 49°, 50°, 55°, 58° e 50°);
20 — A redução das crias e da produção de leite fez com os AA. abandonassem esta actividade (resp. quesito 51°);
21— No período de tempo seco o ar fica poluído com poeiras em suspensão, com fumos provenientes dos escapes dos veículos e com os maus cheiros dos combustíveis queimados (resp. quesito 70°, 71° e 72°);
22 — Por vezes é atirado lixo da AE para o prédio dos AA. (resp. quesito 69°);
23 — Os ruídos dos veículos, dos ventos contra os pilares do viaduto da AE, a poluição do ar e a humidade do local e do interior da casa afectam gravemente a saúde dos AA.;
24— Perturbando-lhes o sossego e a tranquilidade, sobretudo durante as horas do sono.25— A Ré tem por objecto uma actividade lucrativa que comporta riscos de ocorrência de danos para terceiros que é obrigada a indemnizar.
26— “A responsabilidade pelo risco pressupõe a existência não de factos ilícitos culposos mas de factos violadores de personalidade de outrem apenas objectiva ou materialmente imputáveis a uma certa pessoa com base em esta ter posto em acção para seu beneficio, certas forças que constituíam fontes de riscos e de potenciais danos para a atingida personalidade de outrem”: R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, pág. 461.
27 — A douta sentença recorrida violou o disposto no art. 70° do C.C. e o art, 40° da Lei 11/78 de 7 de Abril pelo que deve ser revogada.
Brisa-Auto-Estradas de Portugal, SA, notificada das alegações dos recorrentes, veio apresentar as suas contra-alegações, que pugnaram pela improcedência do recurso interposto.

