Nestes acórdãos está em causa a eventual retroactividade da norma restritiva do direito de propriedade introduzida pelo regime das Áreas Protegidas, porquanto as inibições que daí decorrem, após caducarem foram como que “renascidas” por via legislativa.
Estão em confronto dois institutos do nosso ordenamento jurídico: caducidade e proibição de restrições retroactivas aos direitos, liberdades e garantias e análogos.
A caducidade traduz-se na relevância jurídica conferida aos efeitos do decurso do tempo, a qual pode comportar um dos seguintes efeitos, ou consolida situações criadas à margem do direito, ou extingue posições jurídicas válidas pelo seu não exercício.
É esta segunda dimensão que aqui está em causa: Será que o executivo, não diligente, pode, por via legislativa, fazer renascer a sua habilitação para restringir o direito de propriedade?
Não podemos concordar com a passividade do julgador ao afirmar que o novo acto legislativo fez com que os diplomas anteriores nunca deixaram de produzir efeitos.
A ordem jurídica consagra, inquestionavelmente, um princípio de protecção ambiental, contudo também assegura certeza, segurança e confiança dos particulares.
Poder-se á questionar se, atendendo à importância do bem fundamental ao ambiente, não deverá ser este imune aos efeitos da caducidade. Porém, tal significa colocar nas mãos do executivo uma enorme valência, reforçada pelo seu duplo papel de administrador e legislador.
O princípio democrático exige unicidade e boa fé na actuação dos entes públicos, mormente do Governo eleito, sendo inadmissível o defraudar das expectativas legítimas dos particulares em virtude da falta de diligência do executivo.
A operação jurídica realizada pela prorrogação do prazo de caducidade comporta em si uma retroactividade sanadora, de duvidosa admissibilidade.
O suceder de decretos-lei demonstra a maleabilidade da lei permitida ao Governo, de um modo que nos faz reagir com estranheza à confiança do Tribunal na ausência de dúvidas sobre esta actuação.
O novo decreto-lei tem o intuito declarado, como o Tribunal reconhece, de “salvaguardar de imediato, as componentes aí mencionadas, mesmo relativamente aos prazos constantes dos instrumentos que já tiverem expirado”, procurando legitimar a inércia do Governo, provocando a inversão do padrão normativo ao tornar ilícito o que era lícito.
Também nos parece de não ignorar o efeito pernicioso que a desconsideração do novo Decreto-lei poderá provocar, como a susceptibilidade de lesões irreversíveis no Maio ambiente.
Contudo, a inércia do legislador leva-nos a questionar a legitimidade das restrições operadas sobre o direito dos proprietários afectados, uma vez que com a caducidade da classificação como Área Protegida deixaram de estar abrangidos pelo seu regime, actuando neste pressuposto.
A aceitação jurisdicional desta actuação vem comprovar que, independentemente de consagração legal, os proprietários em zonas de susceptível classificação como Área Protegida estão sempre limitados no exercício dos seus direitos. Tal é inadmissível, mas infelizmente acatado com pacatez em Portugal, confirmando as suspeitas de André Folque que, numa área cinzenta sobre o direito de propriedade, refere o proprietário que “antes de ser expropriado já o era”.
Concluindo, independentemente das considerações sobre o mérito da intenção do legislador ao prorrogar um prazo caducado, elevadas a critério principal do Tribunal nestas decisões, o controlo jurisdicional deveria atender ao caso concreto, em vez de elevar o executivo a garante máximo do ambiente, realidade inverosímil, atendendo à pouca motivação em garantir a protecção inquestionável das áreas que, pela sua especial importância, devam ser qualificadas como Áreas Protegidas.

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