Comentário ao Acórdão TC n.º 136/2005

No Acórdão sub judice está em causa a fiscalização concreta da constitucionalidade das normas constantes do artigo 10.º da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto (na redacção da Lei n.º 8/95, de 29 de Março) e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95, de 28 de Novembro.

Este recurso surge na sequência de A., organização ambientalista, ter visto indeferido o seu requerimento de intimação do Primeiro-Ministro a facultar-lhe o acesso a certidões referentes ao contrato outorgado entre o Estado Português e as empresas do grupo B., incluindo os respectivos Anexos e estudos técnicos, e, posteriormente, ter-lhe sido negado provimento ao recurso que interpôs perante o Tribunal Central Administrativo.

De acordo com a doutrina, todos os direitos fundamentais reconhecidos na Constituição podem ser limitados ou comprimidos por outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos que com eles conflituam. É impossível a previsão exaustiva das circunstâncias que podem dar lugar a conflitos deste tipo em virtude da imprevisibilidade das situações de vida.

O direito à informação é configurado como um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias enunciados na Constituição e sujeito ao respectivo regime (artigos 17.º e 18.º da CRP). Como tal, não é um direito absoluto e, assim, quando se encontra em coli¬são com outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, pode sofrer restrições, para além das expressamente previstas no n.º 2 do artigo 268.º da CRP. Porém, qualquer restrição ao direito à informação há de sempre res¬peitar os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade.

Ora no acórdão em análise trata-se de justificar constitucionalmente uma proibição de acesso a documentos que interessam ao titular do direito à tutela jurisdicional para avaliar a incidência ambiental e concorrencial do projecto de implantação de uma unidade industrial em Esposende.

Segundo a interpretação do Tribunal Constitucional, estamos perante um conflito entre um interesse dos investidores em manter reserva sobre as condições de realização de um investimento e o interesse de organizações ambientalistas em terem acesso a tais informações que o Estado Português se comprometeu, legal e contratualmente, a manter reservadas.

O Tribunal decidiu que estava justificada a restrição de acesso à informação, concluindo pela improcedência da arguição de inconstitucionalidade dirigida às normas do n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 65/93 (na redacção da Lei n.º 8/95) e do n.º 1 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 321/95.

Salvo o devido respeito, esta decisão não merece a nossa concordância, pelos motivos que passamos a apresentar.

(i) O Tribunal Constitucional desconsidera por completo a especialidade do direito à informação ambiental, enquanto vertente do direito à informação (em geral). É certo que ainda não se encontrava em vigor a Lei 19/2006 (LAIA), que regula o acesso à informação ambiental, mas o Tribunal tinha de considerar a Convenção de Aarhus, ratificada pela Assembleia da República em 2003, e também a Directiva nº 2003/4/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de Janeiro, relativa ao acesso do público às informações sobre ambiente, que, por sua vez, revogou a Directiva nº 90/313/CEE, do Conselho, de 7 de Junho. Há aqui, sem dúvida, um regime específico e mais exigente em matéria de informação ambiental, que foi completamente desconsiderado.

(ii) Há que reconhecer que os valores a pesar são, por um lado, o direito à informação em matéria de ambiente e, por outro lado, a preservação do segredo comercial, e não o interesse económico, como resulta da interpretação do Tribunal. O que significa que o que tem de ser comprovado é a justificação da recusa de acesso aos documentos e não a inexistência de prejuízo rele¬vante por causa da liberdade desse acesso.

(iii) Não houve efectiva ponderação dos interesses em presença. A exacta delimitação dos documentos que podem ser comunicados e dos que permanecem sob sigilo exige sempre uma cuidadosa ponderação do conflito de direitos e interesses constitucionalmente protegidos. O Tribunal não pode demitir se de efectuar esta ponderação casuística exigida pelo princípio da proporcionalidade, adequação e necessidade das restrições aos direitos fundamentais, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP. Impunha-se, pois, uma ponderação casuística minuciosa, documento a documento, para ser constitucionalmente admissível a restrição ao direito de acesso à informação previsto no artigo 268.º, n.º 2, da CRP.

(iv) O Tribunal não pode ignorar a importância decisiva que o acesso à informação ambiental tem para o efectivo exercício do direito e dever que a todos incumbe de defender um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, e do direito dos cidadãos de participação na prevenção e controlo da poluição e na correcta localização das actividades (artigo 66.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), da CRP).

(v) O Tribunal Constitucional desconsidera também totalmente o princípio da prevenção ambiental. De acordo com o que aprendemos a propósito dos princípios constitucionais em matéria de ambiente, é incompatível com a defesa dos valores ambientais a consideração de que “caso a laboração da empresa venha a provocar (ou a ameaçar provocar) danos ambientais”, então, sim, poder se á discutir a prevalência do direito ambiente.

Pelo exposto e no seguimento das Declarações de voto dos Conselheiros Mário José de Araújo Torres e Fernanda Palma, consideramos que a interpretação dada pelo Tribunal viola o princípio da proporcionalidade na restrição ao direito à informação, resultante das disposições conjugadas dos artigos 18.º, n.º 2, e 268.º, n.º 2, da CRP.

Por certo que esta decisão, nos dias de hoje, teria contornos bem diferentes, com a entrada em vigor da Lei n.º 46/2007 (LADA), de 24 de Agosto, que revogou a Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto. É, todavia, a Lei n.º 19/2006 (LAIA), de 12 de Junho, que introduz as alterações mais significativas nesta matéria. Nos termos do artigo 6.º da LAIA, as autoridades públicas estão obrigadas a disponibilizar ao requerente informação sobre ambiente, sem que este tenha de justificar o seu interesse, sendo que os fundamentos de indeferimento previstos no artigo 11.º da mesma Lei devem ser interpretados de forma restritiva pelas autoridades públicas, ponderando o interesse público servido pela divulgação da informação e os interesses protegidos que fundamentam o indeferimento. Em tudo o que não se encontrar especialmente regulado pela LAIA aplica-se subsidiariamente a LADA (artigo 18.º LAIA).

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