Sumário

1. No quadro do sistema de competências da Comunidade, a escolha da base jurídica de um acto deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos figuram designadamente a finalidade e o conteúdo do acto.
2. A Directiva 91/156 relativa aos resíduos tem como objecto garantir a gestão de resíduos, tanto de origem industrial como doméstica, em conformidade com as exigências da protecção do ambiente. Embora seja verdade que os resíduos, recicláveis ou não, devem ser considerados como produtos cuja circulação, em conformidade com o artigo 30. do Tratado, não deveria, em princípio, ser impedida, não se pode considerar que a directiva em causa tem por objecto promover a livre circulação desses produtos, pondo, pelo contrário, em prática o princípio da reparação, prioritariamente na fonte, dos danos ao ambiente, estabelecido em relação à acção da Comunidade em matéria de ambiente no artigo 130. -R, n. 2 do Tratado. Por conseguinte, a directiva foi correctamente adoptada unicamente com base no artigo 130. -S do Tratado.
O facto de certas disposições da directiva terem incidência no funcionamento do mercado interno não basta para que o artigo 100. -A seja aplicável. Com efeito, o recurso a esta disposição não se justifica quando, como acontece no caso em apreço, o acto a adoptar só acessoriamente tem por efeito harmonizar as condições do mercado na Comunidade.
3. De acordo com o artigo 37. , terceiro parágrafo, do Estatuto (CEE) do Tribunal de Justiça, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar-se a sustentar as conclusões de uma das partes. Esta condição não fica preenchida quando os pedidos do interveniente se afastam dos pedidos da parte que é suposto apoiarem, a qual pede a anulação global de um acto, na medida em que, baseando-se em fundamentos completamente alheios aos invocados por esta última, apenas têm como objectivo a anulação de uma das disposições do acto impugnado.

Partes

No processo C-155/91,
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Rolf Waegenbaur, consultor jurídico principal, e Ingolf Pernice, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Roberto Hayder, representante do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,
recorrente,
apoiada por
Parlamento Europeu, representado por Jorge Campinos, jurisconsulto, assistido por Kieran Bradley, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no Secretariado-Geral do Parlamento Europeu, Kirchberg,
interveniente,

contra

Conselho das Comunidades Europeias, representado por Arthur Alan Dashwood, director no Serviço Jurídico, e Jill Aussant, administradora principal no mesmo serviço, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Joerg Kaeser, director da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer, Kirchberg,
recorrido,
apoiado por
Reino de Espanha, representado por Alberto José Navarro González, director-geral da Coordenação Jurídica e Institucional Comunitária, e António Hernandez-Mora, abogado del Estado, do Serviço do Contencioso Comunitário, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Espanha, 4-6, boulevard Emmanuel Servais,
interveniente,
que tem por objecto a anulação da Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991, que altera a Directiva 75/442/CEE relativa aos resíduos (JO L 78, p. 32),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,
composto por: O. Due, presidente, C. N. Kakouris, M. Zuleeg e J. L. Murray, presidentes de secção, G. F. Mancini, R. Joliet, F. A. Schockweiler, J. C. Moitinho de Almeida, F. Grévisse, M. Díez de Velasco e P. J. G. Kapteyn, juízes,
advogado-geral: G. Tesauro
secretário: H. von Holstein, secretário adjunto
visto o relatório para audiência,
ouvidas as alegações das partes na audiência de 25 de Novembro de 1992,
ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 1 de Dezembro de 1992,
profere o presente Acórdão:

Fundamentação jurídica do acórdão

1 Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 11 de Junho de 1991, a Comissão das Comunidades Europeias requereu, nos termos do artigo 173. , primeiro parágrafo, do Tratado CEE, a anulação da Directiva 91/156/CEE do Conselho, de 18 de Março de 1991, que altera a Directiva 75/442/CEE relativa aos resíduos (JO L 78, p 32).
2 A Directiva 75/442 instituiu, a nível comunitário, uma regulamentação sobre a eliminação de resíduos. Para ter em conta a experiência adquirida na aplicação desta directiva pelos Estados-membros, a Comissão apresentou, em 16 de Agosto de 1988, uma proposta para efeitos de adopção da Directiva 91/156, já referida. A Comissão escolheu para base jurídica o artigo 100. -A do Tratado. Todavia, o Conselho tomou uma posição comum no sentido de adoptar como fundamento da futura directiva o artigo 130. -S do Tratado. Apesar das objecções suscitadas pelo Parlamento Europeu, que, consultado nos termos do artigo 130. -S, considerara apropriada a base jurídica escolhida pela Comissão, o Conselho adoptou a directiva com base no artigo 130. -S do Tratado.
3 Em apoio do recurso, a Comissão invoca apenas um fundamento baseado em erro na base jurídica da directiva em causa. O Parlamento, que interveio em apoio da posição da Comissão, pede também a anulação do artigo 18. da directiva.
4 Para mais ampla exposição dos factos do litígio, da tramitação processual, bem como dos fundamentos e argumentos das partes, remete-se para o relatório para audiência. Estes elementos apenas serão adiante retomados na medida do necessário para a fundamentação da decisão do Tribunal.

