Jurisprudência Túnel do Marquês

Conforme referido nas aulas, eis os links para os três acórdãos relativos ao Túnel do Marquês:

Acórdão do STA (de 24 de Novembro de 2004)
Extracto disponível nas páginas 489 e seguintes do Meu Caderno Verde

Acórdão do TCA-Sul (de 14 de Setembro de 2004)
Também disponível nas páginas 431 e seguintes do Meu Caderno Verde

Acórdão do TAF Lisboa (de 22 de Abril de 2004) - Não há versão online, mas está disponível nas páginas 431 e seguintes do Meu Caderno Verde

3 comentários:

  1. Subturma 12 disse...

    Comentários à jurisprudência do Túnel do Marquês"

    Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 14/9/2004

    Comentário

    Tendo em conta o recurso feito do entendimento dado em 1ª instância sobre a necessidade ou não da avaliação de impacto ambiental, este Tribunal procedeu a uma mudança substancial no entendimento dado no 1º acórdão sobre esta matéria.

    Assim considera este Tribunal que não será necessário á luz do art. 7º/b) do Anexo I do DL 69/00 ( na altura em vigor, entretanto alterado pelo DL 197/2005) a avaliação de impacte ambiental que fora defendido em 1ª instância.
    Para tal, procede a uma distinção clara entre vias de circulação rodoviária inter-urbanas ( auto-estradas e estradas ) e vias intra-urbanas ( avenidas e ruas ).
    Enquanto que as primeiras são sujeitas a AIA, com base no referido art.7º/b), as segundas já não estarão. De facto recorre a lei a uma espécie de lista, e com isso ao principio da tipicidade, não devendo ser alargado a casos não previstos no referido diploma.

    Contudo existirá sempre a cláusula aberta do art.1º/3 ( por oposição ao sistema de lista fechada do art.1º/2 ) ,que poderá consequentemente fazer com que este projecto fique também sujeito a AIA.
    Contudo, esta cláusula aberta não se deve reconduzir a uma analogia de situações ( estaria aqui eventualmente em causa o art. 10º/1/h) do anexo 2 )com os casos referidos na listas do Anexo 1 e 2, pois ambos os preceitos são autónomos. Enquanto que um recorre ao principio da tipicidade, o outro recorre á análise, caso a caso, de projectos que poderão também estar sujeitos a essa avaliação, contudo, esta análise casuística tem algum grau de vinculação pois os pressupostos do exercício do poder discricionário estão plasmados na lei ( “…em função das suas especiais características, dimensão e natureza…”). Assim poderá ser alvo de critica a relação que o acórdão faz entre o nº 2 e 3 do art.1º, pois como que refere que a discricionariedade do art.3º deve ser feita em função de uma analogia com os outros projectos constantes do nº 2 ( anexos 1 e 2 ), como tal a fundamentação utilizada para legitimar a sujeição a AIA da parte relativa ao túnel parece incorrecta.
    Apesar de se poder equacionar aqui o recurso à cláusula geral, se fundamentada com os pressupostos do art.3º, não se deverá é recorrer a qualquer analogia com os casos previstos nas listas dos anexos 1 e 2 para accionar a aplicação da cláusula aberta, pois gozam estes preceitos de autonomia, como tal, não se subsume esta situação á analogia feita com a alínea h) do art.10º do DL 69/00, não podendo, na minha opinião, ser esta a base jurídica para sustentar tal decisão.

    Assim, esta decisão confirma parcialmente o acórdão da 1ª instância embora sob “fundamentação distinta”, no que se refere á suspensão das obras nos trabalhos relativos ao túnel mas rejeita, a meu ver bem, que o caso se insira expressamente nos anexos do DL 69/00.


    Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24/11/04

    Comentário

    Este acórdão tem um objecto delimitado, pois incide sobre a confirmação parcial da decisão do Tribunal Central Administrativo.

