O direito à Informação Ambiental em Portugal

O direito à Informação Ambiental

Tendo definido o direito à informação ambiental como tema para este trabalho, a sua estrutura divide-se em três etapas: num primeiro momento passa por uma análise de um caso concreto através de um comentário ao Acórdão n.º 136/2005 do Tribunal Constitucional; em seguida, procura fazer-se um enquadramento legislativo do direito à informação ambiental, de uma perspectiva crítica; por último , conclui-se com o novo regime nesta matéria, a Lei 19/2006 de 12 de Junho.

I- Comentário ao Acórdão n.º 136/2005 do Tribunal Constitucional

Como ponto de partida convém enunciar, sucintamente, a matéria de facto e de direito do Acórdão para melhor se perceber o alcance da sua decisão:

“.Em 3 de Setembro de 2001, a A. apresentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, requerimento de intimação do Primeiro-Ministro a facultar-lhe certidões referentes à totalidade do contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas do grupo B., incluindo os respectivos Anexos e estudos técnicos, de modo a permitir à requerente avaliar a incidência ambiental e concorrencial do projecto de implantação de uma unidade industrial em Esposende.

Em 15 de Março de 2002, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu o pedido de intimação formulado por aquela organização ambientalista, a quem reconheceu, embora, legitimidade para recorrer a tal meio processual acessório (apenas no que concerne às suas preocupações ambientais)[…]

A requerente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Central Administrativo, adoptando a tese, considerada e afastada na sentença, da inconstitucionalidade dos artigos 62.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo e 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, quando interpretados no sentido de imporem reservas ao direito de informação, para além do previsto no artigo 286.º, n.º 2, da Constituição.
Por acórdão de 23 de Maio de 2002, a 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo negou provimento ao recurso.[…]

Recorreu então a referida organização ambientalista para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, pretendendo a apreciação das normas constantes “dos art.ºs 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro, 10.º da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, tal como foram interpretadas e aplicadas pelo Douto Acórdão recorrido, isto é, no [sentido] de que fez prevalecer normas protectoras de segredo industrial, de propriedade privada, de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção em confronto com o direito à informação para protecção do ambiente, por parte de uma associação ambientalista; assim como no sentido de que não haverá, em caso de colisão, uma prevalência do direito ao ambiente em confronto com direitos de carácter patrimonial; e, ainda, no sentido de que o Estado Português, por causa de tal protocolo, estaria vinculado contratualmente a uma obrigação de segredo, pelo que se violaria o princípio da legalidade.”

A título de alegações feitas pela recorrente gostaria de destacar as que, no meu modesto entender, assumem particular importância para a posição que se defenderá, e que contraria a decisão do acórdão em causa, como adiante se verá:

“A - Nestes autos está em causa a problemática da protecção do ambiente e,
B - reflexamente a defesa da vida, integridade física e moral das pessoas, incluindo a segurança,
C - nomeadamente na sua vertente da prevenção perante eventuais violações;
D - o que implica o direito à informação, como instrumento fundamental para o exercício daqueles direitos,[…]

H – Estamos perante normas em que está em causa a força jurídica dos direitos, liberdades garantias,[…]

J – As eventuais restrições a direitos deste género terão de ter em conta princípios constitucionais diversos, nomeadamente o da proporcionalidade e a exigência de respeito do seu núcleo essencial.[…]

L - os diferentes procedimentos existentes são o meios formais fundamentais para exercer o direito à informação, e para a consequente tutela dos mesmos direitos e interesses.[…]

V – Mesmo em caso de eventual colisão de interesses e/ou direitos, os de carácter não-patrimonial prevalecem sobre os de índole patrimonial, na sequência de entendimento (quase) unânime da Jurisprudência.
X – O direito ao ambiente é protegido constitucionalmente e insere-se nos direitos de personalidade.
Y – Com a recusa radical de prestar à Recorrente todas e quaisquer informações, o Recorrido e o Douto Acórdão em apreço estiveram a violar, pelo menos, o núcleo fundamental do DIREITO Z – Foram violadas as disposições dos art.ºs 9.º, 17.º, 18.º, 20.º, 24.º a 26.º, 35.º, 52.º, 66.º, 81.º, 90.º e 268.º da Const. Política, muito especialmente se verificando a inconstitucionalidade dos art.ºs 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, n.º 1 do [artigo 13.º do] D.L. n.º 321/95, de 28 de Novembro, 10.º da Lei n.º 8/95, de 29 de MarçoÀ INFORMAÇÃO em matéria de ambiente.[…]

