ACÓRDÃO N.º 136/2005
Processo n.º 470/02
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:


I. Relatório

1.Em 3 de Setembro de 2001, a A. apresentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, requerimento de intimação do Primeiro-Ministro a facultar-lhe certidões referentes à totalidade do contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas do grupo B., incluindo os respectivos Anexos e estudos técnicos, de modo a permitir à requerente avaliar a incidência ambiental e concorrencial do projecto de implantação de uma unidade industrial em Esposende.
Em 15 de Março de 2002, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu o pedido de intimação formulado por aquela organização ambientalista, a quem reconheceu, embora, legitimidade para recorrer a tal meio processual acessório (apenas no que concerne às suas preocupações ambientais). Na fundamentação da sentença discutiu-se a “constitucionalidade da reserva decorrente do segredo industrial, pois que a lei constitucional não o refere explicitamente” (no n.º 2 do artigo 268.º), referindo-se expressamente as normas do n.º 1 do artigo 62.º do Código de Procedimento Administrativo, do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, e do n.º 1 do artigo 13.º Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, concluindo-se que “os valores subjacentes à consagração dos segredos comercial e industrial têm protecção constitucional” pelo que tais normas não seriam inconstitucionais.
A requerente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo, adoptando a tese, considerada e afastada na sentença, da inconstitucionalidade dos artigos 62.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo e 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, quando interpretados no sentido de imporem reservas ao direito de informação, para além do previsto no artigo 286.º, n.º 2, da Constituição.
Por acórdão de 23 de Maio de 2002, a 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso. Considerando estar em causa a colisão entre o direito à informação e os direitos à propriedade e iniciativa privada, com o inerente segredo industrial e comercial, concluiu o acórdão, por maioria, pela legitimidade da opção feita pelo legislador ordinário no artigo 10.º da Lei n.º 65/93 (na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março) e no artigo 62º, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo, «permitindo a recusa de acesso a documentos “cuja comunicação ponha em causa segredos industriais”». Mais concluiu que “[s]ó quando não existe lei é legítima a ponderação dos valores em conflito pelo intérprete”, sendo que, no caso, a legislação a aplicar seria o “art.º 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto”, e que também dos termos contratuais – a cláusula 17.ª do contrato de investimento estrangeiro, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros 34-B/2001, de 30 de Março de 2001 – resultava “a vinculação do Estado Português ao dever de sigilo”.
2.Recorreu então a referida organização ambientalista para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação das normas constantes “dos art.ºs 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, 10.º da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, tal como foram interpretadas e aplicadas pelo Douto Acórdão recorrido, isto é, no [sentido] de que fez prevalecer normas protectoras de segredo industrial, de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção em confronto com o direito à informação para protecção do ambiente, por parte de uma associação ambientalista; assim como no sentido de que não haverá, em caso de colisão, uma prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial; e, ainda, no sentido de que o Estado Português, por causa de tal protocolo, estaria vinculado contratualmente a uma obrigação de segredo, pelo que se violaria o princípio da legalidade.”
Admitido o recurso, a recorrente encerrou assim as suas alegações:
«A - Nestes autos está em causa a problemática da protecção do ambiente e,
B - reflexamente a defesa da vida, integridade física e moral das pessoas, incluindo a segurança,
C - nomeadamente na sua vertente da prevenção perante eventuais violações;
D - o que implica o direito à informação, como instrumento fundamental para o exercício daqueles direitos,
E – pois a todo o direito compete uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo.
F – A vinculação das entidades públicas diz respeito ao Estado, tanto enquanto legislador, como no que se refere à administração,
G – Como vincula entidades privadas.
H – Estamos perante normas em que está em causa a força jurídica dos direitos, liberdades garantias,
I – que são directamente aplicáveis, mesmo na ausência de lei, contra a lei e em vez da lei.
J – As eventuais restrições a direitos deste género terão de ter em conta princípios constitucionais diversos, nomeadamente o da proporcionalidade e a exigência de respeito do seu núcleo essencial.
K – A defesa do ambiente opera-se fundamentalmente por acção preventiva (princípios da prevenção e da precaução), na medida em que os danos ambientais são frequentemente de natureza irremediável e grave;
L - os diferentes procedimentos existentes são o meios formais fundamentais para exercer o direito à informação, e para a consequente tutela dos mesmos direitos e interesses.
M – Só em casos limitados, de informações e/ou documentos “classificados” é que poderá haver restrições ao direito à informação dos particulares: quando estão em jogo poderosos interesses públicos,
N – ou quando se pretenda, em alguns casos, proteger a intimidade e privacidade das pessoas.
O – O nosso quadro legal constitucional configura o direito ao “arquivo aberto”, em nome de uma chamada “democracia administrativa” e de um “direito de saber”.
P – Não há segredos industriais a defender no caso dos autos,
Q – Já que o regime da propriedade industrial não os contempla; de facto,
R – estando nós no domínio da liberdade de iniciativa privada e da concorrência, assim como da tipicidade dos direitos de propriedade industrial, estes são defendidos através das normas do registo e da punição da concorrência desleal,
S – sendo certo que, com o registo, deixa de haver segredo, passando a existir publicidade registral.
T – De resto, nunca o Recorrido informou que tipo de segredo industrial estaria a ser protegido: quando muito estaremos no segredo do…segredo!
U – O douto Acórdão em apreço veio lesar ilicitamente interesses relacionados com o ambiente, a vida e segurança das pessoas e o correspondente direito à informação.
V – Mesmo em caso de eventual colisão de interesses e/ou direitos, os de carácter não-patrimonial prevalecem sobre os de índole patrimonial, na sequência de entendimento (quase) unânime da Jurisprudência.
X – O direito ao ambiente é protegido constitucionalmente e insere-se nos direitos de personalidade.
Y – Com a recusa radical de prestar à Recorrente todas e quaisquer informações, o Recorrido e o Douto Acórdão em apreço estiveram a violar, pelo menos, o núcleo fundamental do DIREITO À INFORMAÇÃO em matéria de ambiente.
Z – Foram violadas as disposições dos art.ºs 9.º, 17.º, 18.º, 20.º, 24.º a 26.º, 35.º, 52.º, 66.º, 81.º, 90.º e 268.º da Const. Política, muito especialmente se verificando a inconstitucionalidade dos art.ºs 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, n.º 1 do [artigo 13.º do] D.L. n.º 321/95, de 28 de Novembro, 10.º da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, tal como foram interpretadas e aplicadas pelo Douto Acórdão recorrido, isto é, no sentido de fazer prevalecer normas protectoras de “segredo industrial”, de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada, dos meios de produção, em confronto com o direito à informação para a protecção do ambiente por parte de uma associação ambientalista; assim como no sentido de que não haverá, em caso de colisão uma prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial; e, ainda, no sentido de que o Estado Português, por causa de tal protocolo, estaria vinculado a uma obrigação de segredo, pelo que se violaria o princípio da legalidade.
Tais normas, na dimensão interpretativa que lhes foi conferida pelo Douto Acórdão recorrido, violam os princípios e normas constitucionais do direito à vida (art.º 24.º), à integridade moral e física das pessoas, incluindo a segurança (art.º 25.º), ao ambiente e qualidade de vida (art.º 66.º), nomeadamente a faculdade de prevenção de tais violações (art.ºs 266.º e 268.º), traduzindo-se tal dimensão interpretativa na efectiva denegação de justiça.»
Por seu turno, o Primeiro Ministro concluiu assim as suas alegações:
«I. Apesar das flutuações reconhecíveis nas alegações da recorrente, parece seguro que o objecto do presente recurso só poderá ser a questão da constitucionalidade do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, e do n.º 1 do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, por confronto com o n.º 2 do artigo 268.º da Constituição. Na verdade, das diversas disposições legais indicadas nas alegações, apenas essas foram aplicadas no acórdão recorrido.
II. A disposição do art.º 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, tem vindo reiteradamente a ser julgada não inconstitucional, por aplicação do raciocínio dispositivo expresso no acórdão n.º 254/99 do Tribunal Constitucional, tirado em Plenário. A mesma doutrina aplica-se ao n.º 1 do art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro.
III. Constata-se ainda que o acórdão recorrido procedeu a uma valoração circunstanciada dos bens constitucionalmente protegidos eventualmente conflituantes no caso concreto, não se justificando qualquer censura.
IV. Em consequência, resulta incontornável a carência de razão da recorrente.»
Cumpre agora apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Como se nota nas contra-alegações de recurso, as normas em causa no presente processo só podem ser as do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e a do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, que foi deficientemente identificado na decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa e assim permaneceu. Sendo esta uma norma especial em relação àquela primeira, poder-se-ia até centrar nela a análise, não fora o facto de a decisão recorrida a não ter mencionado – ao contrário da do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95 -, e de a estatuição de uma e outra normas irem no mesmo sentido: “A Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas”, diz a referida Lei; “As informações relacionadas com operações de investimento estrangeiro não podem ser divulgadas sem autorização escrita dos seus intervenientes, excepto quando susceptíveis de conhecimento público”, diz a norma do citado Decreto-Lei.
Serão, assim consideradas ambas as normas – por ambas virem impugnadas e ambas terem sido aplicadas durante o processo –, mas já não outras normas relevantes do Código de Procedimento Administrativo – designadamente a do seu artigo 64.º - por não terem sido referidas no requerimento de interposição do recurso.
4.Importa, por outro lado, salientar que no presente processo não está em causa a norma que prevê limitações ao direito à informação enquanto aplicável aos elementos que eventualmente tenham servido para instruir os procedimentos administrativos de licenciamento da unidade industrial a que se reporta o contrato de investimento estrangeiro em questão – mas apenas os elementos constantes dos anexos a este contrato, que não foram publicados.
A requerente solicitou “certidões referentes à totalidade do contrato outorgado com as empresas do grupo B., incluindo os anexos e estudos técnicos que permitam a exacta compreensão do projecto em apreciação”. Mas, em relação a tais estudos técnicos ou outros elementos – designadamente, o parecer favorável à instalação da unidade industrial – a fundamentação (desde logo, do Primeiro-Ministro) para a sua não entrega à requerente não reside na prevalência do dever de confidencialidade, nos termos do contrato de investimento estrangeiro celebrado, sobre o direito à informação da requerente, mas antes (cfr. fls. 86 e seg. dos autos) na diversa origem dos documentos em causa: terem emanado de uma entidade administrativa (a Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território do Norte), não tendo o requerido domínio ou conhecimento sobre tais elementos (o que se invoca logo no parecer do Ministério Público na 1ª instância, dado por reproduzido na decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, e para que remete também a decisão recorrida, do Tribunal Central Administrativo).
5.Quanto à norma do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95, e quanto à sua conformidade com o n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, invocou o Primeiro-Ministro, nas contra-alegações, que este Tribunal já se pronunciou “por diversas vezes, sendo que a doutrina que tem feito prevalência se encontra fixada no Acórdão n.º 254/99”, podendo o raciocínio “estender-se, sem esforço, ao n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro”.
Apesar de em tal acórdão se ter excluído a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto (na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março) do objecto do processo – por tal norma não ter sido aplicada na decisão recorrida, por não se terem seguido os trâmites relevantes para a sua invocação (os artigos 16.º e 17.º da Lei n.º 65/93 impõem que “o requerente, antes de interpor o recurso contencioso, te[nha] de reclamar primeiro para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, o que não fez”), e por o requerente não ter invocado, nesse caso, como fundamento da sua pretensão, “o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, consagrado no n.º 2 do artigo 268.º da Constituição” –, a discussão da conformidade constitucional de tal norma foi, efectivamente, considerada necessária “para a fundamentação da decisão”.
Tal impostação do problema foi, depois, seguida nos acórdãos 335/99, 384/99, 385/99 e 386/99 (todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt/) – o primeiro e o último excluindo também expressamente a apreciação da norma do artigo 10.º da Lei n.º 65/93 do objecto do recurso, e os restantes referentes a um conjunto de normas que não incluía esta norma, mas todos remetendo para a decisão do Plenário (no referido acórdão n.º 254/99) onde, como se disse, tal norma foi incluída na fundamentação, nos seguintes termos:
«Poderá, assim, discutir-se se o direito do acesso aos arquivos e registos administrativos não exclui à partida o direito de revelação de segredos comerciais e industriais que deles constam. Nesta perspectiva, a recusa de acesso a documentos que ponham em causa segredos comerciais e industriais, por parte da Administração, e a proibição da utilização por esta de informações que possam desrespeitar direitos de autor ou de propriedade industrial ou configurar práticas de concorrência desleal, nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, estariam desde logo autorizadas constitucionalmente à partida pela própria expressão constitucional do conteúdo do direito. O principal argumento contra esta interpretação é o de o n.º 2 do artigo 268.º ter considerado necessária uma reserva de lei restritiva em matérias de segredos de Estado, de segredos de instrução criminal e de intimidade das pessoas, que na referida interpretação estariam igualmente excluídas do sentido imediato do direito de acesso. Haveria que dizer que no n.º 2 não se tem uma verdadeira reserva de lei, mas a simples remissão para a lei da definição de certos limites.
De qualquer modo, a exacta delimitação dos documentos que podem ser comunicados e dos que permanecem sob sigilo na hipótese sub judice sempre exige uma cuidadosa ponderação do conflito de direitos e interesses constitucionalmente protegidos e uma demonstração da necessidade e proporcionalidade da recusa de acesso à informação. Tal ponderação e, portanto, o recurso aos critérios do artigo 18º sempre seriam adicionalmente necessários.
Bastará, para tanto, observar que o direito de informação instrumental do direito à tutela jurisdicional expresso nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 268.º e que a recorrente considera justamente apenas implícito nestes números, não tem qualquer conteúdo imediatamente expresso na Constituição, pelo que não tem sentido falar de limites imanentes desse conteúdo como limites à partida. Relativamente a tal direito, que, como vimos, é o único em causa neste processo, não valem as anteriores considerações acerca do n.º 2 do artigo 268º.
Em geral, sempre que a solução de um conflito de direitos ou interesses constitucionalmente protegidos se faça pela proibição do exercício de um direito em certas circunstâncias, seja a proibição explícita, implícita ou obtida por remissão, têm justificação as cautelas constitucionais contra as leis restritivas. Ora na hipótese em crise trata-se de justificar constitucionalmente uma proibição de acesso a documentos que interessam ao titular do direito à tutela jurisdicional para este mesmo efeito. Têm todo o cabimento as cautelas constitucionais.
11. Demonstrada a possibilidade em abstracto de restrições aos direitos de informação previstos, quer no n.º 2 do artigo 268.º - que não está directamente em causa -, quer no n.º 1 do artigo 268.º, ou derivados dos n.ºs 4 e 5 do mesmo artigo, em situações de conflitos entre direitos fundamentais (ou interesses constitucionalmente protegidos), quer em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, quer em outras matérias, falta demonstrar a necessidade e a proporcionalidade de restrições determinadas por situações de conflito em matéria de segredo comercial ou industrial, de direitos de autor ou de direitos de propriedade industrial, e de concorrência desleal, tendo em vista os critérios dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º. Como se disse no acórdão n.º 282/86 ( [Acórdãos do Tribunal Constitucional], 8, p.223), o princípio da necessidade e da proporcionalidade - esta não é mais do que a necessidade não apenas da existência de restrição, mas de certa medida ou modo de restrição - enunciado no artigo 18.º, n.º 2 vale directamente para todas as medidas restritivas dos direitos fundamentais. A sua aplicação exige a definição genérica (“tem de revestir carácter geral e abstracto”: n.º 3 do artigo 18º) das situações de conflito entre direitos fundamentais ou interesses constitucionalmente protegidos, o que equivale à enunciação das circunstâncias ou dos pressupostos de facto em que o direito prevalece e das circunstâncias ou dos pressupostos de facto em que o direito é restringido. As longas demonstrações da existência ou inexistência de necessidade e de proporcionalidade da restrição em determinados pressupostos constituem a substância quer das opiniões que fizeram vencimento como das vencidas no referido Acórdão n.º 282/86 (sobre a suspensão e o cancelamento dos direitos emergentes dos técnicos de contas), assim como, também por exemplo, no Acórdão n.º 103/87 (sobre restrições aos direitos fundamentais dos agentes da Polícia de Segurança Pública).
Por outro lado, a proibição de “diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais” do n.º 3 do artigo 18.º não se refere ao seu conteúdo à partida (prima facie ou a priori), mas ao seu conteúdo “essencial”, como resulta afinal do processo de interpretação e aplicação dos preceitos constitucionais, incluindo a solução dos conflitos entre direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Quer isto dizer que a final sempre haverá circunstâncias ou pressupostos de facto em que o direito fundamental é reconhecido e que constituem o seu conteúdo essencial. Nesta medida, a proibição da parte final do n.º 3 é uma consequência do princípio da harmonização ou concordância prática dos direitos ou interesses em conflito que o Tribunal tem aplicado (cfr., por exemplo, os citados acórdãos n.ºs 177/92 [p.404], 113/97 [4481] e o Acórdão n.º 288/98 [Diário da República, I Série-A, de 18-4-1998, pp. 1714-20, 25). Trata-se, portanto, como se diz no Acórdão n.º 177/92 (ibidem) de harmonizar “os direitos em confronto, para se ser levado, se tal se mostre necessário, à prevalência (ou razão de prevalência) de um direito ou bem em relação a outro”, ou, como se diz no Acórdão n.º 288/98 (p.1714-25) “a harmonização, a concordância prática, se faz entre bens jurídicos, implicando normalmente que, em cada caso, haja um interesse que acaba por prevalecer e outro por ser sacrificado”. Nas várias hipóteses de conflito há que determinar “em cada caso” genericamente “as razões de prevalência”. É uma “ponderação casuística” (Acórdão n.º 177/92) e ao mesmo tempo generalizadora.»
Quanto à “ponderação casuística” referida neste aresto, entendeu a recorrente que haveria um conflito entre “as normas protectoras de segredo industrial, de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção”, por um lado, e “o direito à informação para protecção do ambiente, por parte de uma associação ambientalista”, por outro.
Verifica-se, porém, que se não detecta para o “direito à informação para protecção do ambiente”, especificamente invocado pela recorrente - como também não tinha o “direito de informação instrumental do direito de tutela jurisdicional” referido naquele acórdão –, “qualquer conteúdo imediatamente expresso na Constituição”, o que logo poderia constituir argumento para desqualificar uma solução do caso baseada necessariamente numa “concordância prática” entre um direito de acesso aos arquivos e registos administrativos reconhecido aos cidadãos e o direito à reserva e ao segredo que a lei institui como forma de tutela dos direitos de propriedade privada e livre iniciativa.