    Discorda este Tribunal que a parte relativa ao túnel estará sujeita a avaliação de impacte ambiental por estar no âmbito de aplicação do art.10º/1/h) do anexo 2 do DL 69/00.
    Refere esta decisão que o TCA cometeu um erro de julgamento, ao considerar que a aplicação do nº3 do art.1º do referido diploma depende de uma certa analogia com os projectos dos anexos 1 e 2, o que não só está errado como acaba também por retirar sentido útil e âmbito de aplicação à referida cláusula aberta.
    Existe ainda outro problema que é saber em que medida é que um Tribunal se poderá substituir à administração no exercício do seu poder discricionário, pois esta não accionou a aplicação da referida cláusula. Considero esta interpretação a únca possível pois não cabe ao Tribunal avaliar, por manifesta falta de recursos técnicos e humanos, se a administração deveria ou não ter accionado a referida cláusula.

    Abordou ainda o STA a matéria da eventual aplicabilidade directa do art. 30 da Lei de Bases do Ambiente ao projecto. Entende este Tribunal que essa norma tem um carácter genérico, devendo ser os seus pressupostos de aplicação densificados por normas regulamentares, penso que esta interpretação será a mais conforme à lei, pois a norma tem um conteúdo programático, além de que o seu nº 2 refere expressamente que a sua densificação será efectuada por legislação complementar, como tal, penso que será de rejeitar a eventual aplicabilidade directa desta norma.

    Quanto ao argumento de que a regulamentação elaborada ao abrigo do nº 2 do art. 30 da Lei de Bases não foi a mais correcta, diz o STA que não pode “…definir, em vez do legislador, tal regulamentação, por a actuação deste Tribunal, em respeito da divisão constitucional dos poderes, se ter de reportar a parâmetros de juridicidade, onde se não incluiu o sindicar da margem de conformação legal que assiste ao legislador ordinário”.
    Como tal afasta-se de qualquer decisão relativa ao mérito que o legislador teve quando procedeu à regulamentação do art. 30 da Lei de Bases do Ambiente.

    João Martinho ( 14642 )  

  2. Anónimo disse...

    Após análise cuidada dos acórdãos em apreço, importa primeiramente definir o âmbito central do meu comentário de forma a circunscrever a questão essencial a ser tratada. Tanto o Acórdão do STA (de 24 de Novembro de 2004), como o Acórdão do TCA-Sul (de 14 de Setembro de 2004), bem como o Acórdão do TCA-Sul (de 14 de Setembro de 2004) são relativos à construção do Túnel do Marquês de Pombal. Trata-se de uma matéria inovadora no quadro jurisprudencial nacional e como tal, embebida de questões profundamente marcantes, não só pela sua complexidade, mas também pela notoriedade que encerram em si. Centrar-me-ei na problemática da avaliação do Impacto Ambiental (AIA) em cada acórdão, o que significa que não me debruçarei sobre questões processuais.
    De seguida, comentarei cada acórdão separadamente, segundo um critério “hierárquico-jurisprudencial”:

    Acórdão do TAF Lisboa (de 22 de Abril de 2004), Processo n.º 11/04-A
    Tendo como epígrafe “Da alegada falta de Avaliação do Impacto Ambiental”, o acórdão em análise faz uma exposição sumária do contexto legal onde tal matéria se enquadra, tanto do ponto de vista nacional, como comunitário, absorvendo desde logo o campo de aplicação do princípio da precaução. Este acórdão preconiza a “aplicação conjugada” dos princípios da prevenção e da precaução, seguindo deste modo uma clara preferência pela defesa ambiental, através da concretização do princípio “in dubio pro ambiente” e na esteira da inversão do ónus da prova, transferindo-o para o eventual poluidor. O acórdão vem exigir a realização da avaliação de impacto ambiental, na opinião da Professora Carla Amado Gomes, numa tentativa de “prevenir não só os perigos, como também os riscos, desde que eles revelem uma mínima probabilidade”. No entanto, tal probabilidade deveria estar expressa, o que fundamentaria a sufragação pelo princípio da precaução, mas não só não são enunciados quaisquer riscos, como o acórdão não concedeu provimento a mais nenhuma pretensão do requerente, o que deixa evidente que não foram encontrados riscos relevantes de carácter ambiental e não só. O acórdão vem colocar também a questão de “saber se a obra dos autos está ou não abrangida pelo regime em causa”. Este assunto é resolvido com recurso à tipificação fixada nos anexos do DL n.º 69/2000 (na altura em vigor, sendo entretanto alterado pelo DL n.º 197/2005), o que implicitamente se reconduz à aplicação do n.º 2 do art. 1º do citado DL. Sendo a obra enquadrável nos anexos do DL n.º 69/2000, deve portanto ser sujeita ao regime da avaliação de impacto ambiental. No entanto, o acórdão deveria fazer referência ao n.º 3 do art. 1º do mesmo DL, já que este consubstancia uma cláusula aberta essencial na apreciação do princípio da precaução.
    Resumindo, este acórdão vem sujeitar o projecto em causa à AIA, de acordo com a aplicação da alínea b) do n.º 7 do Anexo I; alínea e) do n.º 10 do Anexo II, bem como n.º 13 do mesmo anexo. Tais situações dizem respeito à consagração da figura genérica de “estradas”, nas quais se indicam as “auto-estradas”, “itinerários principais e complementares” e “estradas nacionais e regionais”. Cabe primeiramente apreciar qual o âmbito em que o tribunal entendeu a palavra “estrada” que o legislador utilizou: se num sentido restrito, abrangendo unicamente as ligações entre localidades, ou num sentido mais abrangente, como vias de circulação rodoviária, independentemente da sua inserção urbana ou não. A opção do tribunal vai no sentido da interpretação ampla do conceito, muito devido à proximidade da utilização das auto-estradas A2 e A5. Por outro lado, o tribunal vem referir a alegada violação dos arts. 104º e 18º do PDM, na medida em que “Atendendo a que a obra dos autos se realiza em vias já existentes e classificadas pelo PDM como vias principais da rede primária ou fundamental, e que, como referido supra, a realização da obra não implica, atendendo às suas funções e características, uma promoção hierárquica daquelas vias (de vias principais para vias arteriais), não está em causa nem uma definição da rede viária, nem uma reclassificação da mesma”, o que parece retratar a questão de modo distinto, deixando implícito que se tratam de vias urbanas, distintas da noção de estradas a que nos reportamos.