Tais normas, na dimensão interpretativa que lhes foi conferida pelo Douto Acórdão recorrido, violam os princípios e normas constitucionais do direito à vida (art.º 24.º), à integridade moral e física das pessoas, incluindo a segurança (art.º 25.º), ao ambiente e qualidade de vida (art.º 66.º), nomeadamente a faculdade de prevenção de tais violações (art.ºs 266.º e 268.º), traduzindo-se tal dimensão interpretativa na efectiva denegação de justiça.»

Não obstante a esta argumentação ir ao encontro do que pensamos ser a maneira mais apropriada de abordar o problema em questão, nomeadamente, no que diz respeito à natureza jurídica do direito à informação ambiental e à possibilidade da sua restrição, numa perspectiva de colisão de direitos, outra foi a orientação seguida pelo Tribunal, que resultou na seguinte decisão:

“a) Não julgar inconstitucionais as normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março, e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro; […]”

Para melhor se compreender o teor desta decisão terá de partir-se da fundamentação apresentada pelo Tribunal, analisando criticamente as premissas de que parte, procurando evidenciar quais as debilidades da sua construção, para o que a declaração de vencido do Conselheiro Mário Torres se revelará muito útil.

No confronto de direitos aqui em causa, o direito à informação ambiental em oposição ao direito de liberdade de iniciativa e da propriedade privada dos meios de produção ( mormente o segredo industrial), as normas restritivas do primeiro direito apresentam o seguinte conteúdo: “A Administração pode recusar o acesso a documentos cuja comunicação ponha em causa segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas”, (artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março) ;“As informações relacionadas com operações de investimento estrangeiro não podem ser divulgadas sem autorização escrita dos seus intervenientes, excepto quando susceptíveis de conhecimento público”(n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro).

Em primeiro lugar o TC apresenta como argumento:

“5.Quanto à norma do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, na redacção da Lei n.º 8/95, e quanto à sua conformidade com o n.º 2 do artigo 268.º da Constituição, invocou o Primeiro-Ministro, nas contra-alegações, que este Tribunal já se pronunciou “por diversas vezes, sendo que a doutrina que tem feito prevalência se encontra fixada no Acórdão n.º 254/99”, podendo o raciocínio “estender-se, sem esforço, ao n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro”.

Para se analisar esta conformidade torna-se imperioso definir, de forma apurada, o conteúdo do direito à informação ambiental presente no art.º 268º/1 e 2; na esteira do Prof. VASCO PEREIRA DA SILVA consideramos que “os direitos de procedimento adquiriram mesmo estatuto constitucional”, ou seja, surgem numa perspectiva de “direito fundamentais como garantias de procedimento” o que reveste o duplo significado de:” por um lado, reconhecer que os direitos de procedimento podem assumir a natureza de direitos fundamentais, integrando a « terceira geração dos direitos do homem»”, na qual se enquadra o direito em análise, e “por outro lado, entender que a consagração de qualquer direito fundamental tem como consequência necessária a atribuição dos direitos processuais e procedimentais necessários para a sua protecção jurídica.”Apoiando-me nas palavras de FERNANDO CONDESSO, “o direito de acesso à informação administrativa não se reduz apenas ao âmbito dos dossiers ambientais, pois abrange, em princípio, toda a actividade administrativa.”, afirmando o mesmo autor, que “As questões ambientais têm, em termos de motivação de acesso, e tiveram, em termos de preparação das opiniões públicas para a exigência de transparência de processos dos poderes instalados, uma responsabilidade muito grande nas conquistas que o princípio da Administração Aberta tem vindo a fazer paulatinamente nos vários Estados.”

