No acórdão em questão verifica-se um conflito de direitos, segredo industrial (defendido pelo Estado português) e o direito de acesso à informação ambiental (defendido por uma ONGA), sendo que o Tribunal constitucional deu prevalência ao primeiro em detrimento do segundo.

O direito de acesso à informação constitui um meio de defesa dos direitos dos cidadãos e, encontra-se consagrado no artigo 268º/1 e 2 da CRP, devendo ser conjugado com os artigos 9º/e) e 66º CRP, dado tratar-se de matéria ambiental. O CPA confere legitimidade para intervir no procedimento às “associações sem carácter político ou sindical” que tenham por fim a defesa dos interesses legalmente protegidos, no artigo 53º/1 e 61º/1 – direito de informação sobre o andamento dos processos, sendo que a lei nº 38/98 de 1/Julho prevê expressamente a legitimidade activa das ONGAS para defesa do ambiente, independentemente de interesse na demanda, segundo o artigo 10º da referida lei. Têm nos termos do artigo 5º um direito de acesso à informação ambiental – regulada pela lei nº 19/2006, artigo 6º.

“Artigo 9º da lei nº35/98
Meios e procedimentos administrativos
1 – As ONGA têm legitimidade para promover junto das entidades competentes os meios administrativos de defesa do ambiente, bem como para iniciar o procedimento administrativo e intervir nele, nos termos e para os efeitos do disposto na Lei nº 11/87, de 7 de Abril, no Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, e na Lei nº 83/95, de 31 de Agosto.”

No artigo 9º do CPTA prevê-se a legitimidade de os administrados recorrerem à tutela jurisdicional para a defesa dos seus interesses, nomeadamente, a defesa do ambiente, devendo conjugar-se este artigo com o artigo 268º/4 CRP, que consagra a tutela jurisdicional e o artigo 52º CRP com a lei nº 83/95, a lei de acção popular.

O Tribunal Constitucional considerou poder retirar-se o segredo industrial enquanto direito fundamental dos artigos 268º/2 da CRP em conjugação com o artigo 10º da lei nº 65/93 e o artigo 13º do DL 321/95 e ainda do nº2 do artigo 62º do CPA “os interessados têm direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial”, uma vez que o segredo industrial seria inerente ao direito à iniciativa privada. E, por outro lado, o Governo português ter-se-ia vinculado por uma cláusula contratual ao dever de sigilo. (cláusula esta cuja constitucionalidade poderia ser questionada)
A ONG alega que o acesso à informação é um instrumento essencial de protecção do direito à integridade física e mesmo do direito à vida, tendo em conta que as questões do ambiente são muito sensíveis e que existe uma máxima de que “in dubio pro ambiente” e que “vale mais prevenir do que remediar”, como diz um sábio ditado popular. Deve-se procurar a harmonização da evolução com o equilíbrio ambiental, segundo o princípio do desenvolvimento sustentável e o direito de todos a um ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de o defender – artigo 66º/1, CRP. E mais: “A defesa do ambiente opera-se fundamentalmente por acção preventiva (princípios da prevenção e da precaução), na medida em que os danos ambientais são frequentemente de natureza irremediável e grave”. Princípios estes que o acórdão em questão não ponderou, tendo considerado que após o inicio da actividade se veriam quais os impactos ambientais da sua actividade. E apenas seriam de admitir “em casos limitados restrições ao direito à informação dos particulares: quando estão em jogo poderosos interesses públicos”.

Julgo que a decisão do tribunal constitucional deveria ter sido diferente. No confronto entre dois direitos fundamentais deve prevalecer o que estiver mais directamente relacionado com a dignidade da pessoa humana, que no caso era o direito de acesso à informação ambiental. Seguindo a ideia de que os direitos fundamentais contêm conteúdos permissivos, proibitivos ou prescritivos e de que tais conteúdos podem não se actualizar em virtude da actualização do conteúdo de outro direito que mereça maior respeito, chegamos à conclusão, tendo em mente o princípio da dignidade da pessoa humana e de que o direito ao ambiente se pode ter como um direito pessoal, enquanto manifestação do direito ao desenvolvimento da personalidade (artigo 26º/1 da CRP), que o direito ao ambiente e todos os direitos a ele inerentes (como é o direito de acesso à informação ambiental) devem prevalecer face ao direito ao segredo industrial, Só devendo ser restringido quando um interesse superior estiver em causa. Se considerarmos os bens em causa, deverá um bem patrimonial sobrepor-se a um bem pessoal? Não me parece defensável que assim o seja. E, da análise do artigo 11º da LAIA pode retirar-se a conclusão de que no caso em apreço o direito à informação ambiental não poderia ter sido negado pela administração.

Artigo 11ºda LAIA:
"6—O pedido de acesso à informação pode ainda ser indeferido se a divulgação dessa informação prejudicar:
d) A confidencialidade das informações comerciais ou industriais, sempre que essa confidencialidade esteja prevista na legislação nacional ou comunitária para proteger um interesse económico legítimo, bem como o interesse público em manter a confidencialidade estatística ou o sigilo fiscal;
7—Os fundamentos de indeferimento referidos nas alíneas a), d), f), g) e h) do número anterior não podem ser invocados quando o pedido de informação incida sobre emissões para o ambiente.
8—Os fundamentos de indeferimento previstos no presente artigo devem ser interpretados de forma restritiva pelas autoridades públicas, ponderando o interesse público servido pela divulgação da informação e os interesses protegidos que fundamentam o indeferimento."

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