    O tribunal fundamenta ainda a sua decisão no considerando relativo ao valor do declive longitudinal do túnel, o qual toma como referência a “Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa aos requisitos mínimos de segurança para os túneis da Rede Rodoviária Transeuropeia, de 26/02/2004”, verificando-se uma discrepância entre o valor máximo de 5% estabelecido na Proposta de Directiva e o valor médio de 9,3% referido no projecto de construção do túnel. É óbvio que a diferença entre os valores é expressiva, no entanto poder-se-á contrapor, em primeiro lugar, com o facto de estarmos perante uma Proposta de Directiva e não de um texto definitivo, ou seja, sem sabermos qual a redacção final e o que ela virá dispor a respeito do assunto em causa. Em segundo lugar, importa realçar que a decisão camarária de construção do túnel baseia-se na Deliberação n.º 164/CM/2002, de 29/05/2002, logo, 21 meses anterior às exigências da referida directiva. Não parece portanto correcta uma fundamentação baseada em factos de ocorrência superveniente e de conteúdo relativamente incerto, por mais contrários ao direito que possam parecer.
    Outra questão assenta no facto do túnel de situar numa zona relativamente próxima de um monumento nacional. De acordo com o art. 2º, alínea b), ponto iii do DL n.º 69/2000, trata-se de uma “área sensível”, contudo apenas relevante em sede do Anexo II de DL n.º 69/2000. Tal definição não tem grande importância em termos práticos, servindo unicamente para valorizar o âmbito espacial de certos projectos, consubstanciando muitas vezes uma redução dos limiares, com base nos quais os mesmos ficam sujeitos à AIA. Acessoriamente o tribunal invoca ainda um conjunto de acórdãos comunitários, de forma a demonstrar a problemática da sujeição dos projectos à AIA.
    Entrando no âmbito da decisão, pelo menos duas questões são pertinentes de ser analisadas. Em primeiro lugar, importa definir o enquadramento da expressão “…até que seja obtida a declaração de impacto ambiental favorável, cujo procedimento deve ser desencadeado no prazo de 10 dias…”. A lei refere três conteúdos que uma declaração de impacto ambiental pode revestir; a saber, favorável, condicionalmente favorável e desfavorável, sendo o projecto autorizado a prosseguir nos dois primeiros casos (arts. 17º, n.º 2 e 20º, n.º 1 do DL n.º 69/2000). O acórdão vem deste modo fazer depender a execução dos trabalhos relativos à estrutura do túnel de uma declaração de impacto ambiental favorável, pelo que esta restrição devia ser fundamentada de forma clara e precisa, pois é uma declaração legal com muita força… com força suficiente para suspender um processo de tão grande envergadura. A segunda questão a levantar está relacionada com o procedimento de impacto ambiental, o qual se presume ter de ocorrer com respeito a todas as fases procedimentais, sem qualquer tipo de dispensa. Passa-se no entanto que, no caso em apreço, já se realizou a audiência pública, devidamente atestada pelo tribunal a quo. Parece evidente portanto que o tribunal deveria ter considerado tal situação no acórdão de modo a evitar repetição de fases, apostando na desburocratização e na eficiência administrativa como princípios basilares da sua actuação. Com a exigência da “declaração de impacto ambiental favorável”, é obvio que o procedimento deverá considerar-se compreendido no seu todo, ou seja, com repetição de audiência pública, no entanto, o acórdão deveria fundamentar tal situação, explicitando claramente o motivo da citada repetição.
    Assim sendo, este acórdão carece de uma vasta base de fundamentação nas questões já mencionadas, no entanto, denota um traço fundamental de preocupação ambiental, na esteira de uma afirmação cada vez mais necessária do desenvolvimento sustentável.