Tal entendimento não foi, no entanto, adoptado no referido acórdão n.º 254/99, onde, embora a propósito de uma situação em que se reconheceu a existência de um “interesse pessoal legítimo na obtenção de certa informação” (interesse pessoal que não está agora em causa, sendo o interesse na tutela do ambiente, como se sabe um “interesse difuso”), se escreveu o seguinte:
«6. Em causa está o direito de acesso, na forma de direito de consulta e de direito de obter certidão, do detentor de interesse legítimo no conhecimento dos elementos que lhe permitam usar de meios administrativos ou contenciosos a documentos de um processo administrativo que possam ser relevantes para tal fim.
Esse direito não está consagrado especificamente na Constituição. A recorrente pretende que está implícito no direito dos administrados, consagrado nos n.ºs 4 e 5 do artigo 268.º da Constituição, a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, e nessa medida tem razão. A tutela jurisdicional seria muitas vezes ineficaz sem um direito instrumental de quaisquer pessoas que tenham interesse legítimo à informação dos elementos que possam ser relevantes e que constem de processo administrativo.
A recorrente pretende também que esse direito está implícito no direito de acesso consagrado no n.º 2 do mesmo artigo 268.º, como direito geral de todos os cidadãos mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito, nem tenham em vista obter elementos que lhe permitam, iniciar um tal procedimento, de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas. Também aqui tem o recorrente razão, pois seria incompreensível que o direito de quem tem um interesse pessoal legítimo na obtenção de certa informação tivesse menor âmbito do que o direito, de qualquer cidadão, de acesso aos arquivos e registos administrativos (conferir, no mesmo sentido, por exemplo, os acórdãos deste tribunal n.ºs 176/92 e 177/92, ambos de 7 de Maio, 234/92 e 237/92, ambos de 30 de Junho, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1992, pp. 377 ss., 397 ss., 599 ss., 609 ss.). O direito de acesso do interessado nunca pode ser menor que o do cidadão em geral, até porque o interesse público na transparência da actividade administrativa, ou numa “administração aberta”, como forma de garantia do respeito pelos princípios constitucionais, norteadores dessa actividade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé, só pode ser favorecido pela acção dos directamente interessados e está na prática dependente dessa acção. Acresce que o administrado interessado, mesmo que não seja cidadão, não tendo nesse caso os direitos de participação na vida pública, nomeadamente através do esclarecimento sobre actos do Estado e demais entidades públicas (artigo 48.º da Constituição), que caracterizam a posição do cidadão no Estado democrático (artigo 2.º), tem frequentemente direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que implicam, como no caso do direito à tutela jurisdicional, direitos de acesso à informação. Há, pois, que entender que a introdução do n.º 2 do artigo 268.º na revisão constitucional de 1989 veio alargar o conteúdo do direito de informação procedimental reconhecido no n.º 1, pelo que os limites, que caracterizavam esse direito na redacção originária de 1976 - nomeadamente, a restrição ao direito de ser informado sobre o andamento do processo e ao de conhecer a resolução definitiva sobre ele -, não tornam inconstitucionais as formulações mais amplas desse direito (abstraindo das referências à confidencialidade) nos artigos 62.º e 64.º do LPA e 82.º da LPTA (cfr. o n.º 1 do artigo 16.º da Constituição).
7. A recorrente pretende, porém, que os limites do direito de acesso do n.º 2 do artigo 268.º são apenas os que resultam da reserva de lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas e que esses limites valem para todos os direitos de informação consagrados explícita ou implicitamente no mesmo artigo. Não tem razão em nenhum destes pontos.
Em primeiro lugar, a Constituição claramente diz o contrário, ao dispor apenas no caso do direito de acesso do n.º 2 que limites podem ser estabelecidos por uma reserva de lei, o que representa uma degradação ou uma hipoteca (usando a terminologia de Gomes Canotilho, Revista de Legislação e Jurisprudência, 125, 1992, p.254), relativamente ao regime do direito à informação procedimental do n.º 1 e do direito instrumental à informação derivado do direito do administrado à tutela jurisdicional dos n.ºs 4 e 5 do artigo 268.º. Estes direitos são reconhecidos sem limites explícitos. A formulação da reserva de lei, ao dizer que o direito de acesso é reconhecido “sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas”, implica até uma prevalência de princípio dos interesses na confidencialidade regulados nessas matérias sobre o direito ao acesso que podem, porventura em nome do critério do melhor equilíbrio possível entre os direitos em conflito (invocado no acórdão recorrido), justificar nas circunstâncias dadas o sacrifício da confidencialidade (cfr. também as cautelas do Acórdão n.º 177/92, lug cit., p.405). Nada disto se aplica aos outros direitos à informação consagrados no artigo 268.º.
Em segundo lugar, sem exceptuar o do n.º 2, todos os direitos de informação frente à Administração Pública consagrados no artigo 268.º estão limitados por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com eles conflituam (assim Gomes Canotilho, ibidem). Tais limites, ditos a posteriori, por se determinarem depois da determinação do conteúdo do direito por via de interpretação (a qual poderá determinar limites desse conteúdo), sempre seriam admissíveis, quer no direito de informação procedimental do n.º 1, quer no direito de informação instrumental do direito de tutela jurisdicional. Os dois direitos estão, aliás, estreitamente ligados na sua regulação legal, na medida em que o CPA e a LPTA integram o último no regime do direito de informação procedimental do artigo 62.º do CPA e do artigo 82.º do LPTA, e ainda na medida em que se considera, como o acórdão aqui recorrido, que o interesse na informação pretendida para uso administrativo ou procedimental é um interesse legítimo no conhecimento dos elementos pretendidos a que se refere o 64.º do CPA para o efeito de considerar o direito de informação procedimental reconhecido no artigo 62.º extensivo às pessoas que provem ter tal interesse. Ora não há nenhuma razão para que limites do mesmo género não existam no caso do direito de acesso do n.º 2. É que se trata de um género de limites que existe qualquer que seja o modo de definição de um direito na Constituição, porque resultam simplesmente da existência de outros direitos ou bens, igualmente reconhecidos na Constituição e que em certas circunstâncias com eles conflituam, bem como da possibilidade de conflitos em certas circunstâncias entre direitos idênticos na titularidade de diferentes pessoas. Os conflitos não podem ser evitados a não ser pela previsão na Constituição dessas circunstâncias e pela consequente transformação dos elementos do conflito em elementos da definição dos direitos ou bens constitucionais em jogo. Ora a previsão exaustiva das circunstâncias que podem dar lugar a conflitos deste tipo é praticamente impossível pela imprevisibilidade das situações de vida e pelos limites da linguagem que procura prevê-las em normas jurídicas, além de que a Constituição nunca pretendeu regular pormenorizadamente, ou tão exaustivamente quanto possível, os direitos que consagra. Estas considerações aplicam-se a todos os direitos fundamentais reconhecidos na Constituição. Todos esses direitos podem ser limitados ou comprimidos por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, sem excluir a possibilidade de conflitos entre direitos idênticos na titularidade de diferentes pessoas (pense-se, quanto ao direito à vida, no regime legal de legítima defesa e do conflito de deveres, e no dever fundamental de defesa da Pátria - artigo 276.º n.º 1 da Constituição), sendo sempre necessário fundamentar a necessidade da limitação ou compressão quando ela não se obtém por interpretação das normas constitucionais que regulam esses direitos.
8. Não vale dizer, em contrário, que quando a Constituição consagra um limite expresso, seja ele uma reserva de lei, implica que nenhum outro limite foi desejado. Este argumento obviamente não procede. Ele subentende que o limite expresso, ou a reserva de lei, é uma excepção e que existe uma regra que proíbe a existência de outras excepções além das expressas. A primeira premissa não é verdadeira. A reserva de lei do n.º 2 é uma remissão da Constituição para a lei e não uma excepção constitucional a normas constitucionais. É certo que da existência de uma remissão explícita não se deduz qualquer outra remissão e pode deduzir-se o carácter excepcional da remissão. Assim o n.º 2 do artigo 268.º implica que em matérias que não sejam relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos não tem à partida (prima facie, a priori) os limites que resultam da lei nestas matérias. Nessas outras matérias apenas pode ter a posteriori os limites que resultam da solução constitucional das situações de conflito com outros bens ou interesses constitucionalmente protegidos, que são os únicos que valem para os direitos de informação procedimental ou instrumental do direito de tutela jurisdicional dos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 268.º.
Assim, em relação a direitos que formula à partida sem qualquer limite, para além do que resulta imediatamente da definição constitucional do seu objecto como a liberdade de expressão e informação (artigo 37.º, n.º 1), a própria Constituição admite que o seu exercício pode constituir infracção criminal, ilícito de mera ordenação social e ilícito civil (n.ºs 3 e 4 do artigo 37.º) e o Tribunal Constitucional entendeu que o seu exercício poderia ainda constituir ilícito disciplinar (Acórdão n.º 81/84, Acórdãos cit., 4, pp. 225 ss., especialmente 233-234; cfr. sobre conflitos com o mesmo direito, o Acórdão n.º 113/97, Diário da República, II série de 15-4- 1997, pp.4478,4481). Temos aqui um direito fundamental sem explícitos limites a priori, que a Constituição reconhece ter limites a posteriori em certas áreas e em que a lei criou limites a posteriori em outras áreas. Também o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar é consagrado à partida no n.º 1 do artigo 25.º da Constituição sem qualquer limite e, no entanto, o Tribunal Constitucional admitiu que em hipóteses de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (e, portanto, de conflito com o interesse na prossecução penal e com o princípio da verdade material) pode haver intercepção e gravação de comunicações telefónicas (Acórdão n.º 7/87, Acórdãos cit., 9, pp. 7 ss., 35; cfr., de modo semelhante, quanto ao uso, não consentido pelo visado, de fotografia como prova em processo de divórcio, o Acórdão n.º 263/97, Diário da República, II série, de 1-7-1997, pp. 7567, 7569). É certo que no acórdão n.º 7/87 o Tribunal invocou a reserva de lei em matéria de processo criminal que limita à partida o direito ao sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada (art.ºs 34.º, n.ºs 1 e 4), mas estava em causa apenas a hipótese em que o sigilo diz respeito a matéria de reserva da intimidade, em que não há reserva de lei. Também o direito de acesso a cargos públicos electivos (artigo 50.º, n.º 1 da Constituição) era, antes da revisão de 1989, consagrado sem limites à partida além dos que resultavam de outros preceitos constitucionais directamente para os magistrados judiciais (artigo 221.º, n.º 3, hoje 216.º, n.º 3) ou através de reservas de lei para os militares e agentes militarizados (artigo 270.º) e para as eleições para a Assembleia da República (artigo 153.º, hoje 150.º). Mas nos acórdãos n.ºs 225/85 e 244/85 (Acórdãos cit., 6, pp.793 ss., 798-801 e pp. 211 ss., 217-228) o Tribunal admitiu restrições legais para os funcionários judiciais (em vista do interesse na separação e independência das funções autárquica e judicial) e para os funcionários e agentes da administração autárquica directa da mesma autarquia (em vista do interesse na independência e imparcialidade do poder local). Em ambos os casos as restrições expressas na Constituição ou resultantes das reservas de lei em certas matérias fundaram argumentos no sentido da admissibilidade de outras restrições, em hipóteses de conflito de direitos ou interesses constitucionalmente reconhecidos.»
Conclui-se, pois, que é possível ao legislador prever excepções ao direito geral de informação, quer no âmbito das restrições expressamente autorizadas pela Constituição, quer em hipóteses de conflito de direitos ou interesses constitucionalmente reconhecidos.
Ora, não será, desde logo, de excluir a possibilidade de inclusão, no presente caso, dos elementos de informação pedidos (ou pelo menos de parte deles) no âmbito de informação relativa à “intimidade das pessoas”, se se entender que tal cláusula justificativa de restrições ao direito à informação, prevista na parte final do artigo 268.º, n.º 2, da Constituição, é igualmente aplicável a pessoas colectivas – e, no caso, à vida interna (ao “segredo dos negócios” e dos processos de laboração) da empresa que celebrou com o Estado o contrato de investimento estrangeiro em que se previu logo o dever de confidencialidade das partes, e em cujos anexos se encontram os elementos em questão.
Mesmo, porém, que, num caso como o presente, se entenda não poder subsumir o fundamento da limitação ao direito de informação sob a “intimidade das pessoas”, prevista do artigo 268.º, n.º 2, in fine, da Constituição, não se conclui no sentido da inconstitucionalidade da solução normativa do conflito de valores ou interesses que foi adoptada pela decisão recorrida.
6.Na verdade, acresce que, a ter de operar-se uma ponderação de interesses contrapostos constitucionalmente reconhecidos, há que tomar em consideração que os contratos de investimento assinados pelo Estado Português e pelas empresas que se propõem realizar um investimento industrial visam satisfazer interesses e valores também constitucionalmente relevantes – cfr. as “tarefas fundamentais do Estado” elencadas no artigo 9.º da Constituição, entre as quais se conta, na alínea d), “[p]romover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais”. Designadamente, trata-se de instrumentos importantes (designadamente, numa economia com as características da economia portuguesa) para possibilitar as condições para o desenvolvimento económico e, consequentemente, para a obtenção dos meios, pelos particulares e pelo Estado, para a obtenção de bens e para a satisfação das necessidades individuais e colectivas, e inclusive de bens e necessidades protegidas por direitos fundamentais – parecendo desnecessário recordar aqui considerações bem conhecidas sobre o efectivo “custo dos direitos” proclamados no texto da Constituição, a que este Tribunal não tem deixado de (explicita ou implicitamente) aludir, pelo menos fora do âmbito dos “direitos, liberdades e garantias”, quando se refere à cláusula de “reserva do possível” (designadamente, do económica e financeiramente possível).
Importa também atentar em que os contratos de investimento celebrados entre o Estado Português e empresas ou investidores, podendo implicar, como no presente caso, um compromisso de sigilo quanto às informações fornecidas por essas empresas, envolvem um conjunto de contrapartidas – para ambas as partes e com incidência em terceiros, concorrentes ou não – que têm de ser ponderadas, no momento da celebração do contrato, sendo, evidentemente, ao Governo, ao celebrar esses contratos, que compete realizar essa ponderação.
Por outro lado, o projecto em causa foi previamente objecto de aprovação pelas entidades competentes – a quem cabe, designadamente, avaliar também o impacte ambiental e estabelecer as condições de funcionamento da unidade fabril – e, quer na pendência da sua construção, quer no decurso do seu funcionamento, continuará sujeito às regras de funcionamento e à vigilância e fiscalização das entidades oficiais. A tutela do direito ao ambiente que a recorrente invoca como fundamento para o seu direito à informação está igualmente prevista como objecto de salvaguarda pela actividade da Administração Pública, no quadro das funções do Estado, não sendo, pois, de considerar a “vigilância” pela recorrente como via única – ou, sequer, principal ou privilegiada – de acautelar esse direito.
Estamos, pois, perante a contraposição entre um interesse dos investidores (por isso, umas vezes manifestado, e outras não, mas no presente caso elevado pelas partes a dever contratual) em manter reserva sobre as condições de realização de um investimento, e o interesse de organizações ambientalistas em terem acesso a tais informações que o Estado Português se comprometeu, legal e contratualmente, a manter reservadas. Ambos os interesses assumem, naturalmente, relevância pública.
Ora, num contexto em que o Governo entendeu aceitar vincular-se no próprio contrato a uma cláusula de confidencialidade (sendo de presumir que tal vinculação constituiu, para ambas as partes, um elemento essencial para a celebração do contrato) e em que, portanto, o confronto entre, por um lado, uma informação geral sobre todos os aspectos do contrato (no caso, sobre os anexos, não publicados no Diário da República) e, por outro lado, o interesse no investimento estrangeiro foi já realizado pelo Governo, a ponderação imposta aos Tribunais, em caso de conflito entre, por um lado, o direito geral à informação, invocado pela recorrente, e, por outro lado, o interesse na concretização do investimento estrangeiro, pode resultar aligeirada. Neste sentido, o tribunal recorrido entendeu remeter, não só para as normas agora em causa, como para o referido dever contratual de confidencialidade, e, implicitamente, para a avaliação realizada na sua celebração. E acrescente-se ainda que a recorrente nada de mais específico ou concreto adiantou sobre ameaças ao ambiente, para além do seu interesse ou legitimidade geral, como associação que tem como finalidades a defesa do ambiente, ou de desconfianças gerais que o projecto ou a empresa em questão lhe suscitava.
Entende-se, assim, que a contraposição a realizar pelo tribunal recorrido podia bastar-se, nestas condições, com uma implícita ponderação, ou confronto (sem dúvida menos desenvolvido do que o que se verificou no caso decidido pelo acórdão n.º 254/99), com o resultado daquele que foi efectuado. Atendendo às tarefas fundamentais do Estado fixadas no artigo 9.º da Constituição e aos princípios cometidos pelo seu artigo 266.º à Administração Pública, a conclusão do tribunal recorrido podia pender, ainda que por via de um tal confronto abreviado, a favor da possibilidade de limitações ao direito à informação com fundamento no citado conflito, concluindo-se, portanto, no sentido da conformidade constitucional da norma do artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 321/95, no que concerne à divulgação e acesso de documentos inerentes à celebração dos contratos de investimento estrangeiro, quando susceptíveis de conhecimento público – e, portanto, também, nesta medida, da norma do artigo 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95, da qual a norma do artigo 13.º, n.º 1, do referido decreto-lei constitui, como se disse, um caso especial.
7.Diga-se, ainda, que a afirmação de uma geral “prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial”, também invocada pela recorrente, é, por si só, insusceptível de ser ponderada, por não se poder estabelecer o aludido confronto.
Não há, de facto, em tese geral, nenhum conflito entre direitos de carácter patrimonial das empresas signatárias do contrato de investimento com o Estado Português e o direito ao ambiente, nem parece ele resultar simplesmente das circunstâncias referidas nos autos. Aliás, mesmo que, em termos meramente potenciais, tal conflito pudesse vir a ocorrer no futuro, ele seria também completamente alheio às normas que vêm impugnadas – as quais, como se deixou referido, se limitam a permitir à Administração, no quadro de operações de investimento estrangeiro, e com fundamento em compromissos assumidos num contrato de investimento, a recusa de acesso a documentos que ponham em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas, e sem o consentimento destas (ausência de consentimento, no caso, previamente acautelada pela inclusão no próprio contrato de investimento de uma cláusula de sigilo).
Caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos ambientais sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas, a propósito das quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre direitos da propriedade privada e da livre iniciativa, e a sua constitucionalidade, se se entender que essa normas não asseguram cabalmente os valores constitucionalmente protegidos.
Conclui-se, pois, pela improcedência da arguição de inconstitucionalidade dirigida às normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional:
a) Não julgar inconstitucionais as normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, no que diz respeito às questões de constitucionalidade suscitadas.
Lisboa, 15 de Março de 2005
Paulo Mota Pinto
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto junta)
Mário José de Araújo Torres (vencido, nos termos da declaração de voto junta)
Rui Manuel Moura Ramos