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:
A) - Por expropriação por utilidade pública — processo n°58/98, do Tribunal de Vila Nova de Cerveira — a “Brisa — Auto-Estradas de Portugal, S.A.”, expropriou uma parcela de terreno com a área de 4 021 m a desanexar do prédio rústico, terreno de cultivo, que tinha a área de 11 698 m e que se encontra inscrito na matriz sob os artigos 707°, 708°, 720° e 722° da freguesia de Comes.
B) - Confinante a esse prédio encontra-se uma casa de rés-do-chão e andar, destinada a habitação dos Autores, anexos e logradouro, sita no lugar de Chão, freguesia de Comes, inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o art. 2 10°.
C) - Aquela expropriação por utilidade pública destinou-se à construção da auto- estrada Porto - Valença.
D) - No local, esta via está assente sobre pilares em betão, com a altura de cerca de 25 m.
E) - Os lados exteriores das faixas de rodagem da AE estão delimitados por bandas sonoras.
- O terreno referido em A) constituía uma exploração agrícola na qual os Autores exerciam, de forma exclusiva, essa actividade profissional.
2° - Em resultado da expropriação e da construção da auto-estrada, a casa, anexos e logradouro ficaram separados do terreno de cultivo sobrante da expropriação.
5°,6° - O tabuleiro da AE está distanciado da casa dos Autores cerca de 20 m, e elevado cerca de 22 m em relação à cota em que aquela se encontra.
7° - O tabuleiro da auto-estrada está dividido em duas partes, com 16 m de largura cada uma.
8°,9° - No local, o traçado da auto-estrada é em curva, com raio de 980 m e desenvolvimento de 1 210,9 m, apresentando um declive descendente, no sentido Porto — Valença, de 5,5%.
10° - No sub-lanço em causa, em 2003, circularam, em média, 6737 veículos por dia nos dois sentidos de circulação.
11º - A percentagem de veículos pesados no tráfego médio diário é de 6,2%.
12° - Após a construção da AE, o prédio referido em B) ficou sujeito à sombra provocada pela respectiva estrutura durante largo período do dia, sendo tal período mais longo no Inverno.
13°,14° - No Inverno, essa sombra estende-se por uma mancha paralela à AE, que chega a cobrir cerca de 2/3 da área global do prédio, com maior incidência na casa de habitação, nos pátios e nos anexos.
15° - No Inverno, aquelas construções e os terrenos anexos ficam encobertos dos raios solares desde cerca das 13 horas até ao pôr-do-sol.
17° - A ausência de incidência do sol dificulta o degelo.
18° - Em situações climatéricas extremas, o gelo e a geada acumulam-se obra o telhado e os pátios exteriores da casa dos Autores.
19º - Essa acumulação deteriora a telha e o mosaico dos pátios, se tais materiais padecerem de gelividade.
21° - Os pavimentos ficam escorregadios, se tiverem inclinações que obstem à formação de poças e consequente aparecimento de lodo.
22° - A água da chuva que cai na AE é lançada no ar pelos canais de escoamento existentes na parte inferior do tabuleiro.
23° - Tal escoamento processa-se através de tubos em PVC com o diâmetro de 110 mm e afastados entre si 25 m, cujo dimensionamento prevê que, na situação mais desfavorável, drene a meia secção.
24°: - Esta água projectada pelo vento, dependendo da intensidade e duração deste, cai em bátegas sobre a casa, os anexos e o terreno referidos em B).
26° - Após cessar a chuva, a queda de água prolonga-se por algum tempo, dependendo da quantidade de precipitação ocorrida.
28° - Durante o Inverno, pela menor exposição solar e pela chuva, a atmosfera na casa dos Autores torna-se mais húmida e mais fria.
29° - Existem alguns musgos no telhado da casa, nas águas voltadas a norte, a poente e a nascente.
30° - A caixilharia da casa, o telhado e o isolamento das paredes são insuficientes para evitar a entrada do frio e infiltração de humidades.
31° - As paredes da instalação sanitária com orientação a poente e as de um quarto com orientação a nascente estão sujas, com o aparecimento de fungos.
34º,35º - A humidade e o frio tornam uma casa mais desconfortável e nociva para a saúde dos seus habitantes.
36° - Depois da construção da auto-estrada, os Autores já pintaram a casa, para remover os vestígios de humidade.
37º - Os Autores utilizam um dos anexos com estábulo para a criação de gado bovino.38° - Antes da construção da auto-estrada, os Autores tinham cerca de 7 a 8 vacas para produção de leite.
40°,41° - O lucro anual do leite do gado seria de cerca de € 3.600,00, constituindo a principal fonte de receita da actividade agrícola que exerciam.
42° - Actualmente, o estábulo é húmido e frio.
43° - Depois da construção da auto-estrada, o estábulo ficou com a exposição solar reduzida.45°,46° - A passagem dos veículos sobre as juntas de dilatação da plataforma causam ruído, sobretudo no tráfego de veículos pesados, o mesmo se verificando quando as viaturas rodam sobre as bandas sonoras.
47°,48° - Estes ruídos provocam stress nos animais, o que prejudica o seu 490,500 - A exposição das vacas a ruídos de grande intensidade e inconstantes pode alterar o cio e diminuir a probabilidade de ficarem prenhes.
51º - Essa redução da produção de crias e de leite fez com que os Autores abandonassem essa actividade.
54° - Um dos outros anexos dos Autores é destinado a galinheiro.
55° - Aí criavam galináceos para produção de carne e de ovos para consumo próprio.57° - O galinheiro situa-se a cerca de 10 m da extremidade do viaduto e a cerca de 15 m da faixa de rodagem.
58°,59° - A vibração proveniente da auto-estrada provoca a redução da produção de ovos, bem como a atrofia do desenvolvimento dos animais.
64°,65°66°67° - A água caída da AE sobre os estábulos infiltra-se para o interior, humedecendo as faces interiores das paredes, escorre e inunda o piso, o que a salubridade das condições de criação dos animais.
69° Por vezes, é atirado lixo do tabuleiro da auto-estrada para o prédio dos Autores.
70°,71°,72° - No período de tempo seco, o ar fica poluído com poeiras em suspensão, com fumos provenientes dos escapes dos veículos e com os maus cheiros dos combustíveis queimados.
73° - Os ventos nos pilares e na restante estrutura do viaduto provocam ruídos.
74º - O prédio referido em B) localiza-se num vale rodeado de montes pelo nascente e sul/poente e duma pequena elevação a norte.
75° - Com a construção da AE o local passou a ser fustigado pelos ventos canalizados pelo viaduto.
76°,77° - Esses ventos provocam ruídos e causam mal-estar, desassossego e nervosismo nos animais e nas pessoas.
78° - Os Autores têm como única casa de morada de família o prédio referido em B).79° - O local onde esse prédio se situa era, antes da construção da AE, sossegado, com boa exposição solar.
80° - A humidade do local e do interior da casa são susceptíveis de afectar a saúde do Autor.
82° - O ruído do trânsito e do vento contra a estrutura do viaduto causam perturbações no sono do Autor.
85° - A sujeição a esses ruídos perturba os Autores.
86° - Toda a actividade dos Autores é exercida no logradouro da residência e nos terrenos sobrantes dos prédios expropriados.
87° - Os Autores já tentaram vender a casa.
88° - Os Autores não conseguiram concretizar essa venda.
89° - Os Autores carecem de meios financeiros para mudarem a residência e a actividade para outro local.
90°,91° - O local referido, antes da construção da AE, era rodeado por campos de cultivo e terrenos florestais, e tinha bons acessos.
93° - O projecto de execução da auto-estrada em questão foi aprovado pelo Ministério da tutela e foi objecto de estudo de impacte ambiental prévio.
94° - Segundo tal estudo, não se justificava a colocação de barreiras acústicas na zona onde se situa o prédio dos Autores.
95° - Em Março de 2006, nos terrenos anexos à habitação dos Autores, debaixo do viaduto, os valores médios de ruído diurno foram de 52,5 decibéis, e de ruído nocturno foram de 45,9 decibéis.

Nos termos do art. 684°, n°3, e 690°,n°1, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2, do art. 660º, do mesmo Código.

Das conclusões, ressalta a seguinte questão:
1. A sentença recorrida violou o disposto no art. 70° do C.C. e o artº 40° da Lei 11/78 de 7 de Abril pelo que deve ser revogada?