    Acórdão do TCA-Sul (de 14 de Setembro de 2004), Processo n.º 251/2004
    Tomando como ponto de partida o recurso interposto da decisão sufragada em primeira instância, importa delimitar as inovações que este novo acórdão trouxe ao processo da construção do Túnel do Marquês de Pombal. Este acórdão declara expressamente que “…não se sufraga a tese sustentada em 1ª instância da necessidade de precedência da avaliação de impacto ambiental (AIA), plasmada no art. 7º, alínea b), do Anexo I do DL n.º 69/00…”, o que significa um ponto de viragem no entendimento perfilhado no acórdão anterior. Esta convicção surge a par da clara distinção entre vias de circulação rodoviária inter-urbanas (auto-estradas e estradas), as que surgem especificamente plasmadas nos já referidos anexos do DL n.º 69/2000, por oposição às vias intra-urbanas (avenidas e ruas). Isto significa que ao abrigo do art. 7º, alínea b), do Anexo I ao DL 69/2000, as vias de circulação rodoviária inter-urbanas estão sujeitas à AIA, enquanto as intra-urbanas, por não figurarem na lista do referido anexo, não são enquadráveis no processo de AIA. Através da insusceptibilidade de alargamento da referida lista a estes conceitos, verifica-se o respeito pelo princípio da tipicidade. Para fundamentar tal ponto, o tribunal apoia-se no ensinamento doutrinário do Professor Vasco Pereira da Silva, adoptando, portanto, uma “tese doutrinária maximalista”, o que significa que o art. 1º do DL n.º 69/2000 não reconduz o regime de AIA a um sistema de lista fechada, mas denota o sentido e alcance de uma “norma geral e aberta”. Tal afirmação conduz-nos ao art. 1º, n.º 3 do DL n.º 69/2000, cujo preceito refere que “Por decisão conjunta do membro do Governo competente na área do projecto, em razão da matéria, adiante designado «de tutela», e o Ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território, podem ainda ser sujeitos a avaliação de impacto ambiental os projectos que, em função das suas especiais características, dimensão e natureza, devam ser sujeitos a essa avaliação”. Encontramos aqui uma verdadeira válvula de escape do sistema, uma cláusula aberta que permite contornar o princípio da tipicidade e que pela sua abrangência possibilita sujeitar um imenso número de projectos a AIA. Tendo por objectivo explicar o preceito em causa, o acórdão refere que “…porque o n.º 3 do art. 1º, acima transcrito, nos diz que «podem» ser sujeitos a AIA os projectos que devam ser sujeitos a essa avaliação… Ora, em sede administrativa, não se desconhece que o vocábulo «podem» indicia o cometimento de competência para o exercício de poderes discricionários e o vocábulo «devem» competência vinculada, pelo menos no domínio dos pressupostos que a administração há-de colher aquando da prática do acto administrativo, pressupostos esses constantes da hipótese normativa”. Assim sendo, o acórdão defende a conjugação entre discricionariedade e vinculação, associando a aplicação do n.º 3 do art. 1º do DL n.º 69/2000 com o n.º 2 do mesmo preceito, o que parece discutível pela simultaneidade dos conceitos.
    O acórdão vem estabelecer a analogia com os projectos constantes dos anexos, ao afirmar que “…assente em previsão normativa expressa, na medida em que o Anexo II, parte 1ª, alínea h), nos refere expressamente as linhas de metropolitano subterrâneas, a que o n.º 2 do art. 1º do DL n.º 69/00 obriga a AIA, em conjunto com estas previsões legais, temos de articular o alcance do «podem» e do »devem» do n.º 3 desse mesmo art. 1º do citado DL n.º 69/00”. Esta analogia não parece ter sido o intuito do legislador, já que, como é óbvio, o sistema da lista não pode esgotar o âmbito da cláusula aberta, mesmo que por via de uma analogia. Neste sentido, a argumentação do tribunal é reducente e não se reconduz ao conceito de cláusula aberta, pois a conjugação do «podem» com o «devem», levar-nos-ia a uma “cláusula aberta tipificada por analogia”, o que reduziria, obviamente, o carácter discricionário no n.º 3 do art. 1º do citado diploma. Importa referir também que a orientação doutrinária do Professor Vasco Pereira da Silva, referida no acórdão, não se enquadra neste entendimento. De facto, o autor em causa critica a técnica legislativa utilizada na redacção do art. 1º do DL n.º 69/2000, mas não afirma qualquer relação entre o nº 3 do citado artigo com qualquer analogia à enumeração constante nos anexos (n.º 2). Não me parece correcta a formulação do acórdão relativamente a este ponto, já que, reconhecer a analogia com outro tipo de projectos implica alargar a lista, o que é contrário à intenção do legislador. Penso que o recurso ao n.º 3 do art. 1º do DL n.º 69/2000 destina-se a projectos que não têm necessariamente de possuir um carácter análogo aos projectos listados nos anexos do citado diploma, mas antes com projectos que em virtude das suas “características, dimensão e natureza” devem ser sujeitos a AIA, o que significa que a apreciação deve ser feita na globalidade de cada projecto, atendendo ao caso concreto na verificação dos elementos
    Assim sendo, o acórdão confirma parcialmente a decisão firmada em primeira instância, ainda que com uma fundamentação distinta, o que significa que apesar de partir de pressupostos diferentes, o resultado acaba por ser objectivamente o mesmo: a suspensão das obras do túnel do Marquês de Pombal, pois foi decretado “…ao município de Lisboa mandar parar a empreitada no que respeita apenas aos trabalhos relativos ao túnel”. Em geral, a fundamentação do acórdão é, em meu entender, correcta, sobretudo na parte em que considera que o projecto em causa não se insere nos anexos do DL n.º 69/2000, corrigindo deste modo a decisão firmada em primeira instância.