Declaração de voto
Votei vencida o presente Acórdão por entender que a interpretação normativa constante da decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade na restrição ao direito à informação, que se retira dos artigos 18º, nº 2, e 268º, nº 2, da Constituição. Remeto, no essencial, para as razões invocadas pelo Senhor Conselheiro Mário Torres na sua declaração de voto.
Maria Fernanda Palma


DECLARAÇÃO DE VOTO

Votei vencido, por entender que a interpretação normativa acolhida na decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade na restrição ao direito à in­formação, resultante das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Reconheço, em consonância com reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional, que o direito dos cidadãos de acesso aos arquivos e registos adminis­trativos pode sofrer restrições – para além das expressamente previstas no n.º 2 do ci­tado artigo 268.º da CRP: matérias relativas à segurança interna e externa, à investiga­ção criminal e à intimidade das pessoas – impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, entre os quais os destina­dos a proteger segredos industriais e comerciais, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março (“A Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas”). Já se afigura mais ampla, e não meramente especial em relação à anterior, a norma do artigo 13.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, segundo a qual: “As infor­mações relacionadas com operações de investimento estrangeiro não podem ser di­vulgadas sem autorização escrita dos seus intervenientes, excepto quando susceptíveis de conhecimento público”.
Mas se não se pode dizer, a meu ver, que é constitucionalmente ilegítima toda e qualquer restrição ao acesso a documentação detida pela Administração estra­nha às matérias referidas expressamente no n.º 2 do artigo 268.º da CRP, também te­nho por seguro que, quer quando estejam em causa essas matérias quer outras relativas a direitos ou interesses constitucionalmente tutelados, sempre a restrição ao direito à informação há‑de res­peitar os princípios da proporcionalidade, da adequação e da pro­porcionalidade e re­clamará uma ponderação em concreto dos direitos em conflito a efectuar pelo tribunal.
Foi essa a orientação que o Tribunal Constitucional traçou quando por diversas vezes se pronunciou sobre o direito de acesso a documentos inseridos em pro­cessos de autorização da introdução de medicamentos no mercado (cfr. Acórdãos n.ºs 254/99, 335/99, 384/99, 385/99 e 386/99), orientação que, aliás, já havia sido a adop­tada nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo então recorridos e que, em cada caso concreto, especificaram, dentre as diversas espécies de documentos que inte­gravam aqueles processos de autorização, quais podiam e quais não podiam ser facul­tados aos requerentes de acesso. Por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal Ad­ministrativo, de 10 de Julho de 1997, confirmado pelo Acórdão n.º 254/99 do Tribunal Constitucional, consignou‑se:

“[...] o direito à informação é configurado como um direito fundamental do administrado e, de acordo com a doutrina, de natureza análoga aos «direitos, liberdades e garantias» enunciados na Constituição e sujeito ao respectivo re­gime (artigos 17.º e 18.º da CRP).
Como tal, está sujeito às limitações e restrições estabelecidas nos ter­mos da lei.
Tal direito, embora seja, prima facie, um direito sem restrições consti­tucionalmente explícitas – ressalvadas as que constam do n.º 2 do artigo 268.º da CRP (...) – não é um direito absoluto e, assim, quando se encontra em coli­são com outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, não está im­pedida a legitimação da sua restrição, desde logo, no âmbito do próprio sistema constitucional e da harmonização das respectivas normas.
Ora, no artigo 17.º do Decreto Lei n.º 72/91, subjacente à classificação como confidenciais dos elementos de instrução dos processos de autorização a que se refere aquele diploma, nomeadamente nos seus artigos 5.º e 14.º, desen­cadeados no INFARMED – tal como no artigo 62.º do CPA e artigo 10.º da Lei n.º 65/93 e ainda nos artigos 1.º e 47.º do Código da Propriedade Industrial – está a ponderação de razões relacionadas com a protecção de direitos (de pro­priedade intelectual e respectivos segredos comerciais e industriais) integrados no direito de propriedade privada, também constitucionalmente assumido como direito fundamental (artigo 62.º da CRP).
A prevalência que, porventura, dermos a um destes direitos em con­fronto (direito à informação e direito de propriedade intelectual e industrial e atinentes segredos), implica a postergação do conteúdo essencial do outro; isto é, a aplicação das normas atinentes ao direito à informação exclui as de protec­ção ao direito de propriedade e vice-versa.
Estaríamos, assim, na presença de uma colisão de direitos consagrados constitucionalmente cujas características não apontam para a existência de uma relação de hierarquia (uma vez que pertencem à mesma categoria de direitos fundamentais) nem de generalidade e especialidade.
Só através de uma casuística ponderação, com vista a uma possível harmonização dos referidos direitos em causa, nomeadamente através do crité­rio metódico do melhor equilíbrio possível entre direitos colidentes poderá ser solucionada a questão, dando a possível satisfação ao interesse invocado pelo requerente, sem desvendar ou violar a confidencialidade dos documentos que porventura contenham segredos comerciais ou industriais e se mostrem incor­porados no processo em causa.
Tal ponderação não pode deixar também de levar em conta que, no pro­cesso de intimação, tratando‑se de um processo expedito, o titular dos direitos de propriedade a proteger e dos eventuais segredos comerciais e industriais constantes do processo não foi chamado a intervir para defender direitos seus que pode ver postergados.
A aferição da confidencialidade dos documentos a que o particular pretende aceder deve ser feita em relação a cada tipo de documento em con­creto e não, em geral, a todos os documentos que acompanham o processo de autorização de introdução do medicamento no mercado.
Assim sendo, entendemos que a situação de equilíbrio entre os dois di­reitos colidentes passa pela passagem das certidões atrás referidas relativas à composição qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A, do Anexo I da Portaria n.º 161/96), documentação toxicológica e farmacológica (Parte III, A a Q, do Anexo I da Portaria n.º 161/96) e ensaios clínicos (Parte IV, B‑1 do Anexo à Portaria n.º 161/91) e pela consulta dos documentos relativos às maté­rias assim delimitadas e ainda às certidões das decisões proferidas no processo administrativo, bem como dos relatórios de inspecção a que se refere o artigo 91.º do Decreto‑Lei n.º 72/91 e do pedido a que se referem os artigos 13.º e 14.º do mesmo diploma e a respectiva decisão fundamentada, estando o mais abrangido pela confidencialidade a que é obrigada a autoridade requerida.”

Impunha-se, assim, para ser constitucionalmente admissível a restrição ao direito de acesso aos arquivos administrativos, uma “casuística ponderação”, “que deve ser feita em relação a cada tipo de documento em concreto, e não em geral, a todos os documentos que acompanham o processo de autorização de introdução do medicamento no mercado”.
Este entendimento foi sufragado pelo citado Acórdão n.º 254/99, tirado em Plenário do Tribunal Constitucional, cuja doutrina foi seguida nos demais acórdãos atrás referidos.
No Acórdão n.º 254/99, o Tribunal Constitucional, após haver reafir­mado o pressuposto de que “os direitos de acesso à informação administrativa consa­grados no artigo 268.º são direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias enunciados no Título II da Constituição (artigo 17.º da Cons­tituição), para os efeitos da aplicação do regime do artigo 18.º”, pressuposto que o Tribunal já afirmara nos Acórdãos n.ºs 177/92 e 234/92, reconheceu que “a exacta de­limitação dos documentos que podem ser comunicados e dos que permanecem sob sigilo na hipótese sub judice sempre exige uma cuidadosa ponderação do conflito de direitos e interesses constitucionalmente protegidos e uma demonstração da necessi­dade e proporcionalidade da recusa de acesso à informação”. É que “em geral, sem­pre que a solução de um conflito de direitos ou interesses constitucionalmente prote­gidos se faça pela proibição do exercício de um direito em certas circunstâncias, seja a proibição explícita, implícita ou obtida por remissão, têm justificação as cautelas constitucionais contra as leis restritivas”; ora, “na hipótese em crise trata‑se de justi­ficar constitucionalmente uma proibição de acesso a documentos que interessam ao titular do direito à tutela jurisdicional para este mesmo efeito”; logo, “tem todo o ca­bimento as cautelas constitucionais”.
E, no seguimento do ponto 11, transcrito no precedente acórdão, o Acór­dão n.º 254/99 prossegue:

“12. Ora, há que reconhecer que na hipótese dos autos há um conflito entre o direito à informação instrumental do direito de tutela jurisdicional, in­vocado pela recorrente, por um lado, e os direitos ao segredo comercial ou in­dustrial, de autor ou de propriedade industrial e o interesse no respeito das re­gras de leal concorrência, por outro lado, que o director do INFARMED consi­dera eventualmente na titularidade da pessoa detentora da autorização de intro­dução no mercado de certo medicamento. A decisão do Supremo Tribunal Administrativo aqui recorrida considerou que os direitos por último referidos se reconduzem ao direito de propriedade (artigo 62.º, n.º 1, da Constituição). Poderá invocar‑se ainda em concurso, pelo menos quanto aos direitos de autor e de propriedade industrial, o direito à invenção científica, integrado na liber­dade de criação cultural do Título II da Constituição (artigo 42.º), o interesse de livre iniciativa económica privada (artigos 61.º, n.º 1, e 80.º, alínea c)), o inte­resse no funcionamento eficiente dos mercados, de modo a garantir a equili­brada concorrência entre empresas (artigo 81.º, alínea e)) e o interesse numa política científica e tecnológica favorável ao desenvolvimento do país (artigo 81.º, alínea j)). Quanto à relevância dos interesses económicos por último refe­ridos é bem claro que o desrespeito sistemático dos direitos de sigilo comercial e industrial dos produtores de produtos farmacêuticos poderia conduzir não só a uma grave perturbação das regras da concorrência neste sector de economia privada, como também uma redução drástica do acesso dos consumidores às inovações dos mercado internacional de produtos farmacêuticos, com prejuízo da qualidade dos bens e serviços consumidos (artigo 60.º, n.º 1), senão do di­reito à protecção da saúde (artigo 64.º, n.º 1). Do outro lado da situação de con­flito, o lado da recorrente, há que ponderar em concurso, os direitos de autor ou de propriedade industrial a fazer eventualmente valer em juízo, que chamam também à colação as mesmas regras de leal concorrência em economia de mer­cado, mas também os interesses dos consumidores e da saúde na fiscalização da qualidade dos produtos farmacêuticos, dos seus perigos tóxicos e da sua ap­tidão clínica.
Só tendo em consideração todos os referidos critérios de ponderação com relevância constitucional se pode compreender e justificar a determinação feita no acórdão recorrido dos casos em que se reconhece o direito à informa­ção e dos casos em que ele é restringido nos processos administrativos de auto­rização no mercado, de renovação da autorização e de alteração de medica­mento. Por um lado, reconheceu‑se prevalência ao direito de informação quanto:
1. aos elementos essenciais para a instrução de processos de defesa de direitos de autor e industriais, nomeadamente quanto às certidões das decisões proferidas no processo administrativo de autorização de introdução no mercado de um medicamento, bem como nos processos do pedido a que se referem os artigos 13.º (renovação de autorização) e 14.º (alteração de medicamentos auto­rizados) do Decreto‑Lei n.º 72/91, bem como às certidões dos respectivos pe­didos, e ainda quanto aos elementos destes processos relativos à composição qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A, do Anexo I da Portaria n.º 161/96, de 16 de Maio);
2. aos elementos relacionados com o interesse colectivo na fiscalização da qualidade, da aptidão clínica e do perigo tóxico do medicamento, nomea­damente quanto à documentação toxicológica e farmacológica (Parte III, A a Q, do Anexo I), aos ensaios clínicos (Parte IV, B‑1, do Anexo I da Portaria n.º 161/96) e aos relatórios de inspecção a que se refere o artigo 91.º do De­creto‑Lei n.º 72/91.
Por outro lado, são na parte restante justificadas as restrições que à con­sulta de elementos dos processos de autorização no mercado, de renovação, de autorização e de alteração de medicamento e à obtenção de certidões dos do­cumentos correspondentes resultam da confidencialidade decretada pelo artigo 17.º do Decreto‑Lei n.º 72/91. Os artigos 62.º do CPA e 82.º da LPTA devem interpretar‑se de acordo com a restrição constitucionalmente exigida do âmbito da confidencialidade decretada para o artigo 17.º do Decreto‑Lei n.º 72/91. Fica assim abrangida pela proibição de consulta e passagem de certidão contida nestes artigos toda a restante documentação entregue para instrução dos pro­cessos em questão, referida no Anexo I da Portaria n.º 161/96, nomeadamente a relativa ao modo de preparação, ao controlo das matérias primas, ao controlo efectuado nas fases intermédias de fabrico, ao controlo do produto acabado, aos ensaios de estabilidade, de biodisponibilidade/bioequivalência e a de far­macologia clínica. Remete‑se para o Anexo da Portaria n.º 321/92, de 8 de Abril, com as «Normas a que devem obedecer os ensaios analíticos, tó­xico‑farmacológicos e clínicos dos medicamentos de uso humano», para me­lhor compreensão e justificação das opções feitas.
Não se diga que o segredo comercial ou industrial, bem como o segredo relativo à propriedade científica se protege através do sistema da publicidade e controlo da utilização por terceiros que caracteriza o regime das patentes e dos direitos de autor. O que se protege através das patentes e dos direitos de autor não é o segredo, mas a exclusividade de fruição das vantagens dos produtos de propriedade industrial e intelectual, nomeadamente científica. O proprietário tem o direito de optar pela protecção do segredo ou pela protecção da patente ou do direito de autor.
Poderá, assim, entender‑se que o acórdão recorrido bem decidiu, quando se pronunciou no sentido de que o artigo 17.º do Decreto‑Lei n.º 72/91 não respeita o direito de informação consagrado no artigo 268.º, n.ºs 1, 4 e 5, da Constituição, na medida em que classifica como confidenciais os seguintes elementos apresentados à DGAF para a instrução dos processos a que se refere o Decreto‑Lei n.º 72/91, de 8 de Fevereiro: documentação relativa à composi­ção qualitativa e quantitativa dos componentes (Parte II, A, do Anexo I da Portaria n.º 161/96, de 16 de Maio), documentação toxicológica e farmacoló­gica (Parte III, A a Q, do Anexo I da Portaria n.º 161/96) e ensaios clínicos (Parte IV, B‑1, do Anexo I da Portaria n.º 161/96), documentação correspon­dente às mesmas matérias dos processos de renovação de autorização (artigo 13.º do Decreto‑Lei n.º 72/91) e de alterações dos medicamentos autorizados (artigo 14.º do Decreto‑Lei n.º 72/91). Nesta parte já teve a recorrente satisfa­ção da sua pretensão, pelo que deixou de ser objecto do processo. Quanto à parte restante dos elementos pretendidos, em que a recorrente não obteve pro­vimento do tribunal a quo, há que confirmar o juízo de constitucionalidade do acórdão recorrido, quanto à confidencialidade decretada pelo artigo 17.º do Decreto‑Lei n.º 72/91 no que respeita aos elementos apresentados à DGAF para a instrução dos processos a que se refere o mesmo Decreto‑Lei além dos anteriormente enunciados, e que resulta também quanto aos mesmos elementos do artigo 62.º do CPA, do artigo 82.º da LPTA e do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, embora este último não seja objecto do processo.”