Quanto à base jurídica

5 A Comissão, apoiada pelo Parlamento Europeu, alega essencialmente que a directiva tem como objecto tanto a protecção do ambiente como o estabelecimento e o funcionamento do mercado interno. Por conseguinte, deveria ter sido adoptada apenas com base no artigo 100. -A do Tratado, à semelhança da directiva relativa aos resíduos da indústria de dióxido de titânio, objecto do acórdão de 11 de Junho de 1991, Comissão/Conselho (C-300/89, Colect., p. I-2867, a seguir "acórdão 'dióxido de titânio' ").
6 Em sentido contrário, o Conselho sustenta que o artigo 130. -S do Tratado constitui a base jurídica adequada da Directiva 91/156, que, tendo em conta os seus objectivos e conteúdo, tem essencialmente em vista a protecção da saúde e do ambiente.
7 Segundo jurisprudência já constante, no quadro do sistema de competências da Comunidade, a escolha da base jurídica de um acto deve assentar em elementos objectivos susceptíveis de fiscalização jurisdicional. Entre esses elementos figuram designadamente a finalidade e o conteúdo do acto (v., mais recentemente, o acórdão de 7 de Julho de 1992, Parlamento/Conselho, C-295/90, Colect., p. I-4193, n. 13).
8 Quanto à finalidade prosseguida, salienta-se nos quarto, sexto, sétimo e nono considerandos da Directiva 91/156 que os Estados-membros, para alcançar um elevado nível de defesa do ambiente, devem tomar medidas com vista a limitar a produção de resíduos, promovendo a sua reciclagem e a reutilização como matérias-primas e dotar-se de condições que lhes permitam eliminar os seus resíduos e diminuir o respectivo trânsito.
9 Quanto ao conteúdo da directiva, deve salientar-se que ela impõe aos Estados-membros, nomeadamente, a obrigação de promoverem a prevenção e a redução da produção de resíduos, o seu aproveitamento e eliminação sem pôr em perigo a saúde humana e o ambiente, e de proibirem o abandono, a descarga e a eliminação não controlada de resíduos (artigos 3. e 4. ). Assim, a directiva obriga os Estados-membros a constituírem uma rede integrada e adequada de instalações de eliminação que permita, tanto à Comunidade no seu conjunto como a cada Estado-membro, assegurar a eliminação dos próprios resíduos na instalação mais próxima (artigo 5. ). Para realizar estes objectivos, os Estados-membros estabelecem planos de gestão de resíduos e podem proibir a circulação de resíduos não conformes com esses planos (artigo 7. ). Finalmente, a directiva obriga os Estados-membros a sujeitarem as empresas e estabelecimentos de eliminação ao regime de autorização, registo e fiscalização (artigos 9. a 14. ) e confirma o princípio do "poluidor-pagador" em matéria de eliminação de resíduos, previsto no n. 2 do artigo 130. -R do Tratado (artigo 15. ).
10 Os elementos que acabam de se expor revelam que, de acordo com a sua finalidade e o seu conteúdo, a directiva litigiosa tem como objecto garantir a gestão de resíduos, tanto de origem industrial como doméstica, em conformidade com as exigências da protecção do ambiente.
11 Todavia, a Comissão acrescenta que a directiva aplica o princípio da livre circulação de resíduos destinados a aproveitamento e sujeita a livre circulação de resíduos destinados a eliminação a condições de conformidade com o mercado interno.
12 É certo que os resíduos, recicláveis ou não, devem ser considerados como produtos cuja circulação, em conformidade com o artigo 30. do Tratado, não deveria, em princípio, ser impedida (acórdão de 9 de Julho de 1992, Comissão/Bélgica, C-2/90, Colect., p. 431, n. 28).
13 Todavia, o Tribunal de Justiça considerou que exigências imperativas relativas à protecção do ambiente justificam excepções à livre circulação de resíduos. Neste contexto, o Tribunal de Justiça confirmou que o princípio da reparação, prioritariamente na fonte, dos danos ao ambiente, estabelecido em relação à acção da Comunidade em matéria de ambiente no artigo 130. -R, n. 2, do Tratado, implica que compete a cada região, comuna ou outra entidade local tomar as medidas apropriadas a fim de assegurar a recepção, o tratamento e a eliminação dos seus próprios resíduos; estes devem, pois, ser eliminados tão perto quanto possível do lugar da sua produção, com vista a limitar o seu transporte na medida do possível (acórdão Comissão/Bélgica, já referido, n. 34).
14 É a aplicação destas orientações que constitui o objecto da directiva. Consagra, nomeadamente no artigo 5. , o princípio da proximidade do local da eliminação dos resíduos em relação ao da produção a fim de assegurar que, tanto quanto possível, cada Estado-membro efectue a eliminação dos seus próprios resíduos. Por outro lado, o artigo 7. da directiva permite que os Estados-membros impeçam a circulação de resíduos destinados a tratamento ou eliminação não conformes com os seus planos de gestão.
15 Nestas circunstâncias, não se pode considerar que a directiva tem por objecto a execução da livre circulação de resíduos na Comunidade, como a Comissão, de resto, reconheceu na audiência.
16 A Comissão alega ainda que a directiva, na medida em que o artigo 1. contém uma única e mesma definição de resíduos e de actividades afins, conduz a uma aproximação de legislações. Neste contexto, remete, nomeadamente, para o quinto considerando da directiva, no qual se afirma que a disparidade entre as legislações dos Estados-membros no que respeita à eliminação e aproveitamento de resíduos pode afectar a qualidade do ambiente e o bom funcionamento do mercado interno.
17 Finalmente, a Comissão invoca o facto de a directiva contribuir também para a harmonização das condições de concorrência, tanto no plano da produção industrial como no da actividade de eliminação de resíduos. A este propósito, alega que, em certa medida, a directiva põe termo às vantagens ao nível dos custos de produção de que beneficiam as indústrias de determinados Estados-membros pelo facto de as regulamentações do tratamento de resíduos serem menos rigorosas do que noutros Estados-membros. Deste modo, sendo fielmente transposto pelos Estados-membros, o artigo 4. , que prevê o aproveitamento e a eliminação de resíduos "sem criar riscos para a água, o ar, o solo, a fauna ou a flora", é, no entender da Comissão, suficientemente preciso para assegurar que os encargos dos operadores económicos passem a ser largamente equivalentes em todos os Estados-membros.
18 Importa sem dúvida admitir que determinadas disposições da directiva, nomeadamente as definições do artigo 1. , têm incidência no funcionamento do mercado interno.
19 Todavia, contrariamente ao sustentado pela Comissão, o simples facto de o estabelecimento ou o funcionamento do mercado interno serem afectados não basta para aplicar o artigo 100. -A do Tratado. Com efeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que não se justifica o recurso ao artigo 100. -A quando o acto a adoptar só acessoriamente tem por efeito harmonizar as condições do mercado na Comunidade (acórdão de 4 de Outubro de 1991, Parlamento/Conselho, C-70/88, Colect., p. I-4529, n. 17).
20 Verifica-se isto no caso presente. A harmonização prevista no artigo 1. da directiva tem por objectivo principal, no intuito de proteger o ambiente, garantir a eficácia da gestão de resíduos na Comunidade, independentemente da sua origem, e apenas acessoriamente afecta as condições da concorrência e do comércio. Por isso, distingue-se da Directiva 89/428/CEE do Conselho, de 21 de Junho de 1989, que estabelece as regras de harmonização dos programas de redução, tendo em vista a sua eliminação, da poluição causada por resíduos provenientes da indústria do dióxido de titânio (JO L 201, p. 56), objecto do acórdão "dióxido de titânio", já referido, e que tem em vista a aproximação das normas nacionais relativas às condições de produção num sector determinado da indústria, a fim de eliminar as distorções da concorrência no sector.
21 Nestas circunstâncias, deve considerar-se que a directiva impugnada foi validamente adoptada com base apenas no artigo 130. -S do Tratado. O fundamento da escolha de uma base jurídica errada deve, consequentemente, ser julgado improcedente.