Estamos em condições de afirmar, tal como o faz CARLA AMADO GOMES, que o direito de acesso à informação apresenta uma dupla dimensão:” subjectiva, na medida em que a informação e o acesso às suas fontes são essenciais para que o cidadão compreenda o fundamento e o limite dos seus direitos em face dos poderes públicos(268º/1 CRP);objectiva, porquanto o controlo da transparência da decisão administrativa depende da possibilidade de os cidadãos se informarem e serem informados sobre os passos do iter processual(268º/2 CRP).”, concluindo em seguida a Autora, “ o acesso à informação não só representa uma inversão da lógica de segredo tradicionalmente associado ao funcionamento da máquina administrativa, como e sobretudo, acresce à legitimidade da decisão por força da potencial abertura a um contraditório público.”

Como podemos constatar no Acórdão em análise, esta lógica de segredo acabou por prevalecer, descurando essencialmente que este direito de informação ambiental se insere, estruturalmente, num Princípio da Publicidade ou Transparência da Administração, tal como definido por SÉRVULO CORREIA, pois “se a sustentabilidade da democracia depende do nível de informação dos cidadãos […]a sustentabilidade ambiental tem com o acesso à informação uma ligação estrutural.”, diz-nos CARLA AMADO GOMES.

A conformidade dos preceitos em causa, tal como interpretados e aplicados pelo TC, com o direito em causa, com a dimensão que o apresentamos, afigura-se duvidosa, pelo simples facto, pensamos, de não se terem extraído as devidas consequências da natureza do direito de informação ambiental, pois este “assume, por si só, uma dimensão de participação política, que se traduz num simples desejo de estar informado sobre as intervenções, públicas e privadas, em bens de fruição colectiva.”, apresentando uma “inegável substantividade, constituindo uma forma de envolver o cidadão na cadeia de solidariedade intra e intergeracional.”, perfilhando CARLA AMADO GOMES a posição de JORGE MIRANDA nesta matéria, que se apoia numa interpretação no contexto do Estado de Direito democrático que conta entre as suas tarefas fundamentais a da protecção do ambiente, dos art.º 9º/e), 66º, 20º/2, 37º, 48º, 268º/1 e2 da CRP, para afirmar este direito de informação ambiental.

Como segundo argumento do Tribunal convém ter em consideração o seguinte excerto:

“[…]falta demonstrar a necessidade e a proporcionalidade de restrições determinadas por situações de conflito em matéria de segredo comercial ou industrial, de direitos de autor ou de direitos de propriedade industrial, e de concorrência desleal, tendo em vista os critérios dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º[…]”

Do enquadramento que se fez do direito à informação ambiental, como direito fundamental, a sua possibilidade de restrição teria necessariamente de passar pelos critérios de necessidade e proporcionalidade constantes do art.º18º da CRP, o que aparentemente foi efectuado pelo Tribunal, enunciando que nesta ponderação dos interesses em jogo se teria de atender ao caso concreto e às circunstâncias do mesmo, para que a restrição se pautasse pelos referidos critérios, como era jurisprudência constante do TC.

Neste ponto temos de atender a declaração de voto do Conselheiro Mário Torres, com a qual concordamos inteiramente, por melhor reflectir a natureza pública dos interesses em jogo e a natureza excepcional que as suas restrições devem assumir, devendo efectuar-se uma verdadeira ponderação casuística, pois “ Só através de uma casuística ponderação, com vista a uma possível harmonização dos referidos direitos em causa, nomeadamente através do crité­rio metódico do melhor equilíbrio possível entre direitos colidentes poderá ser solucionada a questão, dando a possível satisfação ao interesse invocado pelo requerente, sem desvendar ou violar a confidencialidade dos documentos que porventura contenham segredos comerciais ou industriais e se mostrem incor­porados no processo em causa.” , o que determina que “ A aferição da confidencialidade dos documentos a que o particular pretende aceder deve ser feita em relação a cada tipo de documento em con­creto[…]”

Podemos assim concluir que o TC fez prevalecer de forma absoluta a restrição ao direito de informação ambiental, esquecendo a necessidade incontornável de conciliação entre os dois direitos, que só poderia ser feita através de um exame pormenorizado dos documentos em causa, tal como se verificou em Acórdãos anteriores, escudando-se através de uma clausula geral de segredo, que não permite, em cada caso, apurar que aspectos poderão não estar abrangidos pelo segredo, de modo a serem facultados a uma consulta pública, que contribua de forma eficaz para um princípio de Administração Aberta.