Foi extensa a transcrição, mas ela evidencia bem a minúcia da “pondera­ção casuística” constitucionalmente exigida e então efectuada pelo tribunal recorrido e pelo Tribunal Constitucional, em contraste com a ausência de ponderação autónoma que as decisões das instância no presente caso revelam.
O acórdão recorrido, embora tenha chegado a reconhecer que, perante a inexistência de hierarquia entre os direitos em confronto, havia que proceder a uma ponderação, logo abandonou essa via – que era a única constitucionalmente ad­missível – com a seguinte argumentação:

“(...) Só quando não existe lei é legítima a ponderação dos valores em conflito pelo intérprete. No caso dos autos, o Estado Português acordou (cláu­sula 17.ª do contrato de investimento estrangeiro, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 34‑B/2001) que «Toda a informação relativa ao projecto, à sociedade, aos sócios e à B.., a que o Estado Português tenha acesso, no âmbito do presente contrato, está abrangida pelo dever de si­gilo nos termos da legislação aplicável». A legislação aplicável é o artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto. Portanto, da lei e do contrato aplicáveis ao caso resulta a vinculação do Estado Português ao dever de sigilo. A sujeição da Administração ao princípio da legalidade impõe‑lhe de forma vinculada, neste caso, a recusa de fornecer a documentação pedida.”

Este entendimento é constitucionalmente inadmissível. O tribunal não pode demitir‑se de efectuar a “ponderação casuística” exigida pelo princípio da pro­porcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos direitos fundamentais com o argumento de que o legislador ordinário – e muito menos a Administração, através da celebração de contrato com particulares – já teria optado pelo sacrifício total do direito à informação e pela supremacia ilimitada do direito do contraente particular ao sigilo do negócio. E saliente‑se que o que tem de ser comprovado é a justificação da recusa de acesso aos documentos e não o contrário (a inexistência de prejuízo rele­vante por causa da facultação desse acesso).
Recorde‑se que a recorrente requereu, além do acesso ao contrato de in­vestimento e seus anexos, igualmente o acesso aos “estudos técnicos” relativos ao projecto de estabelecimento industrial em causa (cfr. fls. 80), que envolvem projectos de diversa natureza técnica relativos à unidade industrial de fabrico de tubos de cobre, ligas de cobre e outros tubos técnicos, que se pretendia implantar (cfr. fls. 96 e 97), designadamente projectos de tratamento de resíduos de vários tipos (cfr. fls. 87 e 88).
Não se pode ignorar a importância decisiva que o acesso à informação ambiental tem para o efectivo exercício do direito e dever que a todos incumbe de de­fender um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, e do direito dos cidadãos de participação na prevenção e controlo da poluição e na correcta locali­zação das actividades (artigo 66.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), da CRP), com expresso reconhecimento constitucional da legitimidade de intervenção, designadamente pela via da acção popular, das associações de defesa dos interesses em causa (qualidade e vida e preservação do ambiente), sendo avesso a toda a filosofia da defesa dos “inte­resses difusos” a consideração de que, no caso, bastaria a intervenção da Administra­ção para assegurar a salvaguarda do interesse público.
Por outro lado, é incompatível com a eficiente defesa dos valores ambi­entais, em que prevalecem os princípios da prevenção e da precaução, a consideração de que “caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) da­nos ambientais”, então, sim, poder‑se‑á discutir a prevalência do direito ambiente.
Em suma: considero inconstitucional, por violação do princípio da pro­porcionalidade das restrições ao direito à informação (artigos 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da CRP), a interpretação normativa acolhida no acórdão recorrido, que dispensa a ponderação judicial concreta dos interesses em confronto quando o legislador ordiná­rio ou a Administração, através da celebração de um contrato de investimento, terão optado por atribuir prevalência absoluta ao interesse do particular contraente ao sigilo das informações relacionadas com essa operação de investimento estrangeiro.
Mário José de Araújo Torres

12 comentários:

  1. Anónimo disse...

    Comentário ao acórdão n.º 136/2005 do Tribunal Constitucional
    Processo n.º 470/02
    Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

    I. Breve exposição da razão de ser do acórdão

    O acórdão agora em análise tem como objecto a fiscalização concreta da constitucionalidade das normas constantes do artigo 10.º/1 da Lei 65/93, de 26 de Agosto (na redacção da Lei 8/95, de 29 de Março) e do artigo 13.º/1 do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro.
    Tendo a A. – associação ambientalista – requerido a intimação do Primeiro Ministro a facultar-lhe certidões referentes ao contrato celebrado entre o Estado Português e uma empresa estrangeira, maxime, os anexos e estudos técnicos não publicados em Diário da República, de modo a permitir à recorrente avaliar a incidência ambiental do projecto de implantação de uma unidade industrial no norte do país.
    A ora recorrente viu indeferido o seu pedido de intimação pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, tendo esse Tribunal concluído pela consagração constitucional dos segredos comercial e industrial, considerando que a norma, agora posta em crise perante o Tribunal Constitucional, não seria inconstitucional.
    A requerente interpôs recurso do tribunal a quo para o Tribunal Central Administrativo, mas o tribunal ad quem negou provimento ao recurso.
    Recorreu então para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70.º/1, alínea b) da LOFPTC, pretendendo a apreciação da constitucionalidade dos artigo 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto e do artigo 13.º/1 do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro, tal como foram interpretadas e aplicadas pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, ou seja, na prevalência dada por esse tribunal às normas sobre protecção do segredo industrial e comercial face ao direito à informação para protecção do ambiente. Tendo procedido a alegações.
    Alegou o recorrido – o Primeiro-ministro – que as normas agora em crise já foram repetidamente objecto de fiscalização constitucional, tendo sempre o Tribunal Constitucional se pronunciado pela sua não inconstitucionalidade. Assim sendo, carece a recorrente de razão.
    O Tribunal Constitucional delimitou o objecto do recurso à fiscalização da constitucionalidade do artigo 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto e do artigo 13.º/1 do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro.
    Do arrazoado dispendido pelo Tribunal Constitucional resultou a decisão da não inconstitucionalidade das normas sob fiscalização. Não sem que, porém, tenha o acórdão contado com dois votos de vencido, o do Conselheiro Mário José de Araújo Torres, que elaborou extensa e concludente declaração de voto e da Conselheira Maria Fernanda Palma, tendo feito suas as razões invocadas pelo Conselheiro Mário Torres.

    II. Crítica

    a) O Tribunal Constitucional inicia a sua exposição de fundamentos alegando que o artigo 13.º/1 do Decreto-Lei 65/93, de 26 de Agosto é especial em relação ao artigo 10.º da Lei 65/93, de 26 de Agosto (doravante designada por Lei de Acesso aos Documentos da Administração ou seu acrónimo LADA) e que estatuição de uma e de outra vão no mesmo sentido.
    Salvo o devido respeito, não concordamos. Embora seja verdade que ambas as normas visam a protecção de direitos das empresas: direito de propriedade industrial e comercial (artigo 42.º), direito de livre iniciativa económica privada (artigos 61.º/1 e 80.º, alínea c) e sã concorrência (artigo 81.º, alínea e)), todos da Constituição da República Portuguesa (CRP), a ratio das normas e a diferença entre elas é abissal, senão vejamos.
    Atente-se que a norma da LADA vem limitar o direito de acesso aos documentos da Administração, dando-lhe poderes para essa recusa, todavia pode a Administração recusar (cfr. n.º 1 do artigo 10.º da LADA), é a Administração que decide quando deve ou não deve ceder a informação, querendo isto significar que é a mesma Administração que decide quando estão em causa informações susceptíveis de revelarem segredos industriais ou comerciais. A norma denota uma ponderação de direitos e interesses a ser revelada no caso concreto, em consonância, portanto, com o artigo 18.º/2 e 3 CRP.
    Já o artigo 13.º/1 do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro coloca a cedência de informação, não só na Administração (no caso o ICEP), mas sim nos intervenientes nas operações de investimento económico. A norma, ao colocar ênfase na autorização escrita dos seus intervenientes (assim, no plural) parece indicar que só com a autorização de todos os intervenientes, em conjunto, pode ser divulgada a informação. Mas mais, o âmbito da norma é tão vasto: informações relacionadas com operações de investimento estrangeiro (vejam-se os artigos 3.º a 6.º do diploma), que cabe lá tudo ou quase tudo. A norma, como está construída, vem limitar o Direito constitucional de acesso à informação por parte dos administrados, sem permitir qualquer ponderação entre os Direitos potencialmente em confronto. Se os intervenientes não autorizarem, não há acesso à informação. O artigo 13.º/1 do Decreto-Lei 321/95 não respeita o direito à informação consagrado no artigo 268.º/2, fazendo letra morta do disposto no artigo 18.º/2 e 3 da Constituição. Na nossa modesta opinião, esta norma não pode deixar de ser inconstitucional.
    Não tem razão o Tribunal ao afirmar que ambas as normas se complementam numa relação de especialidade e que a análise da norma especial – a do Decreto-Lei 321/95 – seria suficiente para nela se centrar a análise da inconstitucionalidade. Não tivesse o Tribunal procedido à amálgama dos dois preceitos e teria concluído que o artigo 13.º/1 do Decreto-Lei 321/95, como está formulado, é inconstitucional. O preceito da LADA em questão abre a porta à ponderação dos Direitos potencialmente em confronto, respeitando assim, o disposto nos artigos 18.º e 268.º da Constituição, o preceito do Decreto-Lei transforma o acesso à informação, referente a investimento estrangeiro, num direito absoluto dos intervenientes, sem hipótese de compressão, como se a constitucionalização das excepções ao direito à informação, quando estejam em causa matérias relativas à intimidade das pessoas (cfr. artigo 268.º/2 da CRP) não tenha que passar pelo crivo da proporcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos direitos fundamentais, conforme artigo 18.º/2, podendo diminuir o conteúdo essencial do direito à informação, contra o disposto no n.º 3 do mesmo preceito.
    Com base na errónea interpretação dos direitos consagrados nos artigos 18.º/2, 3 e 268.º/2, o Tribunal abstém-se de ponderar os Direitos em conflito, bastando-se com a previsão constitucional da restrição ao acesso à informação (artigo 268.º/2, in fine) e sua efectiva consagração em legislação ordinária, mormente o artigo 10.º da LADA e o artigo 13.º/1 do Decreto-Lei 321/95, de 28 de Novembro .

    b) Outra crítica a que a decisão em análise se sujeita prende-se com a má interpretação feita pelo Tribunal dos Direitos em confronto. Ao contrário do que o Tribunal afirma ao longo da sua exposição, os Direitos em confronto são o Direito à informação ambiental, enquanto Direito autónomo de informação ao ambiente, Direito esse entroncado nos artigos 9.º, alínea e), 20.º/2, 37.º, 48.º, 268.º/1 e 2 da CRP e o direito de propriedade industrial e comercial, direito de livre iniciativa económica privada e sã concorrência dos mercados e não o Direito genérico de acesso à informação em confronto com aqueles Direitos patrimoniais. Isto é, o Tribunal não reconheceu qualquer autonomia ao Direito à informação ambiental.


    c) Uma terceira crítica radica na irrelevância dada pelo Tribunal às fontes de Direito Internacional Público em matéria de ambiente, referimo-nos à Convenção de Aarhus de que Portugal é signatário e à directiva 2003/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Maio de 2003 .
    A Convenção de Aarhus, conciliando o exercício tripartido do direito de acesso à informação, do direito à participação do público no processo de tomada de decisão e do direito de acesso à justiça em matéria de ambiente, teve o seu início de vigência para Portugal em 07 de Setembro de 2003. Ora, embora a Convenção remeta a sua aplicação para a legislação nacional dos respectivos Estados contratantes (cfr. artigo 3.º da Convenção), a verdade é que o Tribunal Constitucional poderia – e deveria – ter feito uma interpretação conforme à Convenção. Este instrumento de Direito internacional Público dispõe que os fundamentos para recusa de informação referentes à confidencialidade das informações industriais e comerciais devem ser interpretados restritivamente.
    Também a directiva 2003/35/CE, que estabelece a participação do público na elaboração de certos planos e programas relativos ao ambiente, publicada com o intuito de harmonizar a legislação comunitária com a Convenção de Aarhus , deveria ter servido ao Tribunal Constitucional como parâmetro interpretativo das normas sub judicio constitucional.

    d) Manifesta-se uma tentativa do Tribunal em criar um especial direito ao sigilo industrial e comercial por parte dos investidores estrangeiros. Lançando mão do disposto no artigo 9.º, alínea d) da CRP, o Tribunal afirma que, devido às características da economia portuguesa, o investimento estrangeiro vem satisfazer interesses e valores constitucionalmente relevantes nas tarefas fundamentais do Estado. Tenta o Tribunal, assim, implicitamente, colocar o investimento estrangeiro num patamar superior em relação ao investimento nacional, em claro desrespeito pelo princípio da igualdade. Benesse especial do investidor estrangeiro é ser agraciado com um especial direito ao segredo sobre esse investimento.

    e) Não é aceitável a tentativa de diminuição do papel institucional da associação ambientalista feita pelo Tribunal. Na verdade, afirmar que a tutela ambiental já está suficientemente salvaguardada pela actividade da Administração, não sendo necessária qualquer “vigilância” por parte da associação ambientalista, negando, inclusive, que esta tenha um papel privilegiado na protecção do ambiente.
    Esta atitude, quase paternalista, atesta o desconhecimento do papel atribuído às Organizações Não Governamentais do Ambiente (ONGAS) na defesa do património ambiental, desde logo, pela Lei 35/98, de 18 de Julho (LONGA).
    Denegação do princípio da prevenção ao afirmar: “e acrescente-se ainda que a recorrente nada de mais específico ou concreto adiantou sobre ameaças ao ambiente, para além do seu interesse ou legitimidade geral, como associação que tem como finalidades a defesa do ambiente, ou de desconfianças gerais que o projecto ou a empresa em questão lhe suscitava” (considerando 6); ou: “Caso a laboração da empresa venha a provocar (ou ameaçar provocar) danos ambientais sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas (…)” (considerando 7).
    No ensinamento do Professor Vasco Pereira da Silva retira-se que “o princípio da prevenção tem como finalidade evitar lesões do meio ambiente, o que implica capacidade de antecipação de situações potencialmente perigosas”, traduzida na “regra – de senso comum – de que mais vale prevenir do que remediar”. “O conteúdo do princípio da prevenção (…) tanto se destina, em sentido restrito, a evitar perigos imediatos e concretos, de acordo com uma lógica imediatista e actualista, como procura, em sentido amplo, afastar eventuais riscos futuros, mesmo que ainda não inteiramente determináveis, de acordo com uma lógica mediatista e prospectiva, de antecipação de acontecimentos futuros” (sublinhado nosso).