    Acórdão do STA (de 24 de Novembro de 2004), Processo n.º 1011/04
    O último acórdão sobre esta matéria é precisamente este acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que começa logo por delimitar claramente o seu objecto quando refere “Em suma, no caso em apreço, urge que nos detenhamos, sobre o acórdão recorrido, na parte em que confirmou, parcialmente, o acórdão do TAF” . O STA considerou que “…assiste razão ao recorrente enfermando o acórdão do TCA Sul de erro de julgamento…”, consistindo este erro de julgamento no “…apelo que é feito no acórdão recorrido à alegada existência de «previsão normativa expressa», que legitimaria o recrutamento das providências cautelares, na medida em que a situação dos autos se subsumiria na hipótese prevista no ponto 10, 1ª parte da alínea h), do anexo II ao DL n.º 69/2000, que obrigaria a AIA, temos para nós que é patente o erro de julgamento de que enferma o questionado acórdão. De facto, é óbvio que a obra em causa, ou seja, a construção do assim denominado «Túnel do Marquês» se não se insere, clara e manifestamente, na previsão da dita alínea h)”, não estando por isso sujeita a AIA.
    Relativamente ao preenchimento da previsão do n.º 3 do art. 1º do DL n.º 69/2000 por referência à interpretação analógica dos projectos referidos nos anexos, não só se depreende não ser possível retirar qualquer sentido útil da norma, como o próprio STA o considerou como um evidente “erro de julgamento”. A este respeito, diz-nos o acórdão que “Em suma, diversamente do que se diz no acórdão recorrido, a obrigatoriedade de AIA, a verificar-se, não pode seguramente radicar na já referenciada alínea h), na medida em que não existe previsão normativa expressa no DL nº. 69/2000 passível de obrigar à realização de AIA”.
    A respeito da caracterização do regime legal da AIA, entende o STA que, não obstante o carácter “taxativo” do n.º 2 do art. 1º, que remete para os anexos ao diploma, não se trata contudo de um sistema fechado. Refere o acórdão que “…a natureza «aberta» do regime de AIA é obtida através da via preconizada no transcrito n.º 3 do art. 1º do DL n.º 69/2000, de onde resulta que, fora das situações tipificadas nos anexos I e II, poderá ser determinada a obrigatoriedade de realização da AIA, mas, agora, por decisão administrativa, mediante o já referido despacho conjunto”. Este entendimento do STA baseia-se não só na letra da lei, mas também na aceitação de um sistema duplo de sujeição a Impacto ambiental: por um lado, uma vertente «fechada», tipificada e verdadeiramente vinculada, por outro, uma vertente «aberta», assente no n.º 3 do art. 1º, onde a discricionariedade é ponto de suma referência.
    O acórdão do TCA ao fundar a sua decisão no n.º 3 do art. 1º, não avaliou a problemática que se prende com o conceito de discricionariedade, ou seja, em que medida é que o juízo desenvolvido pela Administração, neste caso de não intervenção, pode e deve ser substituído pelo tribunal. Parece-me que não cabe no âmbito de competência do tribunal aferir da aplicação ou não de determinada cláusula, já que ele não dispõe dos recursos técnicos essenciais para aferir tal decisão, segundo um critério de razoabilidade técnico-ambiental.
    Debruçou-se ainda sobre a questão da aplicabilidade directa do art. 30º da Lei de Bases do Ambiente à obra em causa. O cerne do problema está em saber se a construção do túnel do Marquês de Pombal tem de se sujeitar à AIA, por força do disposto no art. 30º da Lei de Bases. O STA resolve a questão apelando ao recurso 4296, de 17/06/2004, expressando o seu entendimento de que “prevê, de modo genérico, a realização de estudo de impacto ambiental, relativamente a planos, projectos, trabalhos e acções que possam afectar o ambiente, os quais são determinados em concreto, por aplicação das normas legais densificadoras e regulamentares do preceito daquele n.º 1, publicadas conforme a previsão do n.º 2 do mesmo art. 30º da Lei de Bases do Ambiente”. É esta a vertente que se apresenta como mais aceitável dentro do panorama possível, já que não é exequível invocar-se directamente a aplicabilidade do art. 30º, n.º 1 da LBA para sujeitar determinado projecto a AIA. Isto ocorre sobretudo devido à amplitude da referida norma, como também ao fim programático da mesma e ainda ao n.º 2 do art. 30º, que impõe que tal procedimento seja todo ele objecto de regulamentação em legislação complementar.
    Surge ainda a questão de saber se o DL n.º 69/2000 foi efectuado de forma correcta quando conjugado com o preceito da LBA. O STA considera que “De facto não cumpre aqui sindicar o modo como o legislador se desincumbiu da tarefa atinente com a concretização da regulamentação a que alude o n.º 2 do art. 30º da Lei de Bases do Ambiente, não podendo, este STA definir, em vez do legislador, tal regulamentação, por a actuação deste Tribunal, em respeito da divisão constitucional dos poderes, se ter de reportar a parâmetros de juridicidade, onde se não incluiu o sindicar da margem de conformação legal que assista ao legislador ordinário”. Relativamente a esta questão, importa ter presente que a legislação tem reduzido efectivamente as figuras que se podem reconduzir a um quadro de sujeição à AIA. De facto, a legislação complementar apenas consagra os projectos, deixando de lado outras figuras, como os planos, os trabalhos e as acções. No entanto, o art. 30º da LBA não se aplica directamente a qualquer das figuras a que se refere, não só porque não há um mínimo de densificação da norma, mas também porque se trata de uma cláusula pautada por traços discricionários, que confirmam a falta de carácter taxativo, maxime, vinculatividade da norma em si.
    Resumindo, o STA entende que o recorrente tem razão nas suas pretensões, considerando o acórdão do TCA como um “erro de julgamento”, bem visível perante tal argumentação.