Na sua declaração continua o Conselheiro :” Este entendimento é constitucionalmente inadmissível. O tribunal não pode demitir‑se de efectuar a “ponderação casuística” exigida pelo princípio da pro­porcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos direitos fundamentais com o argumento de que o legislador ordinário – e muito menos a Administração, através da celebração de contrato com particulares – já teria optado pelo sacrifício total do direito à informação e pela supremacia ilimitada do direito do contraente particular ao sigilo do negócio. E saliente‑se que o que tem de ser comprovado é a justificação da recusa de acesso aos documentos e não o contrário (a inexistência de prejuízo rele­vante por causa da facultação desse acesso).”,ou seja, segundo este entendimento para podermos restringir direitos fundamentais constitucionalmente consagrados temos de atender a critérios constitucionalmente previstos! A simplicidade da afirmação acaba por ser enganadora pois demonstra num contexto mais amplo, na linha que se vêm defendendo, que o direito de informação ambiental se apresenta como essencial à participação do cidadão na tutela do Ambiente, pois “ O interesse na preservação e promoção da qualidade dos bens ambientais pressupõe uma certa concepção de vida em comunidade, ou seja, é um interesse de realização comunitária, solidária, assente numa cidadania activamente empenhada no respeito e promoção da causa ecológica - uma ecocidadania.”, segundo as palavras de CARLA AMADO GOMES.

Em jeito de conclusão, e ainda com base na declaração de voto, pode referir-se que “Não se pode ignorar a importância decisiva que o acesso à informação ambiental tem para o efectivo exercício do direito e dever que a todos incumbe de de­fender um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, e do direito dos cidadãos de participação na prevenção e controlo da poluição e na correcta locali­zação das actividades (artigo 66.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), da CRP), com expresso reconhecimento constitucional da legitimidade de intervenção, designadamente pela via da acção popular, das associações de defesa dos interesses em causa (qualidade e vida e preservação do ambiente), sendo avesso a toda a filosofia da defesa dos “inte­resses difusos” a consideração de que, no caso, bastaria a intervenção da Administra­ção para assegurar a salvaguarda do interesse público.”

Como último argumento do TC a considerar neste comentário, temos:

“Caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos ambientais sempre ficará sujeita à aplicação de outras normas, a propósito das quais se poderá, então sim, discutir a prevalência do direito ao ambiente sobre direitos da propriedade privada e da livre iniciativa, e a sua constitucionalidade, se se entender que essa normas não asseguram cabalmente os valores constitucionalmente protegidos.”

Quanto a este argumento, podemos partir igualmente da declaração de voto do Conselheiro Mário Torres, que o considera “incompatível com a eficiente defesa dos valores ambi­entais, em que prevalecem os princípios da prevenção e da precaução”; subscrevendo esta afirmação, acrescenta-se, seguindo a orientação de VASCO PEREIRA DA SILVA, que se trata de uma “protecção jurídica de tipo antecipatório (anterior á eventual lesão), feita valer perante a Administração, e que não se substitui à tutela dos tribunais ( que funciona “a posteriori”) antes pode assumir um carácter preventivo da actuação destes.”

Quanto a este ponto deve salientar-se outros dois aspectos: em primeiro lugar o TC volta a falar em prevalência de um interesse sobre outro, o que não se coaduna com o método de harmonização reconhecido pelo próprio Tribunal, essencial na resolução de conflitos de interesses desta natureza; em segundo lugar, o direito á informação, como forma de actuação preventiva, situa-se lógica e cronologicamente, num momento anterior à produção de danos ambientais, ficando seriamente comprometida a utilidade da participação do cidadão, ou seja, o exercício de uma ecocidadania, se essa informação apenas estiver disponível num momento posterior. Resumindo, como se poderá aferir dos riscos para o Ambiente, de certo projecto, sem acesso atempado à informação?

Como nota final, podemos dizer que nos inclinamos para a inconstitucionalidade dos preceitos supracitados, na forma como foram interpretados e aplicados pelo TC, pelos motivos já apresentados, mas primordialmente, pela forma como definimos o Direito de informação ambiental, com as consequências que isso acarreta em termos de regime constitucional, numa altura em que se fala de uma “Constituição Verde”.