    III. Conclusão

    Outra poderia ter sido a decisão do Tribunal no caso concreto.
    Ao considerar, mal, que basta o Governo, com base nas normas da lei ordinária, se vincule ao dever de segredo num contrato de investimento estrangeiro, para estar desde logo denegado o acesso à informação por parte dos interessados, e, por arrasto, esta a Administração impedida de prestar essa informação. Sem que tenha procedido à efectiva ponderação dos Direitos em cotejo.
    A razão está com o Conselheiro Mário Torres e com Conselheira Maria Fernanda Palma, infelizmente a maioria da secção não os acompanhou, o que demonstra, por parte do Tribunal Constitucional, algum desconhecimento da dogmática jurídico-ambiental.

    Esta decisão, obtida pelo Tribunal Constitucional em 2005, não seria hoje mais possível face à evolução do direito de informação ao ambiente. Não só pela publicação de uma nova LADA, a Lei 46/2007, de 24 de Agosto que no seu artigo 6.º/6 vem expressamente chamar à colação o princípio da proporcionalidade, como principalmente pela publicação da Lei 19/2006, de 12 de Junho, Lei que regula o acesso à informação sobre ambiente (LAIA), consagrando o artigo 11.º/6 deste diploma uma restrição mitigada aos documentos que incidam sobre informação comercial ou industrial e, o n.º 7 do mesmo preceito, afasta qualquer fundamento de recusa de informação e acesso aos arquivos se o pedido de informação recair sobre emissões para o ambiente.  

  2. Anónimo disse...

    A leitura do acórdão que vou comentar revelou-se muito interessante, não apenas pela decisão de fundo mas sobretudo pela articulação entre o direito à informação e o direito à confidencialidade.

    Assentando num conceito base e angular do raciocínio subjacente a este acórdão, verifico que o ambiente é a disciplina que estuda e regula a conexão entre os seres vivos e o ambiente físico e natural em que se integram. Não se trata apenas de preservar espécies em perigo; trata-se também de perscrutar quais serão os problemas com que o ser humano se irá defrontar se a predação ambiental persistir.

    Sabe-se quais são os principais factores de predação ambiental: o crescimento demográfico mundial a um ritmo quase geométrico, a eliminação das florestas tropicais húmidas, a industrialização dos países subdesenvolvidos e o dióxido de carbono dos países desenvolvidos.
    É no conjunto das preocupações deste género que se enquadram as leis de defesa ambiental e que várias Constituições inserem disposições que visam a defesa e a preservação do ambiente, da saúde e da qualidade de vida dos seres humanos.

    É certo que o direito dos cidadãos ao acesso dos arquivos e registos administrativos pode sofrer restrições, para além das estabelecidas no art. 268.º/2, CRP. No entanto, tem de se respeitar o princípio da proporcionalidade, nas suas diversas dimensões (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) para se ponderar em concreto os direitos em conflito.

    De facto, o princípio da proporcionalidade constitui o mais apurado parâmetro de controlo da actuação administrativa ao abrigo da margem de livre decisão. O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três dimensões:

    1. Adequação – proíbe a adopção de condutas administrativas inaptas para a prossecução do fim que concretamente visam atingir;
    2. Necessidade – ou proibição do excesso. Proíbe a adopção de condutas administrativas que não sejam indispensáveis para a prossecução do fim que concretamente visam atingir, impondo, portanto, que de entre vários meios adequados, se escolha o menos lesivo para os interesses envolvidos);
    3. Razoabilidade – ou proporcionalidade em sentido restrito. Proíbe que os custos da actuação administrativa escolhida como meio de prosseguir determinado fim, sejam manifestamente superiores aos benefícios que sejam de esperar da sua utilização.

    A preterição de qualquer uma destas dimensões envolve a preterição global da proporcionalidade. Assim, para que uma actuação administrativa não seja desproporcional, não pode ser, nem inadequada, nem desnecessária, nem desrazoável.


    O direito de informação é configurado como um direito fundamental do administrado e, de acordo com a doutrina, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias enunciados na Constituição, mas que, em confronto com outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, pode ser restringida.

    Ora, no acórdão teríamos uma situação de colisão de direitos: direito à informação vs direito de propriedade intelectual e industrial e atinentes segredos. Todavia, a forma de defender estes direitos é através das regras do registo e da punição da concorrência desleal. Portanto, com o registo deixa de haver segredo, passando a existir publicidade registral, onde todos podem ter acesso!

    O direito de acesso de informação, constante do art. 268.º/1 e 2, CRP tem uma dupla dimensão: subjectiva, na medida em que a informação e o acesso às suas fontes são essenciais para que o cidadão compreenda o fundamento e o limite dos seus direitos em face dos poderes públicos (nº1); objectiva, pois o controlo da transparência da decisão administrativa depende da possibilidade de os cidadão se informarem e serem informados sobre a marcha procedimental. O direito à informação está ainda regulado no Código de Procedimento Administrativo, nos seus art.s 61.º e seguintes.

    A posse de informação tem sido vista como uma evolução da democracia, onde os cidadãos têm a capacidade de aprender e analisar criticamente. No que diz respeito ao ambiente isso ainda faz mais sentido, pois diz respeito a todos, e no que toca a partilhar os recursos naturais comuns, a sua gestão deve ser realizada por todos.

    Sendo esta uma necessidade universal, surgiu o primeiro instrumento universal de democratização das decisões sobre o ambiente, a Convenção de Aarhus. Esta, uma vez ratificada por Portugal em 2003, vigora na ordem jurídica portuguesa, de acordo com o art. 8.º/2, CRP.

    Analisando o acórdão, creio que o tribunal não equacionou bem os dois interesses em causa, passando um pouco ao lado do princípio da proporcionalidade, nomeadamente na vertente da necessidade (em que negou o acesso à informação à entidade que requereu sendo essencial para saber se haveria prejuízos ambientais, fazendo uso do princípio da prevenção), e da proporcionalidade em sentido estrito (pois não se podem pôr à frente dos prejuízos ambientais as regalias económicas sem mais).

    É ainda de referir que o princípio da prevenção é muito importante, na medida em que se trata da possibilidade prevenir o dano em vez de o remediar depois de verificado, que consta do art. 66.º/2 da CRP e do art. 3.º, al. a) da Lei de Bases. Quero com isto dizer que discordo da passividade do Tribunal no penúltimo parágrafo antes da decisão que diz: ”Caso a laboração da empresa venha a provocar danos ambientais sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas, ...”. Neste caso, para que serve então o princípio da prevenção?

    Actualmente, e muito provavelmente não sairia uma decisão igual a esta, mesmo porque ao transpor uma directiva da Comunidade Europeia, Portugal criou a Lei 19/2006, de 12 de Junho, esta lei vincula as autoridades públicas ao cumprimento de algumas tarefas, no âmbito da divulgação da informação.  

  3. Anónimo disse...

    O Direito à informação ambiental decorre desde logo do Direito de acesso à informação consagrado no art. 268º/1 e 2 CRP na sua dimensão subjectiva e objectiva. Subjectiva no sentido de que para o cidadão compreender os limites dos seus direitos em face dos poderes públicos é essencial que possa aceder à informação. Objectiva porque só esta possibilidade permite controlar a transparência da decisão administrativa.
    Ora, como bem define a Porf. Carla Amado Gomes, “o ambiente induz solidariedade entre os membros no sentido da prenvenção de condutas lesivas de bens essencialmente frágeis e fundamentais ao equilíbrio do ecossistema.” Daqui se retira, antes de mais, que a protecção do ambiente assenta em condutas essencialmente preventivas, pois que muitas vezes só estas permitem a verdadeira protecção deste Direito.
    No acórdão aqui em análise observamos o interesse de uma organização ambientalista em aceder a informações àcerca de um contrato entre o Estado português e um particular (pessoa colectiva).
    Antes de mais importa dizer sucintamente que as organizações não governamentais do ambiente constituem um dos sujeitos das relações jurídico ambientais, detendo, assim, legitimidade para intervir judicialmente em matéria de Direito ambiental, como estipula a Lei 35/98.
    No entanto, para que a efectivação de tal direito seja possível é necessário garantir a possibilidade de aceder à informação relativa aos actos que podem estar ou vir a lesar os interesses ambientais em causa. Assim, o já referido art. 268º CRP vem consagrar como direito constitucional o acesso a informação sobre o processo administrativo em que os cidadãos sejam directamente interessados, bem como o acesso aos arquivos e registos administrativos.
    Mas se este direito já decorria da Constituição, a Lei 19/2006 veio especificá-lo quanto às matérias ambientais estipulando o dever de as autoridades públicas assegurarem este direito (art. 4º), bem como de divulgar a informação (art. 5º) e ainda de disponibilizar a informação sem que para tal o requerente tenha que justificar o interesse (art.6º).
    Todavia, o que neste acórdão nos surge é um conflito entre este direito e os direitos de propriedade e iniciativa privada, com o inerente segredo industrial e comercial. Este último está acautelado no art. 10º da Lei 65/93 que permite que as informações sejam recusadas quando o ponha em causa. A recorrente, porém, alega a inconstitucionalidade deste preceito quando interpretado no sentido de impor reservas ao direito de informação além das previstas no art. 268º/2 CRP. Assim, protesta a aplicação do art. 10º, bem como do art. 13º/1 DL 321/95 e art. 10º Lei 8/95 em prevalência do direito à informação que considera por em causa a defesa da vida, integridade física e moral e, ainda, a segurança. Conclui, então, que o direito à informação é fundamental para o exercícios de todos estes direitos e ainda que permite a defesa do ambiente de forma preventiva, sendo esta a principal forma de garantir os interesses ambientais.
    Por tudo isto, verificamos estarmos perante um conflito de interesses que o Tribunal Constitucional veio a dirimir no sentido de fazer actuar a restrição ao direito de informação através do art. 268º/1 e 2 por entender prevalecer o direito ao segredo comercial e industrial, previsto no art. 10º Lei 65/93. O Tribunal entende, assim, que a reserva do art. 268º/2 não significa que nenhum outro limite foi desejado, e como tal, esta restrição é possível por derivar de limites a porteriori criados pela lei.O Tribunal rejeita, então, a ideia de que esta restrição extravasa o conteúdo da reserva do art. 268º/2.
    Para tal, carece demonstrar a necessidade e proporcionalidade desta restrição, por força do art. 18º CRP, já que quando está em causa a proibição do exercício de um direito, são necessárias cautelas constitucionais contra as leis restritivas. Assim, é essencial que se enunciem os pressupostos de facto em que o direito prevalece e aqueles em que o direito é restringido. E é neste ponto que parece ser de criticar a opção feita pelo tribunal, seguindo a defendida no voto de vencido de que “sempre a restrição ao direito à informação há-de respeitar os princípios da proporcionalidade”, uma vez que ao fazer prevaler um direito estamos necessariamente a negar o conteúdo essencial do outro.
    Considerando, então, que nos direitos aqui em conflito não existe uma relação de hierarquia só a análise casuístia permitirá dirimir mesmo. Como tal, parece ser de concordar com a ideia de que esta análise deveria ser feita em relação a cada tipo de documento e não a todos eles em geral, pois dessa, forma, possivelmente se permitiria harmonizar os interesses em causa, com a menor lesão para ambas as partes.
    E como já foi dito inicialmente, a defesa do ambiente carece de actuações preventivas, pelo que existe desde logo um princípio de prevenção que decorre, não só das diversas disposições da Constituição do Ambiente, mas essencialmente do art. 66º/2. Inclusivamente o Prof. Gomes Canotilho entende que “o Direito do Ambiente constitui um domínio jurídico forçosamente ancorado no princípio de prevenção”. Assim, esta necessidade de prevenção deve ser valorada e ponderada aquando da restrição do direito à informação ambiental. Nesse sentido, deverá encarar-se este pressuposto como uma forte oposição à restrição deste direito, fazendo elevar o interesse do direito contraposto para que este se torne proporcional àquela restrição.
    Não posso também concordar com o argumento do TC de que a vigilância pela recorrente não seja a única via de acautelar este direito, já que não se deve admitir uma necessidade de actuação privilegiada para que se possa reconhecer um direito. Bem como não parece argumento suficiente o facto de a recorrente não adiantar ameaças específicas ao ambiente, decorrentes do contrato em questão, uma vez que a informação constitui a base de qualquer conclusão, e como tal, não fará sentido impor-se conclusões sem que para tal se tenha acesso às premissas base.
    Ainda ao concluir que “caso a laboração da empresa venha a provocar danos ambientais (...) se poderá discutir a prevalência do direito do ambiente sobre direitos de propriedade privada e livre iniciativa” o Tribunal parece estar a recusar por completo a actuação preventiva da defesa do direito do ambiente, suspendendo o exercício destes direito para após a violação dos mesmos e fazendo, até esse momento, prevalecer os direitos que com ele conflituam. Esta ideia entra em contradição com o princípio da prevenção na sua acepção ampla, enquanto meio de afastar eventuais riscos futuros, mesmo que ainda não determináveis.
    Conclui-se, assim, que a restrição do direito à informação ambiental, por se verificar muitas vezes em fase preventiva, poderá permitir o surgimento de danos profundos, muitas vezes, irremediáveis, pelo que deveria existir aqui uma maior sensibilidade aquando da ponderação casuística de interesses divergentes, tratando-se este direito de um direito de elevado interesse para todos e que não deverá ser encarado apenas como acesso à informação mas também como uma forma de garantir o direito à defesa da vida e integridade física e moral, como entendeu a associação ambientalista aqui recorrente.  

  4. Anónimo disse...

    Ao atentarmos sobre o acórdão nº 136/2005 do Tribunal Constitucional temos que a A., organização ambientalista, recorreu para o T.C. à luz do disposto no artº70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional com fundamento na incorrecta interpretação (efectuada pela 1ª secção do Tribunal Central Administrativo no seu acórdão de 23/5 de 2002) dos artigos 10º da Lei 65/93 de 26/8 e 13º do D.L. 321/95 de 28/11. Isto porque o referido acórdão considerou que do conflito entre o direito à informação e os direitos à iniciativa e propriedade privada deveriam prevalecer estes últimos, na medida em que, no caso em apreciação, se encontravam associados ao segredo industrial. Para além disso, segundo o mesmo acórdão, essa prevalência do segredo industrial sairia mesmo reforçada pela previsão na 17ª cláusula do contrato de investimento estrangeiro em causa (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros 34-B/2001 de 30/3) da vinculação do Estado Português ao compromisso de sigilo por ele assumido aquando da celebração do contrato (pelo que uma eventual divulgação do conteúdo do negócio jurídico redundaria numa violação do princípio da legalidade).

    A organização ambiental defendia então que uma interpretação como a efectuada supra não se justificava, porque não apenas ia muito para além das limitações impostas constitucionalmente pelo artº 268º, nº 2, in fine, como consistia numa restrição abusiva aos interesses de protecção do ambiente e aos direitos com ele conexos, nomeadamente o direito à vida e à segurança das pessoas.
    Acresce ainda dizer, que para esta recorrente os interesses não patrimoniais deveriam prevalecer sobre os interesses patrimoniais e por essa razão, afirmava que a decisão do tribunal a quo violava inúmeras disposições constitucionais: artºs 9º, 17º, 18º, 20º, 24º, 25º, 26º, 35º, 52º, 66º, 81º, 90º e 268º.

    Porém, no acórdão que acabaria por ser proferido pelo Tribunal Constitucional, previu-se a possibilidade de enquadrar o caso no âmbito da informação relativa à “intimidade das pessoas”, pois no douto entendimento dos juízes que compõem este órgão, poderia considerar-se a expressão mencionada anteriormente como aplicável a pessoas colectivas, mais concretamente à vida interna da empresa que celebrou com o Estado o contrato de investimento estrangeiro, onde se estipulou, desde logo, o dever de confidencialidade das partes. E tentando explicitar esta sua tomada de posição o T.C. disse mesmo que: “Temos aqui um direito fundamental sem explícitos limites a priori, que a Constituição reconhece ter limites a posteriori em certas áreas e em que a lei criou limites a posteriori em outras áreas.”
    Outro dos argumentos utilizados pelo Tribunal Constitucional foi o facto de o projecto em causa ter sido previamente objecto de aprovação pelas entidades competentes e de que com o decorrer do processo iria continuar sujeito às regras de fiscalização por parte dessas mesmas entidades, pelo que a eventual intervenção de terceiros se apresentaria como algo desnecessária, na medida em que nem sequer iria consistir na principal forma de assegurar o direito em causa. Com isto, o T.C., acabaria então por se pronunciar pela conformidade à Constituição da norma constante do artº 13º, nº 1 do D.L. 321/95 e consequentemente, da regra do artº 10º, nº 1 do D.L. 65/93 na redacção dada pela lei 8/95.