Apreciando, dir-se-á que todos os cidadãos têm direito a um ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, podendo pedir, em caso de ameaça directa ou de lesão desse direito, a cessação das causas da violação e a respectiva indemnização. Em particular, na hipótese de não coexistência, de forma pacífica, dos direitos em apreço (Ac. RP, 8-5-1997: CJ, 1997. 3.°-183), no que, designadamente se potencia como emergência do disposto no art.1347º, Cód. Civil, maxime do seu nº3.

E isto sem necessidade de hermenêutica restritiva, pois que o direito do ambiente, protegido constitucionalmente, insere-se nos direitos da personalidade. Sendo que, para além do respeito pelas regras estabelecidas para o licenciamento administrativo, há direitos à qualidade de vida, à saúde e à segurança das pessoas, emergentes da lei fundamental, que também têm protecção jurídica. É, assim, que o próprio direito do ambiente prevalece ao dano económico, nos termos do art. 335.º, n.º 2. do Cód. Civil (Ac. STJ, 2-7-1996: BMJ, 459-444).

O art. 335.°, do Código Civil, contém duas soluções, consoante os direitos são ou não iguais ou da mesma espécie: no primeiro caso, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes; no segundo, prevalece o direito que deva considerar-se superior (Pessoa Jorge, Pressupostos da Responsabilidade Civil, 201).
Naturalmente que, para haver colisão de direitos, têm de estar frente a frente dois direitos subjectivos, ou seja, o comportamento de cada titular tem de preencher, por hipótese, o seu direito, não só estruturalmente, na forma que lhe cabe, mas também na valoração jurídica que em concreto lhe dá sentido. De outro modo, poderíamos ter um conflito entre um direito, materialmente actuado, e um outro e diverso fenómeno, que poderia até consistir no abuso de um direito — mas não já uma colisão de direitos, porque um dos sujeitos actuaria sem direito ou para lá do seu direito.

Mas se isto é assim, resulta daqui que a colisão, como fonte de perturbação constante da ordem jurídica, teve de ser também juridicamente resolvida, ou pelo critério da prevalência, quando os direitos sejam desiguais ou de espécie diferente e, assim, seja possível considerar o estabelecimento de uma hierarquia entre eles, ou pelo critério da conciliação, quando todos os direitos sejam iguais ou da mesma espécie. No primeiro caso, só o direito superior pode ser exercido, ou só ele pode ser exercido integralmente, e o direito inferior não deve ser exercido, ou não deve ser exercido senão na medida em que tal exercício parcial já não colida com a produção do efeito próprio do direito superior; no segundo caso, os titulares devem ceder na medida do necessário para que todos os direitos produzam igualmente o seu efeito, e não haja maior detrimento para uns do que para outros.

Vem isto a significar, em última análise, que a situação de colisão de direitos se traduz. em cada caso concreto, na fixação de um preciso limite, a cada direito, o qual é juridicamente inserido na sua própria estrutura formal e que, assim sendo, a actuação do titular que impede os outros direitos, iguais ou da mesma espécie que o seu, de produzirem igualmente efeito, ou de o produzirem sem maior detrimento para o respectivo titular; ou, ainda, que obstacula o exercício do direito que deva considerar-se superior, actua em excesso de direito, com falta de direito, viola a especifica proibição normativa do art. 335º. E, como tal, tem esta violação de entender-se como um puro e simples ilícito (forma) com todas as características diferenciais que se nos mostraram perante a diversa qualificação jurídica de abuso do direito (F. Cunha de Sá, Abuso do Direito, 528 e 529).

O direito ao repouso integra-se no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, e, através destes, direito à saúde e à qualidade de vida. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia dos Direitos dos Homem estão, respectivamente por força do art. 16.º, n.° 2. da Constituição e da Lei n.° 65/78, de 13 de Outubro, integradas no ordenamento jurídico português. Em caso de colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente, prevalece, nos termos do art. 335.º n.º 2, do Cód. Civil, o que deva considerar-se superior. O direito ao repouso é superior ao próprio direito de propriedade, ou, mesmo, ao direito ao exercício duma actividade viária, até de cariz público, susceptível de traçado alternativo, ou de estruturas de eliminação das circunstâncias perturbadoras.

De resto, o direito ao repouso pode ser ofendido mesmo que afectado por ruído de nível inferior a 10 db e ainda que a actividade de que este resulte haja sido, até, autorizada administrativamente.

Em consequência, o proprietário, e sua família, de uma casa de habitação, nas circunstâncias descritas nos Autos, afectados na sua integridade, por auto-estrada adjacente, devem ser indemnizados pelos danos causados ao respectivo direito ao repouso, pelo ruído daí proveniente e pelas vibrações resultantes do trânsito de veículos, igualmente provenientes e relacionadas com a actividade viária realizada na respectivas via, pela circulação de viaturas (Ac. STJ. 9-1-1996: BMJ, 453.º-417).

A emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, tal como trepidações e factos semelhantes podem, ser objecto de impedimento por pessoa vizinha, no pressuposto de um daqueles factores e sem necessidade da sua conjunção, atento o art. 1346.° do Cód. Civil. O facto de os AA. habitarem na vizinhança daquela auto-estrada é relevante e confere-lhes direito à oposição ao que lhes provoque prejuízo substancial. Outrossim, o direito ao repouso, ao descanso e à saúde são corolários do direito da personalidade (art. 70.° do Cód. Civil). Havendo conflito entre tais direitos e o da actividade viária, preferem, ainda assim, aqueles (art. 335º do Cód. Civil), no condicionalismo exposto. Donde deve cessar o que prejudique o descanso, repouso e saúde das pessoas, embora não seja de excluir que a actividade viária possa ser prosseguida se vier a ser realizada sem prejudicar o direito de personalidade (Ac. RL. 27-2-1997:CJ, 1997. 1.°-145).

Os direitos de personalidade integram, assim, o direito ao sossego e ao repouso. No âmbito dos direitos de personalidade, o julgador, ao aplicar a lei, deve atender à especial sensibilidade dos lesados. O ruído, mesmo que seja inferior ao nível legalmente permitido, desde que seja cansativo, perturbante e prejudicial à saúde, impõe ao seu agente causador o dever de indemnizar o lesado (Ac. RC. 8-7-1997: CJ, 1997, 4-23).

Tudo isto porque os direitos de personalidade são protegidos contra qualquer ofensa ilícita, nos termos do art. 70.° do CC, não sendo necessária a culpa nem a intenção de prejudicar o ofendido, pois decisiva é a ofensa em si. Constitui ofensa ilícita do direito ao repouso (que se integra no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado e, através destes no direito à saúde e qualidade de vida) o trânsito numa auto-estrada adjacente a habitação, como actividade causadora de ruído, de tal ordem, exactamente a que os Autos evidenciam, na matéria eleita em probatório, que provoca o desassossego, a intranquilidade e consequências físicas e psíquicas indesejáveis e graves no agregado familiar que reside em prédio contíguo.

Nem afasta o carácter ilícito da ofensa o facto de a emissão de ruído estar contida nos limites legalmente fixados e de tal actividade ter sido autorizada administrativamente. O direito à integridade física, à saúde, ao repouso e ao sono prevalece, nos termos do art. 335°. n.° 2, do CC. sobre o direito de propriedade e o direito ao exercício de uma actividade viária do titular da respectiva concessão (Ac. STJ. 6-5-1998: CJJSTJ, 1998. 2-76).
Em caso de conflito, os direitos de personalidade prevalecem sobre os direitos de propriedade, ou estruturas que pressuponham uma relação dominial. Os direitos de personalidade integram o direito ao sossego e ao repouso. No âmbito dos direitos de personalidade, o julgador, ao aplicar a lei, deve atender à especial sensibilidade do lesado. O ruído, mesmo que seja inferior ao nível legalmente permitido, desde que seja cansativo, perturbante e prejudicial à saúde, impõe ao seu agente causador o dever de indemnizar o lesado (Ac. RC. 8.7-1997: CJ, 1997. 4.º-23).
O direito à vida, à integridade física, à honra, à saúde, ao bom nome, à intimidade, à inviolabilidade de domicílio e de correspondência, e ao repouso essencial à existência, são exemplos de direitos de personalidade reconhecidos pela nossa lei, constituindo a sua violação facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar o lesado (Ac. STJ. 13-3.1986: BMJ. 355.°-356) . Ora, não desfruta de ambiente repousante, calmo e tranquilo quem, como os recorrentes, no presente processo, se encontram sujeitos a:
5°,6° - O tabuleiro da AE está distanciado da casa dos Autores cerca de 20 m, e elevado cerca de 22 m em relação à cota em que aquela se encontra.
10° - No sub-lanço em causa, em 2003, circularam, em média, 6737 veículos por dia nos dois sentidos de circulação.
11º - A percentagem de veículos pesados no tráfego médio diário é de 6,2%.
12° - Após a construção da AE, o prédio referido em B) ficou sujeito à sombra provocada pela respectiva estrutura durante largo período do dia, sendo tal período mais longo no Inverno.
13°,14° - No Inverno, essa sombra estende-se por uma mancha paralela à AE, que chega a cobrir cerca de 2/3 da área global do prédio, com maior incidência na casa de habitação, nos pátios e nos anexos.
15° - No Inverno, aquelas construções e os terrenos anexos ficam encobertos dos raios solares desde cerca das 13 horas até ao pôr-do-sol.
17° - A ausência de incidência do sol dificulta o degelo.
18° - Em situações climatéricas extremas, o gelo e a geada acumulam-se obra o telhado e os pátios exteriores da casa dos Autores.
19º - Essa acumulação deteriora a telha e o mosaico dos pátios, se tais materiais padecerem de gelividade.
21° - Os pavimentos ficam escorregadios, se tiverem inclinações que obstem à formação de poças e consequente aparecimento de lodo.
22° - A água da chuva que cai na AE é lançada no ar pelos canais de escoamento existentes na parte inferior do tabuleiro.24°: - Esta água projectada pelo vento, dependendo da intensidade e duração deste, cai em bátegas sobre a casa, os anexos e o terreno referidos em B).
26° - Após cessar a chuva, a queda de água prolonga-se por algum tempo, dependendo da quantidade de precipitação ocorrida.
28° - Durante o Inverno, pela menor exposição solar e pela chuva, a atmosfera na casa dos Autores torna-se mais húmida e mais fria.
29° - Existem alguns musgos no telhado da casa, nas águas voltadas a norte, a poente e a nascente.
30° - A caixilharia da casa, o telhado e o isolamento das paredes são insuficientes para evitar a entrada do frio e infiltração de humidades.
31° - As paredes da instalação sanitária com orientação a poente e as de um quarto com orientação a nascente estão sujas, com o aparecimento de fungos.
34º,35º - A humidade e o frio tornam uma casa mais desconfortável e nociva para a saúde dos seus habitantes.

