Comentário ao Acórdão do TC n.º544/01

No Acórdão em análise, foi requerido ao julgador constitucional que averiguasse da constitucionalidade material do regime da Reserva Ecológica Nacional (REN), nomeadamente pela sua compatibilidade com o regime constitucionalmente previsto para as restrições a direitos, liberdades e garantias e direitos análogos (art.º18 CRP), nos quais se insere o direito de propriedade.
Independentemente da discussão em torno da inclusão do ius aedificandi no núcleo essencial do direito de propriedade, a qual se destina a outra sede, o próprio art.º62 CRP especifica que o exercício do direito de propriedade é assegurado nos termos da Constituição, a qual também define como incumbência do Estado a preservação dos recursos naturais e do equilíbrio ecológico (art.º81, al.m CRP), erigindo-o a tarefa estadual fundamental (art.º9, als.d) e e) CRP).
Assim, nunca poderia estar em causa a primeira parte do nº2 do art.º18 CRP, até porque tem sido defendida pela doutrina uma interpretação não demasiadamente dependente deste normativo, podendo afirmar-se, à semelhança do Prof. Jorge Miranda, que a restrição pode operar desde que fundamentada em princípios constitucionais angulares da Constituição, aos quais a protecção do ambiente indubitavelmente pertence.
Maior reserva suscita-nos o respeito pelo princípio da proporcionalidade, mormente enquanto princípio da necessidade (art.º18, nº2, 2ª parte CRP).
Como afirma o Prof. Gomes Canotilho, na articulação entre bens fundamentais dever-se-á prosseguir o princípio da concordância prática, o qual exige a limitação ao estritamente necessário da não actualização de um significado referente a um direito fundamental para assegurar um outro direito ou interesse constitucionalmente protegido que, no caso concreto, mereça maior protecção.
O regime da REN introduz a abolição de qualquer faculdade integrante no ius aedificandi para as áreas referidas no art.º4, n.º1, mas ainda condiciona administrativamente actuações insusceptíveis de prejudicar o equilíbrio ecológico (art.º4, nº2). Foi esta a restrição sujeita a recurso para o TC, porquanto a operação de loteamento em causa não contempla qualquer construção na faixa de 200 metros interiores à linha da praia-mar, logo julgamos criticável que uma prossecução “cega” dos valores ambientais justifique o indeferimento, na sua totalidade, da pretensão do particular. Poderia sempre, uma vez que é manos gravoso e conforme ao princípio da concordância prática, ter-se limitado a um indeferimento parcial, conciliando, proporcionalmente, promoção ambiental e direito de propriedade.
Ainda é de questionar a conformidade, no caso concreto, com o art.º18, nº3 CRP, especificamente no que se refere à proibição de retroactividade, porquanto foi admitida como matéria de facto pelo tribunal a prévia concessão de uma licença de construção. O TC entendeu que esta circunstância, apesar de gerar obrigação de indemnizar, não tem a virtualidade de transformar a essência do direito de propriedade, por forma a fazer nela incluir as faculdades de lotear e construir.
Qualquer que seja a posição que adoptemos a propósito da inclusão dos ius aedificandi no direito de propriedade, ela depende sempre de autorização constitutiva ou meramente declarativa desse direito, não se podendo negar a tutela da confiança que essa actuação acarreta em si, compreendendo-se assim as acusações do recorrente sobre violações dos princípio da igualdade, justiça, proporcionalidade e até prossecução do interesse público (o qual está intimamente relacionado com o dever de boa administração, obstando a actuações contraditórias dos poderes públicos).
Em conclusão, não consideramos, a priori, que o regime imposto pela REN constitua uma restrição inaceitável ao direito de propriedade. Porém, no caso em análise, entendemos ter havido uma insuficiente ponderação dos interesses públicos e privados em causa motivada pela conformação do julgador a um bem maior, o qual tem de ser objectivado em cada situação e não padronizado em prol do ambiente.

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