    Embora com ela discordando, considero que esta decisão do T.C. se prendeu essencialmente com o facto de um eventual acesso indiscriminado à informação ambiental por parte de determinadas entidades poder conduzir a uma retracção por parte dos investidores estrangeiros em futuros negócios, ou seja, temia-se que estes investidores pudessem não ver com bons olhos uma tal abertura e facilidade de acesso aos seus projectos, e perante tamanha possibilidade de divulgação, sentir-se-iam até mesmo pouco seguros a injectar o seu capital no nosso país.
    Por outro lado, também me (humildemente) insurjo contra o se ter referido neste acórdão que a intervenção da Administração seria, neste caso, suficiente para salvaguardar o interesse público e que apenas "se" e "quando" a empresa causasse danos ao ambiente é que se justificaria a intervenção e aplicação de outras normas… ora, perdoem-me a expressão, mas depois do “mal feito” já não haveria muito a fazer, pois não? Porquê este sacrifício dos princípios da prevenção e da precaução? É verdadeiramente incompreensível! Há que actuar no imediato e não adoptar a política (bem ao estilo português) do “laissez-faire, laissez-passer” senão corremos o risco de ser inexistente o benefício para as gerações futuras.

    Mas apesar dos diversos argumentos aduzidos pelo T.C., que como disse, denotam o receio de o desrespeito pela cláusula de confidencialidade constante do contrato poder constituir um entrave ao investimento estrangeiro (e associado a isso, um menor desenvolvimento económico do país), a verdade é que, posteriormente, nos deparamos com dois votos de vencido: um dado pelo Senhor Conselheiro Mário Torres e o outro pela Profª Fernanda Palma devido ao facto de ambos considerarem ter sido violado o princípio da proporcionalidade na restrição ao direito à informação (conjugação dos artºs 18ª, nª2 e 268º, nº 2 da CRP).
    É por eles defendido, que embora o direito dos cidadãos de acesso aos arquivos e documentos administrativos possa sofrer restrições para além das expressamente referidas no art.º 268º impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, a verdade é que essa restrição ao direito à informação deverá respeitar o princípio da proporcionalidade (nas suas vertentes da necessidade, da adequação e da proporcionalidade stricto sensu) e exigir uma ponderação em concreto dos conflitos por parte do tribunal.
    No essencial, e apoiados em acórdãos anteriormente proferidos (como o 254/99) apelam então a uma ponderação casuística através da qual se pudesse aferir exactamente quais os documentos que estão sujeitos a um regime de sigilo e quais os que efectivamente poderiam ser divulgados (e isto independentemente de todos eles integrarem um todo).

    Após exposição do conteúdo do acórdão do Tribunal Constitucional, cabe agora fazer breve alusão ao artigo publicado pela Profª Carla Amado Gomes intitulado: “O direito à informação ambiental: velho direito, novo regime”.
    Através desta publicação podemo-nos aperceber, que a assinatura da Convenção de Aarhus por diversos estados a 25/6/1998 constituiu um importante ponto de viragem em matéria ambiental, uma vez que tornou real a possibilidade de exercício de determinados direitos, entre os quais se destacam o direito de acesso à informação (artºs 4º e 5º do referido diploma), o direito de participação em processos conducentes à aprovação de actividades específicas (artº 6º) e de planos, programas e políticas ambientais (artºs 7º e 8º) e o direito de acesso à justiça ou tutela judicial (artº 9º).
    Entre nós, esta convenção viria a ser ratificada em 2003 e, posteriormente, por necessidade de transposição da directiva 2003/4/CE do Parlamento e do Conselho de 28/6, Portugal viria ainda a criar um diploma específico acerca do acesso à informação ambiental: a lei 19/2006 de 12 de Junho também conhecida por LAIA, que se apresenta como lei especial em relação à anterior lei de acesso aos documentos administrativos (lei 65/93 de 26/8 com a redacção da lei 8/95 de 29/3 – LADA – entretanto revogada pela actual lei 46/2007) e sendo esta de aplicação subsidiária (artº 18º da lei 19/2006).

    Ora, tenho por certo, que se a lei 19/2006 já existisse na altura em que o acórdão acima comentado foi proferido, muito provavelmente o seu desfecho teria sido outro. Isto porque esta lei embora estruturalmente se assemelhe à anterior LADA (a de 65/93, que era a única que estava em vigor aquando do proferimento do acórdão 136/2005), na realidade, vai muito para além dela, senão vejamos…

    Temos então que procurando resolver o caso que se apresentou no Tribunal Constitucional à luz da LAIA, teríamos, desde logo, como preenchido o seu objecto (artº 1º), bem como um dos seus principais objectivos (artº 2, alínea a)). Entre os sujeitos intervenientes teríamos: a organização ambientalista que, neste caso, seria a requerente por aplicação do artº 3, alínea f) e que iria pedir a uma autoridade pública (artº3, alínea a), i)) o acesso a determinada informação de índole ambiental constante de documentos na posse desta (artº 3º, alíneas b) e c)).
    O Governo estaria então obrigado a disponibilizar ao requerente a dita informação (artº 6º, nº1), desde que o pedido por parte daquela tivesse sido feito por escrito e se encontrasse acompanhado dos elementos essenciais à sua identificação (nº2 do mesmo artigo). Em seguida, temos que o prazo previsto para a disponibilização da informação seria de 10 dias úteis contados desde a data da recepção do pedido pela autoridade pública (artº 9º, nºs 1, alínea a) e 3), prazo esse que poderia ser prorrogado se eventualmente se encontrassem preenchidas as condições de excepcionalidade do artº 9, nº 1, alínea b) e 2.
    No artº 10º encontramos as formas pelas quais essa informação poderia ser disponibilizada, enquanto que no artº 11, que se revela taxativo, se nos apresentam as possíveis causas de indeferimento. Aqui seria talvez aplicável o nº 6, alínea d) do artº 11º como fundamento para a recusa, uma vez que como já tínhamos visto, estava em causa a potencial violação de um segredo industrial. No entanto, conforme o próprio nº 8 do artº 11º nos indica, as possibilidades de indeferimento deverão ser interpretadas restritivamente, devendo-se deixar prevalecer o interesse público e por isso, se nos debruçarmos sobre o artº 12º verificamos, que ainda assim seria possível prestar a informação solicitada, tendo apenas para tal que expurgar a parte da informação abrangida pelo dever de confidencialidade (indeferimento parcial).
    Se, apesar do referido anteriormente, o pedido do requerente não viesse a ser atendido, isto é, se o acesso à informação lhe tivesse sido vedado, ele teria ainda à sua disposição alguns meios de impugnação, designadamente a impugnação da legalidade da decisão nos termos gerais de direito (artº 15º, nº 1) e a apresentação de queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) para os termos e efeitos do disposto no artº 15º, nº 2 deste diploma, mas também do artº 27º, nº1, alínea b) da lei 46/2007.
    Convém apenas relembrar que o acesso a este tipo de informações poderá se encontrar condicionado ao pagamento de taxas (artº 16º, nºs 2 e 4), mas tratando-se aqui do requerimento por parte de uma organização ambiental, esta iria beneficiar de 50% de desconto conforme nos demonstra o nº 3 do mesmo artigo.

    Exposto isto, podemos então concluir, que no seguimento da publicação dos recentes diplomas e com o precioso auxílio que a doutrina tem vindo a prestar em sede de Direito do Ambiente, a curto prazo, teremos também certamente, a concessão por parte da jurisprudência de uma “via (ainda mais) verde” de acesso à informação ambiental.

    Sara Soares
    Subturma 1  

  5. Anónimo disse...

    Em comentário ao Acordão sobre direito à informação ambiental (AC TC nº 136/2005), devo começar por dizer que discordo da interpretação normativa acolhida pelo Tribunal Constitucional da decisão recorrida.

    No acordão em apreço tem-se um conflito entre um direito ao acesso ambiental dos arquivos e registos administrativos e o direito à reserva e ao segredo que a lei institui como forma de tutela dos direitos de propriedade privada e livre iniciativa. O direito à informação para protecção do ambiente não consta expressamente da Constituição. Contudo, como defende a Professora Carla Amado Gomes e o próprio Tribunal em Acordão anteriores, deve ser reconhecido implicitamente da conjugação dos artigos 9º/e, 37º,48º,66º e 268º da CRP. No caso do Acordão supra citado, a recorrente defendia que o 268º/2 da CRP constituía uma reserva de lei restritiva, alegando assim a incosntitucionalidade do artigo 10º, nº1, da lei nº 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei nº8/95, de 29 de Março. Logo, limites ao direito ao acesso pretendido só poderiam ser estabelecidos em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas.

    No entanto, e em reiterada jurisprudência, o Tribunal Constitucional tem reconhecido que o direito expresso ou implícito do artigo 268º/2 pode sofrer restrições para além das matérias expressamente previstas com o intuito de salvaguardar outros direitos como o direito ao segredo industrial e comercial. Assim, o nº 2 do artigo tem-se antes como uma remissão para o princípio da confidencialidade naquelas matérias que, à partida, prevalece. Todavia o mesmo não se aplica nos restantes casos do artigo 268º, o princípio da prevalência da confidencialidade daquelas matérias é uma excepção. E, isto não significa que outros limites ao direito ao acesso sejam ilegítimos. Na verdade, o direito à informação é um direito fundamental mas não um direito absoluto. Todos os direitos à informação frente à Administração pública estão limitados por outros interesses e direitos constitucionalmente tutelados (assim Gomes Canotilho).

    Embora se concorde que o direito ao acesso aos arquivos e registos administrativos pode sofrer limitações, para além das estabelecidas expressamente no nº 2 do 268ºCRP, essas mesmas restrições seguem os critérios do artigo 18º/2 CRP, devendo respeitar assim o princípio da proporcionalidade e da adequação. Como ambos os direitos em causa são direitos fundamentais, não há relação hierárquica o que, consequentemente levará a uma ponderação casuística. Esta ponderação, embora reconhecida pelo Tribunal não fora feita com a minúcia exigida para estes casos, uma vez que deu prevalência absoluta ao sigilo das informações da hipótese em causa. Ao passo que, a delimitação do que deve ou não ser comunicado e do que deve ou não ser sigiloso, deve ser feita com exactidão e em concreto para cada documento. Para além do mais, é de todo o interesse para defesa dos valores ambientais, logo- relevância pública, o acesso ao contrato de investimento, aos seus anexos e estudos técnicos relativos ao projecto de estabelecimento industrial em causa, além de que, a recorrente tinha legimitimidade de intervenção, veja-se artigo 66º/1/2 alíneas a) e b) CRP. Ainda, saliente-se para este efeito, que a consideração dos danos ambientais segue uma lógica de antecipação de acontecimentos futuros, respeitando princípios como o da prevenção e da precaução do Direito do Ambiente, artigos 9º/d/e e 66º/1/2/a CRP.

    A recusa de acesso aos documentos de forma absoluta, significa que estamos perante um sacrifício total do Direito à informação e, consequentemente, a prevalência ilimitada do direito ao sigilo. Por estas razões, sou da opinião da inconstitucionalidade da interpretação normativa feita pelo Acordão recorrido, por violação dos critérios imperativos em caso de restrições aos direitos, nomeadamente o da informação ambiental (artigos 18º/2 CRP). Em Suma, as cautelas constitucionais contra leis restritivas não foram observadas.

    Patrícia Penque Vicente
    Subturma 1  

  6. Anónimo disse...

    A defesa dos interesses ambientais passa por uma dimensão procedimental ambiental, a qual possui uma componente administrativa, legislativa e jurisdicional. O que nos interessa para este comentário é a componente administrativa, a qual, assenta nas garantias procedimentais dos administrados, tais como: direito à participação e à audiência (artigo267º/5 CRP), o direito à informação e à consulta aos arquivos (artigo268º/1 e 2 CRP) e o direito à notificação e fundamentação do acto administrativo (artigo268º/3 CRP). É de referir que estas garantias reflectem o Princípio da Prevenção.
    O Acórdão do Tribunal Constitucional nº136/2005 versa sobre o direito à informação ambiental, sendo este o nosso tema em análise.
    O direito à informação está consagrado no artigo268º/1 e 2 da CRP numa dupla dimensão: subjectiva, tendo em conta que o acesso à informação é essencial para que o cidadão perceba o fundamento e o limite dos seus direitos face ao poder público; objectiva, visto que o controlo da transparência da decisão administrativa depende da possibilidade dos cidadãos estarem informados quanto ao próprio procedimento.
    O artigo268º/1 e 2 não consagra expressamente o direito à informação ambiental, no entanto, este direito, como refere o Professor Jorge Miranda, retira-se dos artigo9º e), artigo66º, artigo20º/2, artigo37º, artigo48º, artigo268º/1 e 2 da CRP, interpretados no contexto do Estado de Direito Democrático em que a protecção do ambiente é uma das suas tarefas fundamentais. Segundo Carla Amado Gomes, “se a sustentabilidade da democracia depende do nível de informação dos cidadãos (da capacidade de a apreender e analisar e a analisar criticamente) a sustentabilidade ambiental tem com o acesso à informação uma ligação estrutural.” O ambiente respeita a todos, é de interesse público e colectivo, sendo o acesso à informação uma importante via de prevenção de condutas lesivas de bens frágeis e fundamentais ao equilíbrio do ecossistema. A protecção ambiental deverá, por isso, ser uma tarefa partilhada entre entidades públicas e privadas e cabe ao cidadão participar activamente nesta, sendo o acesso à informação ambiental uma importante via para que tal aconteça.
    No acórdão em questão, verificamos que o Tribunal Constitucional não admite que haja um direito específico à informação ambiental, estando em causa o confronto entre o direito à informação em geral e o direito à confidencialidade, o qual emana do artigo10º/1 Lei 65/93 de 26 Agosto e do artigo13º/1 Decreto Lei 321/95 de 28 Novembro e justifica a recusa ao acesso à informação pretendida. É importante referir que aquando do acórdão do Tribunal Constitucional 136/2005, ainda não estava em vigor a lei 19/2006 (LAIA) a qual regula especificamente o acesso à informação ambiental.
    O direito comunitário teve uma grande importância na consagração formal de um direito à informação através da Directiva 90/313/CEE de 7 de Junho. Também a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem proferiu duas importantes decisões, em 1990, nas quais se alcançou uma tutela mediata do ecossistema. A doutrina, tendo por base estas duas decisões e o artigo 10º da Directiva (liberdade de informar e de ser informado) defende a existência de um verdadeiro direito de acesso à informação ambiental, ao qual corresponde um dever de a publicitar.
    No entanto, o direito à informação não é visto como um direito absoluto. A Directiva 90/313/CEE enuncia vários fundamentos (artigo 3º/2) de restrição ao exercício desse direito, entre os quais a confidencialidade de diligências de autoridades públicas e a confidencialidade comercial e industrial, sujeitando o acesso de determinadas informações a uma ponderação concreta dos interesses envolvidos, tendo por base o principio da proporcionalidade.
    O tribunal Constitucional não procedeu a esta ponderação casuística dos interesses em presença e considerou constitucionais as normas do artigo 10º/1 da Lei 65/93 de 26 de Agosto e do artigo 13º/1 do Decreto-lei 321/95 de 28 de Novembro. Como já referi, o tribunal não admitiu a existência de um direito especifico à informação ambiental e acabou por dar prevalência ao direito à confidencialidade.
    Esta decisão além de não atender à Directiva comunitária, também fez “tábua rasa” da Convenção de Aarhus, assinada em 25 de Junho de 1998 pela União Europeia e 30 Estados (a qual conduzia à revisão da Directiva 90/313/CEE através da Directiva 2003/4/CE).
    Estou de acordo com o voto vencido do Acórdão, segundo o qual “a interpretação normativa acolhida na decisão recorrida viola o princípio da proporcionalidade na restrição ao direito à informação, resultante das disposições conjugadas dos artigos 18º/2 e 268º/2 CRP”.
    O direito dos cidadãos ao acesso dos registos e arquivos administrativos pode sofrer várias restrições nos termos do artigo 268º/2 CRP e também impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, como o segredo industrial e comercial (artigo 10º/1 da Lei 65/93). Mas estas restrições (para além das referidas expressamente no artigo 268º/2 CRP) têm de respeitar os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade, assim como é necessário uma ponderação em concreto dos direitos em conflito (o que não aconteceu com a decisão em causa).
    Como diz o Juiz Mário José de Araújo Torres o acesso à informação ambiental tem uma enorme importância para “o efectivo exercício do direito e dever que a todos incumbe de defender um ambiente de vida humano, sadio, ecologicamente equilibrado, e do direito dos cidadãos de participação na prevenção e controlo da poluição e na correcta localização das actividades (artigo 66º/1 e 2a) b) CRP) com expresso reconhecimento constitucional da legitimidade de intervenção”.
    Portugal criou um diploma específico sobre o acesso à informação ambiental, a Lei 19/2006 de 12 de Junho (LAIA), sendo esta especial em relação à Lei 65/93 de 26 de Agosto (LADA). Em tudo o que não estiver regulado na LAIA, aplica-se subsidiariamente a LADA (artigo 18º LAIA).
    As autoridades públicas estão vinculadas a um conjunto de medidas, no âmbito do acesso à informação ambiental, as quais constam do artigo 4º da LAIA. As autoridades públicas estão obrigadas a proceder à organização, compilação, actualização, divulgação da informação ambiental e à elaboração de um relatório anual sobre matéria ambiental (artigo 5º LAIA).
    O acesso à informação sobre ambiente traduz-se em duas modalidades, sendo a primeira a mera consulta de dados e a segunda a obtenção de documentos informativos (artigo 6º/2 e 3 LAIA). Esta ultima pode ser requerida por qualquer pessoa, sem que necessite de justificar o seu interesse (artigo 6º/1 LAIA).
    No artigo 11º da LAIA, estão consagradas as situações de recusa ao acesso à informação ambiental, sendo este artigo taxativo. Nos termos do artigo 11º/6 d), pode haver indeferimento do pedido para acesso à informação se isso prejudicar a confidencialidade das informações comerciais ou industriais, mas desde que esteja prevista em legislação nacional ou comunitária para proteger um interesse económico legítimo. Tem que haver aqui uma ponderação casuística dos interesses e para que a informação não seja prestada tem que se demonstrar que tal comportamento visa proteger um interesse económico legítimo. Talvez hoje o Tribunal Constitucional, perante uma questão idêntica à do acórdão em análise, atendendo ao número 6 d) e o número 8 do artigo 11º da LAIA, tivesse decidido de forma diferente.
    É importante referir o artigo 12º da LAIA que prevê a figura do indeferimento parcial, de forma a tornar o direito ao acesso à informação ambiental o mais amplo possível, na medida que sempre que se possa expurgar informação relativa ao artigo 11º/2 e 6, devem ser parcialmente disponibilizados os documentos pretendidos pelo requerente.
    Nos termos do artigo 14º o requerente tem à sua disposição meios de impugnação da decisão, nomeadamente a impugnação da legalidade (nº1) ou apresentar queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (nº2).
    As autoridades públicas podem cobrar uma taxa pelo fornecimento da informação, contudo, as organizações não governamentais de ambiente e equiparadas gozam de uma redução de 50% (artigo 16º/2 e 3 da LAIA).