A fundamentação deste Acórdão terá ficado irremediavelmente marcada pela ausência, á altura do Acórdão de uma Lei como a 19/2006 de 12 de Junho, que regula o direito de acesso á informação ambiental, e pela total falta de referência à convenção de Aarhus, assinada em 25 de Junho de 1998,ratificada em 2003; instrumentos jurídicos aos quais mais adiante se fará uma mais completa abordagem, mas que podem, desde já, ser rotulados como fulcrais nesta matéria.

Espera-se, por isso, daqui em diante, uma consideração condigna dos interesses em causa e da sua importância, tendo em conta a panóplia de normas que agora regulam esta matéria, dir-se-ia, de forma generosa.

II- Enquadramento legislativo do direito à informação ambiental (perspectiva histórica)

Pode dizer-se que o nosso Ordenamento Jurídico nem sempre dispensou a devida atenção a esta matéria, começando por regula-la de forma genérica, desempenhando o Direito Comunitário e o Direito Internacional um papel fundamental no desenvolvimento dos regimes nacionais.

A Comunidade Europeia despertou para a necessidade de consagração formal de um direito à informação ambiental em 1990, através da Directiva do Conselho 90/313/CE, de 7 de Junho, que obrigava os Estados a reconhecer o direito de qualquer pessoa singular ou colectiva a aceder à informação ambiental constante de documentos na posse das Administrações públicas sem necessidade de provar ou invocar nenhum interesse determinado; entre nós surgiu a Lei nº 65/93, de 26 de Agosto, a Lei de Acesso aos Documentos da Administração, que não foi especificamente, elaborada para transpor a referida Directiva, para a ordem jurídica interna, mas , já na parte final da sua aprovação, foi aproveitada pelo Parlamento, para cumprir a obrigação de transposição, com uma simples referência da intenção integradora, no então art.º 22º, dado que as soluções da LADA iam, em todos os aspectos, para lá das tímidas exigência mínimas da Directiva, o que não deixou ,no entanto, de levantar problemas quanto ao incumprimento da transposição, tendo-se colocado a hipótese de aplicação da doutrina do efeito directo.

Outro factor que contribuiu para uma maior visibilidade desta matéria foi a projecção da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que, apesar, de não ter a seu cargo a protecção do ambiente proferiu em 1990 duas importantes decisões nas quais, através da tutela da personalidade e apelando ao art.º 8º da CEDH, se alcançava uma tutela mediata do ecossistema. A doutrina viu nesta jurisprudência uma forma de sustentar, através da ligação ao art.º 10º da CEDH (liberdade e de ser informado), um verdadeiro direito de acesso à informação ambiental a que corresponde um dever estadual de a publicitar, sempre que a informação tenha relevância generalizada ou para um grupo numeroso de pessoas.

Com a criação da Agência Europeia para o Ambiente ( pelo REG. 1210/90, de 7 de Maio), com atribuições na área da recolha e tratamento da informação, a Comunidade dotou-se de uma estrutura permanente e centralizada de tratamento e difusão de informação ambiental.O direito á informação como componente de um status activus processualis ambiental revela-se também de forma particularmente clara no princípio 10 da declaração do Rio de 1992.

Contudo o instrumento Internacional fulcral nesta matéria, seria a Convenção de Aarhus, resultante de esforços vindos da Conferência de Sofia, de 1995, acabando a Convenção por ser assinada em 25 de Junho por trinta e cinco Estados e pela União Europeia, e estando aberta à assinatura de todos os Estados membros da Organização das Nações Unidas, tornou-se o primeiro “instrumento universal de democratização das decisões sobre o ambiente”.

A assinatura da Convenção de Aarhus pela União Europeia teve duas consequências fundamentais: a revisão da Directiva 90/313/CEE, através da nova Directiva 2003/4/CE, do Parlamento e do Conselho, de 28 de Junho e a aprovação do Reg. 1367/2006, do Parlamento e do Conselho de 6 de Setembro, relativo à aplicação das disposições da Convenção no âmbito intra-comunitário.