Ou, ainda, se encontram - impressionantemente - sujeitos a:
69° Por vezes, ser atirado lixo do tabuleiro da auto-estrada para o prédio dos Autores.70°,71°,72° - No período de tempo seco, o ar fica poluído com poeiras em suspensão, com fumos provenientes dos escapes dos veículos e com os maus cheiros dos combustíveis queimados.
73° - Os ventos nos pilares e na restante estrutura do viaduto provocam ruídos.
74º - O prédio referido em B) localiza-se num vale rodeado de montes pelo nascente e sul/poente e duma pequena elevação a norte.
75° - Com a construção da AE o local passou a ser fustigado pelos ventos canalizados pelo viaduto.
76°,77° - Esses ventos provocam ruídos e causam mal-estar, desassossego e nervosismo nos animais e nas pessoas.
78° - Os Autores têm como única casa de morada de família o prédio referido em B).79° - O local onde esse prédio se situa era, antes da construção da AE, sossegado, com boa exposição solar.
80° - A humidade do local e do interior da casa são susceptíveis de afectar a saúde do Autor.
82° - O ruído do trânsito e do vento contra a estrutura do viaduto causam perturbações no sono do Autor.
85° - A sujeição a esses ruídos perturba os Autores.
86° - Toda a actividade dos Autores é exercida no logradouro da residência e nos terrenos sobrantes dos prédios expropriados.
87° - Os Autores já tentaram vender a casa.
88° - Os Autores não conseguiram concretizar essa venda.
89° - Os Autores carecem de meios financeiros para mudarem a residência e a actividade para outro local.
90°,91° - O local referido, antes da construção da AE, era rodeado por campos de cultivo e terrenos florestais, e tinha bons acessos.
95° - Em Março de 2006, nos terrenos anexos à habitação dos Autores, debaixo do viaduto, os valores médios de ruído diurno foram de 52,5 decibéis, e de ruído nocturno foram de 45,9 decibéis.

Quanto basta para considerar que os direitos de personalidade são, efectivamente, protegidos contra qualquer ofensa ilícita, nos termos do art. 70º do CC, não sendo necessária a culpa nem a intenção de prejudicar o ofendido, pois decisiva é a ofensa em si. Constituindo ofensa ilícita do direito ao repouso (que se integra no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado e, através destes, no direito à saúde e qualidade de vida) as actividades e circunstâncias supra referenciadas. Causadoras de ruído e condições de vida, de tal ordem que provocam o desassossego, a intranquilidade e consequências físicas e psíquicas indesejáveis e graves no agregado familiar que reside em prédio em questão.

Nem afasta o carácter ilícito da ofensa o facto de a emissão de ruído - insista-se - estar contida nos limites legalmente fixados e de tal actividade viária ter sido autorizada administrativamente. Isto porque o direito à integridade física, à saúde, ao repouso e ao sono prevalece, nos termos do art. 335º n.º 2 do CC., sobre o direito à existência e utilização de auto-estrada, que não sai questionado nos presentes Autos, mas que impõe a consideração de disfunções, exterioridades ou externalidades de carácter negativo, nos termos expressos, sobre os Autores, que deverão, por isso, ser minoradas e/ou compensadas (Ac. STJ, 6-5-1998:CJISTJ, 1998. 2.°-76), em termos de garantia da efectividade de direitos.

Com tais elementos, constituem pressupostos de responsabilidade civil, nos termos dos arts. 483º. e 487.º nº 2. do Cód. Civil, a prática de um acto ilícito - nos termos balizados - , a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do acto do agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstracto, segundo a diligência de um ‘bom pai de família’. A causa juridicamente relevante de um dano é, de acordo com a doutrina da causalidade adequada, adoptada pelo art. 563.º do Cód. Civil, aquela que, em abstracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da experiência comum ou conhecidas do lesante (Ac. STJ. 10-3-1998: CJ, 475-635).