    Como é notório pela análise comparativa destes três acórdãos verifica-se que a abordagem jurisprudencial da matéria em apreço, nem sempre foi idêntica , consubstanciando uma evidente diversidade de entendimentos, fundamentados segundo premissas divergentes, o que denota uma riqueza no campo da opinião e do juízo jurídico em termos de tutela jurídico-ambiental.

    Sandra Tomé, n.º 14722, subturma 3  

  3. Anónimo disse...

    A questão central e comum a estes três acordãos, para efeitos do Direito do Ambiente, é a de saber se a obra do Túnel do Marquês estaria sujeita ao regime do Decreto-Lei 69/2000 de 3 de Maio e será sobre as conclusões dos acordãos sobre esta questão que focarei o meu comentário. Acaba, no fundo, por ser tudo uma questão de âmbito...
    Assim, temos que, tanto o Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (TAF) como o Tribunal Central Administrativo do Sul (TCA) consideraram que o projecto estaria sujeito a prévia Avaliação de Impacto Ambiental (se bem que com fundamentos distintos), ao contrário do Supremo Tribunal Administrativo, que concluiu o oposto.
    Analisando o diploma, em concreto o seu art.º 1, referente ao âmbito de aplicação material, encontram-se três tipos de situações sujeitas a AIA. São elas as constantes dos números 3, 4 e 5, com a exclusão das previsões do n.º 6. Assim, na falta de previsão nos anexos (n.º 3), decisão da entidade licenciadora (n.º 4) ou decisão dos membros do Governo competentes (n.º 5) o projecto não estará sujeito a AIA. Os números 1 e 2 não constituem uma cláusula geral (sistema aberto) mas antes uma delimitação do objecto do procedimento de AIA, na medida em que caracterizam os projectos sujeitos a estes e não o contrário. É a diferença entre dizer que os projectos susceptíveis de provocar impacto no ambiente estão sujeitos a AIA (cláusula geral) ou que o regime de AIA se aplica a estes projectos (delimitação do âmbito). Subtil, mas de extrema relevância. Nem tal podia ser de outra forma, sob pena de submeter o exercício de direitos (nomeadamente a propriedade) a uma apreciação casuística de conceitos indeterminados pela administração não suficientemente vinculada, o que seria até atentatório da segurança jurídica. Do ponto de vista do direito aplicável, concordo, por isso, com a posição do STA, neste caso concreto.

    Ao contrário de outras situações na nossa jurisprudência, parece-me não ser esta uma situação em que o tribunal superior, seja por conservadorismo, seja por negação dos valores ambientais, recusa a prevalência dos interesses ambientais, mas ser antes um problema da própria elaboração da legislação. O Direito do Ambiente é um direito novo, facto que é verdadeiro não só para os tribunais, mas também para o legislador, pelo que falhas de previsão não serão raras. Há que tentar acompanhar a evolução da ciência jurídica e aperfeiçoar a legislação. Sim, porque do ponto de vista da Justiça Ambiental, é claro que uma obra de tamanha magnitude tem de estar sujeita a AIA... Só falta é dizê-lo expressamente.

    Francisco Costa nº14415 Subturma 2  


 

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