    Marta Araújo nº14637
    Subturma1  

  7. Anónimo disse...

    O Acórdão nº 136/2005 trata de uma potencial violação do princípio da informação ambiental. Uma associação ambiental requereu a consulta do contrato (incluindo anexos e estudos técnicos) celebrado entre o Estado português e uma empresa estrangeira para avaliar a incidência ambiental do projecto de uma implantação industrial em Esposende.
    A Administração vinculada ao dever de confidencialidade, expresso no artigo 13º do DL 312/95 e artigo 10º da LADA, não publicou os anexos do dito contrato. Desta forma, verifica-se uma restrição ao direito à informação ambiental que tem que ser fundamentada e justificada face a outros direitos ou interesses constitucionalmente tutelados. O direito à informação decorre primeiramente do princípio da Administração aberta, que confere a possibilidade de os cidadãos serem informados sobre os passos do iter procedimental, permitindo, portanto, um status activae processualis ambiental dos cidadãos na defesa do ambiente (como refere a Prof. Carla Amado Gomes, ‘a sustentabilidade ambiental tem com o acesso à informação uma ligação estrutural’).
    O direito à informação retira-se do artigo 268º da CRP, embora não em termos expressos mas em conjugação com outras disposições constitucionais: artigos 9º alínea e), 20º, nº2, 37º, 48º. É um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e como tal sujeito ao regime do artigo 17º e 18º CRP.
    O direito à informação, enquanto direito fundamental, não é absoluto e ilimitado, devendo comportar excepções ou restrições que a ele se devem sobrepor, como sejam as decorrentes do artigo 268º, nº2 CRP (matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas), como também no confronto com outros direitos (e interesses constitucionalmente tutelados). Neste caso, estava em causa o direito de propriedade(que integra os direitos de propriedade industrial e os respectivos segredos comerciais e industriais), que de acordo com o artigo 10º da LADA e artigo 13º do DL 312/98, estabelecem uma restrição do direito à informação. A administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas e quando se tenha constituído no dever de confidencialidade decorrente de uma operação de investimento estrangeiro.
    Esta restrição é em abstracto constitucionalmente legítima, uma vez que estão em causa outros direitos fundamentais e interesses constitucionalmente tutelados, que por via infraconstitucional o legislador salvaguardou, admitindo, como tal, a confidencialidade de certos documentos que contenham segredos industriais e comerciais. Porém, enquanto restrição de um direito fundamental, os critérios enunciados do artigo 18º da CRP relevam para o caso em questao. Assim, de acordo com o princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes de adequação e necessidade, não se pode, desconsiderar uma ponderação valorativa, casuística, entre direitos em causa,de modo a alcançar uma concordância prática entre os mesmos. A harmonização, do direito à informaçao ambiental, por um lado, e o direito à propriedade privada, por outro lado, decorreria da analisie, em concreto, de todos os documentos não publicitados, de modo a descortinar quais os documentos que deveriam continuar sob sigilo.
    Esta ideia de proporcionalidade, aliás, já estava presente na Directiva Europeia nº90/313/CEE, de 7 de Junho, em matéria de liberdade de acesso e de divulgação das informações relativas ao ambiente na posse das autoridades públicas (que resultou, pela sua transposição, na LADA), bem como no artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (que em conjugação com decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sustentou um direito de acesso à informação ambiental) que prevê a concessão de determinadas informações face a ponderação casuística de interesses envolvidos como controlo da restrição imposta.
    Também, a Convenção de Aarhus, já em vigor à data do Acórdão e entendido como ‘primeiro instrumento universal da democratização das decisões sobre o ambiente’, apontava no sentido de interpretar restritivamente os fundamentos de recusa de informação ambiental. A assinatura pela União Europeia desta Convenção teve como consequência e revisão da Directiva nº90/313/CEE, através da Directiva 2003/4/CE, alargando o âmbito daquela (que no plano interno culminou com a LAIA, Lei 19/2006 que reforçou o direito de acesso a documentos por parte dos particulares).
    Todos estes diplomas demonstram que para uma defesa do ambiente eficaz (artigo 66º,nºs 1 e 2 CRP), que opera necessariamente de modo preventivo (principio da prevenção e precaução), uma vez que os danos ambientais são graves e por vezes irreversíveis, o direito à informação ambiental é essencial para a sua tutela e efectividade, pelo que todas as restrições que este direito comporte no confronto com outros direitos, deve ser objecto de uma ponderação casuística entre os valores em causa de modo a garantir eficientemente a defesa do ambiente. De outra forma viola o artigo 18, nº2 da CRP e como tal é inconstitucional.


    Ana Margarida Araujo, sub turma 11  

  8. Subturma 2 disse...

    Comentário ao Acórdão nº 136/2005

    Constata-se que, neste Acórdão do Tribunal Constitucional, há um conflito de direitos, “segredo industrial” (referido ao Estado português aquando do contracto outorgado com a empresa B) e direito de acesso à informação ambiental (reclamada pela organização ambientalista).

    O direito do ambiente é um direito fundamental pois que garante a qualidade de vida do cidadão ao prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão, ao assegurar a conservação da natureza, ao promover o aproveitamento racional dos recursos naturais e estabilidade ecológica com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações (art. 66º CRP). Urge defender esse direito para garantir a nossa existência. Para tal é premente o direito de acesso à informação ambiental. O facto do cidadão ter acesso às fontes de informação administrativa diminui o monopólio da administração levando a uma democracia administrativa onde não há lugar ao privilégio de interesses pessoais e violação dos direitos fundamentais (Carla Amado Gomes, 2007).

    Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem com o de conhecer as resoluções definitivas que sobre elas forem tomadas. Os cidadãos têm também o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas. Todos estes direitos dos administrados estão consagrados no art. 268º 1 e 2 da CRP.

    O Acórdão do Tribunal Constitucional ao recusar à organização ambientalista de todas e quaisquer informações violou o núcleo fundamental do Direito à Informação em matéria de ambiente. Foram violadas as disposições dos art. 9º, 18º, 20º, 24º a 26º, 35º, 52º, 66º, 81º, 90º e 268º da CRP e muito especialmente verificando-se a inconstitucionalidade dos art. 10º da lei nº 65/93, de 26 de Agosto, nº 1 do art. 13º do D.L. nº 321/95, de 28 de Novembro, 10º da Lei nº 8/95, de 29 de Março, no sentido de fazer prevalecer normas protectoras de “segredo industrial”, de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada, dos meios de produção, em confronto com o direito à informação para a protecção do ambiente por parte de uma associação ambientalista; em caso de colisão verifica-se uma não prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial e ainda no sentido de que o Estado português, em virtude de tal protocolo outorgado com a empresa B, estaria vinculado a uma obrigação de segredo, violando-se assim, o princípio da legalidade. Estas normas interpretadas pelo Douto Acórdão violam os princípios e normas constitucionais do direito à vida (art. 24º), à integridade moral e física das pessoas, incluindo a segurança (art. 25º), ao ambiente e qualidade de vida (art. 66º), nomeadamente a faculdade de prevenção de tais violações (art. 266º e 268º) o que representa a efectiva denegação de justiça.

    Segundo o Prof. Gomes Canotilho (1998), é frequente no domínio do Direito do Ambiente surgirem fenómenos de “colisão de direitos”, tanto «entre vários titulares de direitos fundamentais» como «entre direitos fundamentais e bens jurídicos da comunidade e do Estado». Deverão ser resolvidos de acordo com um “método de concordância prática”, «que impõe a ponderação de todos os valores constitucionais aplicáveis, para que não se ignore algum deles, para que a Constituição (...) seja preservada na maior medida possível» (Vieira de Andrade, 1983).

    Na minha opinião a decisão do Tribunal Constitucional deveria ter sido bem diferente. Em caso de conflito entre dois direitos fundamentais deve prevalecer o que estiver mais directamente relacionado com a dignidade da pessoa humana que, no caso, é o direito de acesso à informação ambiental. O exercício de compatibilização entre dois direitos deve ser feito com base nos Princípios da proporcionalidade e da adequação. Parece excessiva a importância dada ao segredo industrial e comercial ficando o direito à informação ambiental esvaziado de conteúdo útil e efectivo.

    Tendo em conta que os direitos fundamentais englobam conteúdos permissivos, proibitivos ou prescritivos e que tais conteúdos podem não se actualizar em virtude da actualização do conteúdo de outro direito que mereça maior respeito, conclui-se, tendo em mente o princípio da dignidade da pessoa humana e de que o direito ao ambiente se pode ter como um direito pessoal, enquanto manifestação do direito ao desenvolvimento da personalidade (art. 26º/1 da CRP), que o direito ao ambiente e todos os direitos a ele inerentes (como seja o direito de acesso à informação ambiental) devem prevalecer face ao direito ao segredo industrial, só devendo ser restringido quando um interesse superior estiver em causa. Um bem patrimonial não deve sobrepor-se a um bem pessoal e, o direito ambiental é um bem pessoal.

    Além de tudo o que foi referido e ainda da análise do art. 11º/6 d), 11º/7 e 11º/8 da LAIA (Lei 19/2006) não deveria, segundo a minha opinião, a Administração ter negado o direito à informação ambiental.

    Penso também ser importante focar que Portugal, como membro da União Europeia, se rege pelas normas e leis referentes ao direito à informação em matéria de ambiente e desenvolvimento sustentável do PEC: – a Lei 19/2006 transpõe para a ordem jurídica interna nacional a Directiva nº 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, – a Convenção de Aarhus (1998) representa a integração na esfera jurídica nacional da Convenção das Nações Unidas sobre o acesso à Informação, Participação Pública no Processo de Tomada de Decisão e Acesso à Justiça em Matéria de Ambiente, – a Lei nº 46/2007, que regula o acesso aos documentos administrativos e a sua reutilização e que revoga a Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, alterada pela Lei nº 8/95, de 29 de Março e pela Lei nº 94/99, de 16 de Julho, transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 2003/98/CE, do Parlamento e do Concelho.

    Tendo em conta tudo o que foi dito, defendo que a organização ambientalista deve fazer valer os seus direitos.