Não pode, no entanto, deixar de se levar em consideração uma outra possibilidade de adaptação de estruturas jurídicas preexistentes à tutela ambiental, que se traduz na «construção» de um direito à salubridade ambiental cujo objecto seria uma dada característica (salubridade) do espaço-território essencial à saúde. Seria, assim, um direito de personalidade dotado de uma dimensão espácio-temporal correspondente à dimensão da colectividade a que o sujeito pertence.
No direito italiano, tal construção foi inicialmente sugerida numa conhecida sentença do Supremo Collegio de 1979, na qual se sustenta que o direito à salubridade ambiental decorre do art. 32.° da Constituição italiana. Recolhendo perfil equivalente na emissão conceitual do que se consagra no art. 66º da Constituição da República Portuguesa (Ambiente e Qualidade de Vida).

Há nesta perspectiva algum progresso: o direito ao ambiente é diferenciado das situações subjectivas relativas a bens privados ou públicos ou às res communes omnium que as compõem; o seu objecto, como se notou, é uma dada característica ou qualidade — a salubridade — de um espaço territorial; o seu titular no exercício de um direito próprio é, simultaneamente, portador de um interesse comum ou difuso da formação social onde está inserido (José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil Por Danos Ecológicos – Da Reparação do Dano Através de Restauração Natural, pp.35, ss).

À parte do ressarcimento de danos ambientais através da consideração das restrições de vizinhança e a possível tutela concedida pelas situações jurídicas de personalidade, é claro que a problemática da imputação dos danos causados às pessoas e às coisas através do ambiente e dos danos causados directamente à Natureza se reconduz, naturalmente, também, ao instituto da responsabilidade civil.Neste contexto, e na ausência de estruturas de imputação adequadas aos danos ambientais, a questão essencial que se coloca — desde um ângulo jus-privatístico — é a de saber em que medida os prejuízos ecológicos são ressarcíveis através do sistema geral de responsabilidade civil (ibidem, pag. 38).

A Constituição portuguesa contém o núcleo do que poderia ser um excelente Direito do ambiente. De um modo geral, pode considerar-se que tal núcleo encontrou consagração na Lei de Bases do Ambiente, aprovada pela Lei n° 11/87, de 7 de Abril, e adiante designada LBA.

Trata-se dum diploma excelente: o grande desafio que ele põe aos juristas — e aos cidadãos interessados — reside no seu estudo e na sua aplicação.

De entre os múltiplos aspectos civis contidos na Lei de Bases do Ambiente cumpre referir três:
— a técnica privatística da concessão de direitos subjectivos;
— o papel das associações de defesa do ambiente;
— a responsabilidade civil.

No que à problemática em epígrafe tange, assinale-se que a LBA recorre, por diversas vezes, à concessão de direitos subjectivos às pessoas. Trata-se dum aspecto que aflora, desde logo, no seu artigo 2° e que encontra importante abrigo no artigo 40º:
4. Os cidadãos directamente ameaçados ou lesados no seu direito a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado podem pedir, nos termos gerais de direito, a cessação das causas de violação e a respectiva indemnização.
5. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, é reconhecido às autarquias e aos cidadãos que sejam afectados pelo exercício de actividades susceptíveis de prejudicarem a utilização dos recursos do ambiente o direito às compensações por parte das entidades responsáveis pelos prejuízos causados.»

Cumprindo, a este popósito, citar o artigo 41º da LBA:
«1. Existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos (...)» (António Menezes Cordeiro, Tutela do Ambiente e Direito Civil, in Direito do Ambiente, INA, 1994, pp.389-396).
Leve-se, deste modo, em consideração que, tendo em conta a indemnização solicitada - e a factualidade dada como provada, fazendo funcionar o conceito de equidade, a que se refere a aI. a) do n.º 1, do art. 4º, Cód. Civil, a dever ser tomada, aqui, na acepção de realização da justiça abstracta, no caso concreto, o que, em regra envolve uma atenuação do rigor da norma legal, por virtude da apreciação subjectiva do julgador (Rodrigues Bastos, Das Leis, sua Interpretação e Aplicação,1967, pág. 28; Ac. RE. 11-12-1975, BMJ 254-246; Menezes Cordeiro, A Decisão Segundo a Equidade, in O Direito, 122, 261) -, fixa-se o seu quantum em 40 000 (quarenta mil Euros), no que respeita aos danos não patrimoniais.

No que tange aos danos patrimoniais invocados, o pedido improcede, totalmente, pois que, para além da sua invocação nada resultou provado que os possa tornar susceptíveis de indemnização. Sendo que o ónus consiste - na referência do art. 342°,1, do CCivil - na necessidade de observância de determinado comportamento, não para satisfação do interesse de outrem, mas como pressuposto da obtenção de uma vantagem para o próprio, a qual pode inclusivamente cifrar-se em evitar a perda de um beneficio antes adquirido (A. Varela, Obrigações, 35): traduz-se, para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como liquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova: ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto (trazida ou não pela mesma parte) (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1956, pág. 184).