A Convenção de Aarhus visa harmonizar os pressupostos de exercício de três direitos: o direito à informação ambiental, o direito de participação e o direito de acesso àjustiça, afirmando-se nos seus considerandos iniciais ,“Considerando que para defender este direito e cumprir este dever, os cidadãos devem ter acesso à informação, ter direito a participar no processo de tomada de decisão e ter acesso à justiça em matéria de ambiente e reconhecendo que a este respeito os cidadãos possam necessitar de ajuda a fim de poder exercer os seus direitos;”, e também “Reconhecendo que, em matéria de ambiente, a melhoria do acesso à informação e a participação dos cidadãos no processo de tomada de decisão aumenta a qualidade e a implementação das decisões, contribui para o conhecimento público das questões ambientais, dá oportunidade aos cidadãos de expressar as suas preocupações e permite às autoridades públicas considerar tais preocupações;”.

Tendo a Lei nº 65/93, de 26 de Agosto sido alterada pela Lei nº 8/95 de 29 de Março e pela Lei nº 94/99, 16 de Julho, só com esta última alteração, pelo seu art.º 3º, se revogou o referido art.22º da primitiva Lei, desafectando a informação ambiental, em razão do seu objecto especifico, projectando assim para um futuro próximo a adopção de um diploma autónomo para o exercício daquele direito. A obrigação de transposição só parece ter sido tomada a sério com a aprovação da Directiva 2003/4/CE, que embora só em Junho de 2006, através da Lei 19/2006, veio criar o novo regime de Acesso á Informação Ambiental(LAIA).

Mas antes de analisar brevemente este novo regime, é proveitoso aferir em ponto da situação estava Portugal no que concerne à Informação Ambiental, tendo em conta o quadro legislativo apresentado, nomeadamente na sua aplicação prática.

Baseado num estudo de Dezembro de 2005, apresentado numa publicação produzida pelo Geota, Inde, IMVF, LPN, Oikos e Quercus, que demonstra os resultados para Portugal, a partir da aplicação da metodologia desenvolvida pela “The Access Initiative” (TAI), relativos à aferição do acesso à informação e participação em matéria ambiental, consistindo a TAI numa coligação global de organizações de interesse público que colaboram para promover a implementação, ao nível nacional, dos compromissos de acesso à informação, participação e justiça em processos de decisão sobre matérias ambientais, podemos aferir que até esta data os resultados não eram os mais satisfatórios.

Reproduzem-se aqui alguns excertos desse estudo por se mostrarem elucidativos do tratamento que esta matéria tem recebido em terras lusitanas:

Em geral, Portugal tem uma legislação actualizada e vasta assegurando o acesso e liberdade de informação. A grande dificuldade reside na observância de alguns destes direitos pela administração pública, ou devido a espaços de ambiguidade criados pelas leis que vão ter interpretações diferenciadas, criando dificuldades. Uma parte das dificuldades de observância das leis existentes está fortemente relacionada com um fraco nível educacional dos nossos recursos humanos. Aferir a implementação da legislação ambiental em Portugal é um elemento crítico, uma vez que o seu incumprimento é frequente, muito devido à parca, ou quase inexistente, fiscalização.

No que diz respeito à área do acesso à informação, participação e acesso à justiça em matéria ambiental, os textos legais em vigor garantem estes direitos a todos os cidadãos num enquadramento mais abrangente do que o existente em vários países europeus. Esta diferença regista-se ao nível do acesso à justiça, uma vez que a legislação portuguesa dá o direito a cada cidadão de agir em nome do interesse comum. Ainda que tal direito esteja garantido, a ausência de recursos materiais e humanos para suportar a aplicação plena deste direito tem originado a sua parca utilização.

Contudo, não obstante os direitos consagrados em Lei, é a sua implementação que se procura aferir através deste projecto, uma vez que, tal como noutras áreas do ambiente, as falhas de implementação são várias e bem sentidas no quotidiano das ONG portuguesas, particularmente as, especificamente, da área do ambiente[…]

Em termos dos principais resultados alcançados, há a salientar que, não obstante a legislação existente, perduram ainda lacunas relevantes para um pleno acesso dos cidadãos a informação de cariz ambiental com relevância para a sua qualidade de vida ou para o bem comum.