Quanto ao artigo 18. da directiva ´

22 O Parlamento solicita a anulação do artigo 18. da Directiva 91/156 com o fundamento de que o procedimento do comité de regulamentação nela previsto não está em harmonia com o Tratado.
23 De acordo com o artigo 37. , terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça, as conclusões do pedido de intervenção devem limitar-se a sustentar as conclusões de uma das partes.
24 Cabe notar que, nas conclusões do seu recurso, a Comissão pede a anulação da Directiva 91/156, ao passo que, nas conclusões das suas alegações, o Parlamento pede a anulação do artigo 18. da directiva por fundamentos totalmente diversos dos invocados pela Comissão. Por isso, deve considerar-se que não têm o mesmo objecto que as da Comissão e, por conseguinte, devem ser julgadas inadmissíveis.
25 Conclui-se de quanto precede que deve ser negado provimento ao recurso.

Decisão sobre as despesas

Quanto às despesas
26 Por força do disposto no n. 2 do artigo 69. do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas. Nos termos do n. 4 do artigo 69. do mesmo regulamento, o Reino de Espanha e o Parlamento Europeu devem suportar as próprias despesas.

Parte decisória

Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA
decide:
1) O recurso é julgado improcedente.
2) A Comissão é condenada nas despesas. O Reino de Espanha e o Parlamento Europeu suportarão as próprias despesas.

0 comentários:


 

Copyright 2006| Blogger Templates by GeckoandFly modified and converted to Blogger Beta by Blogcrowds.
No part of the content or the blog may be reproduced without prior written permission.