O ónus da prova traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta (Ac. RC, 17-11-1987: CJ 1987, 50-80).

Colhe, deste modo, resposta afirmativa a questão perfilada em 1.

Podendo, assim, concluir-se que:
1. Todos os cidadãos têm direito a um ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, podendo pedir, em caso de ameaça directa ou de lesão desse direito, a cessação das causas da violação e a respectiva indemnização.
2. O direito ao repouso integra-se no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, e, através destes, direito à saúde e à qualidade de vida. A Declaração Universal dos Direitos do Homem e a Convenção Europeia dos Direitos dos Homem estão, respectivamente por força do art. 16.º, n.° 2. da Constituição e da Lei n.° 65/78, de 13 de Outubro, integradas no ordenamento jurídico português. Em caso de colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente, prevalece, nos termos do art. 335.º n.º 2, do Cód. Civil, o que deva considerar-se superior.
3. A emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, tal como trepidações e factos semelhantes podem, ser objecto de impedimento por pessoa vizinha, no pressuposto de um daqueles factores e sem necessidade da sua conjunção, atento o art. 1346.° do Cód. Civil. O facto de os AA. habitarem na vizinhança daquela auto-estrada é relevante e confere-lhes direito à oposição ao que lhes provoque prejuízo substancial. Outrossim, o direito ao repouso, ao descanso e à saúde são corolários do direito da personalidade (art. 70.° do Cód. Civil). Havendo conflito entre tais direitos e o da actividade viária, preferem, ainda assim, aqueles (art. 335º do Cód. Civil), no condicionalismo exposto. Donde deve cessar o que prejudique o descanso, repouso e saúde das pessoas, embora não seja de excluir que a actividade viária possa ser prosseguida se vier a ser realizada sem prejudicar o direito de personalidade.
4. Os direitos de personalidade integram o direito ao sossego e ao repouso. No âmbito dos direitos de personalidade, o julgador, ao aplicar a lei, deve atender à especial sensibilidade dos lesados.
5. Quanto basta para considerar que os direitos de personalidade são, efectivamente, protegidos contra qualquer ofensa ilícita, nos termos do art. 70º do CC, não sendo necessária a culpa nem a intenção de prejudicar o ofendido, pois decisiva é a ofensa em si. Constituindo ofensa ilícita do direito ao repouso (que se integra no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado e, através destes, no direito à saúde e qualidade de vida) as actividades e circunstâncias supra referenciadas. Causadoras de ruído e condições de vida, de tal ordem que provocam o desassossego, a intranquilidade e consequências físicas e psíquicas indesejáveis e graves no agregado familiar que reside em prédio em questão.
6. Nem afasta o carácter ilícito da ofensa o facto de a emissão de ruído - insista-se - estar contida nos limites legalmente fixados e de tal actividade viária ter sido autorizada administrativamente. Isto porque o direito à integridade física, à saúde, ao repouso e ao sono prevalece, nos termos do art. 335º n.º 2 do CC., sobre o direito à existência e utilização de auto-estrada, que não sai questionado nos presentes Autos, mas que impõe a consideração de disfunções, exterioridades ou externalidades de carácter negativo, nos termos expressos, sobre os Autores, que deverão, por isso, ser minoradas e/ou compensadas, em termos de garantia da efectividade de direitos.
7. A causa juridicamente relevante de um dano é, de acordo com a doutrina da causalidade adequada, adoptada pelo art. 563.º do Cód. Civil, aquela que, em abstracto, se revele adequada ou apropriada à produção desse dano, segundo regras da experiência comum ou conhecidas do lesante.
8. O ónus da prova traduz-se, pois, para a parte a quem compete, no dever de fornecer a prova do facto visado, sob pena de sofrer as desvantajosas consequências da sua falta.

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se parcial provimento ao recurso interposto, revogando-se, por isso, parcialmente, a decisão recorrida, ao desatender qualquer indemnização por danos patrimoniais solicitada, por ausência de prova, concedendo-a, no entanto, também em termos de equidade, por ressarcimento de danos não patrimoniais, impetrados, no montante total de 40 000 (Quarenta mil) Euros, para os requerentes.

Sem Custas, atendendo ao estatuto de que as partes gozam, circunstancialmente.

Guimarães, 3 de Março de 2007.