Os direitos de acesso à informação estão consagrados na Lei, mas é fundamental alargar o leque de informação que está à disposição dos cidadãos, particularmente, no que diz respeito a informação relativa a actividades de natureza privada – seja em situações de emergência, seja em situações de monitorização permanente. Esta maior abrangência no acesso à informação deverá ser robustecida pelo desenhar de uma estratégia de facilitação do acesso a essa mesma informação, alargando as iniciativas até agora desenvolvidas, que parecem apontar para a marginalização do acesso à informação de sectores que não dominem as novas tecnologias e/ou que não tenham ainda despertado para a importância que determinadas informações podem ter para a sua qualidade de vida. A informação, na sua componente de divulgação que apresenta na administração pública um carácter passivo, deve passar a um formato de informação activa, procurando atingir os diferentes públicos-alvo. A componente do acesso à informação é também uma ponte para uma maior transparência e fortalecimento da confiança dos cidadãos nas entidades, sejam elas de cariz público ou privado. Sendo a participação outra das componentes fundamentais para a construção de uma sociedade mais sustentável, os estudos de caso analisados permitem-nos concluir que a participação e inclusão de sugestões dadas pelo público e outros interessados são muitas vezes postas de parte ou omitidas das decisões finais. Por esta razão, muitos dos projectos, desenvolvimentos, estratégias e políticas apresentam lacunas consideráveis ou não se aplicam de modo adequado à situação ou empreendimento para que foram criados. É necessário que os processos de participação pública comecem a ser conduzidos de modo adequado pois só assim se poderão avaliar as várias vertentes, opiniões e sugestões, de modo a obter políticas, estratégias, planos e empreendimentos adaptados a cada situação. Embora os formatos mais passivos de participação sejam importantes numa fase informativa, são limitados no esclarecimento e envolvimento activo dos cidadãos. É fundamental implementar medidas que possibilitem esclarecer o cidadão e simultaneamente envolvê-lo mais directamente, co-responsabilizando-o.

Já no que diz respeito à terceira componente avaliada neste projecto – a capacitação – verifica-se uma tendência generalizada para a subvalorização prática do Direito ao Ambiente, apesar da sua afirmação legal, ao mesmo tempo que o Estado apresenta um muito deficiente investimento para a implementação prática dos princípios do acesso, ao nível da Administração e ao nível dos tribunais. A capacitação interna do Estado encontra-se, assim, muito subaproveitada enquanto instrumento de modernização da estrutura administrativa, bem como, de prática de aproximação entre a Administração de uma forma geral e os cidadãos.

Quando se analisa o processo de capacitação da própria sociedade civil, o cenário continua a ser muito deficitário, particularmente, quando analisadas as iniciativas levadas a cabo pelo Estado, mais concretamente, na área da educação ambiental. Mesmo o desempenhado das Organizações Não Governamentais obtém uma avaliação média, deixando ainda margem para importantes medidas de estímulo a uma sociedade civil mais atenta e activa.

Em suma, em Portugal o enquadramento legal para qualquer uma das áreas analisadas é interessante e capaz de contextualizar as diversas possibilidades de acesso à informação, participação e capacitação. Contudo, a sua implementação apresenta lacunas profundas que têm impedido um desenvolvimento mais sustentável de toda a sociedade portuguesa.

Seria importante aplicar a metodologia TAI na categoria do acesso à justiça num projecto futuro, tendo em atenção que Portugal vive uma crise profunda na justiça em geral e, em particular, no ambiente, em termos de morosidade, recursos humanos e técnicos e eficácia prática das medidas.”

Com base nestes dados, podemos concluir que era uma necessidade vital para Portugal adoptar uma legislação específica nesta matéria e, sobretudo, desenvolver mecanismos que tutelem de forma adequada, os interesses aqui presentes, nomeadamente, ao nível da informação, participação e acesso à justiça ambiental, possibilitando aos cidadãos exercerem a sua ecocidadania.

Passados apenas seis meses após a publicação deste estudo, em Junho de 2006, Portugal criou um diploma específico sobre o acesso á informação ambiental, que se assume, em virtude da natureza Pública e colectiva do bem ambiente, como lei especial relativamente à pré-existente LADA, a qual é, sem embargo, de aplicação subsidiária (art.º 18º LAIA).

III- Novo Regime do Direito à Informação Ambiental (Lei 19/2006 de 12 de Junho)

Tal como já foi referido , esta Lei surge como resposta à obrigação de transposição da Directiva 2003/4/CE, criando em Portugal um regime específico para a Informação Ambiental, tentando deste modo colmatar as lacunas apontadas no estudo supra mencionado; através de uma análise sucinta podemos ver até que ponto tais recomendações foram seguidas, de forma a alcançar os objectivos desejados.