    Ana Sofia Marques nº14382  

  9. Anónimo disse...

    Comentário ao acórdão nº 136/2005 sobre informação ambiental

    O acórdão em apreço tem como objecto o recurso de uma organização ambientalista para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto na alínea b) do nº1 do art. 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação da constitucionalidade do art. 10º da Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, do nº 1 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 321/95, de 28 de Novembro e art. 10º da Lei nº 8/95, de 29 de Março, na medida da interpretação feita pela 1ª secção do Tribunal Central Administrativo no acórdão de 23 de Maio de 2002, no sentido de fazer prevalecer normas protectoras do segredo industrial, de propriedade privada, da liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção face ao direito à informação para protecção do ambiente.
    O direito de acesso à informação surge no artigo 268/1 e 2 da Constituição, assumindo uma dupla dimensão: subjectiva, que se encontra no nº1 do referido artigo, que se refere à importância da informação e o acesso às suas fontes para que o cidadão possa compreender o fundamento e o limite dos seus direitos face aos poderes públicos. A dimensão objectiva presente no nº 2, por sua vez, reflecte a transparência da decisão administrativa que fica dependente da possibilidade de os cidadãos se informarem e serem informados sobre os passos do iter procedimental. Tanto o nº1 como o nº2 do artigo 268º da CRP são manifestações de uma mesma realidade: o princípio da publicidade ou transparência da Administração. O acesso à informação só poderá representar uma crescente legitimidade da decisão administrativa, abrindo portas a um contraditório público, permitindo o direito à participação na tomada de decisões com incidência ambiental, tendo que se encontrar inegavelmente num Estado de Direito Democrático que tem como uma das suas principais tarefas a protecção ambiental.
    O artigo 268º da Constituição estabelece direitos fundamentais do cidadão enquanto administrado. Trata-se de direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (artigo 17º da Constituição) e como tal partilha do mesmo regime destes direitos. Este regime não proíbe de todo a possibilidade de restrição, por via da lei, do exercício dos direitos, liberdades e garantias. Mas tais restrições estão submetidas a requisitos para que seja constitucionalmente legítima: que a restrição esteja expressamente admitida pela Constituição; que vise salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido; que seja apta para o efeito e se limite à medida necessária para alcançar esse objectivo; que não aniquile o direito em causa atingindo o seu conteúdo essencial. Merece consideração os casos em que a lei revela limites que não estão mencionados ou previstos na Constituição, mas que decorrem implicitamente do seu texto em caso de colisão de direitos. Os chamados limites imanentes. Nestes casos há que respeitar três requisitos: que a lei se limite a concretizar limites de algum modo presentes na Constituição; que esses limites sejam o único meio de resolver conflitos de outro modo insuperáveis entre direitos constitucionais de idêntica natureza; e que tais limites reduzam o âmbito do direito atingido apenas na medida estritamente necessária à superação do conflito. Vamo-nos centrar principalmente no princípio da proporcionalidade. Este princípio desdobra-se em três sub-princípios: princípio da adequação – as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade – as medidas restritivas na lei devem revelar-se necessárias porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; princípio da proporcionalidade em sentido restrito – os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos.
    As leis restritivas dos direitos fundamentais não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18 nº 3 da Constituição). A questão do conteúdo essencial de um direito tem que ser equacionada em confronto com outro bem, mas essa ponderação não pode levar à aniquilação do direito fundamental.
    Neste aspecto, a decisão do Tribunal Constitucional merece critica, atendendo a que o princípio da proporcionalidade não foi tomado em consideração, sendo, assim, violado quanto à restrição imposta ao direito à informação. Este direito não tem carácter absoluto, pode sofrer restrições para além das que constam expressamente do artigo 268º/2 da Constituição, restrições essas impostas pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, como o de propriedade intelectual e respectivos segredos industrial e comercial integrados no direito de propriedade privada consagrado constitucionalmente como direito fundamental (artigo 62º da Constituição), mas há que fazer uma ponderação dos direitos e interesses em conflito, pois estamos perante uma colisão de direitos constitucionalmente consagrados, na qual não existe nenhuma hierarquia. O douto Tribunal além de não atender a uma ponderação casuística dos direitos em conflito (direito à informação e direito de propriedade intelectual e industrial e atinentes segredos) com base no princípio da proporcionalidade, também não se limitou a restringir o direito à informação. O Tribunal foi mais longe, não deixando espaço para que o direito à informação permanecesse, embora com limitações, impondo assim a sua aniquilação em favor do direito ao segredo industrial e comercial, pois, a restrição feita aquele direito não lhe deixou sentido útil. Considera-se, assim, que existe uma restrição desproporcionada que ofende o núcleo essencial do direito à informação.
    Por outro lado o direito à informação é essencial para a defesa do direito ao ambiente, consagrado constitucionalmente no artigo 66º. Um dos princípios fundamentais em matéria de ambiente é o princípio da prevenção e precaução, que tem como finalidade evitar lesões do meio-ambiente, adoptando os meios mais adequados para afastar a verificação de situações potencialmente perigosas e minorar as sua consequências, ou seja, tomar medidas destinadas a evitar a produção de feitos danosos para o ambiente e não a reagir a essas lesões. Deste ponto de vista não se pode partilhar do entendimento do Tribunal Constitucional deixando para posterior discussão a prevalência do direito do ambiente sobre direitos de propriedade privada e de livre iniciativa, caso a laboração da empresa em questão venha a ameaçar ou mesmo a provocar danos ambientais.
    Entende-se também que o Tribunal Constitucional não devia ter apreciado a questão de um ponto de vista legislativo puramente nacional. Desde 1990 que a Comunidade Europeia despertou para a necessidade de consagração formal de um direito à informação ambiental, o que veio a acontecer através da directiva do Conselho 90/313/CEE, de 7 de Junho. A referida directiva consagra o acesso a informações relacionadas com o ambiente a qualquer pessoa, singular ou colectiva, sem que tenha que provar ter um interesse na questão (artigo 3/1, § 1º), podendo ser este direito restringido no nº 2 do mesmo artigo, com fundamento, entre outros, na confidencialidade comercial e industrial. Mas esta restrição não pode ser efectuada sem mais, a directiva em apreço adopta o princípio da proporcionalidade aferido através de uma ponderação casuística. Esta directiva foi revogada pela nova directiva 2003/4/CE do Parlamento e do Conselho, de 28 de Junho, com a assinatura, em 25 de Junho de 1998, da Convenção de Aarhus pela União Europeia que foi ratificada pela Assembleia da República em 2003. O direito de acesso à informação ambiental está consagrado nos art. 4º e 5º da citada Convenção.
    Em virtude da transposição da directiva 2003/4/CE sobre direito à informação ambiental, surgiu em Portugal a Lei 19/2006, de 12 de Junho (LAIA), que consiste num diploma específico sobre o acesso à informação ambiental e como tal, numa Lei especial relativamente à Lei 65/93, de 26 de Agosto sobre o acesso aos documentos administrativos (LADA), que é de aplicação subsidiária face aquela (art. 18º da LAIA). Segundo a Lei 19/2006 o acesso à informação pode traduzir-se em duas modalidades: a consulta de dados e a obtenção documentada de dados informativos (art. 6º/ 2 e 3 da LAIA), esta última pode ser requerida por qualquer pessoa sem que necessite de justificar o seu interesse (art. 6º/1 da LAIA). No art. 11º nº6 da LAIA podemos encontrar uma listagem de fundamentos de indeferimento do pedido de acesso à informação, entre os quais há a destacar a alínea d) que refere “a confidencialidade das informações comerciais ou industriais, sempre que essa confidencialidade esteja prevista na legislação nacional ou comunitária, para proteger um interesse económico legítimo […]”. Mas tal recusa de acesso à informação ambiental tem que passar pelo crivo de três cláusulas flexibilizadoras dos fundamentos de recusa: a do artigo 11º nº 7 que neutraliza o efeito do fundamento da recusa nos casos de diversas alíneas do nº 6, entre as quais, da alínea d) sempre que o pedido de informação se referir a fontes de emissões poluentes; a do nº 8 do mesmo artigo que impõe a interpretação restritiva dos fundamentos de indeferimento e os submete ao crivo da proporcionalidade; e a do artigo 12º que consagra o princípio da preferência da disponibilização parcial sobre a não disponibilização, quando seja possível distinguir entre dados acessíveis e não acessíveis.
    Com base na Lei 19/2006, de 12 de Junho, diploma este que não existia aquando do acórdão em apreço, seria manifestamente improcedente a posição assumida pelo Tribunal Constitucional, atendendo a que a LAIA refere expressamente a submissão dos fundamentos de indeferimento ao princípio da proporcionalidade, princípio esse que não foi de todo considerado pelo douto Tribunal na posição que fez vencimento. Teria que haver uma ponderação entre o interesse público servido pela divulgação da informação, que neste caso seria segundo a requerente a protecção do ambiente e reflexamente a defesa da vida, integridade física e moral das pessoas e a segurança e os interesses protegidos que fundamentam o indeferimento, neste caso, o segredo comercial e industrial. Por outro lado, a requerente pretendia que lhe fossem facultadas certidões referentes ao contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas do grupo B., incluindo os respectivos anexos e estudos técnicos para poder avaliar a incidência ambiental do projecto de implantação de uma unidade industrial, unidade essa que se pode considerar como fonte de emissões poluentes, logo, a confidencialidade das informações comerciais e industriais não podiam ser invocadas como fundamento de recusa do acesso à informação ambiental.  

  10. Anónimo disse...

    O presente acórdão levanta a questão da necessidade de articulação entre o Direito à Informação Ambiental e os Direitos à Propriedade Privada e à Iniciativa Económica (artigos 62º e 61º da Constituição, respectivamente).
    Apesar da Constituição não reconhecer expressamente um direito à informação ambiental, tem sido aceite tanto pela doutrina como pelo Tribunal Constitucional que é possível extrair um direito fundamental com este conteúdo dos artigos 9º al. e), 37º, 48º, 66º e 268º do diploma referido.
    Independentemente da questão de saber se se podem ou não estabelecer em lei ordinária outros limites ao direito de acesso à informação ambiental para além dos que constam do artigo 268º, e tendo presente que estamos perante direitos da mesma espécie e, portando, sem qualquer relação hierárquica entre si, é difícil de compreender a decisão em apreço, a qual parece ter esquecido por completo o princípio da proporcionalidade constante do artigo 18º da CRP. Com efeito, mesmo não deixando de reconhecer a existência de um direito à informação ambiental, o acórdão, ao constatar a existência de uma colisão entre este direito e os direitos dos artigos 61º e 62º, resolve o problema sacrificando totalmente o primeiro em prol dos segundos, numa atitude que não parece levar em consideração um princípio tão importante como o de que qualquer restrição a um direito fundamental deve assumir um caráter restritivo_ Odiosa sunt restrigenda. Com efeito, só assim se consegue salvaguardar a efectiva vigência dos Direitos consagrados no texto fundamental. “De outro modo”, como afirma Jorge Miranda, “(…) podia-se defraudar a Constituição. (…) o que distingue uma Constituição de outra não vem a ser tanto o elenco de direitos quanto o alcance que possuam no plano normativo.” Impõe-se, pois, que toda a restrição de um direito fundamental não vá além do necessário sob pena de se colocar em causa a própria força jurídica das normas que dela constam. O Princípio da Proporcionalidade, nas suas três vertentes (necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito) tinha que ter servido de critério para solução do conflito de direitos em questão e, ao que tudo indica, não foi. Em especial a necessidade, pois não era indispensável que se vedasse em absoluto o acesso aos documentos em questão para se ver salvaguardado o segredo comercial e indusrial, bastando uma restrição parcial do acesso.
    É ainda de criticar o argumento do Tribunal Constitucional segundo o qual a necessidade de se proceder a uma concordância prática só se verificaria a posteriori, se, após a empresa ter dado início à sua actividade, daí decorressem danos ambientais. Como afirma o conselheiro Mário Araújo Torres no seu voto vencido, tal concepção é “incompatível com a eficiente defesa dos valores ambientais”. Efectivamente, dada a irreversibilidade que caracteriza o dano ambiental, o princípio da precaução impõe que sejam tomadas decisões in dubio pro ambiente, visando-se, mais do que prevenir, evitar, objectivo para que também concorre o princípio da prevenção.  

  11. Subturma 1 + 5 disse...

    Primeiro que tudo há que esclarecer o que é informação ambiental. Ora é considerada como uma informação ambiental, toda e qualquer informação disponível sob forma escrita, visual, oral ou de base de dados relativa ao estado das águas, do ar, do solo, da fauna, da flora, dos terrenos e dos espaços naturais e igualmente às actividades ou medidas que os afectem ou possam afectar negativamente e às actividades ou medidas destinadas a protegê-los, incluindo medidas administrativas e programas de gestão ambiental, (Directiva 2002/49/CE).

    O direito à informação ambiental é um direito fundamental do administrado, de natureza análoga aos «direitos, liberdades e garantias» enunciados na Constituição e sujeito ao respectivo regime (artigos 17.º e 18.º da CRP).

    O meu comentário do acórdão vai ser feito ao abrigo da legislação actual; ou seja em vez de tecer comentários à interpretação da lei, em vigor à data do proferimento do acórdão, fá-lo-ei como se fosse aplicada a legislação actual - acesso aos documentos administrativos, Lei n.º 46/2007(LADA), de 24 de Agosto e o acesso à informação sobre ambiente, Lei n.º 19/2006, de 12 de Junho(LAIA).

    A LADA, prevê o Direito de acesso aos documentos administrativos. A LAIA, consagra o acesso à informação e estabelece como objectivo, garantir o direito de acesso à informação sobre ambiente, detida pelas autoridades públicas ou em seu nome.

    Fundamentos de indeferimento do pedido de acesso à informação (apenas referirei os fundamentos que hipoteticamente seriam usados pelo Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, Tribunal Central Administrativo e Tribunal Constitucional):

     LADA - um terceiro só tem direito de acesso a documentos administrativos que contenham segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa se estiver munido de autorização escrita desta ou demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade;

     LAIA
    • A confidencialidade do processo ou da informação na posse ou detida em nome das autoridades públicas, quando tal confidencialidade esteja prevista na lei; A confidencialidade das informações comerciais ou industriais, sempre que essa confidencialidade esteja prevista na legislação nacional ou comunitária para proteger um interesse económico legítimo, bem como o interesse público em manter a confidencialidade estatística ou o sigilo fiscal;
    • Os direitos de propriedade intelectual;

    Só a LADA consagra expressamente, o princípio da proporcionalidade, no âmbito do indeferimento. Contudo à LAIA serão aplicáveis os artigos 18º, nº 2, e 268º, nº 2, da Constituição, que consagram o mesmo princípio.

    Assim sendo, e tendo em conta que o direito à informação ambiental é um direito fundamental, constitucionalmente consagrado, à que concordar que o direito dos cidadãos de acesso aos arquivos e registos adminis¬trativos, pode sofrer restrições, quer com base no n.º 2 do ci¬tado artigo 268.º da CRP, quer com base na LAIA ou na LADA.
    No entanto a restrição, deste direito, terá de res¬peitar os princípios da proporcionalidade, e da adequação e obrigará a uma ponderação em concreto dos direitos em conflito a efectuar pelo tribunal.

    No acórdão estava em causa a colisão de direitos e interesses constitucionalmente protegidos, que não apresentavam uma relação de hierarquia, nem de generalidade, nem de especialidade. Por um lado tínhamos o interesse dos investidores -contratualmente salvaguardado - em manter reserva sobre as condições de realização de um investimento, por outro lado o interesse de uma organização ambientalista em ter acesso a tais informações que o Estado Português se comprometeu, legal e contratualmente (cláu¬sula 17.ª do contrato de investimento estrangeiro), a manter reservadas.

    Logo, o Tribunal para poder, indeferir o pedido da organização ambientalista, com base na LADA ou na LAIA, teria de fazer, uma ponderação casuística, em relação a cada tipo de documento em concreto, de modo a tentar a harmonização dos referidos direitos em causa.
    Por exemplo, o Tribunal poderia recorrer ao crité¬rio metódico do melhor equilíbrio possível entre direitos colidentes, satisfazendo o interesse invocado pelo requerente, sem que para tal tivesse de desvendar ou violar a confidencialidade dos documentos que pudessem conter segredos comerciais ou industriais.
    Parece-me, que de facto, tal como refere Fernanda Palma e Mário Torres, há violação do princípio da proporcionalidade e da adequação. Quer pelo, regime legal anterior, quer pelo actual (supondo, que o tribunal decidiria, actualmente do mesmo modo).

    Concluindo,a restrição de direitos, legalmente e constitucionalmente consagrados, só podem ser restringidos, se se respeitar o princípio da proporcionalidade e da adequação, como tal a meu ver, era possível garantir o acesso à documentação solicitada pelo requerente e ainda assim salvaguardar o interesse dos investidores. Mais que não fosse, por meio do acesso à alguns dos documentos, e não todos, ou sendo tapadas as partes que poderiam lesar o interesse dos investidores.

    C.H.S.Garcia subturma 5 aluna n.º 15540  

  12. Anónimo disse...

    Antes de proceder ao comentário dos aspectos relevantes do acórdão do Tribunal Constitucional (TC) em análise, gostaria de fazer um reparo à actuação da organização ambientalista neste processo (a recorrente).
    De facto, após análise das alegações e fundamentos por esta apresentados perante os vários tribunais envolvidos (e somente com base nestes, sendo, por isso e na falta de outros dados, um reparo potencialmente injusto), parecem estes carecer de uma certa coerência e consistência, do ponto de vista jurídico, tendo em conta as oscilações verificadas na sua argumentação, correndo o risco de aparentar uma tentativa de “mandar o barro à parede”, se me é permitida a expressão.
    Os valores ambientais nada ganham com este tipo de abordagem, devendo a sua defesa passar pelo desenvolvimento da ciência jurídica na área do Ambiente e pela sua utilização eficiente, a par da legislação ambiental em expansão, perante os tribunais, com vista a produzir fundamentos jurídicos sólidos, de modo a credibilizar e valorizar os direitos de conteúdo ambiental.
    Posto isto, em relação ao acórdão propriamente dito, cumpre analisar a principal questão levantada: o conflito entre direitos fundamentais e a constitucionalidade da limitação desses mesmos direitos por lei ordinária.
    Assim e nos termos da Constituição da República Portuguesa (CRP), no conflito e na restrição de direitos devem ser tomados em conta os princípios da proporcionalidade e da adequação (Art.º 18 n.º 2 CRP), sem dar, à partida e em geral, vantagem a qualquer um dos direitos em confronto. O respeito por estes princípios deve ser aferido pelos tribunais perante o caso concreto, conforme orientação defendida no acórdão (se bem com perspectivas diferentes entre os juízes).
    Relativamente às normas limitadoras (em causa no acórdão), mais do que operar uma restrição de direitos, elas funcionam como “normas de resolução de conflitos entre direitos”, não se reconduzindo a sua existência a uma inconstitucionalidade se entendidas como meras referências para o julgador, devendo ser interpretadas nos termos acima descritos, não se vendo, assim, razão na pretensão de prevalência abstracta dos direitos de cariz ambiental apresentada pela recorrente.
    Já no que diz respeito à supressão de um dos direitos em conflito (nomeadamente o direito a informação ambiental), tal não será, em regra possível nestes casos, dado que, inclusivamente, na nova legislação sobre a matéria (Lei n.º 19/2006) se preveja expressamente a possibilidade de indeferimento parcial, salvaguardando proporcionalmente ambos os direitos.
    Sem prejuízo destes argumentos e do facto de a nova lei conseguir um melhor equilíbrio entre os valores em questão (reforçando a importância do direito à informação ambiental), concluo que, relativamente ao acórdão, a solução dada pelo TC é a melhor. Porquê? Porque o caso em apreço contém ainda outro interesse em jogo, o interesse público, concretizado no contrato de investimento estrangeiro celebrado, sujeito a regime legal próprio. Embora o conteúdo do contrato seja irrelevante para solução do conflito (aqui discordamos frontalmente dos argumentos apresentados pelo TC), a verdade é que a prossecução do interesse público manifestada nesse contrato é, também ela, um valor fundamental presente na CRP (voltamos a concordar neste ponto com o TC), tendo por isso de ser tida em conta na resolução deste conflito.
    Pelas razões apontadas, concordo, em geral, com a apreciação feita pelo TC (salvo pontuais argumentos apresentados) e por conseguinte, com a supressão, neste caso especial, do direito à informação ambiental.

    Francisco Costa nº14415 Subturma 2  


 

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