1 comentários:

  1. Subturma 4 disse...

    No Acórdão em presença, os recorrentes vêm requerer ao Tribunal da Relação de Guimarães que se pronuncie acerca da decisão que na primeira instância considerou a acção intentada por estes contra a Brisa improcedente por falta de provas. O que os recorrentes pretendem obter é o reconhecimento do seu direito ao descanso, bem como receber uma indemnização por todos os prejuízos causados pela construção da auto-estrada (indemnização por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais, acrescidos dos juros à taxa legal). Sabemos que os recorrentes têm direito de oposição ao que lhes provoque prejuízos consideráveis de acordo com o 1346º e 1347º nº3 do Código Civil. O tribunal da Relação de Guimarães, vem no final a decidir, conceder uma indemnização mas apenas por danos não patrimoniais, por considerar que os danos patrimoniais não foram demonstrados com toda a certeza, não tendo sido dado como provados, sendo que quem tem o ónus da prova tem o dever de fornecer a prova do facto que quer dar como provado, sendo que de acordo com o artigo 342º nº1 CC, quem alega um direito, neste caso facto, é que tem que o provar.
    O que nos cabe aqui analisar, é a questão que vem suscitada no acórdão “A sentença recorrida violou o disposto no art. 70° do C.C. e o artº 40° da Lei 11/78 de 7 de Abril pelo que deve ser revogada? “ bem como, pelo facto de estamos perante um conflito de leis (colisão de direitos, sendo estes direitos subjectivos) qual dos direitos, o direito ao descanso, ou o direito de propriedade é que prevalece, sendo necessário analisar o artigo 335º nº2 do Código Civil (CC). O direito ao descanso integra um direito fundamental, pois como nos diz o acórdão, o direito ao repouso integra-se no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado, e, através destes, direito à saúde e à qualidade de vida. Na Constituição da Republica Portuguesa o direito ao ambiente e a qualidade de vida vem previsto no artigo 66º nº1, e apesar de estar inserido no catálogo dos direitos e deveres sociais, pode ser entendido como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, pelo art. 17.º da CRP. Assim, o direito ao ambiente corresponde a uma pretensão jurídica de acção, negativa e positiva, por parte do Estado. No primeiro sentido, exige-se do Estado, de outras pessoas colectivas públicas ou privadas e dos cidadãos em geral, a abstenção de comportamentos que acabem por lesar o ambiente. A pretensão jurídica de acção positiva impõe ao Estado a promoção de um conjunto de medidas directamente orientado para desenvolver “um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado” – art. 66.º/1, CRP. Cabe-nos ainda enquadrar o direito ao descanso e à saúde como corolários dos direitos de personalidade, tutelados no artigo 70º do CC. Os direitos de personalidade são protegidos contra qualquer ofensa ilícita, e não se exigindo a culpa nem a intenção de prejudicar o ofendido, o que interessa e a ofensa, que vale só por si. E no presente caso o facto de os níveis de ruído não ultrapassarem os níveis máximos legalmente impostos não retira a ilicitude da ofensa, mesmo assim como no caso os ruídos causam prejuízos para a saúde impõem-se ao agente que os causou o dever de indemnizar os recorrentes. Assim, constitui uma ofensa ilícita ao direito do descanso dos recorrentes, o trânsito na auto-estrada, que passa junto a casa, pois é a causa do ruído que prejudica psicológica e fisicamente a saúde dos recorrentes que habitam mesmo ao lado da dita auto-estrada.
    Assim havendo conflito entre um direito de personalidade e neste caso o direito de propriedade ou até mesmo do exercício de uma actividade viária, o direito que irá prevalecer será o direito de personalidade em detrimento do outro, artigo 335º nº2 CC, prevalece portanto o direito que for considerado superior, usa-se assim um critério de prevalência, onde se estabelece uma hierarquia, sendo que só pode ser exercido integralmente o direito considerado superior. Deverá assim cessar a actividade que prejudica o descanso, podendo contudo a actividade continuar a ser exercida no caso de se verificaram as condições necessárias para que não se prejudique o direito de personalidade. Deste modo, por todos os argumentos mencionados, a decisão violava o artigo 70º, pois o direito ao descanso é um direito de personalidade que deve prevalecer sobre o direito de propriedade (335º nº2).
    Temos ainda de esclarecer o problema relacionado com o artigo 40º da Lei 11/87 de 7 Abril, que enquadra a problemática de saber em que medida os prejuízos ecológicos são ressarcíveis através do sistema geral de responsabilidade civil, algo que o artigo 40º vem resolver dizendo “Os cidadãos directamente ameaçados ou lesados no seu direito a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado podem pedir, nos termos gerais de direito, a cessação das causas de violação e a respectiva indemnização”, temos então que complementar com o artigo 41º que declara que “existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, sempre que o agente tenha causado danos significativos”. Para fazer funcionar a indemnização temos de recorrer ao instituto da equidade previsto no artigo 4º nº1,a) do CC. Como foi dito anteriormente a sentença do tribunal da Relação de Guimarães, fixou uma indemnização de 40 000€ para os danos não patrimoniais, pois quanto aos danos patrimoniais o tribunal considerou não se terem dado como provados os danos invocados. Desde modo também se considerou violado o artigo 40º da lei 11/87.
    Eu concordo com a decisão tomada pelo tribunal da Relação, revogando a decisão do tribunal de primeira instância, pois estava a negar um direito de personalidade aos recorrentes, bem como uma indemnização pelos danos não patrimoniais.


    Diana Augusto, nº14592  


 

Copyright 2006| Blogger Templates by GeckoandFly modified and converted to Blogger Beta by Blogcrowds.
No part of the content or the blog may be reproduced without prior written permission.