De forma a tornar mais clara esta exposição, serão transcritos os artigos, seguidos de um breve comentário.

“Artigo 5.º
Divulgação da informação

1 - As autoridades públicas recolhem e organizam a informação sobre ambiente na sua posse ou detida em seu nome no âmbito das suas atribuições e asseguram a sua divulgação ao público de forma activa e sistemática, através, nomeadamente, de tecnologias telemáticas ou electrónicas, quando disponíveis. “

Neste artigo, consagra-se o carácter activo de dever de divulgação da informação por parte da Administração Pública, e não apenas o caractér passivo, de permissão de acesso á informação.

“Artigo 12.º
Indeferimento parcial

A informação sobre ambiente na posse das autoridades públicas ou detida em seu nome é parcialmente disponibilizada sempre que seja possível expurgar a informação abrangida pelos n.os 2 e 6 do artigo 11.º”

Este artigo que surge como uma das três clausúlas flexibilizadoras dos fundamentos de recusa de acesso à informação ambiental, onde se estabelece o Princípio da Preferência da disponibilização parcial, sempre que a destrinça entre dados acessíveis e não acessíveis seja facticamente possível. Como nota adicional, convém referir que uma norma com este conteúdo servirá para diminuir o número de casos como o do Acórdão comentado, ou pelo menos, minimizar os seus efeitos.

“Artigo 15.º
“Comissão de acesso aos documentos administrativos

1 - Compete à CADA zelar pelo cumprimento das normas constantes da presente lei.
2 - Nos casos de dúvida sobre a aplicação da presente lei, cabe à CADA dar parecer sobre o acesso à informação sobre ambiente, a solicitação do requerente ou da autoridade pública, nos termos da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 8/95, de 29 de Março, e 94/99, de 16 de Julho.”

Constituindo a CADA um órgão de fiscalização administrativo, da correcta interpretação e aplicação da presente Lei, os seus pareceres deveriam revestir natureza vinculativa, de forma a garantir, sem mais a aplicação efectiva e eficaz da LAIA; contudo depois de recorrer a este mecanismo, o requerente não perde o direito de accionar judicialmente o órgão faltoso, através do processo previsto nos art.ºs 104º e segs do CPTA.

“Artigo 16.º
Taxas

1 - O acesso a eventuais registos ou listas públicas elaborados e mantidos nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 4.º e a consulta da informação a que se refere o n.º 3 do artigo 6.º são gratuitos.
2 - As autoridades públicas podem cobrar uma taxa pelo fornecimento de informação sobre o ambiente, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 8/95, de 29 de Março, e 94/99, de 16 de Julho.
3 - As organizações não governamentais de ambiente e equiparadas abrangidas pela Lei n.º 35/98, de 18 de Julho, gozam de uma redução de 50% no pagamento das taxas devidas pelo acesso à informação sobre ambiente.
4 - As autoridades públicas afixam em local visível e no sítio da Internet, quando disponível, a tabela de taxas, bem como informação sobre isenção, redução ou dispensa de pagamento.”

Por último, temos consagrado um artigo de extrema importância, pois a cobrança excessiva de taxas poderia resultar numa denegação efectiva do exercício deste direito, pelo que a tendencial gratuidade das informações é um aspecto que se melhor se adequa à natureza deste direito; a redução de 50% no pagamento das taxas no que diz respeito às ONGA’s, vai no sentido de melhor articulação entre estas e a Administração Pública.

Desta breve análise, podemos verificar que se trata de um regime que atende às particularidades da Informação ambiental, respondendo aos desafios que esta matéria coloca, mormente no que diz respeito á natureza evolutiva e plasticidade deste direito, cabendo à Administração Pública e, num momento posterior, aos tribunais fazer uma correcta interpretação e aplicação da LAIA, visto que se trata de um instrumento jurídico que disponibiliza um conjunto de soluções que permite melhorar e tornar mais eficaz o acesso à informação ambiental; de resto configura uma das legislações mais avançadas nesta matéria a nível europeu.



Tiago Mateus nº13181 st.1

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